Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009412-18.2022.4.03.6000

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM CAMPO GRANDE MS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: LEANDRO DE FREITAS PADILHA

Advogado do(a) APELADO: OLAVO ABILIO RODRIGUES - MS24206-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009412-18.2022.4.03.6000

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM CAMPO GRANDE MS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: LEANDRO DE FREITAS PADILHA

Advogado do(a) APELADO: OLAVO ABILIO RODRIGUES - MS24206-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Cuida-se de agravo interno interposto por LEANDRO DE FREITAS PADILHA em face de decisão monocrática que deu provimento à apelação da União Federal, entendendo correta a aplicação da pena de perdimento de veículo.

 

Sustenta o agravante, em síntese, ser ilegal a decretação da pena de perdimento.

 

Intimada, a parte agravada apresentou resposta. 

 

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009412-18.2022.4.03.6000

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM CAMPO GRANDE MS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: LEANDRO DE FREITAS PADILHA

Advogado do(a) APELADO: OLAVO ABILIO RODRIGUES - MS24206-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

Pretende-se a restituição do veículo apreendido utilizado para o transporte de mercadorias introduzidas irregularmente no país (notas fiscais divergentes), sob o argumento da não contribuição do proprietário para a prática do ilícito e da desproporcionalidade entre e o valor do veículo apreendido e o valor das mercadorias apreendidas. 

 

A pena de perdimento está prevista nos artigos 96 e 104 do Decreto-lei nº 37/66: 

 

Art. 96 – As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente: 

I. perda do veículo transportador; 

II. perda da mercadoria; 

III. multa. 

 

Art. 104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos: 

... 

V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção; 

Parágrafo único. Aplicam-se cumulativamente: (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003) 

I - no caso do inciso II do caput, a pena de perdimento da mercadoria; (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003) 

II - no caso do inciso III do caput, a multa de R$ 200,00 (duzentos reais) por passageiro ou tripulante conduzido pelo veículo que efetuar a operação proibida, além do perdimento da mercadoria que transportar. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)” 

 

O Decreto nº 6.759, de 05/02/2009, por conseguinte, ao regulamentar a administração das atividades aduaneiras, fiscalização, controle e tributação das operações de comércio exterior, dispõe, verbis

 

“Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 104;Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 24; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 75, §4º): 

... 

V-quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade; 

 

Art. 689. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 105; e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, caput e § 1º, este com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59): [...] X - estrangeira, exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no País, se não for feita prova de sua importação regular;

 

Como visto, aplica-se a pena de perdimento ao veículo utilizado para transporte de mercadoria sujeita à mesma penalidade, tendo por fundamento o dano ocasionado ao erário, o qual não se limita a eventual prejuízo financeiro, mas pressupõe desrespeito à legislação e ao controle aduaneiro, em detrimento da política fiscal e alfandegária do país. 

 

Relativamente aos veículos conduzidos por terceiros, é certa a possibilidade de incidir a pena de perdimento que recai à mercadoria, ainda que não tenha o proprietário envolvimento direto no evento ilícito. Nesse sentido, destaco os seguintes arestos do C. Superior Tribunal de Justiça, in verbis

 

ADMINISTRATIVO - DECRETO-LEI 37/66 - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - NÃO OCORRÊNCIA - PENA DE PERDIMENTO DE VEÍCULO - APLICABILIDADE SE COMPROVADA A RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO NA PRÁTICA DO DELITO. 

1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 

2. "A pena de perdimento de veículo utilizado em contrabando ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a responsabilidade do proprietário na prática do delito" (Súmula 138 do extinto TFR). 

3. A pena de perdimento de veículo utilizado para conduzir mercadoria sujeita a mesma sanção está prevista no art. 96 do Decreto-Lei n.º 37/66, exigindo a norma, para a perfeita subsunção do fato à hipótese nela descrita, que o veículo esteja transportando "mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção" (art. 104, V). 

4. Tratando-se de dispositivo legal que disciplina, especificamente, a aplicação da pena de perdimento de veículo, a expressão "pertencer ao responsável pela infração" tem relação com o veículo transportador, e não com as mercadorias transportadas. 

5. Ainda que o proprietário do veículo transportador ou um preposto seu não esteja presente no momento da autuação, possível será a aplicação da pena de perdimento sempre que restar comprovado, pelas mais diversas formas de prova, que sua conduta (comissiva ou omissiva) concorreu para a prática delituosa ou, de alguma forma, lhe trouxe algum benefício (Decreto-Lei n.º 37/66, art. 95). 

6. Entendendo o Tribunal de origem que a empresa autora concorreu para a prática do ato infracional ou dele se beneficiou, não é possível rever essa conclusão em sede de recurso especial, por incidir o óbice da Súmula 7/STJ. 

7. A apreensão do veículo durante a tramitação do procedimento administrativo instaurado para averiguar a aplicabilidade da pena de perdimento constitui medida legítima, consoante os ditames do art. 131 do Decreto-Lei n.º 37/66. 

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido, prejudicado o pedido de antecipação da tutela recursal. 

(REsp n. 1.243.170/PR, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 11/4/2013, DJe de 18/4/2013.) 

 

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PENADEPERDIMENTO DE VEÍCULO. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. POSSIBILIDADE. 

1. As Turmas que compõem a Primeira Seção deste STJ firmaram entendimento no sentido de que a penadeperdimento por transporte de mercadorias objeto de descaminho ou contrabando pode atingir os veículos sujeitos ao contrato de alienação fiduciária ou de arrendamento mercantil, independentemente da participação do credor fiduciário ou arrendante no evento ilícito. Precedentes: EREsp 1.240.899/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 14/6/2017, DJe 30/6/2017; AgInt no REsp 1.726.032/MS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 16/3/2020, DJe 27/3/2020; REsp 1.628.038/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 5/11/2019, DJe 18/11/2019. 

2. Agravo interno não provido.” 

(AgInt no REsp n. 1.692.944/MS, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 1/7/2020) 

 

“TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. VEÍCULO OBJETO DE CONTRATO DE LEASING. PENADEPERDIMENTO. CABIMENTO. 

1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, ‘aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC’. (Enunciado Administrativo n. 3). 

2. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual ‘é admitida a aplicação da penadeperdimento de veículo objeto de alienação fiduciária ou de arrendamento mercantil, independentemente da participação do credor fiduciário ou arrendante no evento que deu causa à pena’ (EREsp 1.240.899/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/06/2017, DJe 30/06/2017). 

3. Agravo interno desprovido.” 

(AgInt no REsp n. 1.726.032/MS, Relator Ministro Gurgel de Faria, DJe de 27/3/2020) 

 

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDES EM LICITAÇÕES. VERBAS PÚBLICAS. DESVIOS. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA SUPREMA CORTE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DO ENUNCIADO N. 284 DA SÚMULA DO STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO DA SÚMULA N. 211/STJ. INCIDENTE DE FALSIDADE. SUSPENSÃO DO PROCESSO PRINCIPAL. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. AGRAVO INTERNO. ALEGAÇÕES DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO. INEXISTENTES. 

I - Na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada pela Bradesco Administradora de Consórcio Ltda. contra a União (Fazenda Nacional) pretendendo anular o auto de infração que culminou na apreensão e aplicação da pena de perdimento do veículo, sob a alegação de ser proprietário indireto, em razão do contrato de alienação fiduciária. 

II - Na sentença, julgou-se procedente o pedido para declarar nulo o ato de perdimento do bem, determinando-se a sua devolução e fixando-se honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da divida remanescente do financiamento. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida. Nesta Corte, deu-se provimento ao recurso especial da União para julgar improcedente o pedido inicial, invertendo-se os honorários advocatícios. 

III - Com relação à alegada violação dos arts. 94, 95 e 105 do Decreto-Lei n. 37/66 e dos arts. 123 e 136 do CTN, com razão a recorrente União, dado que o aresto vergastado encontra-se em dissonância com a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de ser admitida a aplicação da penadeperdimento de veículo objeto de alienação fiduciária ou de arrendamento mercantil, independentemente da participação do credor fiduciário ou arrendante no evento que deu causa à pena. A esse respeito, os seguintes julgados: REsp n. 1.694.124/SC, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Julgamento em 16/11/2017, DJe 19/12/2017 e AgInt no REsp 1.240.899/SC, Relator Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, Julgamento em 17/11/2016, DJe 30/11/2016. 

IV - Quanto à alegação de violação do art. 1.022 do CPC/2015, verifica-se que o acolhimento da pretensão recursal relacionada à possibilidade de apreensão de veículo objeto alienação fiduciária torna desnecessária a análise de suposta omissão do recurso especial quanto à jurisprudência firmada nesta Corte a respeito do tema. 

V - Observado que o entendimento aqui consignado, lastreado na jurisprudência, é prevalente no Superior Tribunal de Justiça, aplica-se o enunciado da Súmula n. 568/STJ, nestes termos: ‘O relator, monocraticamente e no STJ, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.’ 

VI - Agravo interno improvido.” 

(AgInt no REsp n. 1.827.362/MS, Relator Ministro Francisco Falcão, DJe de 10/3/2020) 

 

Assim colocada a questão, para afastar a incidência do perdimento, deve o proprietário do veículo comprovar ter procedido cuidado e correção, o que não ocorreu no presente caso. 

 

Sabe-se que o Estado do Mato Grosso do Sul é uma das principais rotas de contrabando e descaminho de mercadoria trazida de países vizinhos como Bolívia e Paraguai, justamente pela localização próxima às suas fronteiras. Anualmente, a apreensão de mercadoria introduzida ilicitamente em território nacional movimenta milhões de reais e isso lesa o erário de forma patrimonial e sistêmica, situação que não pode ser ignorada. 

 

Sem embargo do entendimento de que o transportador não teria como prever a regularidade das mercadorias transportadas, a adoção de cuidados mínimos no momento de verificar a idoneidade dos bens transportados faz parte de qualquer negócio. 

 

E, nesse quadro, é recorrente a utilização de veículos para a prática de atos lesivos à Administração Aduaneira, fato que, evidentemente, é de conhecimento da parte agravante. 

 

Dessa forma, como bem pontuado na decisão agravada, ao aceitar transportar caixas lacradas sem ciência do respectivo conteúdo, o transportador assumiu o risco de concorrer para a conduta ilícita. Ora, caberia ao motorista exigir que o contratante do frete demonstrasse a correspondência entre o conteúdo a ser transportado e as notas fiscais, ainda que por amostragem. Houve indubitável falta do dever de cautela

  

Anote-se que a legislação aduaneira também não condiciona a aplicação da pena de perdimento a que seja comprovada a intenção ou o dolo do proprietário do veículo em lesar o Fisco, nos termos do disposto no Código Tributário Nacional em seu artigo 136: 

 

“Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infração da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato” 

 

Todas essas peculiaridades descaracterizam a presunção de boa-fé por parte do agravante, porquanto não demonstrada conduta zelosa e diligente, tampouco probidade a nortear os atos que culminaram no perdimento da mercadoria e do veículo. 

 

No mesmo sentido aqui esposado, esta e. Turma já decidiu que a mera conduta de dispor veículo próprio para o fim em questão já seria razão lídima para que o interessado seja responsabilizado pelo dano causado ao Erário, porquanto quem disponibiliza o veículo, seja a título gratuito ou oneroso, assume o ônus pelos danos causados pelo condutor e demais passageiros A responsabilidade do proprietário do veículo transportador, quando este não é o dono da mercadoria, demonstra-se através de indícios de falta de boa-fé. No caso, verifica-se que, a despeito de a empresa locadora de veículos, agravada, não possuir o dever legal de, antes de proceder a uma contratação, averiguar em minúcias toda a vida pregressa da outra parte interessada, não obstante aduzir que desconhecia que o veículo seria utilizado para o fim de transportes das mercadorias de forma irregular, há necessidade de justificação de sua omissão ao não efetuar simples consulta ao COMPROT, aberto a consulta pública, onde, no caso em tela, já constava que a pessoa locatária do carro ora em análise tinha prévios registros de contrabando de mercadorias em seu desfavor. Ou seja: à época da celebração do referido contrato, o locatário já possuía registros de apreensões de mercadorias em seu desfavor, o que implicava riscos adicionais à celebração da locação, e esses dados, mais uma vez de se repetir, estavam ao pleno alcance da locadora, ora recorrida (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5012534-65.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 22/02/2021, Intimação via sistema DATA: 02/03/2021) 

 

Por fim, entendo que não houve violação ao princípio da proporcionalidade no presente caso, tomando-se como parâmetro apenas a comparação entre o valor das mercadorias apreendidas e o do veículo perdido. Isso porque as normas aduaneiras em vigor visam justamente minar os recursos econômicos daqueles que promovem o contrabando e/ou o descaminho, numa tentativa de torná-los inviáveis, independentemente do espaço compreendido entre os valores das mercadorias apreendidas e do veículo transportador. 

 

Ademais, permitir a liberação de veículo em casos onde se observa grande diferença entre o valor do veículo e o valor das mercadorias sujeitas ao perdimento faz com que se crie uma situação de injustificável quebra de isonomia, na medida em que permite a atribuição de tratamento distinto entre situações idênticas (importação irregular de mercadorias mediante utilização de veículos automotores), baseado apenas no valor do veículo. 

 

Em que pese a existência de respeitáveis julgados que acolhem a tese do impetrante, entendo, com a devida vênia, que o fator erigido em critério de discrímen normativo não se mostra compatível com os fins sociais da norma (art. 5º da LINDB), ao permitir a liberação de veículos de custo elevado e a manutenção da pena de perdimento de veículos de custo reduzido, não obstante tenham a mesma destinação ilícita. 

 

No caso busca-se a proteção ao erário com o recolhimento dos tributos devidos em razão da internalização das mercadorias estrangeiras, razão pela qual deve preponderar o princípio da legalidade atrelada à realidade dos fatos. 

 

Nesse sentido já se manifestou esta Corte Regional Federal, in verbis

 
 
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. ADUANEIRO. INTRODUÇÃO IRREGULAR DE MERCADORIA ESTRANGEIRA. PENA DE PERDIMENTO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR. NÃO COMPROVAÇÃO DE BOA FÉ. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. AFASTADO. APELAÇÃO DESPROVIDA. 
- A legislação aduaneira (artigos 94, 95, 96 e 104 do Decreto-Lei 37/66 e artigos 674 e 688 do Decreto 6.759/2009), prevê que o proprietário e o consignatário do veículo respondem pela infração decorrente do exercício de atividade própria realizada por ele, ou de ação ou omissão de seus tripulantes, com possibilidade de aplicação da pena de perdimento. 
- A aplicação da pena de perdimento não é condicionada, pela legislação aduaneira, à comprovação da intenção ou do dolo do proprietário do veículo em lesar o Fisco, podendo ser a responsabilidade tanto por dolo quanto por culpa, nos termos do disposto no Código Tributário Nacional em seu artigo 136: “Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infração da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.” 
- Todos os aspectos valorativos do caso e as circunstâncias que envolvem a apreensão do veículo, dentre outros elementos desfavoráveis no contexto fático, não comprovam a boa-fé da proprietária, justificando a incidência da pena de perdimento, posto que, inegavelmente, o veículo de sua propriedade foi utilizado no transporte de mercadorias sem a devida documentação fiscal. Os argumentos trazidos nas razões de apelação não são suficientes a afastar a pena aplicada, e tampouco fazer incidir o princípio da proporcionalidade a fim de que o veículo seja liberado. Precedentes. 
- Majoração dos honorários advocatícios em 1% sobre o valor anteriormente arbitrado. 
- Recurso de apelação não provido. 
(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001607-67.2020.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 11/12/2023, DJEN DATA: 15/12/2023) 

 

No mais, de acordo com o auto de infração (id. 280744407 e 280744410), as mercadorias foram avaliadas em R$ 559.364,92 (quinhentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e sessenta e quatro reais e noventa e dois centavos), enquanto que o veículo foi avaliado em R$ 207.466,00 (duzentos e sete mil, quatrocentos e sessenta e seis reais).

 

Destarte, deve ser mantida a decisão in totum.

 

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. 

 

É como voto. 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO.  ARTIGO 932 DO CPC/2015. INTRODUÇÃO IRREGULAR DE MERCADORIA ESTRANGEIRA. VEÍCULO TRANSPORTADOR. RESPONSABILIDADE. PENA DE PERDIMENTO. APLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. IRRELEVÂNCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. No caso em concreto, pretende-se a restituição do veículo apreendido utilizado para o transporte de mercadorias introduzidas irregularmente no país (notas fiscais divergentes), sob o argumento da não contribuição do proprietário para a prática do ilícito e da desproporcionalidade entre e o valor do veículo apreendido e o valor das mercadorias apreendidas.

2. Aplica-se a pena de perdimento ao veículo utilizado para transporte de mercadoria sujeita à mesma penalidade, tendo por fundamento o dano ocasionado ao erário, o qual não se limita a eventual prejuízo financeiro, mas pressupõe desrespeito à legislação e ao controle aduaneiro, em detrimento da política fiscal e alfandegária do país (artigos 96 e 104 do Decreto-lei nº 37/66 e 688 e 689 do Decreto nº 6.759/2009).

3. Sem embargo do entendimento de que o transportador não teria como prever a regularidade das mercadorias transportadas, a adoção de cuidados mínimos no momento de verificar a idoneidade dos bens transportados faz parte de qualquer negócio. 

4. A legislação aduaneira também não condiciona a aplicação da pena de perdimento a que seja comprovada a intenção ou o dolo do proprietário do veículo em lesar o Fisco, nos termos do disposto no Código Tributário Nacional em seu artigo 136.

5. As peculiaridades do caso descaracterizam a presunção de boa-fé por parte do agravante, porquanto não demonstrada conduta zelosa e diligente, tampouco probidade a nortear os atos que culminaram no perdimento da mercadoria e do veículo.

6. Não houve violação ao princípio da proporcionalidade no presente caso, tomando-se como parâmetro apenas a comparação entre o valor das mercadorias apreendidas e o do veículo perdido. Isso porque as normas aduaneiras em vigor visam justamente minar os recursos econômicos daqueles que promovem o contrabando e/ou o descaminho, numa tentativa de torná-los inviáveis, independentemente do espaço compreendido entre os valores das mercadorias apreendidas e do veículo transportador.

7. Ademais, de acordo com o auto de infração, as mercadorias foram avaliadas em R$ 559.364,92 (quinhentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e sessenta e quatro reais e noventa e dois centavos), enquanto que o veículo foi avaliado em R$ 207.466,00 (duzentos e sete mil, quatrocentos e sessenta e seis reais). 

8. Agravo interno não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
SAMUEL DE CASTRO BARBOSA MELO
JUIZ FEDERAL