Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009623-41.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

AGRAVADO: RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES S.A.

Advogados do(a) AGRAVADO: MAYSA DE SA PITTONDO DELIGNE - MG124442-A, THIAGO DE OLIVEIRA CUNHA MIRANDA - SP366246-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009623-41.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

AGRAVADO: RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES S.A.

Advogados do(a) AGRAVADO: MAYSA DE SA PITTONDO DELIGNE - SP308651, THIAGO DE OLIVEIRA CUNHA MIRANDA - SP366246-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator):  Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO em face de decisão que, em mandado de segurança, deferiu a liminar pleiteada para afastar a limitação indicada nas “Perguntas e Respostas” referentes ao Programa de Autorregularização Incentivada, divulgadas pela Receita Federal do Brasil, relativa ao vencimento com vencimento posterior a 30 de novembro de 2023 e constituídos no período de 30/11/2023 até 01/04/2024.

Alega a agravante, em síntese, que não se encontram presentes os requisitos autorizadores da liminar no mandado de segurança, mormente porque não houve inovação da legislação pelo “Perguntas e Respostas” da Receita Federal do Brasil porque a limitação da inclusão dos créditos tributários com vencimento até 30 de novembro de 2023 decorre da própria legislação de regência e por não haver risco de ineficácia da medida. Diz que o contribuinte adota uma leitura descontextualizada do inciso II do §1º do art. 2º, da Lei 14.740/2023, para concluir que a indicação da data de vencimento dos tributos em 30/11/2023, como limite à adesão ao programa autorregularização, configuraria “restrição” não prevista na lei. Entende que o art. 2º da referida lei indica que somente os débitos vencidos poderão ser inclusos na autorregularização, pois somente assim se justifica perdoar as multas punitivas. Afirma que o perigo de lesão grave consiste na redução significativa da arrecadação tributária do primeiro trimestre do ano corrente.

Requer a antecipação da tutela recursal, para suspensão liminar da decisão agravada.

O pedido de tutela foi deferido, tendo a agravada interposto agravo interno de referida decisão.

A agravada apresentou contraminuta.

O Ministério Público Federal manifestou-se pela desnecessidade de sua intervenção.

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009623-41.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

AGRAVADO: RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES S.A.

Advogados do(a) AGRAVADO: MAYSA DE SA PITTONDO DELIGNE - SP308651, THIAGO DE OLIVEIRA CUNHA MIRANDA - SP366246-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Pugna a agravante pelo reconhecimento da impossibilidade de se incluir na autorregularização incentiva, prevista na Lei nº 14.740/23, e disciplinada na IN RFB nº 2.168/23, créditos tributários com vencimento posterior a 30/11/2024.

A Lei nº 14.740/23 dispõe sobre a autorregularização incentivada de tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Referido programa objetiva oferecer condições especiais para os contribuintes regularizarem a sua situação perante a Receita Federal, mediante confissão de dívida e pagamento ou parcelamento de tributos. Tem como escopo abranger os tributos ainda não constituídos, ou constituídos no período entre 30/11/2023 e 01/04/2024, conforme previsto no §1º de seu art. 2º:

Art. 2º O sujeito passivo poderá aderir à autorregularização até 90 (noventa) dias após a regulamentação desta Lei, por meio da confissão e do pagamento ou parcelamento do valor integral dos tributos por ele confessados, acrescidos dos juros de que trata o § 1º do art. 3º desta Lei, com afastamento da incidência das multas de mora e de ofício.

§ 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se aos:

I – tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil que ainda não tenham sido constituídos até a data de publicação desta Lei, inclusive em relação aos quais já tenha sido iniciado procedimento de fiscalização; e

II – créditos tributários que venham a ser constituídos entre a data de publicação desta Lei e o termo final do prazo de adesão.

 

A regularização incentivada possibilita a quitação de tributos com a exclusão das multas de mora e de ofício, com redução de juros para os débitos ainda não constituídos, como forma de aumentar a arrecadação tributária e, ao mesmo tempo, possibilitar a regularização da situação fiscal dos contribuintes.

A regulamentação do programa se deu por meio da IN RFB nº 2.168, de 28/12/2023, que apenas repetiu a previsão legal quanto aos tributos que poderão ser objeto de inclusão:

Art. 3º Podem ser incluídos na autorregularização incentivada de que trata esta Instrução Normativa os seguintes tributos:

I - que não tenham sido constituídos até 30 de novembro de 2023, inclusive em relação aos quais já tenha sido iniciado procedimento de fiscalização; e

II - constituídos no período entre 30 de novembro de 2023 até 1º de abril de 2024.

 

Na página da internet do Governo Federal, o arquivo denominado “Autorregularização Incentivada - Perguntas e Respostas.pdf”, apresenta informação no sentido de possibilitar a inclusão de tributos constituídos entre 30 de novembro de 2023 e 1º de abril de 2024, mas com vencimento até 30/11/2023:

3- QUAIS TRIBUTOS PODEM SER INCLUÍDOS NA AUTORREGULARIZAÇÃO INCENTIVADA E QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS PARA A SUA INCLUSÃO?

Podem ser incluídos na autorregularização incentivada tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil que NÃO tenham sido constituídos até 30 de novembro de 2023 e que venham a ser constituídos entre 30 de novembro e 1º de abril de 2024, mediante confissão do contribuinte, inclusive em relação aos quais já tenha sido iniciado procedimento de fiscalização. Sendo assim, podem entrar no programa de autorregularização incentivada, tributos que ainda não tenham sido declarados cujo VENCIMENTO ORIGINAL SEJA ATÉ 30 DE NOVEMBRO DE 2023.

Também podem ser incluídos os débitos decorrentes de auto de infração, de notificação de lançamento e de despachos decisórios que não homologuem, total ou parcialmente, a declaração de compensação cujo vencimento original do débito seja até 30 de novembro de 2023. (https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2023/dezembro/receita-federal-regulamenta-a-201cautorregularizacao-incentivada-de-tributos201d-para-contribuintes-com-debitos-fiscais/autorregularizacao-incentivada-perguntas-e-respostas.pdf/view)

 

Reside aqui o cerne da controvérsia, eis que o contribuinte, adotando critério exclusivamente literal, interpreta os citados dispositivos legais como permissivos da inclusão no programa de qualquer débito constituído até 01 de abril de 2024, inclusive os vencidos até a citada data, ao passo que o programa disponibilizado na Internet restringe a inclusão aos débitos vencidos até 30 de novembro de 2023, ainda que constituídos ao depois, até aquele termo final.

Todavia, não vislumbro a ilegalidade mencionada pelo contribuinte agravado, pelos fundamentos que passo a expor.

Importante, em caráter inicial, distinguir, no plano da lógica, entre  "demonstração" e "argumentação".

Conforme assinala Alaôr Caffé Alves (Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 3. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2003, pp. 114-115), a demonstração difere da argumentação, na medida em que aquela (a demonstração) compreende, do ponto de vista formal, a verdade das premissas e da conclusão. Todavia, a argumentação compreende a forma correta das premissas em ordem a uma conclusão provável ou razoável, que nem sempre corresponde ao resultado formal do discurso.

No Direito, como já preconizava Luis Recaséns Siches, não deve prevalecer a lógica formal para demonstração de uma suposta verdade, mas sim a lógica do razoável que, no plano da argumentação, conduza a uma solução que vá ao encontro de certos valores e conveniências de propósitos.

Este, também, o pensamento de Alôr Caffé Alves (ob. cit., p. 115), ao distinguir entre razão teórica e razão prática: 

A Teoria da Demonstração se refere à razão teórica, à razão preocupada com a verdade, com a descrição ou explicação fiel da realidade objetiva. A Teoria da Argumentação refere-se à razão prática, à razão preocupada com o êxito, com a conveniência dos propósitos, com a prescrição sobre aquilo que se deve fazer... Assim, uma coisa é utilizar os conhecimentos da Lógica para a demonstração da verdade, no âmbito das ciências; outra coisa é utilizá-los para persuadir através de argumentos, no âmbito das práticas humanas.

 

Destarte, entendo que não cabe, no presente caso, pautar-se exclusivamente pela literalidade das palavras, visto que elas nem sempre se apresentam fiéis ao que pensamos, dificuldade a que não está imune o trabalho do legislador. 

Eloquente, a propósito disso, a experiência de Ludwig Wittgenstein no plano do neopositivismo, até sua redenção à impossibilidade das palavras exprimirem com precisão a "verdade" do que se almeja pensar, aqui descrita na pena de Giovanni Reale e Dario Antiseri (História da Filosofia. Vol. 3. São Paulo: Paulus, 1991, p. 667):

 

Não busqueis o significado, buscai o uso - repetia Wittgenstein em Cambridge. E acrescentava: "O que vos dou é a morfologia do uso de uma expressão. Demonstro que ela tem usos com os quais jamais havíeis sonhado. Em filosofia, as pessoas sentem-se forçadas a ver um conceito de determinado modo. Pois o que faço é propor ou até inventar outros modos de considerá-lo. Sugiro possiblidades nas quais jamais havíeis pensado. Acreditáveis que só existisse uma possibilidade ou, no máximo, duas. Mas eu vos fiz pensar outras possibilidades. Ademais, mostrei que era absurdo esperar que o conceito se adequasse a possibilidades tão restritas assim. Desse modo, vos libertei de vossa câimbra mental; agora, podeis olhar em volta, no campo do uso da expressão, e descrever os seus diversos tipos de uso". Em suma, a filosofia é a terapia das doenças da linguagem. "Qual é  o teu objetivo em filosofia? Indicar à mosca o caminho de saída de dentro da garrafa" (§ 309).

 

Feitas estas colocações, penso que o termo "regularização" (no caso, "autorregularização"), em sua semântica, denota colocar em ordem algo que se encontra em desacordo com as premissas organizadoras de uma determinada situação.

No caso dos tributos, considera-se em desordem a exação não paga ou a que foi vertida a menor em sua data de vencimento; o que, via de consequência, aponta colisão lógica com a extensão do programa a tributos ainda não vencidos - e que, portanto, que não estariam em situação irregular.

Ao dispor sobre a "autorregularização", a citada lei não pretendeu criar isenção temporária de juros ou parcelamento em 48 meses dos tributos vincendos entre 30 de novembro de 2023 e 01 de abril de 2024, seja porque isso destoaria por completo das regras de experiência - considerando os programas desta natureza -, seja porque levaria a um sério comprometimento da arrecadação federal naquele trimestre, em desacordo com as expectativas de arrecadação declaradas na lei orçamentária anual, caracterizando autêntica renúncia de receita.

De fato, conforme leciona James Giacomoni (Orçamento público. 18. Ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2021, pp. 133-135 - Kindle), o princípio do equilíbrio orçamentário constitui um dos cernes do Direito Financeiro e Orçamentário.

Neste sentido, o orçamento deve observar o equilíbrio entre receitas e despesas, de modo que o montante de despesa autorizada em cada exercício financeiro não pode ser superior ao total das receitas estimadas para o mesmo período.

Aliado a isso, temos o princípio do orçamento bruto, segundo o qual todas as parcelas de receitas e devem aparecer no orçamento em seus valores brutos, sem qualquer tipo de dedução (art. 6º da Lei 4.320/64).

Oportuno frisar que somente a Lei Orçamentária Anual poderá dispor, mediante demonstrativo regionalizado, sobre os efeitos de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (CF - art. 165, § 6º).

Sob esta ótica, não caberia à lei ordinária comum estabelecer regra que, em sua essência, importaria em renúncia fiscal ampla durante todo o trimestre de um exercício, comprometendo, inequivocamente, as receitas estimadas para esse período, em prejuízo do equilíbrio orçamentário.

Deste modo, não transparece da lei que, ao se referir aos débitos constituídos entre 30/11/2023 e 01/04/2024, estivesse a abarcar os débitos vincendos naquele período.

Como dito, não há razoabilidade no incentivo à regularização tributária mediante redução de juros e afastamento da incidência de multa de mora e de ofício para tributos ainda não vencidos (no caso, vincendos naquele interstício). O incentivo à regularização, mediante o afastamento dos encargos, só pode dizer respeito aos tributos em atraso, embora ainda não "constituídos".

Assim, o inc. I, do § 1º, do art. 2, da referida lei, ao possibilitar a inclusão de tributos “que ainda não tenham sido constituídos até a data de publicação desta Lei, inclusive em relação aos quais já tenha sido iniciado procedimento de fiscalização”, trata de tributo vencido, porém ainda não definitivamente constituído.

Nestes termos, não antevejo a possibilidade de se estender o benefício a créditos tributários vincendos no período sublinhado.

Por derradeiro, resta prejudicado o agravo interno, considerando que as razões deduzidas pelo recorrente foram enfrentadas no julgamento que ora se faz.

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO.   TRIBUTÁRIO.   AUTORREGULARIZAÇÃO. LEI Nº 14.740/2023. TRIBUTOS AINDA NÃO VENCIDOS. IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO NO PROGRAMA. AGRAVO PROVIDO.

- A Lei 14.740/23 dispõe sobre a autorregularização incentivada de tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, programa que objetiva oferecer condições especiais para os contribuintes regularizarem a sua situação perante a Receita Federal, mediante confissão de dívida e pagamento ou parcelamento de tributos.

- O programa de autorregularização tem como escopo abranger os tributos ainda não constituídos ou constituídos no período entre 30/11/2023 até 01/04/2024, conforme previsto em seu §1º do art. 2º.

- A regularização incentivada possibilita a quitação de tributos com a exclusão das multas de mora e de ofício, com redução de juros para os débitos ainda não constituídos, como forma de aumentar arrecadação tributária e, ao mesmo tempo, possibilitar a regularização da situação fiscal dos contribuintes.

- A regulamentação do programa deu-se por meio da IN RFB 2.168, de 28/12/2023, que apenas repetiu a previsão legal, quanto aos tributos que poderão ser objeto de inclusão.

- Ao dispor sobre a "autorregularização", a citada lei não pretendeu criar isenção temporária de juros ou parcelamento em 48 meses dos tributos vincendos entre 30 de novembro de 2023 e 01 de abril de 2024, seja porque isso destoaria por completo das regras de experiência de programas desta natureza, seja porque levaria a um sério comprometimento da arrecadação federal naquele quadrimestre, em desacordo com as expectativas de arrecadação declaradas na lei orçamentária anual, caracterizando renúncia de receita. 

- Não transparece da lei que, ao se referir aos débitos constituídos entre 30/11/2023 e 01/04/2024, estivesse a abarcar os débitos vincendos naquele período.

- Não se verifica lógica no incentivo à regularização tributária mediante redução de juros e afastamento da incidência de multa de mora e de ofício para tributos ainda não vencidos (no caso, vincendos naquele interstício). O incentivo à regularização, mediante o afastamento dos encargos, só pode dizer aos tributos em atraso, embora ainda não "constituídos".

- O inc. I, do § 1º, do art. 2, da referida lei, ao possibilitar a inclusão de tributos “que ainda não tenham sido constituídos até a data de publicação desta Lei, inclusive em relação aos quais já tenha sido iniciado procedimento de fiscalização”, trata de tributo vencido, porém ainda não definitivamente constituído.

- Por derradeiro, resta prejudicado o agravo interno, considerando que as razões deduzidas pelo recorrente foram enfrentadas no julgamento que ora se faz.

- Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RUBENS CALIXTO
DESEMBARGADOR FEDERAL