Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001409-37.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA

APELANTE: IARA SILVA PESSOA

Advogados do(a) APELANTE: REGIS SANTIAGO DE CARVALHO - MS8019-A, SERGIO LOPES PADOVANI - MS14189-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001409-37.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA

APELANTE: IARA SILVA PESSOA

Advogados do(a) APELANTE: REGIS SANTIAGO DE CARVALHO - MS8019-A, SERGIO LOPES PADOVANI - MS14189-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de benefício de prestação continuada ao idoso, tendo em vista o não preenchimento do requisito da miserabilidade.

A r. sentença condenou a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da ação, suspensa a exigibilidade pela concessão de justiça gratuita.

Apela a autora alegando que a renda do núcleo familiar, proveniente da aposentadoria por tempo de contribuição do cônjuge da autora, não é suficiente para garantir as necessidades básicas.

Requer, portanto, reforma da sentença para que seja concedido o benefício assistencial ao idoso. Caso não seja o entendimento, pleiteia prequestionamento da matéria para fins recursais.

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional.

Parecer do Ministério Público Federal manifestando-se favorável ao provimento do recurso.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001409-37.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA

APELANTE: IARA SILVA PESSOA

Advogados do(a) APELANTE: REGIS SANTIAGO DE CARVALHO - MS8019-A, SERGIO LOPES PADOVANI - MS14189-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de benefício de prestação continuada ao idoso, tendo em vista o não preenchimento do requisito da miserabilidade.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

 

Do benefício assistencial de prestação continuada

O benefício assistencial está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, nos termos seguintes:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

Por sua vez, o art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece os requisitos necessários para a concessão de benefício assistencial, com a finalidade de prestar amparo a quem dele necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, garantindo 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, que comprove não possuir meios de prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.

Embora o §3º, do referido dispositivo legal considere incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda 'per capita' seja inferior a ¼ do salário mínimo, a Suprema Corte declarou a sua inconstitucionalidade (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).

Cumpre ressaltar, neste ponto, que a Lei nº 12.470/2011 alterou o artigo 20 da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), para estabelecer como de “baixa renda” a família cuja renda mensal seja de até ¼ (um quarto) do salário mínimo, levando em consideração cada membro do núcleo familiar, exceto aquele que já percebe o benefício de prestação continuada, nos termos do art. 34, da Lei n.º 10.741/03 (Estatuto do Idoso).

Vale destacar que o Decreto n.º 6.214/07, que regulamenta o benefício no art. 4º, inc. VI e o art. 19, “caput” e parágrafo único, dispõe no mesmo sentido.

Além disso, a Lei n. 13.146/2015 incluiu o parágrafo 11 ao art. 20 da Lei n. 8.742/93, trazendo a possibilidade de utilização de outros parâmetros para auferir a renda per capta mensal do núcleo familiar, e a Lei n. 14.176/2021 acrescentou ao mesmo artigo os §§ 11-A e 20-B, majorando o critério objetivo para ½ (meio) salário mínimo e permitindo a avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e vulnerabilidade exigidas para a concessão do benefício aqui tratado, tais como o grau de deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho das atividades básicas cotidianas e o comprometimento do orçamento do núcleo familiar.

Registre-se que, em meio às modificações legislativas mencionadas, os Colendos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça pacificaram entendimento no sentido de se admitir diversos parâmetros para a aferição da condição de miserabilidade, conforme RE 567.985, Tema de Repercussão Geral n.º 27 e Resp 1.112.557/MG, Tema repetitivo 185, com trânsito em julgado em 11/12/13 e 21/03/14, respectivamente.

Assim, deve ser analisada a eventual hipossuficiência no caso concreto.

Quanto aos demais requisitos, é definida como idosa a pessoa com idade mínima de 65 anos, conforme estatuto do idoso, e portadora de deficiência “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" - art. 20, § 2º da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei n. 13.146/15, denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência.

 

Dos termos inicial e final do benefício assistencial

No que se refere ao termo inicial do benefício, a legislação assegura o início do pagamento na data do requerimento administrativo, se houver, caso assim não seja, será fixado na data da citação, ou ainda, na data do laudo que atesta a incapacidade.

A saber, a Súmula 22 da TNU dispõe: “Se a prova pericial realizada em juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, esta é o termo inicial do benefício assistencial”.

Por fim, os artigos 21 e 21-A da LOAS e o art. 48 do Decreto 6.214/2007, discorrem sobre o termo final do benefício:  a) quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive como microempreendedor individual; b) quando superadas as condições que deram origem ao benefício; c) quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização; d) com a morte do beneficiário ou a morte presumida, declarada em juízo; e) em caso de ausência do beneficiário, judicialmente declarada.

 

Do caso em análise

Após análise apurada dos autos, verifica-se que o recurso discute a situação de miserabilidade da autora.

O estudo social relatou que a autora, de 68 anos, vive com o esposo, de 69 anos e com o neto, de 12 anos. Do casamento, foram gerados três filhos:

- Jussara Pessoa, do lar;

- Jair Pessoa, servente de pedreiro;

- Jailson Pessoa, mecânico.

A renda do núcleo familiar é proveniente da aposentadoria do esposo, no valor de um salário mínimo, resultando no valor líquido de R$ 835,00 em virtude de um empréstimo consignado. Além disso, recebem benefício social estadual Mais Social, no valor de R$ 300,00 e possuem acesso à cesta básica trimestral ofertada pelo CRAS.

Quanto às despesas declaradas:

- energia: R$ 362,00;

- água: R$ 111,00;

- alimentação: R$ 500,00.

O cônjuge é portador de diabetes e está com deficiência no olho direito, enquanto a autora sente fortes dores pelo corpo. Ambos fazem tratamento pelo SUS e a medicação utilizada é adquirida, em sua maioria, na rede pública.

O neto que reside com o casal é filho de Jair Pessoa. Contudo, não há pagamento de pensão pelo genitor, apenas contribui com alimentação ou com R$ 50,00, quando pode.

A casa em que residem é de alvenaria, composta por dois quartos, dois banheiros, uma sala, uma cozinha e uma varanda. Os móveis e utensílios são adequados ao conforto da família e estão em bom estado de conservação, frutos de campanhas realizadas pelo município. 

Registre-se que a residência foi construída recentemente por meio do dinheiro adquirido pelo esposo ao se aposentar e também por doação de uma empresa do município. Isso porque a família era proprietária de um imóvel de madeira, que se incendiou. 

O imóvel situa-se em região periférica, dotado de serviços públicos como rede de energia, água, telefonia e asfalto, além de equipamentos sociais, como escola, posto de saúde e hospital.

Ao final, a perita concluiu que a autora depende da ajuda da rede de parentesco e de benefícios sociais eventuais para a sobrevivência e que, apesar do esposo ter renda fixa, em razão do incêndio que destruiu a antiga residência, houve comprometimento da renda com empréstimo.

Assim, relatou que ainda que a renda familiar ultrapasse os marcos legais, o benefício social possibilitará melhores condições de vida e possibilidade de viver a velhice de forma digna.

Desse modo, pela análise de todo o conjunto comprobatório dos autos, não se restringindo exclusivamente ao critério da renda mensal per capita, observa-se que o requisito da hipossuficiência fora demonstrado.

Isso porque, conforme registrado pela perícia social, após a família perder o imóvel em que residia em virtude de um incêndio, a renda do marido, de R$ 1412,00, pouco acima de um salário mínimo, tornou-se comprometida com empréstimo consignado, resultando em valor líquido abaixo do necessário para cobrir as despesas básicas.

Vale ressaltar também que, tendo em conta o estabelecido no art. 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto da Pessoa Idosa), para fins de recebimento de benefício de prestação continuada, aqueles já concedidos a qualquer membro da família não serão computados no cálculo da renda familiar per capita, em analogia à Lei n. 13.146/15.

Nesse sentido, benefícios previdenciários que se equiparam ao valor de um salário mínimo, recebidos por maior de 65 anos, não devem ser contabilizados para fins de enquadramento nos limites da renda mensal per capita, como tem entendido a jurisprudência:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. IDADE. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA.
I - No caso dos autos, contando a demandante com 66 anos de idade, restando preenchido o requisito etário.
II - Firmou-se o entendimento no âmbito do E. STF quanto ao fato de que significativas alterações no contexto socioeconômico, desde a edição da Lei 8.742/93, e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção.
III - A Lei determina a exclusão da renda proveniente de benefício assistencial ao idoso do cômputo da renda familiar per capita de outro idoso na mesma família e, por analogia, o benefício previdenciário recebido pelo idoso, no valor de um salário mínimo, e, portanto, descontado o valor de um salário mínimo da renda obtida pelo cônjuge da autora, o valor excedente equivalia a pouco mais de  ¼ do salário mínimo de renda per capita para os demais integrantes da família, encontrando-se a autora em situação de vulnerabilidade social, contando com parco valor para sua subsistência.
IV - O termo inicial do benefício de prestação continuada a contar da data do requerimento administrativo (15.12.2021).
V - Os honorários advocatícios devidos à parte autora devem ser apurados em liquidação de sentença, tendo por base as disposições contidas nos §§ 2º, 3º e 4º, inciso II, do art. 85, do CPC, incidentes sobre o valor das parcelas vencidas até a presente data, quando concedido o benefício, nos termos da Súmula 111, do E. STJ, observada, ainda, a majoração prevista no §11 do referido artigo, tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora.
VI - Determinada, independentemente do trânsito em julgado, a comunicação ao INSS (Gerência Executiva), a fim de serem adotadas as providências cabíveis para implantação do benefício de prestação continuada, a contar da data do requerimento administrativo.
VII - Apelação da parte autora provida.
 
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5073374-12.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 06/12/2023, Intimação via sistema DATA: 06/12/2023)

Além disso, há outros indícios acerca da existência de vulnerabilidade social, como o recebimento de benefício assistencial estadual e de cesta básica fornecida pelo CRAS.

Sendo assim, de rigor a reforma da r. sentença para que haja concessão do benefício assistencial ao idoso desde a data do requerimento administrativo, realizado em 11/08/2021.

 

Do desconto das parcelas não cumuláveis

Diante da vedação contida no artigo 124, da Lei n.º 8.213/91, as parcelas vencidas e pagas administrativamente ou em razão de concessão de tutela antecipada devem ser descontadas do montante a ser recebido pela parte autora. 

 

Das custas e despesas processuais

No Estado do Mato Grosso do Sul cabe ao INSS arcar com o pagamento das custas processuais por inexistir atualmente a isenção, diante da superveniência da Lei Estadual n. 3.779/2009 (art. 24, §1º e 2º).

 

Da atualização do débito

Aplica-se o previsto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.

 

Dos honorários advocatícios

Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).

 

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso de apelação da parte autora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. COMPROVAÇÃO DE MISERABILIDADE. LEI 10.741/03. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DA RENDA PER CAPITA FAMILIAR.

1. O art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece os requisitos necessários para a concessão de benefício assistencial, com a finalidade de prestar amparo a quem dele necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, garantindo 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, que comprove não possuir meios de prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.

2. A autora, de 68 anos, vive com o esposo, de 69 anos e com o neto, de 12 anos. A renda do núcleo familiar é proveniente da aposentadoria do esposo, no valor de um salário mínimo, resultando no valor líquido de R$ 835,00 em virtude de um empréstimo consignado. Além disso, recebem benefício social estadual Mais Social e cesta básica trimestral ofertada pelo CRAS.

3. A perícia social concluiu que a autora depende da ajuda da rede de parentesco e de benefícios sociais eventuais para a sobrevivência e que, apesar do esposo ter renda fixa, em razão de um incêndio que destruiu a antiga residência, houve comprometimento da renda com empréstimo.

4. Pela análise de todo o conjunto comprobatório dos autos, não se restringindo exclusivamente ao critério da renda mensal per capita, observa-se que o requisito da hipossuficiência fora demonstrado.

5. Conforme registrado pela perícia social, após a família perder o imóvel em que residia em virtude de um incêndio, a renda do marido, pouco acima de um salário mínimo, tornou-se comprometida com empréstimo consignado, resultando em valor líquido abaixo do necessário para cobrir as despesas básicas.

6. Tendo em conta o estabelecido no art. 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto da Pessoa Idosa), para fins de recebimento de benefício de prestação continuada, aqueles já concedidos a qualquer membro da família não serão computados no cálculo da renda familiar per capita, em analogia à Lei n. 13.146/15.

7. Há outros indícios acerca da existência de vulnerabilidade social, como o recebimento de benefício assistencial estadual e de cesta básica fornecida pelo CRAS.

8. Recurso provido.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso de apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RAECLER BALDRESCA
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA