Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000416-51.2021.4.03.6324

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA

APELADO: F. A. CLINICA DE ESTETICA LTDA

Advogados do(a) APELADO: FELIPE RUBIO CABRAL - SP356376-N, JORGE TIBIRICA COUTO RINCON - GO17841-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000416-51.2021.4.03.6324

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA

APELADO: F. A. CLINICA DE ESTETICA LTDA

Advogados do(a) APELADO: FELIPE RUBIO CABRAL - SP356376-N, JORGE TIBIRICA COUTO RINCON - GO17841-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Cuida-se de ação de conhecimento ajuizada por F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI em face de ANVISA, com objetivo de assegurar a prestação de serviço de bronzeamento artificial com finalidade estética.

A sentença  julgou parcialmente procedente o pedido para declarar  a inconstitucionalidade da Resolução nº 56/2009 da ANVISA e, por conseguinte, assegurar o direito da autora (matriz e filiais) de fornecer o serviço de bronzeamento artificial por radiação UV, mesmo com a finalidade estética, sem prejuízo, contudo, de se submeter a regramentos futuros que permitam a atividade. Determinou à ré arcar com os honorários advocatícios, os quais forma fixados em 10% do valor do causa atualizado, nos termos do artigo 85, § 3º, I e II c/c artigo 86, parágrafo único, ambos do CPC/2015. 

 Em apelação, a ANVISA pugna pela reforma do decisum.

Por decisão monocrática, foi dado provimento à apelação.

Em agravo interno, a parte impetrante sustenta descabimento do julgamento monocrático.  Aduz, também, extrapolar a Resolução nº 56/2009 da ANVISA o poder regulamentar autárquico e violar o direito constitucional de livre exercício de atividade econômica, bem assim os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 A ANVISA, em contrarrazões, pugna pela manutenção da decisão.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000416-51.2021.4.03.6324

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA

APELADO: F. A. CLINICA DE ESTETICA LTDA

Advogados do(a) APELADO: FELIPE RUBIO CABRAL - SP356376-N, JORGE TIBIRICA COUTO RINCON - GO17841-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 A apelação foi examinada pela decisão monocrática nos termos a seguir:

 

Trata-se de APELAÇÃO interposta pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA) contra a sentença de parcial procedência da AÇÃO ORDINÁRIA ajuizada pela empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI, objetivando a autorização prestação de serviço de bronzeamento artificial com finalidade estética.

 

Consoante a inicial, em apertada síntese,

 

- a empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI, em São José do Rio Preto/SP, era filial da BANNY’S CABELEIREIROS LTDA, que possui o direito de fornecer o serviço de bronzeamento artificial, com finalidade estética, por força da declaração de nulidade da Resolução nº 56/2009 da ANVISA – que proíbe em todo o território nacional a importação, recebimento em doação, aluguel, comercialização e o uso dos equipamentos para bronzeamento artificial com finalidade estética, baseados na emissão de radiação ultravioleta – nos autos da ação ordinária nº 0006475.34.2010.4.03.6100/25ª Vara Federal de São Paulo/SP;

 

- no intuito de conquistar sua independência, a empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI ajuizou a ação ordinária nº 1016366-57.2019.8.26.0576/2ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de São José do Rio Preto/SP, que declarou a inconstitucionalidade da Resolução nº 56/2009 da ANVISA e condenou o Município de São José do Rio Preto/SP a lhe fornecer licença/alvará para funcionamento como empresa autônoma e se abster de aplicar sanções relativas ao fornecimento de serviço de bronzeamento artificial com finalidade estética;

 

- agora a empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI deseja expandir seus negócios por todo o território nacional e necessita da extensão do direito obtido na ação ordinária nº 1016366-57.2019.8.26.0576/2ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de São José do Rio Preto/SP para as suas filiais;

 

- a Resolução nº 56/2009 é inconstitucional, pois a ANVISA extrapola os limites do poder regulamentar; não evidências de que os equipamentos para bronzeamento artificial são cancerígenos; não há lei que proíba o bronzeamento artificial; viola o livre exercício da atividade econômica.

 

Requereu-se a concessão de medida liminar e, no mérito, e declaração de que o direito obtido na ação ordinária nº 1016366-57.2019.8.26.0576/2ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de São José do Rio Preto/SP seja estendido para todo o território nacional, autorizando a requerente e suas filiais atuais e futuras a fornecerem o serviço de bronzeamento artificial com finalidade estética, por emissão de raios ultravioletas. Deu-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (ID 281261539).

 

Em 28/11/2021, o feito foi redistribuído a 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP (ID 281261576).

 

A ANVISA apresentou contestação e a autora réplica (ID 281261669, ID 281261766).

 

A tutela de urgência foi indeferida (ID 281261768).

 

Em 7/7/2023 foi proferida a sentença de parcial procedência:

 

...Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC/2015, para DECLARAR INCONSTITUCIONAL A RESOLUÇÃO RDC 56/2009, da ANVISA e, por conseguinte, declarar o direito da autora (matriz e filiais) em fornecerem o serviço de bronzeamento artificial por radiação UV, mesmo com a finalidade estética, sem prejuízo, contudo de se submeter a regramentos futuros que permitam a atividade.

Presente a prova inequívoca suficiente para caracterizar a verossimilhança da alegação, não apenas em sede de cognição sumária, mas exauriente, conforme demonstrado na fundamentação, e também o perigo na demora, este caracterizado pela inviabilidade de funcionamento da empresa autora e suas filiais em outras cidades, defiro a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, para afastar os efeitos da Resolução RDC 56/2009, da ANVISA, nos termos do art. 300 do CPC/2015.

Ante a sucumbência mínima da autora, arcará a ré com os honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor da causa atualizada, nos termos do artigo 85, § 3º, I e II c/c artigo 86, parágrafo único, ambos do CPC/2015. 

Custas pela ré, em reembolso (art. 4º, parágrafo único da Lei nº 9.289/96).

Deixo de determinar o reexame necessário, nos termos do artigo 496, § 3º do CPC/2015...

(ID 281261896)

 

A ANVISA, nas razões de apelação, requer a improcedência alegando que (1) possui poder de polícia sanitária e atua com base no princípio da precaução; (2) a Resolução nº 56/2009 decorreu de estudos e dados científicos evidenciando que a utilização de equipamento de bronzeamento artificial com emissão de radiação ultravioleta pode ser danosa à saúde, aumentando os riscos para cânceres, principalmente o de pele; lesões cutâneas e oculares; fotoenvelhecimento; queimaduras;    (3) a Resolução nº 56/2009 foi precedida de ampla consulta pública; (4) o TRF3R já reconheceu a legalidade da Resolução nº 56/2009 (ID 281261898).

 

A empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI, nas contrarrazões, pugna pela manutenção da sentença (ID 281261902).

 

Em 18/10/2023, o feito foi distribuído nessa Corte a minha relatoria.

 

É o relatório.

 

DECIDO

 

O caso dos autos permite julgamento monocrático, que encontra amplitude nos princípios que se espraiam sobre todo o cenário processual, como os da eficiência e da duração razoável do processo, não havendo que se aventar hipóteses de violação ao princípio da colegialidade ou de cerceamento de defesa, diante da possibilidade de controle do decisum por meio de agravo interno.

 

Consoante o Juízo a quo,

 

- não há prova de que a empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI, em São José do Rio Preto/SP, é filial da empresa BANNY’S CABELEIREIROS LTDA e, por conseguinte, beneficiária da sentença proferida na ação ordinária nº 0006475.34.2010.4.03.6100/25ª Vara Federal de São Paulo/SP, que declarou de nulidade da Resolução nº 56/2009 da ANVISA;

 

- a sentença proferida na ação ordinária nº 1016366-57.2019.8.26.0576/2ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de São José do Rio Preto/SP, ajuizada pela empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI contra o MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DE RIO PRETO/SP, não faz coisa julgada contra a ANVISA, que não participou da relação processual;

 

- extrai-se da inicial, bastante confusa, que a empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI objetivava nesse feito a declaração da inconstitucionalidade/ilegalidade da Resolução nº 56/2009 da ANVISA, principalmente por extrapolação do poder regulamentar e  violação ao livre exercício da atividade econômica  (ID 281261896).

 

Assim, a sentença de primeiro grau declarou a inconstitucionalidade da Resolução nº 56/2009 da ANVISA e, nessa esteira, o direito da empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI e das suas filiais de fornecerem o serviço de bronzeamento artificial com finalidade estética, por emissão de raios ultravioletas, sem prejuízo de se submeterem a regramentos futuros que permitam a atividade (ID 281261896).

 

A sentença ainda deferiu a antecipação da tutela para afastar os efeitos da Resolução nº 56/2009 da ANVISA, permitindo o funcionamento da empresa F.A. CLÍNICA DE ESTÉTICA – EIRELI e das suas filiais (ID 281261896).

 

Ou seja, a questão de fundo dessa lide diz respeito à validade da Resolução nº 56/2009 da ANVISA no ordenamento jurídico pátrio.

 

A ANVISA, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde com atuação em todo território nacional, foi criada pela Lei nº 9.782/1999, tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados, possuindo – para tanto – poder de polícia regulamentar:

 

Lei nº 9.782/1999

Art. 7º  Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

...

III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;

...

XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

...

Art. 8º  Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

§ 1º  Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:

...

XI - quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por engenharia genética, por outro procedimento ou ainda submetidos a fontes de radiação.

...

§ 4º  A Agência poderá regulamentar outros produtos e serviços de interesse para o controle de riscos à saúde da população, alcançados pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.

 

E foi com base neste poder de polícia regulamentar que – após ampla consulta pública com a participação de cidadãos e representantes de associações, organizações e órgãos governamentais, dentre os quais o Ministério da Saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), os órgãos de vigilância sanitária estaduais, a Associação Brasileira dos Profissionais de Bronzeamento (ABB), e baseada em evidências científicas consolidadas – a ANVISA publicou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 56/2009, que  proíbe em todo território nacional o uso dos equipamentos para bronzeamento artificial, com finalidade estética, baseada na emissão da radiação ultravioleta (UV), nos seguintes termos:

   

Art.1º Fica proibido em todo o território nacional a importação, recebimento em doação, aluguel, comercialização e o uso dos equipamentos para bronzeamento artificial, com finalidade estética, baseados na emissão de radiação ultravioleta.

§ 1º Os equipamentos para bronzeamento artificial considerados nesta resolução são os aparelhos emissores de radiação ultravioleta (UV) destinados ao bronzeamento artificial estético. § 2º A proibição não se aplica aos equipamentos com emissão de radiação ultravioleta, registrado ou cadastrado na ANVISA conforme regulamento sanitário aplicável, destinados a tratamento médico ou odontológico supervisionado.

Art. 2º Revoga-se a Resolução RDC nº 308, de 14 de novembro de 2002.

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Consequentemente, a ANVISA não extrapolou o seu poder de polícia regulamentar, ainda mais quando se sabe que a Resolução nº 56/2009 foi pautada em estudos que demonstraram relação direta da exposição aos raios ultravioleta e a ocorrência de câncer de pele, fazendo com que a International Agency for Research on Cancer (IARC) reclassificasse os raios UV dos equipamentos para bronzeamento artificial como carcinogênico para humanos, ainda em 2009. Reforça esse entendimento a nota técnica sobre esse tema publicada pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD):

 

Nota técnica

Riscos do bronzeamento para a pele

Sociedade Brasileira de Dermatologia

O bronzeamento acontece pelo aumento da liberação de melanina na pele, um pigmento responsável pela cor. Além de um efeito cosmético, a exposição a radiação ultravioleta do sol e de as câmaras de bronzeamento, danifica o DNA das células da pele. Ao longo da vida, seja no trabalho, nos momentos de lazer este dano é cientificamente reconhecido.
O bronzeamento artificial está proibido no Brasil, baseado em estudos científicos que comprovam associação das câmaras de bronzeamento ao aumento do risco de câncer de pele. O mais frequente é o carcinoma basocelular, mas também o espinocelular e melanoma, que podem se disseminar para outros órgãos, levando ao óbito, também aumentam. Tal dado torna-se mais preocupante, uma vez que não é possível determinar um nível de exposição seguro ao uso de tais equipamentos.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA declarou que não existem benefícios que contraponham os riscos decorrentes do uso dos equipamentos para bronzeamento artificial estético. Esta decisão está em consonância com um alerta emitido pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 2009, que classificou a exposição aos raios ultra violeta das câmaras de bronzeamento como cancerígenas.
No Brasil, a estimativa para o do triênio 2023-2025 é de 220.490 casos de câncer de pele por ano, ou seja, aproximadamente 661 mil novos casos ao final do período. Nesse sentido, vale ressaltar que a exposição ao bronzeamento artificial, apenas uma vez na vida, aumenta cerca de 20% de chance de desenvolver o melanoma, o mais temido dos cânceres de pele. O risco aumenta para 59% quando usado antes de 35 anos.
O tratamento de escolha do câncer de pele é a cirurgia para retirada da lesão, o que pode deixar cicatrizes, principalmente em áreas expostas, como a face, trazendo preocupações estéticas e psicológicas. O dermatologista é o profissional que estudou medicina por seis anos, fez residência médica nessa especialidade por ao menos mais três anos e atende diariamente um número crescente de pessoas com lesões pré-cancerosas e câncer de pele e possui o dever ético de alertar sobre as repercussões da exposição ao ultravioleta. A pele bronzeada não é sinônimo de saúde ou beleza, apesar dos apelos relacionados a um hábito saudável, ações antidepressivas e aparência atraente, e até de aumentar a produção de vitamina D.

(https://www.sbd.org.br/consequencias-do-bronzeamento-para-a-pele-nota-tecnica-sbd/)

 

Ademais, no sentido da legalidade da norma, é a posição do STJ:

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ANVISA. PODER DE POLÍCIA SANITÁRIO. DEVER DE NORMATIZAR, DISCIPLINAR, CONTROLAR, FISCALIZAR E PUNIR SERVIÇOS QUE ENVOLVAM RISCOS À VIDA E À SAÚDE. EQUIPAMENTOS PARA BRONZEAMENTO ARTIFICIAL. PROIBIÇÃO. ILICITUDE DA NORMA DA AVISA NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTO AUTÔNOMO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ALÍNEA "C". NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.

1. Hipótese em que o Tribunal Regional consignou que "a ANVISA possui a atribuição, legalmente conferida, de proteger a saúde da população, mediante normatização, controle e fiscalização de produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde, podendo, assim, restringir ou mesmo proibir o uso de determinados equipamentos que coloquem em risco o bem que objetiva proteger."

2. O acórdão utilizou, corretamente, vários argumentos para embasar seu decisum. Tal fundamentação múltipla não foi inteiramente atacada pela parte recorrente. Aplicam-se, por analogia, os óbices das Súmulas 284 e 283 do STF, ante a deficiência na motivação e a ausência de impugnação de fundamento autônomo. No mais, a revisão do entendimento adotado no acórdão recorrido implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ.

3. Diante da enorme diversidade e complexidade de riscos, em permanente mutação, à saúde e à segurança das pessoas e do seu ambiente, é amplo o poder da ANVISA para expedir normas destinadas a proteger esses bens jurídicos primordiais estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, aí incluída a competência para determinar a proibição total de fabricação, comercialização e consumo de produtos e serviços. Se a vida e a saúde vêm qualificados, inclusive na Constituição, como direitos fundamentais e inalienáveis, caracterizaria despropósito ou ato irracional atribuir ao mercado, e não a órgão altamente especializado, a responsabilidade de normatizar, disciplinar, controlar, fiscalizar e punir atos e práticas que ameacem a ordem pública sanitária.

4. Com relação ao dissídio jurisprudencial, a divergência deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles.

5. Recurso Especial não provido.

(STJ - REsp n. 1.571.653/SC, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe de 28/8/2020)

 

E desse TRF3R:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA SANITÁRIO. DEVER DE NORMATIZAR, DISCIPLINAR, CONTROLAR, FISCALIZAR E PUNIR SERVIÇOS QUE ENVOLVAM RISCOS À VIDA E À SAÚDE. EQUIPAMENTOS PARA BRONZEAMENTO ARTIFICIAL. PROIBIÇÃO. RESOLUÇÃO N° 56/2009. ILICITUDE DA NORMA DA AVISA NÃO CONFIGURADA. AGRAVO IMPROVIDO.

I - Para além da fundamentação da decisão proferida pelo então relator, Juiz Federal Convocado Renato Becho, não impugnada pela agravante e que indeferiu a antecipação da tutela recursal, aduzindo que não se verifica “fumus boni iuris”e “periculum in mora" a autorizar a antecipação da tutela recursal pretendida, na medida em que a própria parte agravante admite não ter sofrido qualquer ação por parte da agravada, no sentido de impedir o exercício de sua atividade econômica, a decisão proferida pelo juízo de origem não merece reforma.

II - Cumpre destacar as razões apresentadas em contestação pela ANVISA nos autos de origem, segundo a qual a sentença vigente nos autos 0001067-62.2010.403.6100 se aplica à categoria ou classe profissional representada pelo SEEMPLES, mas daqueles que ostentam condição de associado o que não é o caso da autora.

III - Referiu que a livre iniciativa e a concorrência não prescindem da segurança sanitária nem se sobreleva à saúde pública. A ANVISA tem como finalidade e atribuições as que a Lei nº 9.782/99 lhe confere nos termos de seu art. 6º, art. 8º, § 1º, XI e § 4º, art. 12 e art. 25, bem como do art. 2º da Lei 8.080/90.

IV - Discorreu que a utilização de equipamento de bronzeamento artificial gera evidente a existência de risco à saúde da população, considerando os recentes estudos e dados científicos apresentados pela comunidade internacional, a autorizar o exercício pela ANVISA do seu Poder Normativo editando a Resolução RDC nº 56/09.

V - Prosseguiu relatando que no caso específico do uso das câmaras de bronzeamento, o papel da ANVISA no controle sanitário é também o de constante acompanhamento da evolução de estudos científicos de centros de pesquisas em todo o mundo, bem como o acompanhamento das deliberações de Órgãos das Nações Unidas na área da saúde, como a Organização Mundial da Saúde – OMS e de seus órgãos auxiliares, como International Agency for Research on Câncer – IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer), sobre o uso desses equipamentos.

VI - Elencou os princípios riscos à saúde envolvidos na exposição cumulativa aos raios UV e, portanto, à prática de bronzeamento artificial: 1. Câncer de Pele - a exposição cumulativa aos raios UV aumenta o risco de câncer de pele. 2. Envelhecimento da pele - a exposição exagerada à radiação UV, no curto prazo, provocam, queimaduras, fragilidade e cicatrizes, e em longo prazo um envelhecimento da pele, verificável pelo aparecimento de rugas e na perda de elasticidade cutânea. 3. Lesões oculares: a exposição exagerada à radiação UV, em curto prazo, sobre os olhos provocam fotoqueratite, inflamação da córnea e da íris, fotoconjuntivite. Os efeitos da exposição, em curto prazo, podem ocasionar catarata, pterigium (excrescência opaca, branca ou leitosa, fixada na córnea) e carcinoma epidérmico da conjuntiva.

VII - Com efeito, as razões aduzidas pela agência reguladora, ao menos na presente fase processual, não demandam maiores tergiversações, notadamente por estarem em estrita consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Fedeal da 3ª Região (Precedentes: (STJ, REsp 1.571.653/SC; TRF3, ApCiv 0008253-87.2011.4.03.6105; TRF3, ApCiv 0002246-40.2010.4.03.6000).

VIII - Agravo de instrumento improvido.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5033088-50.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 15/08/2023, Intimação via sistema DATA: 16/08/2023)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA - EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA UTILIZAÇÃO DE CÂMARA DE BRONZEAMENTO ARTIFICIAL - PODER DE POLÍCIA - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS.

1. O mandado de segurança é meio processual destinado à proteção de direito dito líquido e certo da parte impetrante, aferível de imediato.

2. "O estabelecimento de restrições ao uso e importação de maquinário para bronzeamento artificial, por utilizar fonte de radiação e, ainda, implicar riscos sanitários, inclui-se na competência regulamentar da autarquia, nos termos dos artigos 7º, VII e VIII, e 8º, § 1º, XI, da Lei Federal nº. 9.782/99"

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004261-44.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 22/01/2021, DJEN DATA: 01/02/2021).

 

E ainda: TRF 3ª Região – 6ª Turma, AI 5000853-93.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 30/08/2023, Intimação via sistema DATA: 11/09/2023; 6ª Turma, AI 5017259-29.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, julgado em 15/05/2023, Intimação via sistema DATA: 17/05/2023; 4ª Turma, ApCiv 5004568-55.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 01/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/06/2020; 4ª Turma, ApCiv  0007719-95.2010.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 04/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/02/2020; 6ª Turma, AI 5013305-77.2019.4.03.0000, Rel. Juiz Federal Convocado LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 24/01/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/02/2020; 6ª Turma, AI 5006228-51.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 18/10/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/10/2019; 6ª Turma, Ap  2008895 - 0002246-40.2010.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 07/06/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/06/2018).

                                                               

É de rigor, portanto, a reforma da sentença para julgar o feito totalmente improcedente e condenar a parte autora ao pagamento da sucumbência fixada em primeiro grau.

Pelo exposto, dou provimento à apelação da ANVISA.

Ficam as partes advertidas de que o manejo de embargos de declaração com a mera finalidade de alterar o teor da decisão, no sentido de rediscutir o seu conteúdo, será considerado ato meramente protelatório, passível de sancionamento na forma prevista nos artigos 80 e 1.026, §2º, do Código de Processo Civil. Da mesma forma, a protocolização de petições/incidentes manifestamente protelatórios (artigo 77, §2º, do Código de Processo Civil), serão tidos como prática de ato atentatório à dignidade da Justiça por resistência infundada à efetivação das decisões jurisdicionais, passível de punição processual em até 20% do valor atualizado da causa.

Intime-se.

Com o trânsito, à baixa.

 

Verifica-se não ter havido nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida, adotando-se, pois, os seus fundamentos como razão de decidir. 

Nesse sentido, reveste-se "de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação 'per relationem' que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República", sendo certo que a "remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma). 

Na mesma esteira: AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe: 27/02/2018; AgInt no REsp 1.624.685/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no AREsp 1178297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 07/08/2018, DJe 13/08/2018. 

Assim, a decisão monocrática deve ser mantida.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.



E M E N T A

 

 

AGRAVO DE INTERNO. CABIMENTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. DECISÃO MANTIDA. PODER DE POLÍCIA REGULAMENTAR. RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLEGIADA Nº 56/2009.  PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO.

1. Questionamento acerca da legalidade da Resolução nº 56/2009 expedida pela ANVISA. 

2. A ANVISA, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde com atuação em todo território nacional, foi criada pela Lei nº 9.782/1999 e tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados. Possui possuindo  poder de polícia regulamentar.

3. Após ampla consulta pública, a ANVISA publicou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 56/2009, a qual proíbe em todo território nacional o uso dos equipamentos para bronzeamento artificial com finalidade estética. 

4. A ANVISA não extrapolou o poder de polícia regulamentar. A Resolução nº 56/2009 foi pautada em estudos que demonstraram relação direta da exposição aos raios ultravioleta e a ocorrência de câncer de pele.

5. A possibilidade de maior amplitude do julgamento monocrático – controlado por meio do agravo interno – harmoniza-se aos princípios da eficiência e da duração razoável do processo.

6. Argumentos apresentados que não abalam a fundamentação e a conclusão exaradas na decisão unipessoal, à luz da situação fática e da normatização e jurisprudência incidentes.

7. Recurso desprovido.

 

                                                                                

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
SAMUEL DE CASTRO BARBOSA MELO
JUIZ FEDERAL