RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000132-78.2022.4.03.6305
RELATOR: 9º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: AGATHA STEFANY RODRIGUES VICENTE
Advogados do(a) RECORRENTE: BRUNO JOSE DI MIRANDA - SP459425-N, FERNANDA PINHEIRO DE SOUZA - SP220799-N, MARCIO FRANCA DA MOTTA - SP322096-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
Relatório dispensado nos termos do art. 38 da Lei n. 9.099/95.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000132-78.2022.4.03.6305 RELATOR: 9º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: AGATHA STEFANY RODRIGUES VICENTE Advogados do(a) RECORRENTE: BRUNO JOSE DI MIRANDA - SP459425-N, FERNANDA PINHEIRO DE SOUZA - SP220799-N, MARCIO FRANCA DA MOTTA - SP322096-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: VOTO - EMENTA PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL PELA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA DO PROGENITOR CONSTANTE DA CERTIDÃO DE NASCIMENTO E CORROBORADA POR DEMAIS PROVAS ORAIS. SÚMLA 149 E TEMA 554 DO STJ (REsp 1321493/PR). ATIVIDADE RURAL COMPROVADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. REFORMA DA R. SENTENÇA. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO. 1. Ação proposta para obtenção de condenação do INSS ao pagamento de salário-maternidade de trabalhadora rural. 2. Sobreveio a r. sentença que julgou improcedente o pedido inicial. 3. Recurso da parte autora em que repisa os argumentos lançados anteriormente. 4. Não foram apresentadas contrarrazões. 5. A r. sentença está, no essencial, assim lavrada: ... Trata-se de ação do rito JEF, proposta por AGATHA STEFANY RODRIGUES VICENTE em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, visando a obter a condenação do réu a promover o pagamento do benefício ‘salário-maternidade’, em razão do nascimento de sua filha, de nome Rebeca Rodrigues Machado, ocorrido em 11.03.2020, alegando ser segurada especial/trabalhadora rural. Citado, o INSS apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido. Realizada audiência de instrução, conciliação e julgamento, sem acordo. No mais, relatório dispensado, nos termos do art. 38 da Lei n. 9.099/95. Fundamento e Decido. Cuida-se de pedido de benefício ‘salário-maternidade’ formulado por mãe, autora, qualificada como segurada especial/trabalhadora rural. O salário-maternidade vem disciplinado pelos artigos 71 a 73 da Lei nº 8.213/91 e artigos 93 a 103 do Decreto nº 3.048/99, dispositivos estes que concretizam o princípio constitucionalmente consagrado da proteção à maternidade e especialmente da gestante, presente no art. 201, inciso II da Constituição Federal. Inicialmente, nos termos da Lei nº 8.213/91, tal benefício era devido exclusivamente às seguradas empregada, doméstica e avulsa. A Lei nº 8.861, de 25/03/1994, estendeu a prestação à segurada especial, inserindo o parágrafo único ao art.39 da Lei nº 8.213/91, tendo também alterado o art.71 da Lei de Benefícios, instituindo prazo decadencial de 90 (noventa) dias após o parto para o requerimento do benefício (parágrafo único ao citado Art.71) - dispositivo este revogado apenas com o advento da Lei nº 9.528/97 (REsp nº659.681/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 16/11/2004, pág.319; Resp nº658.734/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 01/07/2005, pág.681). Finalmente, com a edição da Lei nº 9.876/99, o benefício passou a ser devido a todas as seguradas da Previdência Social. O benefício é devido às mães gestantes e às adotivas. Na hipótese das mães gestantes, é devido durante cento e vinte dias, com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data do nascimento, cessando no 91º (nonagésimo primeiro) dia após o evento. As seguradas empregadas (incluindo rural), avulsas e domésticas não se sujeitam ao período de carência para a obtenção do benefício (Art.26, inciso VI da Lei nº 8.213/91). Já as seguradas contribuinte individual e segurada especial deverão possuir carência de 10 (dez) meses para fruir o benefício (Art.25, inciso III da Lei nº8.213/91 e Art.93, §2º do Decreto nº3.049/99). Deverá, pois, a segurada especial comprovar o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua. Após o nascimento da criança, o benefício deverá ser requerido instruído com a respectiva Certidão de Nascimento (Art.95, parágrafo único do Decreto nº 3.048/99). A prestação devida às seguradas empregadas e avulsas equivale à remuneração integral recebida à época do parto. As demais seguradas estão sujeitas ao limite máximo (teto) pago pela previdência social (Art.14 da Emenda nº20/98, reajustável) na forma do Art.73 da Lei nº 8.213/91 - valendo lembrar que o salário-maternidade da segurada especial consistirá no valor de um salário-mínimo (Art.101, inciso II do Decreto nº 3.048/99 com redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 29/11/99). No caso dos autos, o nascimento da criança, Rebeca Rodrigues Machado, em 11.03.2020, está comprovado pela certidão de nascimento respectiva (ID. 241238861). Em relação à qualidade de segurada e à carência (tempo de trabalho como rurícola) exigidas, aduz a parte autora que se trata de segurada especial/trabalhadora rural. Para tanto, apresentou como prova documental, para compor o início de prova material acerca do exercício da atividade rural desempenhado: i. Carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais - Eldorado/SP, em nome da autora e do seu esposo/companheiro, datado de 01.07.2021 (ID. 241238863); ii. Certidão de nascimento da filha, Rebeca Rodrigues Machado, ocorrido em 11.03.2020, onde consta a profissão da autora como autônoma e de seu esposo/companheiro como braçal rural (ID. 241238861); iii. Contrato de Arrendamento de Imóvel Rural, onde consta como arrendatário, seu esposo/companheiro, Reginaldo Machado de Azevedo, assinado em 01.06.2021 (ID. 241238869); iv. Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), em nome da autora e do seu esposo/companheiro, datado de 21.09.2021 (ID. 241238864); v. Notas fiscais do produtor, em nome do esposo/companheiro da autora, sendo uma datada de 2016 e as demais posteriores ao nascimento da filha, Rebeca, ou com data ilegível/com corte (ID. 241238872). Importante ressaltar que a contemporaneidade entre fato(s) e documento(s) é que possibilita a sua valoração em termos comprobatórios do vínculo alegado. Nesse sentido: (AC 00113272520024039999, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL MARIANINA GALANTE, TRF3, Órgão julgador NONA TURMA, Fonte DJU DATA:13/05/2005 ..FONTE_REPUBLICACAO) e (AC 00350085820014039999, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL MARIANINA GALANTE, TRF3, Órgão julgador NONA TURMA, Fonte DJU DATA:13/05/2005 .. FONTE_REPUBLICACAO). É consabido que a prova do exercício da atividade rural em regime de economia familiar ou individualmente, exige início de prova material complementada por prova testemunhal [arts. 55, § 3º, e 106, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149 do STJ. A prova oral colhida, em audiência, realizada nesta data, revelou que a autora, quando do nascimento da criança, Rebeca, se tratava de trabalhadora rural, inclusive, tendo laborado, até cerca de 7 meses da gestação, nessa atividade, no âmbito do sitio da sogra dela e, ainda, para outras pessoas (bairro Taquari, Xiririca, Eldorado-SP). A parte autora, em resumo, disse em depoimento pessoal: Agatha Stefany Rodrigues: que solicitou o salário maternidade no INSS, porém, foi negado; que nessa época ela trabalhava em um sítio (Ribeirão Xiririca) na cidade de Eldorado/SP; que trabalhava com plantação de bananas e de palmito; que o sitio em que trabalhava na roça era da sua sogra; a autora diz que ela mesma registrou, no cartório respectivo, a sua filha (Rebeca); que naquela oportunidade se declarou como ‘autônoma’, pois não sabia que podia ser ‘rural’; As testemunhas, em resumo, disseram: Sandra Cristina Pedroso de Oliveira: diz que mora no Ribeirão Xiririca em Eldorado-SP faz 20 anos; que conhece a autora daquele bairro; que não frequenta a casa da autora, que nunca foi lá; diz que a autora mora com o marido e a filha deles; diz que conhece a filha da autora (Rebeca); que quando a Rebeca nasceu a autora trabalhava no bananal e com plantação de palmito; que, ainda, trabalhou junto com a autora para terceiros quando ela estava grávida; que, então, recebiam por dia; Rosemeire Pedroso: diz que mora em Taquari Xiririca em Eldorado-SP faz 10 anos; que conhece a autora; que a autora mora no sitio da família do sogro dela; que passa pela frente desse sítio, mas nunca foi lá no sitio; diz que, enquanto a autora estava gravida, ela trabalhou no sitio da sogra com o marido; diz que a autora trabalhou até os 7 meses de gestação (‘até ela aguentar’); diz que trabalhou junto com a autora; De saída, verifico que, na época do parto/nascimento da criança, a autora/mãe foi qualificada como sendo de profissão AUTONOMA (vide Certidão de nascimento da filha, Rebeca Rodrigues Machado, ocorrido em 11.03.2020, onde consta a profissão da autora como autônoma e de seu esposo/companheiro como braçal rural (ID. 241238861). Ao depois, no tocante aos demais documentos anexados ao início de prova material no feito (itens i, iii, iv e v acima listados), cumpre esclarecer que são documentos datados em tempo posterior (ano 2021) ao nascimento da filha, Rebeca Rodrigues Machado, ocorrido em 11.03.2020. O formulário relativo a ‘Declaração do Segurado Especial – Rural’ não encontra suporte nos documentos citados (id 300031798, fls. 21/23), tanto que, não foi considerado pelo INSS. ‘Requerente requer comprovação de atividade rural do período de 01.02.2019 a 06.12.2021 entretanto, referente a esse período, apresentou apenas comprovantes APÓS nascimento do bebê. Bebê nasceu em 11.03.2020, data em que a requerente não comprovou efetivo exercício de atividade rural pelo período de, no mínimo, 10 meses antes do nascimento do bebê.’ (decisão administrativa, id 300031798, fs. 29). Em vista disso, a autora não conseguiu afastar a conclusão do INSS, na seara administrativa. Diante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de concessão do benefício de salário-maternidade a AGATHA STEFANY RODRIGUES VICENTE, em face do nascimento de sua filha, Rebeca Rodrigues Machado, em 11.03.2020. Extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I do Código de Processo Civil. Sem a condenação nas custas processuais e honorários advocatícios nesta instância judicial. Defiro o pedido de Assistência Judiciária gratuita. Intimem-se as partes e o INSS. Publicada e Registrada em audiência. Fica a parte autora ciente de que o prazo para a interposição de recurso é de 10 (dez) dias, devendo constituir advogado para tanto, ou requerer a assistência da Defensoria Pública da União. Havendo recurso tempestivo, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões, no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do que preceitua o artigo 42, §2º da Lei 9.099/95 c/c Enunciado 34 e 36 do FONAJEF. Transcorrido o prazo ou apresentadas as contrarrazões, remetam-se os autos virtuais à colenda Turma Recursal. Por fim, decorrido o prazo recursal sem que haja qualquer interposição de recurso, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos, com baixa definitiva no sistema do JEF. (d.n.). 6. Observo que, nada obstante na r. sentença se afirme que a documentação anexada à peça inicial como início de prova documental é inservível por ser extemporânea ao fato gerador do benefício previdenciário, na certidão de nascimento consta o pai como rurícola, e a razão de a mãe não ser considerada como tal adstringe-se ao fato de ter constado no referido documento sua profissão como “AUTÔNOMA”. 7. Esclareceu a parte autora que errara ao não fazer constar sua atividade também como rurícola, e, conforme a r. sentença acima transcrita, é certo que tanto a autora como as testemunhas foram uníssonas em afirmar que ela também participava no trabalho nessa mesma condição bem antes do nascimento da filha. 8. Nesse particular, tendo que constou na certidão de nascimento o pai da criança como rurícola é de se considerar esse documento como início de prova material a fim de atender à Súmula 149 do STJ (Tema Repetitivo 297) consoante farta jurisprudência nesse sentido (AgRg no REsp 1049607 / SP - Agravo Regimental no Recurso Especial - 2008/0084218-3 – site: https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?preConsultaPP=&pesquisaAmigavel=+%3Cb%3Erural+e+pai+e+maternidade%3C%2Fb%3E&acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&b=ACOR&livre=rural+e+pai+e+maternidade&filtroPorOrgao=&filtroPorMinistro=&filtroPorNota=&data=&operador=e&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T&processo=&classe=&uf=&relator=&dtpb=&dtpb1=&dtpb2=&dtde=&dtde1=&dtde2=&orgao=&ementa=¬a=&ref= ). 9. No tocante à questão da contemporaneidade do início da prova material do trabalho rural, apenas para reforço argumentativo trago à colação o Tema 554 (REsp 1321493/PR), que vai ao encontro dos argumentos da peça recursal: TESE FIRMADA: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. (d.n.). 10. Diante do exposto, dou provimento ao recurso da parte autora para reformar a r. sentença para condenar o INSS a conceder à segurada parte autora salário-maternidade nos moldes legais da data do nascimento de sua filha. 11. A elaboração dos cálculos ficará a cargo de quem o Juízo de origem determinar segundo a legislação vigente à época da execução e os valores devidos a título de atrasados deverão ser pagos, após o trânsito em julgado, descontados os valores pagos administrativamente e observado o lustro prescricional do artigo 103, parágrafo único da Lei 8.213/1991. 12. Atualização monetária e juros de mora segundo os critérios regulados no vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal, e eventuais subsequentes alterações, por ocasião da execução. 13. No que toca aos honorários de advogado, como a Lei 9.099/1995 é norma especial (que derroga a norma geral do CPC/2015, segundo o princípio lex specialis derogat generali), deixo de condenar quaisquer das partes a esse título, com fulcro no artigo 55 da Lei em comento c/c artigo 1° da Lei 10.259/2001, em face de não haver recorrente integralmente vencido. 14. Confirmo a gratuidade judiciária. 15. Deixo de determinar a implantação imediata do salário-maternidade, haja vista que, por se tratar de valores atrasados, é aplicável na espécie o que determina o §4º do artigo 17 da Lei 10.259/2001. É o voto. São Paulo, 07 de agosto de 2024 (data do julgamento). JUIZ FEDERAL RELATOR
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL PELA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA DO PROGENITOR CONSTANTE DA CERTIDÃO DE NASCIMENTO E CORROBORADA POR DEMAIS PROVAS ORAIS. SÚMLA 149 E TEMA 554 DO STJ (REsp 1321493/PR). ATIVIDADE RURAL COMPROVADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. REFORMA DA R. SENTENÇA. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO.