APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014137-41.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: CAROLINA BARBOSA DO AMARAL GURGEL
Advogados do(a) APELANTE: GABRIEL PAOLONE PENTEADO - SP425226-A, TERCIO CHIAVASSA - SP138481-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014137-41.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: CAROLINA BARBOSA DO AMARAL GURGEL Advogados do(a) APELANTE: GABRIEL PAOLONE PENTEADO - SP425226-A, TERCIO CHIAVASSA - SP138481-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: [ialima] R E L A T Ó R I O Embargos de declaração opostos por Carolina Barbosa do Amaral Gurgel contra acórdão que negou provimento à apelação e manteve sentença que, em sede de mandado de segurança, julgou improcedente o pedido de cancelamento dos débitos de imposto de renda referentes à glosa das deduções com despesas em enfermagem domiciliar (Id 290295750). Aduz, em síntese (Id 291285255), que o decisum é omisso, aos argumentos de que: a) a possibilidade da dedução de despesas da base de cálculo do imposto de renda não trata de uma mera isenção concedida pelo legislador, mas, sim, uma hipótese de não incidência tributária criada com o objetivo de evitar distorções na mensuração da capacidade contributiva e no auferimento de renda, tal como constitucionalmente proposta; b) a previsão constitucional da exigência do imposto de renda, a interpretação e a aplicação das deduções de sua base de cálculo não tratam de um benefício cuja interpretação deva observar o artigo 111 do CTN, mas, sim, uma hipótese de não incidência prevista na Constituição Federal; c) o acréscimo patrimonial deve ser entendido como o saldo positivo resultante do confronto entre certas entradas e certas saídas, de modo que não pode ser confundido com a simples obtenção de riquezas, do contrário não se estaria tributando o acréscimo patrimonial do contribuinte, senão o mero ingresso de valores em seu patrimônio. Nesse sentido, a dedução das despesas médicas, hospitalares e até mesmo de enfermagem tem como objetivo a realização de um ajuste de contas, uma vez que o dispêndio de valores utilizados para a manutenção do mínimo existencial não pode ser considerado como acréscimo de renda; d) com o advento da Emenda Constitucional n.º 132/2023, o artigo 145 da Constituição passou a conter expressamente em seu § 3º o princípio da justiça tributária, que nada mais é do que uma justa interpretação, aplicação da norma tributária, sobretudo quando relacionada à cobrança de tributos para cada situação concreta; e) não há justiça tributária na manutenção da glosa das despesas com os serviços de enfermagem contratados apenas porque os pagamentos foram realizados para pessoas físicas. Do mesmo modo, não há lógica em permitir a dedução de pagamentos feitos para médicos, hospitais e clínicas, mas não para profissionais que prestam serviços de igual forma vinculados à saúde e preservação da vida humana. Por fim, prequestiona os artigos 73 do Decreto nº 9.850/2018, 8º da Lei nº 9.250/95, 1º, inciso III, 145, § 3º, e 153, inciso III, da Constituição Federal, a teor do que prescreve o artigo 1.025 do CPC e em respeito à Súmula n° 98/STJ e às Súmulas n° 282/STF e 356/STF, bem como sob pena de violação aos artigos 1.022, inciso II, do CPC e 5°, inciso LV, da CF/88. Em resposta (Id 291522516), a União Federal requer a rejeição dos aclaratórios. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014137-41.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: CAROLINA BARBOSA DO AMARAL GURGEL Advogados do(a) APELANTE: GABRIEL PAOLONE PENTEADO - SP425226-A, TERCIO CHIAVASSA - SP138481-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, observa-se que os artigos 145, §3º, e 153, inciso III, da Constituição Federal, invocados nos aclaratórios, referem-se a questões que não foram anteriormente suscitadas no curso do processo, sobretudo no recurso de apelação (Id 268703586), de modo que não há omissão sob esse aspecto, porquanto o colegiado tratou da lide nos limites em que deduzida em juízo. Novos argumentos apresentados apenas nas razões dos aclaratórios não configuram vício apto a ensejar a pretendida modificação, o que configura inovação recursal, motivo pelo qual o julgado ora embargado não tinha como enfrentá-los. Nesse sentido, confira-se: TRF 3ª Região, Quarta Turma, Apelreex 0000104-69.2002.4.03.6121, Rel. Des. Fed. Alda Basto, j. 07.08.2014, e-DJF3 Judicial 1 de 18.08.2014 e STJ, EDAGRESP 201000296783, 6ª Turma, Des. Conv. do TJ/PE Alderita Ramos de Oliveira, DJE 13.06.2013. Ademais, ao contrário do afirmado pela parte embargante, o acórdão não padece de omissão, pois as questões referentes à legalidade das glosas realizadas pelo fisco referente às deduções realizadas com despesas da contratação de serviços foram devidamente apreciadas pelo decisum: A Lei n.º 9.250/1995, que dispõe sobre a legislação do imposto de renda das pessoas físicas, assim determina em seu artigo 8º, verbis: Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: I - de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva; (...) II - das deduções relativas: a) aos pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias; (...) § 2º O disposto na alínea a do inciso II: I - aplica-se, também, aos pagamentos efetuados a empresas domiciliadas no País, destinados à cobertura de despesas com hospitalização, médicas e odontológicas, bem como a entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas da mesma natureza; II - restringe-se aos pagamentos efetuados pelo contribuinte, relativos ao próprio tratamento e ao de seus dependentes; III - limita-se a pagamentos especificados e comprovados, com indicação do nome, endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF ou no Cadastro Geral de Contribuintes - CGC de quem os recebeu, podendo, na falta de documentação, ser feita indicação do cheque nominativo pelo qual foi efetuado o pagamento; Por sua vez, o artigo 80 do Decreto nº 3.000/1999, que regulamentava a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, à época dos fatos (atual 73 do Decreto n.º 9.580/20188) assim dispunha sobre o tema, verbis: Art. 80. Na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias (Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º, inciso II, alínea "a"). § 1º O disposto neste artigo (Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º, § 2º): I - aplica-se, também, aos pagamentos efetuados a empresas domiciliadas no País, destinados à cobertura de despesas com hospitalização, médicas e odontológicas, bem como a entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas da mesma natureza; II - restringe-se aos pagamentos efetuados pelo contribuinte, relativos ao próprio tratamento e ao de seus dependentes; III - limita-se a pagamentos especificados e comprovados, com indicação do nome, endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ de quem os recebeu, podendo, na falta de documentação, ser feita indicação do cheque nominativo pelo qual foi efetuado o pagamento; IV - não se aplica às despesas ressarcidas por entidade de qualquer espécie ou cobertas por contrato de seguro; V - no caso de despesas com aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias, exige-se a comprovação com receituário médico e nota fiscal em nome do beneficiário. (...) § 3º Consideram-se despesas médicas os pagamentos relativos à instrução de deficiente físico ou mental, desde que a deficiência seja atestada em laudo médico e o pagamento efetuado a entidades destinadas a deficientes físicos ou mentais. § 4º As despesas de internação em estabelecimento para tratamento geriátrico só poderão ser deduzidas se o referido estabelecimento for qualificado como hospital, nos termos da legislação específica. § 5º As despesas médicas dos alimentandos, quando realizadas pelo alimentante em virtude de cumprimento de decisão judicial ou de acordo homologado judicialmente, poderão ser deduzidas pelo alimentante na determinação da base de cálculo da declaração de rendimentos (Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º, § 3º). Da análise das normas aplicáveis ao tema, nota-se que não previu o legislador a dedução das despesas com o pagamento pela prestação de serviços de enfermagem. A ampliação do rol legal implica violação dos artigos 150, § 6º, da Constituição (princípio da reserva legal) e 111 do Código Tributário Nacional, dado que os benefícios fiscais concedidos devem ser interprestados restritivamente: Nesse sentido: TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. DEDUÇÃO DESPESAS COM ENFERMEIRAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 8º, I, DA LEI Nº 8.134/90. ROL TAXATIVO. 1 - Os presentes embargos à execução foram ajuizados objetivando desconstituir a CDA para cobrança de dívida de imposto de renda, sob o argumento de nulidade da citação, bloqueio indevido de valores e legalidade das deduções nas declarações de rendimentos de despesas efetuadas com enfermeiras. 2 - O Magistrado a quo rejeitou a alegação de nulidade de citação e de ilegalidade do bloqueio dos valores, eis que constituem garantia da execução. No mérito, entendeu o Juízo a quo que o pagamento por serviços de enfermagem, assistência social ou massagem são dedutíveis do imposto de renda apenas em situações de internação em estabelecimento hospitalar, e julgou improcedentes os embargos à execução. 3 - A questão acerca da validade da citação e da penhora realizada foi superada quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2008.02.01.014398-7, interposto pela Apelante, no qual foi determinada a nulidade da citação editalícia realizada, considerando-a como efetuada na data do comparecimento espontâneo da agravante aos autos, mantendo a penhora realizada. 4 - As despesas efetuadas com assistente social, massagista e enfermeiro são dedutíveis desde que por motivo de internação do contribuinte ou de seus dependentes e integrem a fatura emitida pelo estabelecimento hospitalar. 5 - A ampliação do rol taxativo do art. 8º, I, da Lei nº 8.134/90, para abranger situações não previstas pelo legislador, de forma a beneficiar o contribuinte, viola o princípio da reserva legal e afronta a norma do art. 150, § 6º, da Constituição Federal. Precedentes: TRF1 - AC nº 0014835-61.2009.4.01.9199 - Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca - Sétima Turma - e-DJF1 02-08-2013; TRF2 - AC nº 1999.50.01.001574-0 - Rel. Juiz Fed. Conv. Renato Cesar Pessanha De Souza - Terceira Turma Especializada - e-DJF2R 13-12-2010. 6 - Recurso desprovido. 1 (TRF 2ª Região, Terceira Turma Especializada, AC 0011088-94.2008.4.02.5001, Rel. Marcus Abraham, j. 16.11.2016, destaquei). TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DE DESPESAS MÉDICAS, ODONTOLÓGICAS E DE ENFERMAGEM. ADESÃO A PARCELAMENTO CONFIGURADA PELO PAGAMENTO DE ALGUMAS PRESTAÇÕES: CONFISSÃO VÁLIDA E IRRETRATÁVEL DA EXISTÊNCIA DA DÍVIDA. 1. A adesão ao parcelamento deferido, mesmo que posteriormente não honrado pelo contribuinte, equivale a confissão irrevogável e irretratável do débito consolidado. Precedentes: AC 0002660-97.2004.4.01.3803/MG, Rel. Desembargador Federal Catão Alves, Sétima Turma, e-DJF1 p.316 de 19/12/2012 e AC 0047747-22.2003.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Wilson Alves de Souza, 5ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.1103 de 16/11/2012. 2. Assim sendo, depois de pagar parcelas da dívida, não é dado ao contribuinte rediscutir a sua exigibilidade ou o acerto dos valores que lhe são cobrados a título de imposto de renda, por não ter ele respondido à intimação da Receita Federal para apresentar os comprovantes de gastos com despesas médicas e odontológicas informados na declaração de ajuste anual. 3. Além disso, as despesas com enfermagem não se enquadram dentre as admitidas expressamente pela lei como dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda pessoa física. E, de acordo com o art. 111 do CTN, as regras que dispõem sobre isenção e imunidade - e, por analogia, as que admitem a dedução da base de cálculo de tributos - devem ser interpretadas literal e restritivamente. Precedentes: AC 0047695-82.2000.4.01.0000/MA, Rel. Juiz Hilton Queiroz, Quarta Turma, DJ p.754 de 19/12/2000; AMS 0029786-90.2001.4.01.0000/MG, Rel. Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, Sétima Turma, e-DJF1 p.296 de 05/02/2010 e AC 200405000286651, Desembargador Federal Francisco Barros Dias, TRF5 - Segunda Turma, DJE - data: 22/10/2009 - página: 445 - nº: 35. 4. Apelação não provida. (TRF 1ª Região, Sétima Turma, AC 00148356120-09.4.01.9199, Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, j. 23.07.2013, destaquei). Ademais, não obstante o valor ínsito do princípio da dignidade da vida humana, não pode o Judiciário atentar sobre o princípio da separação dos poderes e da legalidade, sob pena de violar também a segurança jurídica do sistema legal brasileiro. De acordo com o artigo 165 do Código Tributário Nacional, o contribuinte tem direito à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, nos casos de pagamento indevido do tributo. No caso, o apelado, não obstante tenha sido excluído do regime do SIMPLES, recolheu tributos devidos nos anos de 2015 e 2016 até que, notificado da exclusão, aderiu ao programa de parcelamento PERT com o objetivo de quitar os débitos referentes ao período devido pela sistemática do lucro presumido. Relativamente às alegações da apelante, cumpre observar que o Processo Administrativo n. º 16592.722246/2016-29 cuida de objeto estranho a estes autos, dado que se refere a pedido de opção pelo SIMPLES realizado em 2016. Desse modo, à vista de que a União não se desincumbiu do ônus de demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do contribuinte, na forma do artigo 373, inciso II, do CPC, é de rigor a manutenção da sentença nesse ponto. Assim, observa-se que a embargante se utiliza dos presentes embargos como verdadeira peça de impugnação aos fundamentos do decisum. Pretende claramente rediscuti-lo, o que não se admite nesta sede. O recurso não pode ser acolhido para fins de atribuição de efeito modificativo, com a finalidade de adequação do julgado à tese defendida, tampouco para fins de prequestionamento, uma vez que ausentes os requisitos do artigo 1022 do CPC. Nesse sentido: STJ, Primeira Turma, EDcl no AgInt no AREsp 1776267, Rel. Min. Sérgio Kukina, 21.03.2022, TRF 3ª Região, AC 0003399-61.2013.4.03.6111, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Cecília Marcondes, j. 21.11.2018 e TRF 3ª Região, AI 0001831-68.2017.4.03.0000, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Mônica Nobre, j. 24.10.2018. Por fim, destaque-se que a ocorrência de um dos vícios previstos no artigo 1.022 do CPC/2015 é requisito de admissibilidade dos embargos de declaração, razão pela qual a pretensão de prequestionamento dos artigos 73 do Decreto nº 9.850/2018, 8º da Lei nº 9.250/95, 1º, inciso III, 145, § 3º, e 153, inciso III, da Constituição, não possibilita a sua oposição. Denota-se que a embargante tem apenas a intenção de rediscutir o mérito da demanda, o que traduz inconformismo incompatível com a finalidade dos embargos de declaração. A respeito, confira-se: STJ, EDcl no REsp n. 1.610.728/RS, Segunda Seção, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.02.2020. Ante o exposto, rejeitos os embargos de declaração. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. ARTIGO 1.022 DO CPC. OMISSÃO INOCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. INOVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS.
- Novos argumentos apresentados apenas nas razões dos aclaratórios não configuram vício apto a ensejar a pretendida modificação, o que configura inovação recursal, motivo pelo qual o julgado ora embargado não tinha como enfrentá-los.
- Os presentes embargos configuram verdadeira impugnação aos fundamentos do decisum, no qual a parte embargante pretende claramente rediscuti-lo, o que não se admite nesta sede.
- Embargos de declaração rejeitados.