Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002895-09.2018.4.03.6102

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, OPERAÇÃO CINDERELA

APELADO: AGDA DIAS DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTONIO ALENISIO DA SILVA, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, FELIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, MAURICIO ALVES DE OLIVEIRA, AGATHA VITORIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS

Advogado do(a) APELADO: SANDRA DE MORAES PEPORINI - SP190331-A
Advogado do(a) APELADO: SANTA APARECIDA RAMOS NOGUEIRA - SP129860-A
Advogado do(a) APELADO: HAMILTON PAULINO PEREIRA JUNIOR - SP126874-A
Advogados do(a) APELADO: KARINA MAGALHAES ZACARIAS SANTOS - SP312640-A, PRISCILA MAGALHAES ZACARIAS SANTOS - SP312665-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002895-09.2018.4.03.6102

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, OPERAÇÃO CINDERELA

 

APELADO: AGDA DIAS DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTONIO ALENISIO DA SILVA, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, FELIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, MAURICIO ALVES DE OLIVEIRA, AGATHA VITORIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS

Advogado do(a) APELADO: SANDRA DE MORAES PEPORINI - SP190331-A
Advogado do(a) APELADO: SANTA APARECIDA RAMOS NOGUEIRA - SP129860-A
Advogado do(a) APELADO: HAMILTON PAULINO PEREIRA JUNIOR - SP126874-A
Advogados do(a) APELADO: KARINA MAGALHAES ZACARIAS SANTOS - SP312640-A, PRISCILA MAGALHAES ZACARIAS SANTOS - SP312665-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público Federal, contra a sentença de ID 276508562, por meio da qual o Juízo da 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP  julgou improcedente a pretensão punitiva formulada na denúncia e seu aditamento, para absolver os réus das acusações dos crimes de organização criminosa e redução a condição análoga à de escravo, com base no art. 386, I, do CPP e absolver os réus das acusações dos crimes de tráfico de pessoas para o fim de exploração sexual e de rufianismo qualificado, com base no art. 386, V, do CPP. A ação penal foi ajuizada em face de AGDA DIAS DA SILVA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA (apelido “DECO”), ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA (nome social NICOLY CASTRO), ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, MARLENE DA SILVA, MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA (nome social FERNANDA OLIVER), ROBERVAL DA SILVA FERREIRA (prenome social NÚBIA), imputando-se a eles práticas em tese amoldadas aos artigos 149-A, V; 230, § 3º; 282, § 2º, todos do Código Penal; e ao art. 2º da Lei 12.850/13, conforme detalhado adiante.

 

Narra-se na denúncia (ID 276501258), originalmente formulada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, a existência de uma suposta organização criminosa que seria responsável por controlar a prostituição em regiões da cidade de Ribeirão Preto/SP, por meio de agressões e endividamentos eternos, inclusive aliciando novas pessoas de outras regiões do Brasil a oferecer serviços sexuais.

De acordo com a inicial acusatória:

 

Relatório Inicial (...) condensou narrativa de depoente anônimo acerca da atuação de vários núcleos de exploração de pessoas “T” (travestis e transgênero), para práticas sexuais, em condições precárias de moradia e mediante tratamentos de saúde sem qualquer regularidade, as quais provinham da região Nordeste do país, mediante promessas de hospedagem, alimentação e procedimentos estéticos e cirúrgicos para que os jovens se prostituíssem na cidade de Ribeirão Preto/SP; em situações pontuais e específicas, algumas daquelas pessoas seriam destinadas ao tráfico internacional humano.

Conforme o Relatório, toda sorte e tipo de valores eram cobrados daquelas pessoas: desde a passagem para chegar a Ribeirão Preto/SP, passando por caras diárias de ‘hospedagem’ em imóveis em precárias condições (sempre em quartos comunitários e com banheiros também comuns), incluindo cobranças a parte por coisas banais como uso de micro-ondas, pelos tratamentos estéticos iniciais (doloroso implante de ‘silicone’ industrial/aeronáutico nas pernas e nádegas, o qual não raras vezes deixa as vítimas acamadas por semanas, aplicados por ‘bombadeiras’, sem qualquer cuidado) e posteriores (silicone, capilar, facial etc.), assim como pelo ‘uso’ do ponto de prostituição/via pública (variando conforme a região da cidade) e pelo consumo de drogas (providenciado pelas ‘donas das casas’). Aquelas poucas pessoas que sobreviviam ao martírio inicial e se destacavam na prostituição (chamadas ‘montadas’), eram, ao fim, financiadas para se prostituírem fora do país. As dívidas eram impagáveis.

Tais ambientes eram comandados por ameaças e agressões constantes, tanto para que as dívidas fossem pagas como para que suas regras fossem estritamente seguidas, não havendo espaço para as vítimas cogitarem de deixar os imóveis sem que tudo fosse pago.

Acaso as vítimas se rebelassem contra o sistema imposto pelas aliciadoras ou não pagassem suas dívidas conforme exigido, eram submetidas a agressões/espancamentos pelos exploradores, ajudados pelos fornecedores de drogas naqueles locais.

A imposição da dependência econômica e da violência psicológica e física tinha como consequência a completa submissão dos transgêneros às ‘donas das casas’.

De acordo com as informações, AGDA DIAS DA SILVA trabalhava em parceria com MARLENE DA SILVA, dividindo os lucros da exploração sexual realizada em diversos pontos dos bairros Salgado Filho, Avenida Brasil e Cerrado. Além delas, praticariam o mesmo esquema de exploração sexual - aliciamento, dívidas com drogas, procedimentos estéticos e cirúrgicos e trabalho em péssimas condições - ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, conhecido como “NICOLY CASTRO”, e MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, conhecido no meio da prostituição como “FERNADA OLIVER”, responsáveis por controlar os pontos de prostituição da região da concessinária Santa Emília, e ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, que controla os pontos da região da Avenida Nove de Julho.

(...)

A análise inicial de diversos registros de ocorrência policial (BOs) - como lesão corporal, homicídio e suicídio - revelou figurarem como vítimas pessoas transgênero oriundas de outros Estados da Federação (Ceará, Pará, Minas Gerais, Maranhão etc.), as quais moravam nesta cidade. (...)

2.1 DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (artigo 2º, da Lei n. 12.850/2013) (...)

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, desde data incerta, mas certamente a partir do ano de 2017 e até o dia 13 de março de 2019, nesta cidade e comarca de Ribeirão Preto, AGDA DIAS DA SILVA; ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”; ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA; ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA; vulgo “NICOLY CASTRO”; ARTUR PEREIRA CERQUEIRA; MARLENE DA SILVA; FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO; MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA; vulgo “FERNANDA OLIVER”; ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA; RENAN LOPES CAMARGOS e ROBERVAL DA SILVA FERREIRA, vulgo “NÚBIA”, integraram organização criminosa estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, instituída para obter, direta e indiretamente, vantagem pecuniária, com a prática do crime de tráfico de pessoas, definido no artigo 149, do Código Penal, e de rufianismo, previsto no artigo 230, do Código Penal.

Segundo o apurado, os denunciados integravam organização criminosa constituída para, de forma reiterada, aliciar mediante fraude, e alojar mulheres e pessoas transgênero oriundas dos mais diversos Estados da Federação, de cuja prostituição tiravam proveito, participando direta e compulsoriamente de seu lucro, valendo-se, para tanto, de violência física, moral e da situação de vulnerabilidade em que se encontravam.

A mencionada ORCRIM era dividida em núcleos consoante a divisão territorial que fizeram da cidade, segundo a qual cada núcleo respeitava a área de atuação do outro, tendo, cada um dos denunciados, funções definidas em seu âmbito.

(...)

2.1.1.1. AGDA DIAS DA SILVA liderava a organização criminosa, tendo forte poder e influência sobre a vida das vítimas - mulheres e pessoas transgênero - sendo responsável pelo aliciamento destas, atuando pessoalmente nas tratativas iniciais, definindo os preços da viagem para esta cidade, dos serviços “oferecidos” (hospedagem, alimentação tratamentos etc.), assim como o local de estadia das vítimas e a realização dos programas sexuais, bem como dirigia e coordenava a aplicação de multas e punições físicas àquelas que desobedecesse as regras, além de autorizar saídas temporárias e resolver desavenças com outros clientes.

Além disso, AGDA mantinha parcerias com diversos motéis onde os encontros sexuais eram realizados, dentre os quais “Morris”, “Desejo”, “Nuance”, “Pirata” e “Fenix”, os quais pagavam pela proteção do grupo da denunciada e também lhe passava informações acerca dos programas realizados pelas vítimas (quantidade de clientes, duração erc.), bem como lhe repassaram os valores das diárias pagas pelos encontros/utilização pelas vítimas.

AGDA contava com pessoa de sua total confiança - identificada como “SILVANA” - que tratava de alojar as vítimas, mantê-las sob vigilância, receber os pagamentos das diárias da casa, atender telefonemas e fazer pedidos de drogas, tudo repassando e informando à AGDA.

AGDA DIAS DA SILVA contava, enquanto líder deste núcleo da organização criminosa, com comparsas que a auxiliam diretamente na execução das atividades.

2.1.1.2. AGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, filha de AGDA, e RENAN LOPES CAMARGOS, conhecido como traficante de drogas e integrante ou simpatizante da facção criminosa “Primeiro Comando da Capital - PCC”, para a qual exercia a função de “DISCIPLINA” na área dos bairros Quintino Facci I e Salgado Filho I, e ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, auxiliam AGDA diretamente em várias das tarefas diárias necessárias e caras à completa submissão das vítimas.

Eram eles os responsáveis por atividades rotineiras como buscar as vítimas na rodoviária, fiscalização dos pontos de prostitiuição (por onde transitavam incessantemente a bordo de veículos), controle da quantidade de programas e de clientes que cada uma das vítimas atendia por dia, cobrança e recebimento dos pagamentos dos programas sexuais; atuando, enfim, como executores das atividades de AGDA, inclusive por intermediarem o fornecimento de drogas às vítimas.

O núcleo comandado por AGDA DIAS DA SILVA atuava com violência explícita no controle de suas atividades, submetendo as vítimas, sempre que necessário aos infames julgamentos informais realizados pelos “TRIBUNAIS DO CRIME” comandados pela facção criminosa PCC (...)

AGDA DIAS DA SILVA integra a presenta organização criminosa onde exerce função de liderança, sendo ela a responsável por comandar os pontos de prosituição da Avenida Brasil, Avenida Saudade, Cerrado e Setor dos Motéis, contando, para tanto, com o auxílio de sua filha AGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS E ARTUR PEREIRA CERQUEIRA.

2.1.1.3. MARLENE DA SILVA, uma das mais antigas cafetinas da cidade de Ribeirão Preto atuando com transgêneros, explorava, em parceria com AGDA DIAS DA SILVA, os pontos de prostituição da Avenida Brasil.

Era uma das responsáveis por aliciar mulheres e transgênero de outros Estados da Federação para exploração sexual, as quais também recebia em sua residência/hospedagem mediante pagamento de diárias, cuja cobrança e a fiscalização dos programas sexuais realizados ficavam a cargo de seus “funcionários”, até aqui identificados apenas como MARCELO, vulgo “ÍNDIO”, e EDSON.

Outros núcleos atuavam em outras regiões da cidade, atuando em várias ocasiões, em parceria com aquele dirigido por AGDA DIAS.

(...)

MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, socialmente conhecido como “FERNANDA OLIVER”, aliciava e alocava pessoas transgênero em suas casas nesta cidade, acompanhava as vítimas até a cidade de São Paulo para a realização de procedimento estéticos (megahair etc.) e cirúrgicos (próteses mamárias), como sempre cobrando-as em seguida por tudo: hospedagem, alimentação, procedimentos estéticos etc.

ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, conhecido por “NICOLY CASTRO”, auxiliado por seu companheiro FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO e por uma pessoa identificada apenas como “PÂMELA”, também aliciam jovens transgênero de outros Estados da Federação (Maranhão, Pará, Ceará, Minas Gerais etc.), fornecendo-lhes alojamento, mediante cobrança de diárias, além, ainda, de financiarem a transformação corporal das vítimas (aplicação de silicone industrial, prótese mamária etc.), criando submissão e dependência das vítimas, viabilizando a exploração sexual delas, além da resolução de conflitos com outras cafetinas.

ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA controlava, com auxílio de sua gerente identificada como “MONIQUE”, os pontos de prostituição existentes ao redor da Avenida Nove de Julho.

A denunciada também aliciava pessoas da região Norte e Nordeste do país, geralmente através do Facebook, bem como alojava pessoas travestis e transgêneros nos imóveis situados nas Ruas General Osório n. 1396, Carlos Gomes n. 169 e Rui Barbosa n. 85, apto 34, Centro, Ribeirão Preto, gerando condição de submissão e dependência, facilitando o controle dos programas realizados pelas vítimas que se encontravam sob sua supervisão.

ANA PAULA também financiou procedimentos cirúrgicos realizados pelas vítimas exploradas, incremento o poder de retorno financeiro no exercício da prostituição.

O denunciado ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”, era o responsável pela exploração sexual de transgêneros na região do aeroporto, no estabelecimento conhecido como “CASTELO DAS TRANS”,  situado na Rua Anhembi n. 316, Ribeirão Preto/SP.

O denunciado aliciava jovens de outros Estados, alojando-as no imóvel referido e as explorava sexualmente, algumas menores de idade, mantendo-as sob seu julgo mediante violência, grave ameaça e coação.

ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA foi investigado por homicídios de pessoa submetida a sua infame submissão.

Todos os exploradores e aliciadores contavam, para o início das atividades de exploração sexual das pessoas que recebia em seus imóveis, com os préstimos de uma ‘bombadeira’, responsável por realizar as primeiras alterações corporais nas vítimas.

ROBERVAL DA SILVA FERREIRA, vulgo “NÚBIA”, tinha como responsabilidade a aplicação de silicone industrial nas pessoas “T” (travestis e transgênero) alojadas nas casas dos demais denunciados.

Quando as vítimas de exploração se iniciam na prostituição, a forma mais barata e rápida de alcançarem contornos corporais femininos é a aplicação de silicone industrial (produto oriundo da Indústria de aviação) nas nádegas e pernas.

(...)

O denunciado tinha pleno conhecimento dos riscos das atividades que desenvolvia, atuando com total indiferença em relação à saúde das vítimas, se tratando do tema diário no ambiente de pessoas “T”.

Atuando em prol da organização criminosa, cabia à ROBERVAL/”Núbia” a realização desses procedimentos clandestinos, tanto na sua residência, como na casas dos demais denunciados, sem qualquer tipo de estrutura e aparato clínico profissional para tanto.

O denunciado não tinha qualquer capacitação técnica ou habilitação para prestar socorro às vítimas no caso de alguma intercorrência.

Há registro de óbito de pessoa que passou por referido procedimento (Inquérito Policial n. 175/2013 DIG/RP).

(...)

2.2 DO CRIME DE TRÁFICO INTERNO/INTERESTADUAL DE PESSOAS COM FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL (artigo 149-A, inciso V, do Código Penal) (...)

Consta, ainda, dos inclusos autos de inquérito policial que, desde data incerta, mas certamente ao menos desde 2017 e até o dia 13 de março de 2019, nesta cidade e comarca de Ribeirão Preto, AGDA DIAS DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, vulgo “NICOLY CASTRO”, MARLENE DA SILVA e MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, conhecido como “FERNANDA OLIVER”, aliciaram e alojaram, mediante fraude, de forma contínua e reiterada, diversas mulheres, travestis e transgêneros, com a finalidade de explorá-las sexualmente (...)

Conforme restou apurado, como parte do esquema engendrado pela organização criminosa composta pelos denunciados, valendo-se, via de regra, da situação de vulnerabilidade das vítimas, em um primeiro momento, aliciavam, mediante fraude consistente na promessa de realização de procedimentos estéticos e cirúrgicos, hospedagem, alimentação, melhores condições de trabalho e proteção, de mulheres, travestis e transgêneros dos mais diversos Estados da Federação, as quais enviavam, normalmente, o dinheiro para as passagens e alimentação durante a viagem.

Bem sucedida esta primeira fase do aliciamento, os denunciados ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA; vulgo “NICOLY CASTRO”  - que mantinha um imóvel na Rua Joaquim Nabuco n. 439, Ribeirão Preto -, ALEXANDRE FERREIRA, vulgo “DECO” - que mantinha um imóvel na Rua Anhembi n. 360, Salgado Filho I, Ribeirão Preto, conhecido como “CASTELO DAS TRANS” -, AGDA DIAS - que mantinha uma chácara na Rua Anhembi n. 2017, Ribeirão Preto -, Maurício Alves de Oliveira, conhecido como “FERNANDA OLIVER” - que mantinha um imóvel na Rua Conselheiro Dantas n. 279, Ribeirão Preto - e ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA - mantinha imóveis nas Ruas General Osório n. 1396, Carlos Gomes n. 169 e Rui Barbosa n. 85 apto. 34, todos em Ribeirão Preto - hospedaram as recém chegadas vítimas, em sua maioria pessoas “T”, mediante a cobrança de diárias no valor médio de R$50,00 (cinquenta reais), bem como de outras taxas referentes, por exemplo, ao uso do micro-ondas, de sinal de internet/wi-fi, roupas usadas e medicamentos consumidos que, somadas aos custos originados da viagem, criavam condição de dependência econômica das vítimas para com os denunciados.

Para que saldassem suas dívidas cada vez maiores, as vítimas eram exploradas pelos acusados, sendo obrigadas a se prostituírem em pontos controlados, justamente, pelas denunciadas, devendo realizar um mínimo de programas sexuais por dia.

Cada dia que passavam nas casas dos denunciados, as dívidas das vítimas aumentava e, com elas aumentava o controle deles sobre seus destinos, impedindo-as de deixarem aqueles imóveis, transformando-se em verdadeiros objeto, propriedades dos aliciadores/donos das casas, ora denunciados.

2.3 DO CRIME DE RUFIANISMO QUALIFICADO (artigo 230, §2º, do Código Penal) (...)

Consta, também, dos inclusos autos de inquérito policial que desde data incerta, mas certamente e no mínimo do ano de 2017 e até o dia 13 de março de 2019, nesta cidade e comarca de Ribeirão Preto, AGDA DIAS DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, vulgo “NICOLY CASTRO”, FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, MARLENE DA SILVA, MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, vulgo “FERNANDA OLIVER”, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA e RENAN LOPES CAMARGOS, de forma contínua e reiterada, tiraram proveito da prostitiução alheia participando diretamente de seus lucros, valendo-se, para tanto, de violência física e grave ameaça que impedia e dificultavam a livre manifestação de vontade das vítimas (...)

Segundo apurado, como atividade principal desenvolvida pela organização criminosa, os denunciados, após dividirem os principais pontos de prostituição da cidade de Ribeirão Preto, valiam-se de violência física e grave ameaça, bem assim da situação de vulnerabilidade das vítimas e da dependência econômica gerada pelo pagamentos de diárias, alimentação e procedimentos estéticos realizados, para explorarem a prostituição das mulheres e pessoas “T” aliciadas, participando diretamente dos lucros auferidos pela atividade sexual por elas desenvolvida, desde a cobrança de taxas diárias pelo uso de espaço público para es prostituírem (que variavam conforme a região da cidade 0 de R$10,00 na região da Avenida Brasil a R$25,00 na região da Avenida Nove de Julho), até porcentagem dos programas sexuais realizados diariamente.

Conforme asseverado anteriormente, AGDA DIAS DA SILVA, auxiliada por sua filha ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA e por RENAN LOPES CAMARGOS e ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, eram responsáveis por explorar sexualmente as vítimas que se prostituíam nos pontos existentes na Avenida Brasil, Avenida da Saudade, Cerrado e Setor de Motéis, mantendo, inclusive, parcerias com alguns estabelecimentos onde os programas eram realizados que, além de pagarem por sua proteção, também informaram a quantidade e duração dos programas realizadas pelas vítimas que estavam sob seu julgo, bem como repassaram os valores das diárias da vítimas que lá se hospedassem (...)

A denunciada MARLENE DA SILVA dividia com AGDA a exploração dos pontos de prostituição nas redondezas da Avenida Brasil, cobrando “diárias” nos valores de R$20,00 (vinte reais) para transexuais e R$50,00 (cinquenta reais) para mulheres.

Os denunciados MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, vulgo “FERNANDA OLIVER” e ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, vulgo “NICOLY CASTRO”, com auxílio do seu companheiro FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, por sua vez, e seguindo a divisão territorial preconizada pela organização criminosa, participavam dos lucros da prostituição exercida pelas vítimas no ponto existente nos arredores da concessionária Santa Emília, próxima à rotatória Amin Calil, cobrando R$20,00 (vinte reais) por noite (...)

ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, por sua vez, controlava os pontos de prostituição ao redor da Avenida Nove de Julho, cobrando das vítimas o valor diário de R$25,00 (vinte e cinco reais) (...)

Por fim, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”, explorava sexualmente transexuais, participando dos lucros dos programas sexuais realizados no estabelecimento denominado “CASTELO DAS TRANS”, por ele controlado (...)

A exploração da prostituição alheia pelos denunciados era realizada mediante violências psicologica (ameaças, inclusive para que não quebrassem a sigilosidade da atuação dos denunciados) e física (agressões e espancamentos) - acaso não fossem feitos os pagamentos das dívidas ou desrespeitadas as regras estabelecidas -, além da comprovada situação de vulnerabilidade e de depenência econômica das vítimas para com os denunciados, fatos preponderante para obstar a livre manifestação de vontade das mesmas.

Em casos extremos, vítimas foram submetidas a “TRIBUNAIS DO CRIME” regidos pelos membros do “Primeiro Comando da Capital - PCC” (...)

Não por outro motivo, evidenciam-se diversas ocorrências de agressões físicas, homicídios e suicídios envolvendo os endereços vinculados aos denunciados e eles próprios (...)

2.4 DO EXERCÍCIO IRREGULAR DA MEDICINA (artigo 282, caput, c.c parágrafo único, do Código Penal) (...)

Consta, por fim, dos inclusos autos de inquérito policial que desde data incerta, mas certamente até o dia 13 de março de 2019, nesta cidade e comarca de Ribeirão Preto, ROBERVAL DA SILVA FERREIRA, vulgo “NÚBIA”, de forma contínua e reiterada, exerceu a profissão de médica sem autorização legal para tanto.

Segundo o apurado o denunciado ROBERVAL DA SILVA FERREIRA, vulgo “NÚBIA”, como integrante da organização criminosa, exercia a atividade de “bombadeira”, responsável pela aplicação de silicone industrial (SIL) nas pessoas “T” alojadas nas casas dos demais denunciados, não obstante ter pleno conhecimento dos riscos da atividade desenvolvida, e atuando de forma clandestina e com total indiferença em relação à saúde e à vida das vítimas.

(...)

Tanto a indicação como a execução de procedimentos invasivos terapêuticos e estéticos, contudo, são atividades privativas de médico.

Realizando aquelas arriscadas aplicações, além de colocar em risco a saúde das vítimas ROBERVAL/”Núbia”, exerceu irregularmente profissão reservada à medicina.

 

No dia 17/05/2023, o Ministério Público Federal ofereceu aditamento à denúncia anteriormente apresentada pelo Parquet Estadual, reclassificando as condutas, o que resultou no acréscimo da imputação de redução à condição análoga à de escravo a todos os denunciados, com exceção de Roberval (Núbia). O crime de tráfico de pessoas com finalidade de exploração sexual foi imputado também a ÁGATHA, ARTUR, RENAN e FILIPE (ID 276501283).

Extrai-se do aditamento à denúncia:

 

“[...] Todos os denunciados agiam de forma estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter vantagem econômica, mediante a prática dos crimes de tráfico de pessoas, redução à condição análoga à de escravo e rufianismo. No caso, o denunciado Roberval integrava a organização criminosa com a função de praticar o crime de exercício ilegal da medicina.

Dessa forma, feitas as considerações necessárias, conclui-se que é inevitável a recapitulação dos fatos narrados na denúncia oferecida pelo Parquet Estadual, acrescentando-se, ainda, o que segue:

2.1 Do crime de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual (art. 149-A, V do CP)

No caso, foi constatado que os denunciados agiam promovendo o aliciamento de transexuais de outros Estados, principalmente pelas redes sociais, por meio de outras transexuais alojadas em sua casa.

Para tanto, ofereciam hospedagem, alimentação, trabalho e segurança, dizendo que a cidade era um bom lugar, que elas ganhariam bem e que teriam a oportunidade de fazer procedimentos estéticos e cirúrgicos, de modo a ganhar contornos de corpo feminino.

As transexuais, quando do deslocamento, tinham consciência de que iriam exercer a prostituição, mas achavam que seria de forma voluntária, por livre e espontânea vontade e não de forma forçada e submetidas a todo tipo de violência e formas de exploração, ou seja, não tinham consciência das condições em que se veriam coagidas a atuarem ao chegarem no local de destino. Aí reside o embuste, a fraude.

[...] No presente caso, houve nítido abuso de vulnerabilidade das vítimas, tanto em razão da idade e da identidade de gênero, quanto em razão das condições socioeconômicas. Foram colhidos indícios de violências físicas e psicológicas, além de ameaças, tanto diretas, como sutis, inclusive com resultado morte (f. 813 dos autos físicos).

Restou evidente que a finalidade do aliciamento, transporte e alojamento das vítimas era a exploração sexual.

2.2 Do crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149, caput, do CP)

Após o aliciamento, transporte até a cidade, acolhimento e alojamento das vítimas, iniciava-se a exploração sexual com submissão delas à prostituição forçada com jornada exaustiva, sujeitando-se a condições degradantes de trabalho e restrição de sua locomoção, inclusive em razão de dívidas contraídas de forma forçada.

Ao chegar na cidade, a dívida inicial aumentava em razão dos custos ocultos das quais as vítimas não tinham conhecimento na fase de recrutamento, revelando-se dívidas insanáveis que passariam a vincular a vítima aos traficantes, impedindo-as de sair da situação de exploração.

Os documentos apreendidos e os depoimentos das testemunhas ouvidas revelaram que os denunciados compravam as passagens de ônibus para que as transexuais se deslocassem de suas cidades de origem até Ribeirão Preto, e depois cobravam o dobro do valor real das passagens.

Chegando na cidade, os investigados buscavam as vítimas na rodoviária e as alojavam em suas casas, do tipo pensionato, mediante a cobrança de diárias, cujos valores variavam de R$50,00 a R$100,00.

Sabedores que um corpo com silhueta feminina é o grande sonho de suas vítimas, os denunciados se aproveitaram disso para a realização de procedimentos, levando-os até a ‘bombadeira’ (ou trazendo a ‘bombadeira’ para suas casas) para aplicação de silicone industrial e acompanhando-as até clínicas médicas em São Paulo, especificamente do Dr. Puga e do Dr. Paulino.

Para tanto, diziam que elas tinham que ter uma ‘conta’ com eles, ou seja, entregar em suas mãos pelo menos parte do dinheiro para aplicação do silicone industrial e realização dos procedimentos cirúrgicos.

Uma vez juntado parte do dinheiro exigido pelos denunciados, as vítimas eram induzidas a comprar roupas, sapatos e perucas e outros acessórios a preços superfaturados, vendidos por eles próprios, de forma a aumentar a dívida, em um ciclo de endividamento sem fim.

Àquelas que não entregassem o dinheiro ou que não respeitassem as regras da casa, eram aplicadas multas extorsivas, sem qualquer critério (valores que variavam de R$200,00 a R$1.000,00, havendo relatos de multas de até R$3.000,00).

2.3 Do rufianismo qualificado

As provas colhidas indicam que os denunciados tinham por ofício a ‘cafetinagem’, ou seja, tiravam sua renda e sustento da prostituição alheia, mediante violência e grave ameaça. Ficou comprovado que as vítimas aliciadas prestavam serviços de natureza sexual em proveito dos denunciados durante a estadia nos respectivos alojamentos”

 

Ante tais fatos, foram denunciados:

1) AGDA DIAS DA SILVA como incursa nas penas (i) do artigo 2º, §3º (liderança), da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput, do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

2) ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA e RENAN LOPES CAMARGOS como incursos nas penas do (i) artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput, do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

3) ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA como incursa nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

4) MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA/FERNANDA OLIVER, como incurso nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

5) ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA/NICOLY CASTRO, como incurso nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

6) FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO como incurso nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

7) MARLENE DA SILVA como incursa nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput, do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

8) ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA/“DECO”, como incurso nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal; e

9) ROBERVAL DA SILVA FERREIRA/NÚBIA, como incurso nas penas do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; e por diversas vezes nas penas do artigo 282, caput , c.c. parágrafo único, do Código Penal, na forma do artigo 69 (concurso material de crimes) do Código Penal.

A decisão proferida pelo Juízo a quo no dia 05/06/2019, rejeitou a denúncia (ID 276501428) no tocante à imputação do crime de redução a condição análoga à de trabalho escravo (que justificava a competência federal) e, em consequência, declarou a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar o caso de acordo com as imputações remanescentes (art. 2º da Lei nº 12.850-2013 e arts. 149-A, V, 230, § 2º, e art. 282, caput e parágrafo único, do Código Penal)

Nos autos do Recurso em Sentido Estrito nº 5017182-25.2019.4.03.0000, interposto em face da decisão que rejeitou a denúncia, foi proferido acórdão por esta Décima Primeira Turma em 10 de outubro de 2019, determinando o recebimento da denúncia e do aditamento. Frise-se ainda que a competência da 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP já havia sido fixada por meio de decisão do Superior Tribunal de Justiça no conflito de competência nº 164.628 (ID 276501258 - pg. 5/13).

 

Por meio das decisões de ID 276504221 e ID 276506884, declarou-se extinta a punibilidade de MARLENE e ROBERVAL, por terem falecido.

 

O Juízo a quo proferiu sentença em 27/04/2023, julgando improcedente a pretensão punitiva estatal para absolver os réus das acusações dos crimes de organização criminosa e de redução a condição análoga à de escravo, entendendo estar provada a inexistência do fato (art. 386, I, CPP) e absolver os réus das acusações dos crimes de tráfico de pessoas para o fim de exploração sexual e de rufianismo qualificado, por entender inexistirem provas de que os réus concorreram para a infração (art. 386, V, CPP).

Inconformada, a acusação interpôs recurso de apelação (ID 276508630), em cujas razões pleiteia a reforma da sentença para condenação dos réus nos termos do aditamento da denúncia. Sustentou-se, em suma, que

 

(...) as provas produzidas, tanto na etapa extrajudicial quanto na etapa judicial, foram no sentido da existência de organização criminosa estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter vantagem econômica, mediante a prática dos crimes de tráfico de pessoas, redução à condição análoga à de escravo e rufianismo (...).

 

Além disso, ressaltou-se que houve abuso da vulnerabilidade das vítimas, por meio do qual os crimes foram praticados.

As defesas dos réus apresentaram contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso (IDs 276508653, 276508660, 276508661, 276508667, 276508669, 278848352, 278854994).

Em parecer (ID 280999026), a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Submeto a revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002895-09.2018.4.03.6102

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, OPERAÇÃO CINDERELA

 

APELADO: AGDA DIAS DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTONIO ALENISIO DA SILVA, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, FELIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, MAURICIO ALVES DE OLIVEIRA, AGATHA VITORIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS

Advogado do(a) APELADO: SANDRA DE MORAES PEPORINI - SP190331-A
Advogado do(a) APELADO: SANTA APARECIDA RAMOS NOGUEIRA - SP129860-A
Advogado do(a) APELADO: HAMILTON PAULINO PEREIRA JUNIOR - SP126874-A
Advogados do(a) APELADO: KARINA MAGALHAES ZACARIAS SANTOS - SP312640-A, PRISCILA MAGALHAES ZACARIAS SANTOS - SP312665-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal, e passo ao exame de mérito.

 

I - Dos fatos.

Narra a denúncia (ID 276501258) a existência de uma suposta organização criminosa que seria responsável por controlar a prostituição em regiões da cidade de Ribeirão Preto/SP, por meio de agressões e endividamentos eternos, inclusive aliciando novas pessoas de outras regiões do Brasil a oferecer serviços sexuais.

De acordo com a inicial acusatória:

 

Relatório Inicial (...) condensou narrativa de depoente anônimo acerca da atuação de vários núcleos de exploração de pessoas “T” (travestis e transgênero), para práticas sexuais, em condições precárias de moradia e mediante tratamentos de saúde sem qualquer regularidade, as quais provinham da região Nordeste do país, mediante promessas de hospedagem, alimentação e procedimentos estéticos e cirúrgicos para que os jovens se prostituíssem na cidade de Ribeirão Preto/SP; em situações pontuais e específicas, algumas daquelas pessoas seriam destinadas ao tráfico internacional humano.

Conforme o Relatório, toda sorte e tipo de valores eram cobrados daquelas pessoas: desde a passagem para chegar a Ribeirão Preto/SP, passando por caras diárias de ‘hospedagem’ em imóveis em precárias condições (sempre em quartos comunitários e com banheiros também comuns), incluindo cobranças a parte por coisas banais como uso de micro-ondas, pelos tratamentos estéticos iniciais (doloroso implante de ‘silicone’ industrial/aeronáutico nas pernas e nádegas, o qual não raras vezes deixa as vítimas acamadas por semanas, aplicados por ‘bombadeiras’, sem qualquer cuidado) e posteriores (silicone, capilar, facial etc.), assim como pelo ‘uso’ do ponto de prostituição/via pública (variando conforme a região da cidade) e pelo consumo de drogas (providenciado pelas ‘donas das casas’). Aquelas poucas pessoas que sobreviviam ao martírio inicial e se destacavam na prostituição (chamadas ‘montadas’), eram, ao fim, financiadas para se prostituírem fora do país. As dívidas eram impagáveis.

Tais ambientes eram comandados por ameaças e agressões constantes, tanto para que as dívidas fossem pagas como para que suas regras fossem estritamente seguidas, não havendo espaço para as vítimas cogitarem de deixar os imóveis sem que tudo fosse pago.

Acaso as vítimas se rebelassem contra o sistema imposto pelas aliciadoras ou não pagassem suas dívidas conforme exigido, eram submetidas a agressões/espancamentos pelos exploradores, ajudados pelos fornecedores de drogas naqueles locais.

A imposição da dependência econômica e da violência psicológica e física tinha como consequência a completa submissão dos transgêneros às ‘donas das casas’.

De acordo com as informações, AGDA DIAS DA SILVA trabalhava em parceria com MARLENE DA SILVA, dividindo os lucros da exploração sexual realizada em diversos pontos dos bairros Salgado Filho, Avenida Brasil e Cerrado. Além delas, praticariam o mesmo esquema de exploração sexual - aliciamento, dívidas com drogas, procedimentos estéticos e cirúrgicos e trabalho em péssimas condições - ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, conhecido como “NICOLY CASTRO”, e MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, conhecido no meio da prostituição como “FERNADA OLIVER”, responsáveis por controlar os pontos de prostituição da região da concessinária Santa Emília, e ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, que controla os pontos da região da Avenida Nove de Julho.

(...)

A análise inicial de diversos registros de ocorrência policial (BOs) - como lesão corporal, homicídio e suicídio - revelou figurarem como vítimas pessoas transgênero oriundas de outros Estados da Federação (Ceará, Pará, Minas Gerais, Maranhão etc.), as quais moravam nesta cidade. (...)

2.1 DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (artigo 2º, da Lei n. 12.850/2013) (...)

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, desde data incerta, mas certamente a partir do ano de 2017 e até o dia 13 de março de 2019, nesta cidade e comarca de Ribeirão Preto, AGDA DIAS DA SILVA; ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”; ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA; ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA; vulgo “NICOLY CASTRO”; ARTUR PEREIRA CERQUEIRA; MARLENE DA SILVA; FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO; MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA; vulgo “FERNANDA OLIVER”; ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA; RENAN LOPES CAMARGOS e ROBERVAL DA SILVA FERREIRA, vulgo “NÚBIA”, integraram organização criminosa estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, instituída para obter, direta e indiretamente, vantagem pecuniária, com a prática do crime de tráfico de pessoas, definido no artigo 149, do Código Penal, e de rufianismo, previsto no artigo 230, do Código Penal.

Segundo o apurado, os denunciados integravam organização criminosa constituída para, de forma reiterada, aliciar mediante fraude, e alojar mulheres e pessoas transgênero oriundas dos mais diversos Estados da Federação, de cuja prostituição tiravam proveito, participando direta e compulsoriamente de seu lucro, valendo-se, para tanto, de violência física, moral e da situação de vulnerabilidade em que se encontravam.

A mencionada ORCRIM era dividida em núcleos consoante a divisão territorial que fizeram da cidade, segundo a qual cada núcleo respeitava a área de atuação do outro, tendo, cada um dos denunciados, funções definidas em seu âmbito.

(...)

2.1.1.1. AGDA DIAS DA SILVA liderava a organização criminosa, tendo forte poder e influência sobre a vida das vítimas - mulheres e pessoas transgênero - sendo responsável pelo aliciamento destas, atuando pessoalmente nas tratativas iniciais, definindo os preços da viagem para esta cidade, dos serviços “oferecidos” (hospedagem, alimentação tratamentos etc.), assim como o local de estadia das vítimas e a realização dos programas sexuais, bem como dirigia e coordenava a aplicação de multas e punições físicas àquelas que desobedecesse as regras, além de autorizar saídas temporárias e resolver desavenças com outros clientes.

Além disso, AGDA mantinha parcerias com diversos motéis onde os encontros sexuais eram realizados, dentre os quais “Morris”, “Desejo”, “Nuance”, “Pirata” e “Fenix”, os quais pagavam pela proteção do grupo da denunciada e também lhe passava informações acerca dos programas realizados pelas vítimas (quantidade de clientes, duração erc.), bem como lhe repassaram os valores das diárias pagas pelos encontros/utilização pelas vítimas.

AGDA contava com pessoa de sua total confiança - identificada como “SILVANA” - que tratava de alojar as vítimas, mantê-las sob vigilância, receber os pagamentos das diárias da casa, atender telefonemas e fazer pedidos de drogas, tudo repassando e informando à AGDA.

AGDA DIAS DA SILVA contava, enquanto líder deste núcleo da organização criminosa, com comparsas que a auxiliam diretamente na execução das atividades.

2.1.1.2. AGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, filha de AGDA, e RENAN LOPES CAMARGOS, conhecido como traficante de drogas e integrante ou simpatizante da facção criminosa “Primeiro Comando da Capital - PCC”, para a qual exercia a função de “DISCIPLINA” na área dos bairros Quintino Facci I e Salgado Filho I, e ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, auxiliam AGDA diretamente em várias das tarefas diárias necessárias e caras à completa submissão das vítimas.

Eram eles os responsáveis por atividades rotineiras como buscar as vítimas na rodoviária, fiscalização dos pontos de prostitiuição (por onde transitavam incessantemente a bordo de veículos), controle da quantidade de programas e de clientes que cada uma das vítimas atendia por dia, cobrança e recebimento dos pagamentos dos programas sexuais; atuando, enfim, como executores das atividades de AGDA, inclusive por intermediarem o fornecimento de drogas às vítimas.

O núcleo comandado por AGDA DIAS DA SILVA atuava com violência explícita no controle de suas atividades, submetendo as vítimas, sempre que necessário aos infames julgamentos informais realizados pelos “TRIBUNAIS DO CRIME” comandados pela facção criminosa PCC (...)

AGDA DIAS DA SILVA integra a presenta organização criminosa onde exerce função de liderança, sendo ela a responsável por comandar os pontos de prosituição da Avenida Brasil, Avenida Saudade, Cerrado e Setor dos Motéis, contando, para tanto, com o auxílio de sua filha AGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS E ARTUR PEREIRA CERQUEIRA.

2.1.1.3. MARLENE DA SILVA, uma das mais antigas cafetinas da cidade de Ribeirão Preto atuando com transgêneros, explorava, em parceria com AGDA DIAS DA SILVA, os pontos de prostituição da Avenida Brasil.

Era uma das responsáveis por aliciar mulheres e transgênero de outros Estados da Federação para exploração sexual, as quais também recebia em sua residência/hospedagem mediante pagamento de diárias, cuja cobrança e a fiscalização dos programas sexuais realizados ficavam a cargo de seus “funcionários”, até aqui identificados apenas como MARCELO, vulgo “ÍNDIO”, e EDSON.

Outros núcleos atuavam em outras regiões da cidade, atuando em várias ocasiões, em parceria com aquele dirigido por AGDA DIAS.

(...)

MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, socialmente conhecido como “FERNANDA OLIVER”, aliciava e alocava pessoas transgênero em suas casas nesta cidade, acompanhava as vítimas até a cidade de São Paulo para a realização de procedimento estéticos (megahair etc.) e cirúrgicos (próteses mamárias), como sempre cobrando-as em seguida por tudo: hospedagem, alimentação, procedimentos estéticos etc.

ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, conhecido por “NICOLY CASTRO”, auxiliado por seu companheiro FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO e por uma pessoa identificada apenas como “PÂMELA”, também aliciam jovens transgênero de outros Estados da Federação (Maranhão, Pará, Ceará, Minas Gerais etc.), fornecendo-lhes alojamento, mediante cobrança de diárias, além, ainda, de financiarem a transformação corporal das vítimas (aplicação de silicone industrial, prótese mamária etc.), criando submissão e dependência das vítimas, viabilizando a exploração sexual delas, além da resolução de conflitos com outras cafetinas.

ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA controlava, com auxílio de sua gerente identificada como “MONIQUE”, os pontos de prostituição existentes ao redor da Avenida Nove de Julho.

A denunciada também aliciava pessoas da região Norte e Nordeste do país, geralmente através do Facebook, bem como alojava pessoas travestis e transgêneros nos imóveis situados nas Ruas General Osório n. 1396, Carlos Gomes n. 169 e Rui Barbosa n. 85, apto 34, Centro, Ribeirão Preto, gerando condição de submissão e dependência, facilitando o controle dos programas realizados pelas vítimas que se encontravam sob sua supervisão.

ANA PAULA também financiou procedimentos cirúrgicos realizados pelas vítimas exploradas, incremento o poder de retorno financeiro no exercício da prostituição.

O denunciado ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”, era o responsável pela exploração sexual de transgêneros na região do aeroporto, no estabelecimento conhecido como “CASTELO DAS TRANS”,  situado na Rua Anhembi n. 316, Ribeirão Preto/SP.

O denunciado aliciava jovens de outros Estados, alojando-as no imóvel referido e as explorava sexualmente, algumas menores de idade, mantendo-as sob seu julgo mediante violência, grave ameaça e coação.

ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA foi investigado por homicídios de pessoa submetida a sua infame submissão.

Todos os exploradores e aliciadores contavam, para o início das atividades de exploração sexual das pessoas que recebia em seus imóveis, com os préstimos de uma ‘bombadeira’, responsável por realizar as primeiras alterações corporais nas vítimas.

ROBERVAL DA SILVA FERREIRA, vulgo “NÚBIA”, tinha como responsabilidade a aplicação de silicone industrial nas pessoas “T” (travestis e transgênero) alojadas nas casas dos demais denunciados.

Quando as vítimas de exploração se iniciam na prostituição, a forma mais barata e rápida de alcançarem contornos corporais femininos é a aplicação de silicone industrial (produto oriundo da Indústria de aviação) nas nádegas e pernas.

(...)

O denunciado tinha pleno conhecimento dos riscos das atividades que desenvolvia, atuando com total indiferença em relação à saúde das vítimas, se tratando do tema diário no ambiente de pessoas “T”.

Atuando em prol da organização criminosa, cabia à ROBERVAL/”Núbia” a realização desses procedimentos clandestinos, tanto na sua residência, como na casas dos demais denunciados, sem qualquer tipo de estrutura e aparato clínico profissional para tanto.

O denunciado não tinha qualquer capacitação técnica ou habilitação para prestar socorro às vítimas no caso de alguma intercorrência.

Há registro de óbito de pessoa que passou por referido procedimento (Inquérito Policial n. 175/2013 DIG/RP).

(...)

2.2 DO CRIME DE TRÁFICO INTERNO/INTERESTADUAL DE PESSOAS COM FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL (artigo 149-A, inciso V, do Código Penal) (...)

Consta, ainda, dos inclusos autos de inquérito policial que, desde data incerta, mas certamente ao menos desde 2017 e até o dia 13 de março de 2019, nesta cidade e comarca de Ribeirão Preto, AGDA DIAS DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, vulgo “NICOLY CASTRO”, MARLENE DA SILVA e MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, conhecido como “FERNANDA OLIVER”, aliciaram e alojaram, mediante fraude, de forma contínua e reiterada, diversas mulheres, travestis e transgêneros, com a finalidade de explorá-las sexualmente (...)

Conforme restou apurado, como parte do esquema engendrado pela organização criminosa composta pelos denunciados, valendo-se, via de regra, da situação de vulnerabilidade das vítimas, em um primeiro momento, aliciavam, mediante fraude consistente na promessa de realização de procedimentos estéticos e cirúrgicos, hospedagem, alimentação, melhores condições de trabalho e proteção, de mulheres, travestis e transgêneros dos mais diversos Estados da Federação, as quais enviavam, normalmente, o dinheiro para as passagens e alimentação durante a viagem.

Bem sucedida esta primeira fase do aliciamento, os denunciados ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA; vulgo “NICOLY CASTRO”  - que mantinha um imóvel na Rua Joaquim Nabuco n. 439, Ribeirão Preto -, ALEXANDRE FERREIRA, vulgo “DECO” - que mantinha um imóvel na Rua Anhembi n. 360, Salgado Filho I, Ribeirão Preto, conhecido como “CASTELO DAS TRANS” -, AGDA DIAS - que mantinha uma chácara na Rua Anhembi n. 2017, Ribeirão Preto -, Maurício Alves de Oliveira, conhecido como “FERNANDA OLIVER” - que mantinha um imóvel na Rua Conselheiro Dantas n. 279, Ribeirão Preto - e ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA - mantinha imóveis nas Ruas General Osório n. 1396, Carlos Gomes n. 169 e Rui Barbosa n. 85 apto. 34, todos em Ribeirão Preto - hospedaram as recém chegadas vítimas, em sua maioria pessoas “T”, mediante a cobrança de diárias no valor médio de R$50,00 (cinquenta reais), bem como de outras taxas referentes, por exemplo, ao uso do micro-ondas, de sinal de internet/wi-fi, roupas usadas e medicamentos consumidos que, somadas aos custos originados da viagem, criavam condição de dependência econômica das vítimas para com os denunciados.

Para que saldassem suas dívidas cada vez maiores, as vítimas eram exploradas pelos acusados, sendo obrigadas a se prostituírem em pontos controlados, justamente, pelas denunciadas, devendo realizar um mínimo de programas sexuais por dia.

Cada dia que passavam nas casas dos denunciados, as dívidas das vítimas aumentava e, com elas aumentava o controle deles sobre seus destinos, impedindo-as de deixarem aqueles imóveis, transformando-se em verdadeiros objeto, propriedades dos aliciadores/donos das casas, ora denunciados.

2.3 DO CRIME DE RUFIANISMO QUALIFICADO (artigo 230, §2º, do Código Penal) (...)

Consta, também, dos inclusos autos de inquérito policial que desde data incerta, mas certamente e no mínimo do ano de 2017 e até o dia 13 de março de 2019, nesta cidade e comarca de Ribeirão Preto, AGDA DIAS DA SILVA, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”, ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, vulgo “NICOLY CASTRO”, FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, MARLENE DA SILVA, MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, vulgo “FERNANDA OLIVER”, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA e RENAN LOPES CAMARGOS, de forma contínua e reiterada, tiraram proveito da prostitiução alheia participando diretamente de seus lucros, valendo-se, para tanto, de violência física e grave ameaça que impedia e dificultavam a livre manifestação de vontade das vítimas (...)

Segundo apurado, como atividade principal desenvolvida pela organização criminosa, os denunciados, após dividirem os principais pontos de prostituição da cidade de Ribeirão Preto, valiam-se de violência física e grave ameaça, bem assim da situação de vulnerabilidade das vítimas e da dependência econômica gerada pelo pagamentos de diárias, alimentação e procedimentos estéticos realizados, para explorarem a prostituição das mulheres e pessoas “T” aliciadas, participando diretamente dos lucros auferidos pela atividade sexual por elas desenvolvida, desde a cobrança de taxas diárias pelo uso de espaço público para es prostituírem (que variavam conforme a região da cidade 0 de R$10,00 na região da Avenida Brasil a R$25,00 na região da Avenida Nove de Julho), até porcentagem dos programas sexuais realizados diariamente.

Conforme asseverado anteriormente, AGDA DIAS DA SILVA, auxiliada por sua filha ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA e por RENAN LOPES CAMARGOS e ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, eram responsáveis por explorar sexualmente as vítimas que se prostituíam nos pontos existentes na Avenida Brasil, Avenida da Saudade, Cerrado e Setor de Motéis, mantendo, inclusive, parcerias com alguns estabelecimentos onde os programas eram realizados que, além de pagarem por sua proteção, também informaram a quantidade e duração dos programas realizadas pelas vítimas que estavam sob seu julgo, bem como repassaram os valores das diárias da vítimas que lá se hospedassem (...)

A denunciada MARLENE DA SILVA dividia com AGDA a exploração dos pontos de prostituição nas redondezas da Avenida Brasil, cobrando “diárias” nos valores de R$20,00 (vinte reais) para transexuais e R$50,00 (cinquenta reais) para mulheres.

Os denunciados MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, vulgo “FERNANDA OLIVER” e ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA, vulgo “NICOLY CASTRO”, com auxílio do seu companheiro FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, por sua vez, e seguindo a divisão territorial preconizada pela organização criminosa, participavam dos lucros da prostituição exercida pelas vítimas no ponto existente nos arredores da concessionária Santa Emília, próxima à rotatória Amin Calil, cobrando R$20,00 (vinte reais) por noite (...)

ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA, por sua vez, controlava os pontos de prostituição ao redor da Avenida Nove de Julho, cobrando das vítimas o valor diário de R$25,00 (vinte e cinco reais) (...)

Por fim, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA, vulgo “DECO”, explorava sexualmente transexuais, participando dos lucros dos programas sexuais realizados no estabelecimento denominado “CASTELO DAS TRANS”, por ele controlado (...)

A exploração da prostituição alheia pelos denunciados era realizada mediante violências psicologica (ameaças, inclusive para que não quebrassem a sigilosidade da atuação dos denunciados) e física (agressões e espancamentos) - acaso não fossem feitos os pagamentos das dívidas ou desrespeitadas as regras estabelecidas -, além da comprovada situação de vulnerabilidade e de depenência econômica das vítimas para com os denunciados, fatos preponderante para obstar a livre manifestação de vontade das mesmas.

Em casos extremos, vítimas foram submetidas a “TRIBUNAIS DO CRIME” regidos pelos membros do “Primeiro Comando da Capital - PCC” (...)

Não por outro motivo, evidenciam-se diversas ocorrências de agressões físicas, homicídios e suicídios envolvendo os endereços vinculados aos denunciados e eles próprios (...)

2.4 DO EXERCÍCIO IRREGULAR DA MEDICINA (artigo 282, caput, c.c parágrafo único, do Código Penal) (...)

Consta, por fim, dos inclusos autos de inquérito policial que desde data incerta, mas certamente até o dia 13 de março de 2019, nesta cidade e comarca de Ribeirão Preto, ROBERVAL DA SILVA FERREIRA, vulgo “NÚBIA”, de forma contínua e reiterada, exerceu a profissão de médica sem autorização legal para tanto.

Segundo o apurado o denunciado ROBERVAL DA SILVA FERREIRA, vulgo “NÚBIA”, como integrante da organização criminosa, exercia a atividade de “bombadeira”, responsável pela aplicação de silicone industrial (SIL) nas pessoas “T” alojadas nas casas dos demais denunciados, não obstante ter pleno conhecimento dos riscos da atividade desenvolvida, e atuando de forma clandestina e com total indiferença em relação à saúde e à vida das vítimas.

(...)

Tanto a indicação como a execução de procedimentos invasivos terapêuticos e estéticos, contudo, são atividades privativas de médico.

Realizando aquelas arriscadas aplicações, além de colocar em risco a saúde das vítimas ROBERVAL/”Núbia”, exerceu irregularmente profissão reservada à medicina.

 

No dia 17/05/2019, o Ministério Público Federal ofereceu aditamento à denúncia anteriormente apresentada pelo Parquet Estadual, reclassificando as condutas, o que resultou no acréscimo da imputação de redução à condição análoga à de escravo a todos os denunciados, com exceção de Roberval (Núbia). O crime de tráfico de pessoas com finalidade de exploração sexual foi imputado também a Ágatha, Artur, Renan e Filipe (ID 276501283).

Extrai-se do aditamento à denúncia:

 

“[...] Todos os denunciados agiam de forma estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter vantagem econômica, mediante a prática dos crimes de tráfico de pessoas, redução à condição análoga à de escravo e rufianismo. No caso, o denunciado Roberval integrava a organização criminosa com a função de praticar o crime de exercício ilegal da medicina.

Dessa forma, feitas as considerações necessárias, conclui-se que é inevitável a recapitulação dos fatos narrados na denúncia oferecida pelo Parquet Estadual, acrescentando-se, ainda, o que segue:

2.1 Do crime de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual (art. 149-A, V do CP)

No caso, foi constatado que os denunciados agiam promovendo o aliciamento de transexuais de outros Estados, principalmente pelas redes sociais, por meio de outras transexuais alojadas em sua casa.

Para tanto, ofereciam hospedagem, alimentação, trabalho e segurança, dizendo que a cidade era um bom lugar, que elas ganhariam bem e que teriam a oportunidade de fazer procedimentos estéticos e cirúrgicos, de modo a ganhar contornos de corpo feminino.

As transexuais, quando do deslocamento, tinham consciência de que iriam exercer a prostituição, mas achavam que seria de forma voluntária, por livre e espontânea vontade e não de forma forçada e submetidas a todo tipo de violência e formas de exploração, ou seja, não tinham consciência das condições em que se veriam coagidas a atuarem ao chegarem no local de destino. Aí reside o embuste, a fraude.

[...] No presente caso, houve nítido abuso de vulnerabilidade das vítimas, tanto em razão da idade e da identidade de gênero, quanto em razão das condições socioeconômicas. Foram colhidos indícios de violências físicas e psicológicas, além de ameaças, tanto diretas, como sutis, inclusive com resultado morte (f. 813 dos autos físicos).

Restou evidente que a finalidade do aliciamento, transporte e alojamento das vítimas era a exploração sexual.

2.2 Do crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149, caput, do CP)

Após o aliciamento, transporte até a cidade, acolhimento e alojamento das vítimas, iniciava-se a exploração sexual com submissão delas à prostituição forçada com jornada exaustiva, sujeitando-se a condições degradantes de trabalho e restrição de sua locomoção, inclusive em razão de dívidas contraídas de forma forçada.

Ao chegar na cidade, a dívida inicial aumentava em razão dos custos ocultos das quais as vítimas não tinham conhecimento na fase de recrutamento, revelando-se dívidas insanáveis que passariam a vincular a vítima aos traficantes, impedindo-as de sair da situação de exploração.

Os documentos apreendidos e os depoimentos das testemunhas ouvidas revelaram que os denunciados compravam as passagens de ônibus para que as transexuais se deslocassem de suas cidades de origem até Ribeirão Preto, e depois cobravam o dobro do valor real das passagens.

Chegando na cidade, os investigados buscavam as vítimas na rodoviária e as alojavam em suas casas, do tipo pensionato, mediante a cobrança de diárias, cujos valores variavam de R$50,00 a R$100,00.

Sabedores que um corpo com silhueta feminina é o grande sonho de suas vítimas, os denunciados se aproveitaram disso para a realização de procedimentos, levando-os até a ‘bombadeira’ (ou trazendo a ‘bombadeira’ para suas casas) para aplicação de silicone industrial e acompanhando-as até clínicas médicas em São Paulo, especificamente do Dr. Puga e do Dr. Paulino.

Para tanto, diziam que elas tinham que ter uma ‘conta’ com eles, ou seja, entregar em suas mãos pelo menos parte do dinheiro para aplicação do silicone industrial e realização dos procedimentos cirúrgicos.

Uma vez juntado parte do dinheiro exigido pelos denunciados, as vítimas eram induzidas a comprar roupas, sapatos e perucas e outros acessórios a preços superfaturados, vendidos por eles próprios, de forma a aumentar a dívida, em um ciclo de endividamento sem fim.

Àquelas que não entregassem o dinheiro ou que não respeitassem as regras da casa, eram aplicadas multas extorsivas, sem qualquer critério (valores que variavam de R$200,00 a R$1.000,00, havendo relatos de multas de até R$3.000,00).

2.3 Do rufianismo qualificado

As provas colhidas indicam que os denunciados tinham por ofício a ‘cafetinagem’, ou seja, tiravam sua renda e sustento da prostituição alheia, mediante violência e grave ameaça. Ficou comprovado que as vítimas aliciadas prestavam serviços de natureza sexual em proveito dos denunciados durante a estadia nos respectivos alojamentos”

 

Ante tais fatos, foram denunciados:

1) AGDA DIAS DA SILVA como incursa nas penas (i) do artigo 2º, §3º (liderança), da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput, do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

2) ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA e RENAN LOPES CAMARGOS como incursos nas penas do (i) artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput, do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

3) ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA como incursa nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

4) MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA/“FERNANDA OLIVER”, como incurso nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

5) ANTÔNIO ALENÍSIO DA SILVA/“NICOLY CASTRO”, como incurso nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

6) FILIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO como incurso nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

7) MARLENE DA SILVA como incursa nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput, do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

8) ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA/“DECO”, como incurso nas penas (i) do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; (ii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149-A, inciso V, do Código Penal; (iii) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 149, caput , do Código Penal; e (iv) por diversas vezes em continuidade delitiva nas penas do artigo 230, § 2º, do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal; e

9) ROBERVAL DA SILVA FERREIRA/“NÚBIA”, como incurso nas penas do artigo 2º, caput , da Lei n. 12.850/2013; e por diversas vezes nas penas do artigo 282, caput , c.c. parágrafo único, do Código Penal, na forma do artigo 69 (concurso material de crimes) do Código Penal.

Por meio das decisões de ID 276504221 e ID 276506884, declarou-se extinta a punibilidade de MARLENE e ROBERVAL, por terem falecido.

O Juízo a quo proferiu sentença em 27/04/2023, julgando improcedente a pretensão punitiva estatal para absolver os réus das acusações dos crimes de organização criminosa e de redução a condição análoga à de escravo, entendendo estar provada a inexistência do fato (art. 386, I, CPP) e absolver os réus das acusações dos crimes de tráfico de pessoas para o fim de exploração sexual e de rufianismo qualificado, por entender inexistirem provas de que os réus concorreram para a infração (art. 386, V, CPP).

 

II - Das preliminares

a. Inépcia da denúncia

Em suas contrarrazões recursais, a defesa de AGDA DIAS DA SILVA e ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA alega que a denúncia deixou de descrever a conduta das denunciadas aptas a instaurar ação penal em seu desfavor.

A alegação não comporta acolhimento.

Com efeito, a peça acusatória e seu aditamento delinearam os elementos iniciais de prova que a embasaram, bem como narraram suficientemente o comportamento engendrado pelos réus no contexto das práticas delitivas imputadas, com a exposição dos fatos criminosos, as circunstâncias constitutivas dos tipos penais, a qualificação dos acusados e a classificação do crime, nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal, fazendo-se alusão expressa à prova da materialidade e autoria criminosas.

A exordial descreveu o que seria a operação de grupos que atuariam em Ribeirão Preto/SP, aliciando pessoas de outros locais do território nacional para explorá-las sexualmente, submetendo-as a jornadas exaustivas de trabalho, participando diretamente dos lucros oriundos da prostituição, valendo-se de meios que dificultavam ou inviabilizaram a manifestação da vontade das vítimas. Também é descrita a união de mais de quatro pessoas, com divisão de tarefas e estrutura, voltada à prática de infrações penais graves. Foi delineado quem seriam os autores, como se daria o modus operandi das condutas e quais suas características espaço-temporais.

Tendo a denúncia e seu aditamento descrito suficientemente o contexto fático em seus caracteres objetivos e subjetivos, e presentes elementos iniciais sólidos e hígidos de materialidade e autoria, deve ser reconhecida a aptidão da denúncia e seu lastro probatório (justa causa para instauração de ação penal), tratando-se, os demais desenvolvimentos, de matéria atinente ao mérito, em que se discutirá a efetiva comprovação de práticas em tese criminosas e seu amoldamento a tipos constantes do ordenamento. Nesse sentido, cito julgados do Superior Tribunal de Justiça:

 

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FASE DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. ART. 1º, XIII, DO DECRETO-LEI N. 201/67. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Como é da jurisprudência do STJ, na fase de juízo de admissibilidade da acusação vigora o princípio in dubio pro societate, de forma que, para o recebimento da denúncia basta haver indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva. Nesse sentido: STJ, REsp 1.682.764/MA, Quinta Turma, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, DJe 14/11/2018 e STJ, AgRg no AREsp 7.00.786/BA, Quinta Turma, Relator Ministro Ribeiro Dantas, DJe 24/10/2018 (APn 885/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 5/12/2018, DJe 10/12/2018). 2. Para rever o entendimento do Tribunal de origem e rejeitar a peça acusatória seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado pela Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.”. (AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1257276 2018.00.47103-4, JOEL ILAN PACIORNIK, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:16/05/2019 ..DTPB:.);

"RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DE PREVARICAÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CRIME DE TORTURA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE INÉPCIA. DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DOS FATOS CRIMINOSOS. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE TRAZIDOS PELA PROVA TESTEMUNHAL E PELOS EXAMES DE CORPO DE DELITO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DESSAS PROVAS INDICIÁRIAS SEM A ADEQUADA INSTRUÇÃO CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Prejudicado o pleito de recebimento da denúncia em relação ao crime de prevaricação, pois mesmo considerada a pena máxima cominada em abstrato já transcorreu lapso suficiente ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal até a presente data. 2. A teor do princípio in dubio pro societate, a rejeição de denúncia que descreve a existência do crime em tese, bem como a participação dos acusados, possibilitando-lhes o pleno exercício do direito de defesa, só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. 3. A inicial acusatória narra condutas que se amoldam, em tese, ao tipo penal de tortura; sendo certo que atende aos requisitos elencados no art. 41 do Código de Processo Penal, pois apresenta indícios suficientes de autoria e materialidade, de forma suficiente para a deflagração da persecução penal. 4. A dúvida quanto à existência do evento criminoso não têm o condão de impedir a persecução penal mediante a instauração do devido processo-crime, com a observância dos postulados decorrentes da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido. (5ª Turma, REsp 1113662 / SP. Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 07/03/2014).

 

Os fatos descritos na denúncia configuram, em tese, a ocorrência de fatos típicos, quais sejam, rufianismo em sua forma qualificada (art. 230, § 2º, do CP), participação ou liderança de organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850), tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual (art. 149-A, inciso V, do CP) e redução a condição análoga à de escravo (artigo 149 do CP).

Assim, demonstrados indícios suficientes de autoria e da materialidade delitiva, não há que se falar em inépcia da denúncia, falta de justa causa ou em nulidade da ação penal, eis que a denúncia preencheu satisfatoriamente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, contendo a exposição do fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do agente e a classificação do crime, permitindo assim ao réu o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.

Com isso, rejeito a preliminar defensiva.

 

b. Ilegalidade das interceptações telefônicas

A defesa de AGDA DIAS DA SILVA e de ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA alega, em contrarrazões, haver ilegalidade das interceptações telefônicas por (i) não haver fundamentos, ao tempo da diligência, para a quebra do sigilo telefônico dos réus, (ii) não ter havido investigação para confirmar se a voz registrada nas gravações de fato pertencia aos réus e (iii) por não haver transcrição do conteúdo integral das interceptações, mas apenas sínteses, com trechos selecionados pelo investigador responsável.

Tais alegações não comportam acolhimento. A r. juíza de 1º grau da Justiça Estadual, que deferiu as interceptações telefônicas, o fez por meio de decisão fundamentada (ID 276501143 - pg. 46/50). Além dos fundamentos apresentados, quais sejam a gravidade dos crimes, todos apenados com reclusão, e a clandestinidade que permeia o contexto no qual esses crimes teriam sido cometidos, o que torna difícil a produção de provas por outros meios, a magistrada registrou que foram realizadas diligências prévias in loco. Ou seja, houve procedimento investigativo prévio e a decretação da interceptação não se baseou apenas em denúncia anônima. Nessa esteira, colaciono precedente do STF: 

 

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INSTRUÇÃO CRIMINAL. INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. DECRETAÇÃO. ILEGALIDADE. ALEGAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DA MEDIDA. DEMONSTRAÇÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA. EXISTÊNCIA. APURAÇÃO DA PRÁTICA DOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E DE CORRUPÇÃO PASSIVA. LEI 9.296/1996. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. ORDEM DENEGADA. I - Consoante assentado pelas instâncias antecedentes, não merece acolhida a alegação de ilicitude da interceptação telefônica realizada e, por conseguinte, das provas por meio dela obtidas. II - A necessidade da medida foi devidamente demonstrada pelo decisum questionado, bem como a existência de indícios suficientes de autoria de crimes punidos com reclusão, tudo em conformidade com o disposto no art. 2º da Lei 9.296/1996. III - Improcedência da alegação de que a decisão que decretou a interceptação telefônica teria se baseado unicamente em denúncia anônima, pois decorreu de procedimento investigativo prévio. IV - O Plenário desta Corte já assentou não ser necessária a juntada do conteúdo integral das degravações de interceptações telefônicas realizadas, bastando que sejam degravados os trechos que serviram de base ao oferecimento da denúncia. Precedente. V - Este Tribunal firmou o entendimento de que as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas, por mais de uma vez, desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade do prosseguimento das investigações. Precedentes. VI - Recurso improvido.(STF, RHC 117265, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 29.10.2013. Grifei.)

 

Além disso, não existe necessidade de realização de perícia para identificação das vozes. As interceptações demonstram a ocorrência de comunicações e seu teor. Se se trata dos terminais de propriedade e uso de alguém, e não há sinal ou demonstração de que a voz colhida era de outra pessoa (o que seria facilmente alegável e apontável, e não se deu), não há fundamento verossímil que justifique a realização de perícia para reconhecimento de voz, diligência essa que apenas se justificaria à luz de controvérsia concreta dotada de substrato, o que não ocorre. Não há, reitere-se, exigência normativa de perícia de voz em interceptações telefônicas, visto que outros elementos podem indicar a autoria das comunicações. A necessidade de perícia em caso específico apenas poderia decorrer de circunstâncias concretas de dúvida fundada, circunstâncias essas que não se deram em concreto. É esse, também, o entendimento do STJ:

 

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO. PERÍCIA FONOGRÁFICA INDEFERIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

2. Compete ao juiz, destinatário da prova, aferir a pertinência e a necessidade de realização das diligências para a formação de seu convencimento. Não constitui constrangimento ilegal o indeferimento daquelas que, ao exame do conjunto probatório que se lhe apresenta, forem entendidas como indevidas, em decisão fundamentada, quando as julgar protelatórias ou desnecessárias à instrução criminal.

[...] A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de ser prescindível a realização de perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, especialmente quando pode ser aferida por outros meios de provas e diante da ausência de previsão na Lei n. 9.296/1996.

(HC 274.969/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 23/04/2014) 3. No caso, o Magistrado indeferiu o pedido de perícia fonográfica de interceptação telefônica, justificando que a identificação do paciente já estava provada por outros meios, além de que sua voz estava sendo monitorada e foi reconhecida pelos policiais, fatores que tornam, realmente, desnecessária a prova pericial para identificação da voz.

Ficou claro também que o conteúdo da conversa da interceptação telefônica referia-se ao tráfico de drogas, já que não só os policiais ouviram que o paciente determinara a um dos comparsas que retirasse a droga de sua chácara para não ser vista pela polícia, como também o próprio comparsa confirmou o que ocorrera.

4. Habeas corpus não conhecido.

(HC n. 453.357/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/8/2018, DJe de 24/8/2018.)

 

Saliento, ainda, que conforme jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, não há necessidade de degravação /transcrição da integralidade dos diálogos captados no curso de uma interceptação telefônica, em especial aqueles que são irrelevantes para a apuração dos fatos que, inclusive, deram fundamento para a autorização judicial para interceptação telefônica. Para fins de proteção dos direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, bem assim para cumprimento da legislação de regência do tema (Lei 9.296/96), é necessário transcrever devidamente, e sem cortes inadequados, os diálogos que embasam denúncia. Quanto ao mais, deve ser garantido à defesa o acesso completo aos diálogos interceptados, para que esta possa aferir a regularidade e correção das transcrições realizadas, bem como, em querendo, proceder à feitura da transcrição de outros diálogos, se isso convier a alguma linha defensiva. Nesse sentido, cito precedentes dos E. STF e STJ:

 

HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESVIRTUAMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL DO CONTEÚDO. DESNECESSIDADE. AMPLA DEFESA OBSERVADA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Conforme entendimento consolidado neste Superior Tribunal, não é necessária a degravação integral dos diálogos telefônicos interceptados, mormente daqueles que em nada se referem aos fatos, porquanto a Lei n. 9.296/1996 não faz nenhuma exigência nesse sentido. É necessário, a fim de que sejam observadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que se transcrevam, de forma satisfatória, aqueles trechos que serviram de base para o oferecimento da denúncia e que se permita às partes o acesso aos diálogos captados. Precedentes. 2. Não se mostra razoável exigir, sempre e de modo irrestrito, a degravação integral das escutas telefônicas, haja vista o prazo de duração da interceptação e o tempo razoável para dar-se início à instrução criminal, porquanto há diversos casos em que, ante a complexidade dos fatos investigados, existem mais de mil horas de gravações. 3. No caso, o tribunal de origem salientou que os diálogos degravados, em nenhum momento, tiveram os seus conteúdos impugnados pela defesa. Destacou inclusive que as partes tiveram acesso integral ao resultado das investigações e das escutas concretizadas, pelo que é evidente que a defesa teve plena possibilidade de responder às imputações feitas ao paciente. 4. Se a defesa e o Ministério Público tiveram acesso integral ao resultado das investigações e ao conteúdo das escutas telefônicas efetivadas, a paridade de armas foi absolutamente observada. No mais, o contraditório se fez ao longo da instrução criminal. 5. Habeas corpus não conhecido. ..EMEN:(HC 201303336610, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:23/10/2014. Grifei.)

PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO CRIMINAL JULGADA. TRÂNSITO EM JULGADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. MEDIDA EFETIVADA EM PERÍODO NÃO ALBERGADO PELA DECISÃO JUDICIAL. SUPOSTA EIVA. DEFICIÊNCIA NA INSTRUÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO VERIFICAÇÃO. AUSENTE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA NOS AUTOS. DURAÇÃO DA MEDIDA. PRAZO INDISPENSÁVEL. ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. TRANSCRIÇÃO PARCIAL. CONSTANTE NOS AUTOS. RELATÓRIO NA ÍNTEGRA. DESNECESSIDADE. DEGRAVAÇÃO . PERITOS OFICIAIS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RELATÓRIO SUBSCRITO POR POLICIAL FEDERAL. POSSIBILIDADE. AUTENTICAÇÃO DE VOZ. PRESCINDIBILIDADE. IMPOSIÇÃO SEM PREVISÃO LEGAL. SUPOSTA AUSÊNCIA DE PARTE DO ÁUDIO CAPTADO. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional e em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de revisão criminal. 2. Na espécie, deixou-se de proceder à demonstração, mediante documentação comprobatória suficiente, da tese de nulidade da interceptação telefônica supostamente ocorrida em período não albergado na decisão judicial, eis que ausente qualquer documento que ateste a data inicial da constrição, não sendo possível apurar, portanto, qualquer ilegalidade. 3. Impende ressaltar que cabe ao impetrante a escorreita instrução do habeas corpus, indicando, por meio de prova pré-constituída, o alegado constrangimento ilegal. 4. Diante da "necessidade da continuidade da apuração que se desenvolvia", necessitou o Estado de dispor do método constritivo dos direitos individuais, entendido como último recurso, em prol do regramento democrático de direito, pelo prazo indispensável para a consecução do arcabouço probatório na persecução penal, não se apurando irregularidade na manutenção da constrição no período. 5. É prescindível a transcrição integral do conteúdo da quebra do sigilo das comunicações telefônicas, somente sendo necessária, a fim de se assegurar o exercício da garantia constitucional da ampla defesa, a transcrição dos excertos dos áudios que serviram de substrato para o oferecimento da denúncia. 6. Não há necessidade de degravação dos diálogos por peritos oficiais, visto a inexistência de previsão legal nesse sentido, sendo cabível, portanto, o relatório da transcrição do áudio obtido ser subscrito por um policial federal. 7. A autenticação da voz do interceptado não figura como indispensável, diante do teor da norma concernente, mostrando-se, contudo, possível o requerimento da defesa ao magistrado de origem a fim de que se proceda a perícia, caso o julgador a entenda por devida, diante da sua discricionariedade, providência refutada, sob o fundamento de que o próprio réu reconheceu em vários momentos a sua voz nos diálogos contidos nas mídias. 8. O pleito de reconhecimento de ilegalidade em decorrência da suposta ausência de parte do áudio captado não foi examinado pelo Tribunal de origem, não podendo, assim, ser apreciada a matéria por este Superior Tribunal, sob pena de indevida supressão de instância. 9. Habeas corpus não conhecido. (HC 201202343233, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:21/08/2014. Grifei.)

 

Cabe notar que os discos com a íntegra dos áudios interceptados estão disponíveis nos autos (ID 276501143 - pg. 74, 135, 170, 188), e a defesa não alegou algum vício em referidos discos. Além disso, não se alegou alguma irregularidade específica que teria maculado as transcrições, mas sim que a própria síntese, como foi feita, representaria uma irregularidade. As sínteses acostadas aos autos consistem em transcrição de trechos relevantes, com comentários feitos pelo transcritor e não apresentam, pela sua própria existência, irregularidade alguma. Friso, por fim, que a defesa poderia ter impugnado as sínteses a qualquer momento, apontando alguma divergência entre os áudios integrais - que estavam à sua disposição nos autos - e as transcrições, mas não o fez, o que atesta a ausência de controvérsia fundada a respeito do teor das comunicações.

Nesses termos, rejeito a preliminar.

 

c. Cadeia de custódia

Suscita a defesa de AGDA DIAS DA SILVA E ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA que houve quebra da cadeia de custódia uma vez que houve seleção de partes dos áudios interceptados pelas autoridades de persecução e a defesa não pôde acessar a integralidade das provas.

De início, consigno que a cadeia de custódia é instituto introduzido no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019 (conhecida como “Pacote Anticrime”), mais especificamente no final do ano de 2019 e entrou em vigência apenas em 2020. As provas em relação às quais se alega quebra da cadeia de custódia (áudios e transcrições das interceptações telefônicas) foram produzidas em meados de 2017 e 2018 e, logo, anteriores à existência do instituto.

De qualquer sorte, não houve qualquer irregularidade nesse sentido, como passo a explicar.

A cadeia de custódia se refere especificamente aos procedimentos utilizados para preservar a integridade da prova. Aury Lopes Jr. explica que “cadeia de custódia da prova nos remete ao conjunto de procedimentos, concatenados, como elos de uma corrente, que se destina a preservar a integridade da prova, sua legalidade e confiabilidade. Uma corrente que liga duas pontas, que vai da identificação dos vestígios até o seu descarte. A quebra equivale ao rompimento de um dos elos da corrente” (LOPES, 2023).

Assim, pode-se dizer que se se alega haver quebra da cadeia de custódia, argumenta-se que há alguma mácula na integridade da prova, em razão dos procedimentos adotados para sua guarda.

Não é o caso em tela. Com efeito, já registrei que os discos com os áudios integrais das interceptações estão acostados aos autos (ID 276501143 - pg. 74, 135, 170, 188). A defesa nada alegou em relação a esses discos, e tampouco argumentou ter havido irregularidades nos procedimentos adotados para coleta dos materiais e sua guarda. Acrescento que não há qualquer sinal de alteração ou adulteração de conteúdo dos teores interceptados.  

Dessa forma, a alegação sequer envolve a cadeia de custódia, considerando seu conceito trazido pelo Código de Processo Penal, o que, somado à constatação de ausência de algum dado objetivo no sentido de ausência das precauções e procedimentos devidos na produção e manutenção dos elementos, demonstra a ausência de respaldo da tese.

Rejeito, portanto, essa preliminar.

 

Rechaçadas as preliminares e não constatando de ofício qualquer nulidade, passo ao mérito das imputações.

 

III- Da materialidade e da autoria.

III.a Art. 149-A, inciso V, do Código Penal (Tráfico de Pessoas com finalidade de exploração sexual).

De início, ressalto que a prática da prostituição não configura crime no Brasil, podendo ser livremente exercida. Consta, inclusive, como profissão elencada na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho.

Existe, contudo, diferença entre a prostituição realizada de forma voluntária e o trabalho sexual exercido de forma forçada ou sob exploração de terceiros. Apesar de a prática voluntária da prostituição não ser punida em si, há tipos penais que punem o indivíduo que contribui ou explora, de alguma forma, a prostituição alheia.

Um desses tipos é o previsto no artigo 149-A, inciso V, do Código Penal, que assim preceitua:

 

 Tráfico de Pessoas           

        Art. 149-A.  Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

(...)               

V - exploração sexual.             

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

 

Observo que, para que a conduta do agente que realiza agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoa com finalidade de exploração sexual se amolde ao crime de tráfico internacional de pessoas, a partir da Lei 13.344/16, é necessário que isso se dê mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso. Não comprovada a utilização de qualquer dos métodos desse rol, as condutas de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa para que exerça a prostituição, em si, não é mais crime, embora possa haver, na sequência, outras práticas criminosas.

A acusação sustenta que, apesar de ter havido absolvição com fundamento na falta de provas, a prática do crime restou comprovada (i) pelo conteúdo das interceptações telefônicas, (ii) pelas declarações das vítimas, tanto na fase policial quanto em juízo, (iii) pelos materiais apreendidos com os acusados, (iv) pelas declarações prestadas por testemunhas em juízo.

Alega o Parquet Federal que AGDA, ÁGATHA, RENAN e ARTUR

 

compunham o núcleo que comandava pontos de prostituição na Avenida Brasil, Av. Saudade, Cerrado e Setor de Motéis, aliciando vítimas de outras localidades, pagando suas passagens, buscando-as na rodoviária, alojando-as em suas casas, explorando-as sexualmente, submetendo-as a jornadas exaustivas de trabalho, fiscalizando os pontos de prostituição, cerceando a liberdade de ir e vir em virtude de dívidas, fazendo a cobrança de dívidas e controlando o fluxo dos recursos financeiros, figurando AGDA como líder.

 

Já ANTONIO ALENISIO (nome social: NICOLY CASTRO), FELIPE SABINO e MAURICIO ALVES DE OLIVEIRA (nome social: FERNANDA OLIVER), de acordo com a acusação, comporiam um núcleo responsável pela região da rotatória Amim Calil, nos arredores das concessionárias Santa Emília, ao passo que ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA seria responsável pelo ponto da Avenida Nove de Julho.

Por fim, ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA ("DECO"), segundo a apelação:

 

aliciava, alojava, explorava, submetia a jornadas exaustivas de trabalho e endividava as vítimas no local conhecido como "Castelo das Trans". (...) Ele era o responsável pela região do Aeroporto e "Castelo das Trans". 

 

São exemplos muito comuns da ocorrência do crime de tráfico de pessoas para exploração sexual a conduta do agente que alicia mulheres no Brasil prometendo-lhes oportunidade de trabalho no exterior. Todavia, lá chegando, essas pessoas se deparam com realidade que difere totalmente da promessa feita no Brasil, sendo, muitas vezes, submetidas à exploração sexual de forma forçada por aqueles que as aliciaram e viabilizaram a viagem ao exterior. Nesse caso, há claro emprego de grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso para que a vítima se submeta ao trabalho sexual, já que não se submeteu à prostituição de forma voluntária. O mesmo pode se dar dentro das fronteiras nacionais, por certo.

 

No caso dos autos, as provas produzidas tanto na fase policial quanto em juízo revelam que as condutas praticadas pelos apelados não se amoldam ao tipo penal vigente, tendo em vista que a acusação não se desincumbiu do ônus de demonstrar cabalmente que as vítimas tenham sido agenciadas, aliciadas, alojadas, acolhidas ou transportadas para outros locais no território nacional para exercer a prostituição de forma forçada.

A detida análise dos autos, sobretudo da prova testemunhal, revela indícios de que os apelados possam ter praticado condutas aptas a configurar os verbos núcleos do tipo penal previsto no art. 149-A do Código Penal, quais sejam, agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, alojar ou acolher pessoa; não, porém, provas que tragam a certeza necessária a uma condenação penal. De igual modo, não se comprovou ter havido grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso com a finalidade de exploração sexual das vítimas, inclusive – mas não só - porque as mulheres transexuais eram profissionais do sexo, que buscavam exercer a prostituição.

Como bem aponta Nucci (2014, p. 90-91), “inexiste exploração sexual sem violência, ameaça ou qualquer espécie de emprego de fraude para dobrar a resistência de alguém à prática do sexo”. Não se pode considerar que a prática da prostituição constitui, de per si, uma forma de exploração sexual.

Como se verá, a prova produzida aponta no sentido de que os apelantes atuaram tirando proveito econômico da prostituição das vítimas transexuais, mas não há elementos aptos a comprovar, para além de dúvida verossímil, que tenha havido prática amoldada ao art. 149-A do Código Penal.

Os depoimentos extrajudiciais das testemunhas 1 (ID 276501152 - pg. 6), 2 (ID 276501152 - pg. 9), 5 (ID 276501160 - pg. 115), 6 (ID  276501160 - pg. 118), 11 (ID 276501121 - pg. 17), 12 (ID 276501161 - pg. 10), 13 (ID 276501121 - pg. 21), 14 (ID 276501161 - pg. 14), 15 (ID 276501161 - pg. 17), 16 (ID 276501121 - pg. 23) e 17 (ID 276501121 - pg. 26) são aqueles que guardam alguma pertinência com elementos que poderiam demonstrar a prática do crime previsto no artigo 149-A, do Código Penal. Passo a transcrevê-los:

 

Testemunha 1

(...) recebeu convite de AGDA para vir para Ribeirão Preto/SP; QUE, na época, ainda não tinha silicone no corpo, tendo AGDA lhe prometido colocar peito e silicone industrial; QUE era um sonho do depoente ter o corpo feminino e, por isso, aceitou o convite de AGDA; QUE tinha conhecimento de que iria exercer a prostituição em Ribeirão Preto/SP, porém não tinha conhecimento de que as condições do trabalho seriam tão duras; QUE AGDA iludiu o depoente prometendo as melhores condições de trabalho, dizendo que teria proteção, que poderia trabalhar em qualquer ponto da cidade, escolher seus clientes, escolher as práticas sexuais; QUE o contato com AGDA foi feito por meio do facebook; que AGDA mandou o dinheiro da passagem, juntamente com um documento falso para que o depoente pudesse embarcar, mais R$50,00 para comer na viagem; QUE saiu de Campo Grande/MS e veio para Ribeirão Preto/SP de ônibus; QUE em Ribeirão Preto/SP AGDA mandou o capanga dela, de nome ARTUR, buscar o depoente; QUE da rodoviária foi levada para a chácara de AGDA, situada na Rua Anhembi, 214, bairro Salgado Filho, neste cidade de Ribeirão Preto/SP; QUE chegando na casa, estava havendo uma comemoração, com “prato de cocaína”; QUE a depoente foi induzida naquele momento a usar cocaína; QUE até aquele momento, nunca tinha experimentado droga; QUE na hora, ficou assustada e pensou em fugir, porém não tinha como, porque além do endividamento com AGDA , na casa havia câmeras para todo lendo, tendo AGDA ameaçado o depoente, dizendo que se fosse embora ela mataria sua família (...)

 

Testemunha 2

(...) QUE veio de São Paulo/SP há cerca de um mês, com o objetivo de conseguir seu peito; QUE estava sendo explorada em São Paulo/SP pela cafetina de nome AMANDA; (...) QUE, então, com a ajuda de MARIAH saiu de São Paulo/SP e veio para Ribeirão Preto/SP, tendo ficado acolhida inicialmente no albergue de MARIAH; QUE depois de 03 semanas, foi abordada na rua enquanto estava trabalhando por AGDA; QUE AGDA lhe ofereceu conforto a preço baixo, prometendo lhe dar abrigo e colocar o tão sonhado peito se a depoente fosse para a casa dela; QUE AGDA disse que, na casa dela, a depoente poderia ficar livremente e fazer seus próprios horários; QUE AGDA buscou a depoente na porta da casa de MARIAH, junto com o genro dela, de nome RENAN, o qual faz parte da organização criminosa PCC; QUE colocaram a depoente dentro do carro e a deixaram na casa de AGDA; QUE chegando na casa de AGDA, deram para a depoente cinco pinos de cocaína, falando que a depoente já estava devendo R$50,00 na casa; QUE esclarece que estava devendo água e luz para MARIAH, tendo AGDA falado que iria quitar essa dívida; QUE, entretanto, chegando na casa de AGDA, ela inventou outra estória, dizendo que a depoente estava lhe devendo R$800,00 da água e da luz; QUE no quarto dia, quitou esses R$800,00; QUE no segundo dia seguinte ao pagamento da dívida, a filha de AGDA, VITÓRIA, disse que a depoente estava devendo R$603,00 só de diária, sem alimentação, sem nada (...)

 

Testemunha 5

(...) QUE é natural de Sorocaba/SP; QUE saiu de casa com 18 anos para se prostituir e correr atrás de seus sonhos; QUE a primeira cidade que viajou foi para Franca/SP, onde ficou 20 dias; QUE saiu de lá porque a “bombadeira” SAMANTA SHELL tentou lhe matar; (...) QUE saiu de Franca “fugida” e veio para Ribeirão Preto/SP; QUE quem lhe acolheu nesta cidade foi o “DECO”, tendo ficado alojada no “CASTELO DAS TRANS” por cerca de nove meses; QUE na época, “DECO” cobrava R$50,00 a diária da casa, incluindo água, luz, internet e cinco refeições; (...)  QUE depois, saiu da casa de “DECO” e voltou para a cidade onde nasceu, Sorocaba, onde foi morar na casa de uma cafetina conhecida como NATASHA FIORELLI ou QUICO; (...) QUE depois, saiu da casa de NATASHA e viajou bastante; QUE chegou em Ribeirão Preto/SP há três semanas mais ou menos vinda de Dourados/MS; QUE a passagem da depoente foi financiada por AGATHA VITÓRIA; QUE AGATHA VITÓRIA cobrou o dobro do valor da passagem, ou seja, o valor da passagem era duzentos e pouco e AGATHA VITÓRIA cobrou mais de quatrocentos reais; QUE AGATHA VITÓRIA comprou a passagem pelo documento da depoente; QUE assim, só chegou na rodoviária com o documento e retirou a passagem; QUE chegando em Ribeirão Preto/SP, AGATHA VITÓRIA buscou a depoente na rodoviária, cobrando R$50,00 pelo combustível; QUE da rodoviária, AGATHA VITÓRIA levou a depoente para uma das casas dela (...)

 

Testemunha 6

(...) QUE por volta dos dezoito anos começou a trabalhar na rua fazendo programa em sua cidade natal; QUE por volta do dia 3 de fevereiro de 2019, fez contato, pelo Facebook, com sua amiga Paola Menezes, que já estava em Ribeirão Preto há cerca de dois anos, na casa da cafetina Ágata Vitória, mais conhecida simplesmente como Vitória; QUE  Paola já tinha chamado a declarante outras vezes para vir a Ribeirão Preto, mas não teve coragem de vir até então; QUE, dessa vez, aceitou o convite e resolveu vir, porque queria conhecer lugares novos; QUE a Paola disse que Ribeirão era bom e que a declarante iria gostar e ganhar bastante dinheiro; QUE a Paola também informou que a cafetina Vitória cobrava um valor de R$60,00 (sessenta reais) por dia para ficar na casa e trabalhar na rua; QUE a Paola também disse que a cafetina Vitória iria mandar o dinheiro da passagem, mas não informou que, depois, esse valor seria cobrado da declarante; QUE não chegou a conversar com a cafetina Vitória antes de vir; QUE a Vitória comprou a passagem no valor de R$260,00 e a declarante apenas informou seu nome na rodoviária de sua cidade e veio para Ribeirão Preto ainda no dia 3 de fevereiro de 2019; QUE a Ágata Vitória e a Paola foram buscar a declarante na rodoviária de Ribeirão Preto e, de lá, foram para a chácara da dona Ágda, que é mãe de Ágata Vitória, localizada na Rua Anhambi, bairro Salgado Filho (...)

 

Testemunha 11

(...) QUE foi convidada por uma amiga para vir para Ribeirão Preto/SP; QUE estava trabalhando só pelo site no Paraná e juntando dinheiro; QUE NICOLY CASTRO mandou o dinheiro da passagem para a depoente e para uma amiga de nome JÉSSICA (JEAN OLIVEIRA DA SILVA), de 17 anos de idade, no dia 08/10/2018, mediante depósito bancário na conta da cunhada de sua mãe, no banco Caixa Econômica Federal; QUE NICOLY depositou o valor de R$212,00 para comprar as passagens das duas, sendo que, quando chegassem em Ribeirão Preto/SP, teriam que trabalhar e pagar o dobro; QUE NICOLY cobrou R$240,00 de cada uma pelas passagens; QUE chegaram em Ribeirão Preto/SP, no dia 10/10/2018; QUE assim que chegou, NICOLY explicou que a diária seria R$50,00, o quarto para fazer programas em casa seria R$10,00 (com duração de 40 minutos a 1 hora, sendo que, na casa de baixo, na Rua Epitácio Pessoa, n. 613, Vila Tibério, também poderia ser usado para fazer programas), R$100,00 da água, R$20,00 da internet e R$10,00 da luz; QUE somente soube que teria que pagar água, luz e internet quando chegou em Ribeirão Preto/SP, porque, pelo telefone, NICOLY disse que seria somente a diária de R$50,00; QUE entretanto, quando chegou, NICOLY criou uma regra, aumentando a diária para R$70,00 às sextas-feiras (...)

 

Testemunha 12

(...) QUE veio para Ribeirão Preto/SP, na primeira vez, com 17 anos de idade, no ano de 2013; QUE foi indicada por uma amiga para ficar na casa de ANA PAULA; QUE essa amiga disse que ANA PAULA iria ajuda a depoente, que aqui seria muito bom, que seria umas mil maravilhas, que iria ganhar seu dinheiro; QUE a amiga da depoente disse que ANA PAULA iria fornecer hospedagem e alimentação, sem mencionar os custos; QUE somente quando chegou na casa de ANA PAULA é que ficou sabendo que o valor da diária era R$50,00, porém seco, sem alimentação, sem nada; QUE além da diária, tinha que pagar água, luz e internet; QUE tinha que pagar R$100,00 da água, R$180,00 da luz, R$40,00 de internet, por mês, e R$30,00 por semana da faxina de cada uma (na época, eram cinco pessoas, o que dava R$150,00), embora a faxineira tenha confidenciado que recebesse somente R$100,00; QUE ainda que aumentasse o número de pessoas na casa, os valores cobrados de água, luz, internet e faxina continuava o mesmo para cada uma; QUE no valor de R$50,00 da diária já estava incluso o valor da rua (ponto da Av. Nove de Julho, especificamente, Rua João Penteado) (...)

 

Testemunha 13

(...) QUE veio de Fortaleza/CE em janeiro de 2018; QUE NICOLY CASTRO pagou a passagem de avião até São Paulo (Guarulhos) e depois o ônibus até Ribeirão Preto e o Uber até a casa dela; QUE NICOLY mandou o dinheiro, aproximadamente R$1000,00, na conta de uma “menina”, MIRELA, que já esteve na casa dela e que voltou para Ribeirão Preto/SP junto com a depoente; QUE chegando em Ribeirão Preto/SP, NICOLY cobrou o dobro do valor da depoente, R$2000,00; QUE o contato com NICOLY foi feito pelo WHATSAPP; QUE NICOLY combinou que iria mandar o dinheiro da passagem e que a depoente conseguiria pagar a dívida em dois dias; QUE NICOLY disse que a diária seria de R$50,00, mas quando chegou aqui foi diferente, pois às sextas-feiras tinha que pagar R$70,00; QUE o combinado era que, no valor de R$50,00, estaria incluso café da manhã e almoço, mas, na realidade, só tem almoço; QUE o almoço não é de boa qualidade, sendo requentado; QUE neste valor, estava incluso também o ponto da Santa Emília; QUE todos os dias as “meninas” tinha que sair às 19 horas e voltar somente depois das 04 horas; QUE se voltasse antes das 04 horas, ficava fora de casa (...)

 

Testemunha 14

(...) QUE veio de Cuiabá; QUE em Cuiabá trabalhava como doméstica, onde também residia e fazia alguns programas pelo site; QUE usava o site VIVA LOCAL; QUE tem cerca de um mês que veio para Ribeirão Preto; QUE veio a convite de uma amiga, a Amanda; QUE veio para Ribeirão Preto acreditando que faria mais dinheiro; QUE não está em site porque seu celular deu problema; QUE ainda não conseguiu comprar um celular novo porque ainda não conseguiu dinheiro; QUE veio de Cuiabá para Ribeirão Preto de ônibus; QUE pagou sua própria passagem; QUE a passagem custou R$269,00; QUE chegou de Uber na chácara no Anhembi; QUE quem organizava a Chácara era maria (...)

 

Testemunha 15

(...) QUE veio de Minas Gerais no ano de 2002, juntamente com uma amiga e se hospedou na chácara da dona MARLENE, na Rua Guaxupé; QUE ficou de 04 a 05 anos na chácara da dona MARLENE e depois foi para Milão, na Itália, com recursos próprios; QUE ficou um ano e meio na Itália e depois retornou para o Brasil; QUE alugou uma casa em Ribeirão Preto/SP e até hoje mora nessa casa; (...) QUE depois que MARLENE arrendou os pontos para AGATHA VITORIA, esta última passou a cobrar R$30,00 por dia de todas as trans (...)

 

Testemunha 16

(...) QUE está em Ribeirão Preto há 5 (cinco) meses; QUE veio de Fortaleza/CE, onde morava, para Ribeirão Preto; QUE foi a primeira vez que saiu de Fortaleza/CE; QUE veio para Ribeirão para trabalhar; QUE conheceu NICOLLY através de uma amiga, chamada GISELE; QUE GISELE morava na casa de baixo, localizada na Rua epitácio Pessoa; QUE GISELE morava com NICOLLY há mais de 2 (dois) anos; QUE GISELE foi embora para Fortaleza/CE em 2018; QUE conhecia GISELE de Fortaleza; QUE procurou GISELE pelo Facebook e perguntou sobre alguma casa; QUE procurou GISELE porque em Fortaleza não é bom para ganhar dinheiro; QUE GISELE informou que morava na casa de NICOLLY; QUE NICOLLY informou à declarante via “whatsapp” que a diária era de R$50,00 (cinquenta reais), que a passagem era financiada, que também poderia financiar corpo e cabelo; QUE NICOLLY informou que tinha duas casas e que a declarante ficaria na casa de cima, na Rua Constituição; QUE NICOLLY disse também que, se a declarante não pagasse a diária, comeria do mesmo jeito, seria tratada do mesmo jeito; QUE a diária de R$50,00 (cinquenta reais) incluía o café da manhã, o almoço e a janta, além da hospedagem; QUE a passagem de vinda foi comprada por NICOLLY, no valor de R$200,00 (duzentos reais); QUE pagou à NICOLLY pela passagem o valor de R$200,00 (duzentos reais), na primeira noite em Ribeirão Preto (...)

 

Testemunha 17

(...) que mora na Rua Epitácio Pessoa, 613 há um ano; que faz quatro anos que chegou em Ribeirão, vinda direto do Piauí, cidade de Parnaíba; que veio por chamado de uma amiga que disse que Ribeirão Preto era bom para ganhar dinheiro com a prostituição; que veio com o intuito de se prostituir; que essa amiga não está mais em Ribeirão; que no início foi morar com a sua amiga, só as duas; que foi fazendo amizade na rua; que veio com o próprio dinheiro para Ribeirão; que foi para a casa atual por meio de amigas que fez na rua/ que quem chamou a depoente para a casa atual foi a Isabela; que a Isabela já foi embora, há mais de 8 meses; que quem alugou a casa foi a Jéssica; que Jéssica já foi embora faz algum tempo, antes do ano novo; que a depoente passou a recolher o dinheiro das demais ocupantes da casa para pagar as despesas da casa (...)

 

As testemunhas 3 (ID 276501152 - pg. 88), 4 (ID 276501160 - pg. 113), 7 (ID 276501160 - pg. 123), 8 (ID 276501160 - pg. 126) , 9 (ID 276501161 - pg. 1) e 10 (ID 276501161 - pg. 4), por outro lado, não narraram em seus depoimentos fatos que tragam informação potencialmente pertinente para a apuração da prática do crime previsto no artigo 149-A, inciso V, do Código Penal.

Além disso, indicam a possível prática do tráfico de pessoas: (i) o Auto de Apresentação e Apreensão (ID 276501161 - pg. 21), o qual registrou a apreensão de bilhetes de passagens rodoviárias na casa de ANTONIO ALENISIO (nome social NICOLY CASTRO) - referidos bilhetes se alinham ao depoimento da testemunha 11; (ii) a síntese 23 A, do Relatório de Inteligência nº 13/2018 (ID 276501164 - pg. 53), na qual AGDA DIAS conversa com AGATHA VITÓRIA a respeito de buscar alguém que chegou na rodoviária; (iii) o Auto de qualificação e interrogatório de ARTUR PEREIRA CERQUEIRA (ID 276501153 - pg. 165), no qual ARTUR afirma que “buscava mulheres e transsexuais na rodoviária para levá-las até as casas de AGDA” e que “as passagens e demais despesas de viagem dessas pessoas são pagas por AGDA”.

Prossigo ao exame de tais elementos.

A testemunha 2 narrou que, vendo-se explorada por cafetina em São Paulo, mudou-se para Ribeirão Preto com ajuda de uma conhecida, e apenas semanas depois foi abordada por uma corré, qual seja, AGDA DIAS. Não descreveu, pois, qualquer ato de agenciamento, aliciamento ou transporte até o local onde depois se desenrolariam os demais fatos (Ribeirão Preto), o que torna claro não haver, com relação a ela, referência a um contexto de tráfico de pessoas.

As testemunhas 5, 6 e 11 não narram prática de aliciamento mediante qualquer dos métodos previstos no art. 149-A do Código Penal. Teriam ido a Ribeirão Preto/SP por sugestão de amigas, mas não por condução de qualquer dos acusados nesta ação penal. Tampouco há qualquer prova de que essas amigas ou conhecidas teriam agido por ordem dos acusados e exercido algum tipo de mecanismo narrativo que levasse ao transporte e ao aliciamento. Ademais, não descreveram qualquer mecanismo de engodo ligado ao próprio transporte ou à finalidade da viagem, visto que efetivamente buscavam se prostituir no local e ali ter um local para residência ou para exercício desse ofício. A ida ao local onde se desenvolveu a atividade de prostituição se deu sem estratégia específica guiada por terceiros (seja mediante engano quanto aos termos fundamentais, seja por ameaça ou violência). Nesses relatos, portanto, não há nem provas de materialidade, nem de autoria quanto ao crime do art. 149-A do CP.

As testemunhas 12, 14, 15 e 17 descrevem que sua ida a Ribeirão Preto se deu por conta própria e por iniciativa autônoma, o que de pronto descaracteriza qualquer ideia de aliciamento ou transporte feito por terceiros. A testemunha 16 descreve que foi a Ribeirão Preto buscando melhor remuneração pela prostituição, e que uma amiga que já se encontrava na cidade (Gisele) informou que morava em local mantido pela corré NICOLY CASTRO. Teria entrado em contato com esta e ela lhe teria emprestado o dinheiro da passagem para Ribeirão Preto (no valor de duzentos reais), tendo pagado o valor na primeira noite na cidade. Aqui, tem-se apenas um ajuste lícito de empréstimo pontual, sem qualquer menção a uma situação de traficância de pessoas.

Restariam, como se vê, as testemunhas 1 e 13. A testemunha 1 relata convite da corré AGDA DIAS para trabalhar como prostituta em Ribeirão Preto/SP, mas não descreveu em detalhe os termos em que isso se deu. Teria sido surpreendida com as más condições de trabalho e vida. Não obstante, não se traz aqui um relato detalhado ou denso de um ato de aliciamento; o que houve, segundo a própria testemunha, foi um convite para exercer a prostituição; o fato de ter sido posteriormente confrontada com realidade mais gravosa é tema atinente à análise do crime de rufianismo qualificado. Aqui, não há demonstração de que houve uma logística que aproveitasse de seu engano quanto à finalidade básica da viagem, que foi realizada, ao que se extrai do depoimento, por vontade da testemunha. A testemunha 13 relatou ter tido sua viagem de Fortaleza a Ribeirão Preto paga por NICOLY CASTRO, com o prévio ajuste de que trabalharia como prostituta, e recebeu o dinheiro por intermédio de uma conhecida que já trabalhara no ramo com NICOLY e voltaria a Ribeirão Preto juntamente com a depoente. O relato de cobrança a maior de dívidas mostra condições de aproveitamento sexual quando do exercício posterior da prostituição, mas não um aliciamento ou transporte mediante fraude. O transporte foi agendado pela depoente, com auxílio financeiro da corré NICOLY, mas com a ciência de que teria de haver devolução (embora esta tenha sido cobrada de forma abusiva, no dobro do valor). Não há narrativa de violência ou coação ligada ao deslocamento.

Portanto, as únicas testemunhas cujos relatos indicam algum indício efetivo de potencial prática, pelos réus, do crime de tráfico de pessoas (testemunhas 1 e 13), não trouxeram elementos suficientes a apontar, com segurança, que houve aliciamento, recrutamento ou transporte praticado mediante algum dos métodos previstos no art. 149-A do Código Penal. Não há nenhuma narrativa de violência, ameaça, coação ou abuso a respeito do deslocamento até Ribeirão Preto. A única possibilidade, mesmo em tese, seria a de entender que houve potencial fraude. Mas esta teria de ser o próprio método com o qual se conseguiu realizar o transporte das pessoas, e isso teria de ser devidamente comprovado. Nenhuma das coisas se deu. Os depoimentos não trazem, sobre isso, densidade que ateste que houve engano acerca dos termos fundamentais do deslocamento, ou que exclua a voluntariedade que guiou o traslado, o qual não foi dominado por qualquer dos acusados. Não houve qualquer descrição de efetivo controle logístico manipulado pelos réus e que se amoldasse ao âmbito do art. 149-A do Código Penal. A isso se soma o fato de a maioria das testemunhas não trazer qualquer dado sobre traficância de pessoas no contexto dos autos, como se viu acima. Tampouco logrou o órgão acusatório comprovar que havia operação nesse sentido, seja por elementos de escala, seja por dados de planejamento e execução específicos.

Acrescento que as provas documentais pertinentes a essa questão constituem elementos esparsos, que não demonstram o controle, pelos acusados, de atos de deslocamento forçado ou fraudulento de pessoas para fins específicos discriminados no art. 149-A do Código Penal. Inexiste, em suma, arcabouço probatório suficiente a formar certeza quanto à ocorrência do referido delito no contexto objeto da presente ação penal.

  

Ainda que assim não fosse, deve-se pontuar que não há nos autos declaração no sentido de que os apelados teriam prometido a ida a Ribeirão Preto/SP vinculada a alguma outra forma de trabalho, que não a prostituição. Ao revés, os depoimentos confirmaram que as viagens foram realizadas por vontade das vítimas transexuais, que queriam trabalhar em outro estado.

Observo que o fato de as vítimas atuarem como profissionais do sexo e terem se deslocado para outra região do país não é apto a configurar, por si, o crime de tráfico de pessoas. E é exatamente o que se deu no caso dos autos, já que não se comprovou que esse deslocamento tenha se dado de forma forçada ou mediante fraude (isto é, fraude como o móvel do deslocamento). A prova produzida revela que as vítimas praticavam, por vontade própria, a prostituição e se deslocavam a outros pontos do país buscando melhores condições de vida e outros pontos onde pudessem livremente exercer a prostituição, o que já faziam.

É certo que o consentimento da vítima pode encontrar-se eivado de vício, em casos específicos de vulnerabilidade social ou econômica. Nesses casos, comprovado o vício no consentimento, o aliciamento poderia configurar abuso por parte do agente aliciador, consubstanciando o delito tipificado no artigo 149-A do Código Penal. Não se descuida, também, que as mulheres transexuais se encontram em situação delicada em razão do preconceito a elas direcionado que resulta, em muitos casos, em rejeição familiar e dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho.

Todavia, no caso dos autos, não obstante as dificuldades que eram encontradas pelas vítimas transexuais, não há elementos suficientes para afirmar que o seu consentimento se encontrava viciado quanto ao fato específico do deslocamento. Das provas amealhadas se extrai que muitas das vítimas inclusive já se prostituíam, de forma voluntária, antes mesmo de conhecerem os apelados. Também sabiam o local para onde iam e escolhiam realizar a viagem com tal finalidade, sem que houvesse um comando ou determinação guiados pelos corréus.

Concluo. A alegação de que houve agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento das transexuais, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de exploração sexual necessariamente deveria vir amparada em provas para que houvesse substrato material para a condenação pelo crime previsto no art. 149-A, inciso V, do Código Penal. As provas produzidas em contraditório judicial não corroboram a alegação acusatória.

Sabe-se que a condenação deve ser fundada em provas robustas e claras, não devendo pairar qualquer dúvida razoável. Assim, no tocante à imputação da prática do crime previsto no art. 149-A, inciso V, do Código Penal não vislumbro conjunto probatório de firmeza tal que permita atestar a ocorrência do crime em questão.

Ademais, a carga da prova, como regra, deve ser inteiramente do acusador e a dúvida deve conduzir à absolvição. Em verdade, na ponderação entre o direito de punir do Estado e o status libertatis do imputado, este último deve prevalecer.

Não tendo o Ministério Público Federal se desincumbido do ônus de comprovação de práticas amoldadas ao art. 149-A do Código Penal, imperativa a mantença da absolvição dos réus quanto ao crime de tráfico de pessoas.

Com essas considerações, e, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, mantenho a absolvição dos acusados no que tange à imputação da prática do crime previsto nos art. 149-A, inciso V, do Código Penal.

 

III.b Art. 230, §2º, do Código Penal (Rufianismo Qualificado)

A materialidade delitiva do crime de rufianismo qualificado restou cabalmente comprovada pelos elementos de prova juntados aos autos, tanto em sede policial quanto judicial, quais sejam: (i) Informação de Polícia Judiciária nº 002/2019 (ID 276501113 - pg. 34); (ii) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua Anhembi, 223, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - pg. 56); (iii) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua Kasato Maru, 253, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - pg. 66); (iv) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua Rui Barbosa 85, apto. 34, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - pg. 76); (v)  Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua da Constituição, 755, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - pg. 84); (vi) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua Vereador Romero Barbosa, 330, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - pg, 90); (vii) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua Coronel Luiz da Cunha, 993, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - pg.103); (viii) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua Coronel Luiz da Cunha, 993, Ribeirão Preto (ID 276501119 - pg. 116); (ix) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua da Constituição, 755, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - 124); (x) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Avenida Americana, 2750, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - pg. 128); (xi) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua General Osório, 1396, Ribeirão Preto/SP (ID 276501119 - pg. 144); (xii) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Rua Dois de Julho, 718, Ribeirão Preto SP (ID 276501119 - pg. 152); (xiii) Termo de Declaração de MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA (nome social: FERNANDA OLIVER) (ID 276501121 - pg.16); (xiv) Termo de Depoimento da Testemunha 11 (ID 276501121 - pg. 17/20); (xv) Termo de Depoimento da Testemunha 13 (ID 276501121 - pg. 21/22); (xvi) Termo de Depoimento da Testemunha 16 (ID 276501121 - pg. 23/25); (xvii) Termo de Depoimento da Testemunha 17 (ID 276501121 - pg. 26/30); Relatório de Denúncia Anônima (ID 276501122 - pg.7/11); (xviii) Relatório de Investigação nº 910/2017 (ID 276501122 - pg. 46/47); (xix) Relatório de Investigação nº 911/2017 (ID 276501122 - pg. 48/57); (xx) Relatório de Análise Preliminar de Denúncia Anônima do Ministério Público do Trabalho (ID 276501122 - pg. 64/77); (xxi) Relatório de Investigação nº 15/2018 (ID 276501122 - pg. 99/119); (xxii) Relatório de Inteligência nº 30/2017 (ID 276501143 - pg. 68/73); (xxiii) Relatório de Inteligência nº 32/2017 (ID 276501143 - pg. 122/128); (xxiv) Relatório de Inteligência nº 35/2017 (ID 276501143 - pg. 154/169); (xv) Relatório de Inteligência nº 12/2018 (ID 276501143 - pg. 210/215); (xvi) Termo de Depoimento da Testemunha 01 (ID 276501152 - pg. 6/8); (xvii) Termo de Depoimento da Testemunha 02 (ID 276501152 - pg. 9/10); (xviii) Informação nº 491/2018 (ID 276501152 - pg. 35/39); (xix) Informação nº 492/2018 (ID 276501152 - pg. 40/41); (xx) Informação de Polícia Judiciária nº 034/2018 (ID 276501152 - pg. 65/76); (xxi) Termo de Depoimento da Testemunha 03 (ID 276501152 - pg. 88/89); (xxii) Informação nº 99/2019 (ID 276501152 - pg. 192/195); (xxiii) Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de diligência na Avenida Americana, 2750, Ribeirão Preto/SP (ID 276501152 - pg. 237/240); (xxiv) Auto de Qualificação e Interrogatório de ANTONIO ALENISIO DA SILVA (ID 276501153 - 115/118); (xxv) Auto de Qualificação e Interrogatório de ARTUR PEREIRA CERQUEIRA (ID 276501153 - pg. 165/168); (xxvi) Cópia dos Materiais Descritos nos Itens 01 a 04 da apreensão 69/2019 (ID 276501159 - pg. 47/86); (xxvii) Cópia dos Materiais Descritos nos Itens 01 a 03 da Apreensão 72/2019 (ID 276501159 - pg. 87/122 e ID  276501160 - pg. 1/64); (xxviii) Cópia dos Materiais Descritos nos Itens 03 a 07 da Apreensão 73/2019 (ID  276501160 - pg. 65/84); (xxix) Cópia dos Materiais Descritos nos Itens 01 e 02 da Apreensão 70/2019 (ID  276501160 - pg. 85/103); (xxx) Termo de Depoimento da Testemunha 04 (ID  276501160 - pg. 113/114); (xxxi) Termo de Depoimento da Testemunha 05 (ID  276501160 - pg. 115/117); (xxxii) Termo de Depoimento da Testemunha 06 (ID  276501160 - pg. 118/120); (xxxiii) Termo de Depoimento da Testemunha 06 (ID  276501160 - pg. 121/122); (xxxiv) Termo de Depoimento da Testemunha 07 (ID  276501160 - pg. 123/125); (xxxv) Termo de Depoimento da Testemunha 09 (ID 276501161 - pg. 1/3); (xxxvi) Termo de Depoimento da Testemunha 10 (ID 276501161 - pg. 4/5); (xxxvii) Termo de Depoimento da Testemunha 11 (ID 276501161 - pg. 6/9);  (xxxviii) Termo de Depoimento da Testemunha 12 (ID 276501161 - pg. 10/11); (xxxix) Termo de Depoimento da Testemunha 13 (ID 276501161 - pg. 12/13); (xxxx)  Termo de Depoimento da Testemunha 14 (ID 276501161 - pg. 14/16); (xxxxi) Termo de Depoimento da Testemunha 15 (ID 276501161 - pg. 17/18); (xxxxii) Relatório de Inteligência nº 13/2018   (ID 276501164 - pg. 43/79); (xxxxiii) Boletim de Ocorrência nº 6474/2014 (ID 276501164 - pg. 121/122); (xxxxiv) Boletim de Ocorrência nº 7360/2018 (ID 276501164 - pg. 123/125); (xxxxv) Relatórios de análise de material periciado (ID 276502412 - pg. 6/26);

A sentença bem resumiu o conteúdo das provas acostadas aos autos, o que passo a transcrever para fins descritivos, atualizando os IDs indicados:

 

2.1.3 – Sínteses da interceptação telefônica

(...)

Relatório de Inteligência nº 30-2017: sínteses 1-A, 2-A, 1-B, 2-B, 1-C, 2-C (ID 276501143, págs. 68-72)

Nas sínteses A1 e A2, constam as transcrições de diálogos entre duas pessoas identificadas como Silvana e Darfinny. Silvana diz que usa o telefone da ré Agda, que estaria viajando. Darfinny diz que tinha combinado com uma pessoa que identifica como Taís que iria para o local onde Silvana se encontrava, esclarecendo que não havia conversado com Agda. Darfinny diz que está e vai permanecer num hotel, mas Silvana menciona a possibilidade de ficar na casa, pagando 80 reais. Darfinny afirma que está com a esposa e que por isso preferia não ficar na casa. Disse, ainda, que seria a primeira vez que trabalharia e que por isso precisaria de algumas orientações. Darfinny se desloca para se encontrar com Silvana, mas acaba se perdendo pelo caminho.

Não é possível estabelecer qualquer relação entre os diálogos transcritos nas sínteses 1B a 2C com as alegações contidas nas manifestações acusatórias. A conversa de Nicoly com uma pessoa não identificada parece tratar de relacionamentos amorosos desvinculados da atividade de prostituição.

Relatório de Inteligência nº 32-2017: sínteses 3-A a 5-A, 3-B a 5-B e 1-D a 3-D (ID 276501143, págs. 122-126)

A síntese 3A é irrelevante para o presente caso.

A síntese 4A evidencia que a ré Agda recebeu de uma pessoa não identificada a reclamação de uma garota que não tinha recebido porque se recusou a transar pois havia se machucado durante o ato e o contratante queria pagar somente a metade do preço. Agda afirma que nenhum pagamento deve ser feito em tal situação e fica irritada ao saber que havia sido recusada a metade do valor.

A síntese 5A transcreve o diálogo entre Rafaela, ou seja, a pessoa que reclamou que o contratante quis pagar somente a metade e a ré Agda. Rafaela afirma que transou uma vez e se machucou e por isso se recusou a transar uma segunda vez. Agda disse que estava indo para onde Rafaela se encontrava.

A síntese 3B não descreve qualquer coisa que tenha relevância para o processo. Fernanda confirma para Mario um endereço e este pergunta se ela o havia enviado pelo Whatsapp, obtendo uma resposta negativa.

A síntese 4B descreve uma conversa sobre valores travada entre a ré Fernanda e um homem não identificado, mas não é especificado o objeto da valoração pecuniária.

A síntese 5B trata de uma conversa entre Fernanda (que não é a ré Fernanda Olivier) e Camilo (com sotaque espanhol) sobre valores de serviços médicos não especificados.

A síntese 1D transcreve uma conversa entre a ré Ana Paula e uma atendente da CPFL, sem qualquer resquício de vínculo com os fatos apurados nesta ação penal.

A síntese 2D é uma conversa relativamente longa entre a ré Ana Paula e Melissa. Elas falam sobre os custos das próteses (provavelmente de seios) e dos procedimentos de implantação e tratamento, bem como sobre o prazo de 15 dias de repouso depois do procedimento. Ana Paula fala que a prótese pode ser paga com três meses de trabalho. Não há qualquer ajuste no sentido de que viria a ser realizado qualquer procedimento concreto. Falam somente por hipótese.

A síntese 3D é uma conversa entre a ré Ana Paula e Lisa, pela qual é acertado que esta, no dia seguinte, vai pagar 200 reais de diária. Foi Lisa quem ligou para Ana Paula para tratar disso. Não há qualquer animosidade nessa conversa.

Relatório de Inteligência nº 35-2017: sínteses 6-A a 16-A e 3-C a 8-C (ID 276501143, págs. 155-167)

A síntese 6-A transcreve uma conversa em que as rés Agda e Ágatha (Vitória) tratam de uma surra em uma das prestadoras de serviços sexuais sob seu controle, que teria sido aplicada por duas prestadoras do mesmo tipo de serviço que seriam controladas pela ré Nicoly, identificada como cafetina. As duas falam sobre possível intervenção do réu Renan para resolver a situação de conflito entre as prostitutas, sendo nesse contexto indicado que as rés que dialogavam seriam concorrentes (e não parceiras) de Nicoly.

A síntese 7-A transcreve uma conversa da ré Agda com uma pessoa não identificada. Trataram de recebimento de diárias de garotas de programa.

A síntese 8-A é uma conversa entre Bianca e uma pessoa não identificada. Conversam sobre o pagamento de algo não identificado no valor de oitenta reais, que ela teria deixado num motel.

A síntese 9-A descreve uma conversa entre uma mulher não identificada e a ré Agda, em que a primeira diz para esta que alguém (a transcrição fala em integrante do PCC, mas isso não está na conversa entre elas) sabe quem estaria roubando as travestis.

Na síntese 10-A é transcrito um diálogo no qual a ré Agda estaria levando uma menina para um motel não identificado.

A síntese 11-A descreve uma conversa entre Renata e a ré Agda, pela qual a primeira informa que vai fazer uma viagem curta e indaga à última se poderia deixar as suas coisas na casa, com o que a ré concorda.

A síntese 12-A é dispensável para o esclarecimento dos fatos apurados neste processo.

A síntese 13-A descreve a conversa na qual um homem não identificado diz para a ré Agda que recebeu duzentos e oitenta reais de diárias de uma pessoa que a ré disse não conhecer. A ré disse que pediria para alguém ir pegar o dinheiro.

A síntese 14-A descreve um diálogo entre a ré Agda e Renato, que fala para a primeira que havia uma menina junto com Sara. Agda diz que a referida menina não trabalha no local (não identificado) no qual Renato se encontra.

A síntese 15-A tem como objeto uma convocação que Renata fez para que a ré Agda comparecesse ao local. Logo em seguida, Renata passa o telefone para Carol, que diz ter sido importunada por um cliente.

A síntese 16-A descreve uma conversa pela qual a ré Agda pede ao réu Renan para avisar a alguém que ela ficará restrita ao seu espaço e que não vai explorar o espaço da pessoa destinatária da mensagem. Uma interpolação feita na transcrição (que não foi objeto da conversa transcrita) se refere a Renan como integrante do PCC.

A síntese 3-C transcreve um diálogo entre um homem não identificado e Nicoly, no qual esta é referida como cafetina.

As sínteses 4-C e 5-C transcrevem duas longas conversas entre Nicoly e Vitória (Ágatha). Elas tratam de um conflito entre travestis numa boate de Ribeirão Preto (Porcada), em que duas controladas pela primeira teriam agredido fisicamente uma controlada pela segunda, além de terem subtraído da última uma bolsa e um telefone celular. As duas conversas giram em torno desse conflito e sobre a devolução dos bens subtraídos. Vitória diz que o seu marido, o réu Renan, gostaria de falar com a Nicoly, mas não há qualquer especificação da finalidade que isso teria.

A síntese 6-C traz um diálogo entre Nicoly e alguém identificado como Nilton/Milton. Eles tratam do conflito referido nas sínteses 4-C e 5-C e sobre a possibilidade de intervenção de membros do PCC. Nilton/Milton menciona que a facção criminosa não intervém em conflitos de homossexuais e Nicoly diz às vezes eles interviriam.

A síntese 7-C descreve uma conversa entre Nicoly e Jason. Ele, que se identifica como amigo de Agda (que cuida das meninas da Avenida Brasil), reclama que uma funcionária dela (Nicoly) teria roubado trezentos reais dele quatro ou cinco meses antes. Jason fala que conversou com membros do PCC, mas foi orientado a procurar ele mesmo resolver a situação com Nicoly. Jason disse também que os membros da facção criminosa somente interviriam se a situação não fosse resolvida. Nicoly diz que não é responsável pelas meninas da Avenida Brasil, mas outra pessoa, e assegura que resolveria a situação se o fato tivesse sido praticado por alguma menina sob seu controle. Jason diz ter conversado com essa pessoa (que teria se comprometido a resolver a situação) e com Agda na presença de um membro do PCC, para logo em seguida pedir desculpas a Nicoly pelo incômodo.

A síntese 8-C descreve uma conversa entre Nicoly e uma mulher não identificada. Tratam do referido conflito na boate, envolvendo meninas controladas por Nicoly e meninas controladas por Agda. Nicoly diz que Agda a convidou para uma reunião, mas esclarece que se recusa a ir na casa da última e menciona que o encontro deveria ser em outro lugar. A mulher refere que a reunião não seria na casa da Agda. Nicoly menciona que o conflito foi numa boate, que não é local controlado por qualquer das duas. Nicoly afirma que Agda teria levado esse conflito ao conhecimento de membros do PCC e, em seguida, ela e a mulher conversam sobre como teria ocorrido o conflito e como poderiam ser feitos os esclarecimentos pertinentes.

Relatório de Inteligência nº 11-2018: sínteses 1-D a 6-D (ID 276501164, págs. 80-84)

As sínteses 1-D a 3-D são as mesmas que constaram do Relatório de Inteligência nº 32-2017 já referidas acima.

A síntese 4-D descreve uma conversa em que a ré Ana Paula solicita a visita a uma empresa desentupidora, não sendo vislumbrada a importância que isso teria para o presente feito.

A síntese 5-D trata de uma conversa amena entre a ré Ana Paula e Raíssa em que a última fala de uma dívida que teria com a primeira. Tratam, ainda, de quando a última desceria (o que o responsável pela transcrição interpretou como referência a fazer programa).

A síntese 6-D trata de uma conversa curta sobre a locação de um imóvel, não havendo qualquer referência aos fatos alegados neste processo.

Relatório de Inteligência 12-2018: sínteses 1-B a 8-B (ID 276501143, págs. 212-215)

A síntese 1-B descreve uma conversa entre uma pessoa não identificada, que queria falar com Fernanda, e Guto, que esclarece que Fernanda saiu. A pessoa não identificada disse que tinha sido orientada a comparecer na casa de Fernanda, indaga se esta era responsável pela casa e Guto responde que sim. A pessoa não identificada disse que ligaria mais tarde.

A síntese 2-B descreve Fernanda informando endereço para um homem não identificado.

As sínteses 3-B a 5-B são as mesmas do Relatório de Inteligência nº 32-2017 descrito acima.

A síntese 6-B descreve uma conversa entre uma pessoa não identificada e Fernanda. Falam sobre a inclusão em um Whatsapp, uma festa, uma remessa de dinheiro, a quitação de uma dívida (sem especificação da natureza) com colombianos, alongamentos, perucas, mega hair e cabelos.

As sínteses 7-B e 8-B descrevem, respectivamente, o pedido de um lanche e a solicitação de mudança de endereço de uma linha telefônica. Não se vislumbra a relevância disso para o presente caso. A mencionada Fernanda não é a ré deste processo.

Relatório de Inteligência 13-2018: sínteses 1-A a 62-A (ID 276501164, págs. 43-78)

As sínteses 1-A e 2-A são as mesmas que constam do Relatório de Inteligência nº 30-2017 referido acima.

A síntese 3-A trata de uma conversa entre Vitória e Silvana que não contribui para o esclarecimento dos fatos apurados neste processo. Elas tratam de um encontro que a última terá com Paola.

As sínteses 4-A e 5-A são as mesmas do Relatório de Inteligência nº 32-2017 referido acima.

A síntese 6-A é concernente a uma conversa entre Agda e Vitória. Agda estava saindo da missa e as duas conversam sobre uma surra, aplicada por pessoas controladas por Nicoly, que teria vitimado Natasha, que elas dizem que controlam. Agda fala para Vitória que esta diga a Marlene para resolver o assunto, sob pena de não receber mais pagamento. Agda pergunta se Renan vai correr atrás e Vitória responde que ele pediu o número da Nicoly cafetina para falar com ela.

A síntese 7-A traz conversa entre Agda e uma mulher não identificada, que tratam do pagamento de diárias que seriam devidas por Cláudia e umas meninas não identificadas.

A síntese 8-A transcreve diálogo entre um homem não identificado, que estaria utilizando o telefone de Agda, e Bianca, descrita como garota de programa. Ela fala que deixou oitenta reais no motel Desejo.

Conforme a síntese 9-A, uma mulher não identificada fala para Agda que Artur sabia quem estava assaltando os travestis.

As sínteses 10-A a 15-A são as mesmas que constam do Relatório de Inteligência nº 35-2017 acima referido.

A síntese 16-A traz um diálogo entre Agda e Renan, no qual a primeira diz que colocará as suas meninas no seu espaço e, assim, não realizará mais pagamentos para uma pessoa não identificada.

A síntese 17-A traz uma conversa em que Renata pede a Agda para dormir no motel e a última diz que não porque fica difícil, pois seria necessário pagar a diária do local. Renata aceita essa explicação.

A síntese 18-A descreve uma conversa entre Marcela e Skol, de um lado, e Artur, de outro, tratando de valores de diárias. Skol reclama que o valor da diária está alto e que ela não ganha o suficiente para o pagamento, pois não havia movimento.

A síntese 19-A trata de uma conversa em que Carla reclama da exposição ao Sol na avenida Brasil e diz que pretende parar com o trabalho por uns dois meses. Carla diz que é fisioterapeuta e que pretende se dedicar exclusivamente a essa atividade. Agda diz que quer fazer uma massagem com Carla.

A síntese 20-A descreve um diálogo em que Lorrayne fala para Agda que Kiara estava com tuberculose e teria que permanecer em isolamento hospitalar. Agda diz que vai buscar Lorrayne e esta agradece.

A síntese 21-A transcreve uma conversa entre Cafu e Agda, em que esta afirma que se encontra na favela e que tia Lu, o filho dela e uma menina dela “entrariam na madeira”, sem qualquer esclarecimento sobre quem seria responsável pela execução dessa atividade. Não fica claro se “dela” se referiria a Agda ou a tia Lu.

A síntese 22-A se refere a um diálogo em que uma mulher não identificada pede para trabalhar com a Agda e esta pede que aquela trouxesse mais profissionais (travestis e meninas).

A síntese 23-A descreve uma conversa entre Vitória e Agda. A primeira pergunta se não seria possível pegar alguém na rodoviária. O responsável pela transcrição faz uma interpolação supondo que essa pessoa seria uma prostituta. Vitória pergunta para Agda se vai demorar muito e a última responde que agora só vai bater. É feita nova interpolação pelo transcritor segundo o qual “bater” significa agressão física. Agda diz para Vitória que está esperando o companheiro desta (que o responsável pela transcrição diz ser Renan).

A síntese 24-A cuida de uma conversa entre Agda e Renan. Agda diz que já sabe quem foi o autor de um assalto, referindo-se a Igor casqueiro, Jefferson e um bombadinho que mora na casa do Juninho. Agda diz que precisa mostrar uma filmagem para Renan e que um homem não identificado disse que só quer o dinheiro de volta. O responsável pela transcrição fez uma interpolação, dizendo que se trataria de um roubo de um motel.

A síntese 25-A transcreve conversas enigmáticas, sem vínculo aparente com os fatos alegados neste processo, travadas entre Agda e Renan e entre este e Artur, que pegou o telefone com Agda.

A síntese 26-A trata de uma conversa entre Airton (motel Morris) e Silvana, em que estes falam sobre Isabela e outra menina, que teriam ocupado um quarto do estabelecimento. Silvana diz que Isabela seria sua devedora.

A síntese 27-A cuida de um diálogo entre Renato e Artur (que estaria com o telefone de Agda), em que falam sobre pegar Igor, que teria passado informações sobre a existência de dinheiro no motel que foi roubado por um homem não identificado na conversa, que não seria ladrão pois praticou o crime na frente de câmeras, sem esconder o rosto. Renato e Artur se comprometem a resolver esse assunto do “roubo”.

Nas sínteses 28-A e 29-A Renato e Artur continuam tratando do mesmo assunto.

Na síntese 30-A é transcrita uma conversa entre Agda e Renato, com breve intervenção de um homem não identificado. Ela e esse homem estariam na casa do suspeito do roubo, que nega ter sido o autor do delito. Agda fala que todos na casa são evangélicos.

A breve conversa da síntese 31-A, entre Marcela e Cafu, se limita a informar que Agda estava no motel Desejo.

A conversa da síntese 32-A, entre Rafaela e Agda, versa sobre o local em que a primeira poderia ficar em Ribeirão Preto, com referências aos motéis Moris e Desejo, bem como a casa de Agda, na qual a diária seria de oitenta reais. Rafaela diz que ficaria no Moris até que desocupasse uma vaga na casa de Silvana, dizendo que não queria ficar na casa de Agda.

Na conversa da síntese 33-A Karen fala para Agda sobre a partida de Camila e Skol. Agda diz que vai perguntar para Artur se está tudo certo.

A conversa da síntese 34-A mostra Artur pedindo para Fabricio buscar algo que o responsável pela transcrição supôs se tratar de droga. Fabricio diz que não vai atender esse pedido de Artur.

A síntese 35-A cuida de uma conversa em que Neto relata para Agda a partida de Isabela e o valor de diárias, trezentos ou trezentos e cinquenta reais. Os diálogos das sínteses 36-A e 37-A tratam do mesmo assunto, sendo esclarecido que Isabela pagou esses trezentos reais.

Na conversa da síntese 38-A, a recepcionista do motel Moris diz que Agda deveria pagar diárias no total de duzentos e cinquenta reais relativas ao uso do quarto 10.

A síntese 39-A mostra a conversa pela qual uma mulher não identificada pede a Artur para buscar vinte e cinco gramas (que o responsável pela transcrição supôs se tratar de droga). Artur diz que vai atender esse pedido.

As sínteses 40-A a 42-A retratam conversas obscuras e pouco (ou nada) significantes quanto aos fatos que são objeto desta ação penal.

A síntese 43-A descreve a queixa que uma mulher não identificada faz para Vitória e Renan, sobre o fato de um cliente ter pagado apenas setenta reais por três horas de serviços prestados no motel Eros. Segundo essa mulher, o cliente teria dito que Agda falou que o programa seria sessenta ou setenta reais. Renan reclama do mencionado motel, pois não o deixavam entrar lá, dizendo que não sabia por que as meninas gostavam de usar o local.

As sínteses 44-A e 45-A mostram conversas entre uma mulher não identificada e Vitória, nas quais a primeira diz que precisaria falar com Renan sobre uma pessoa que teria mexido com Tayara.

A síntese 46-A indica que Luana ligou para Vitória, perguntando se teria lugar para uma menina, se dormiam todas juntas e quanto seria o valor da diária. Luana diz que vai passar para a amiga as informações dadas por Vitória.

A síntese 47-A descreve um diálogo entre Ju, identificada como funcionária do motel Pirata, e Vitória. Ju informa Vitória havia deixado de entregar um envelope com dinheiro porque estava em licença-maternidade. Nessa conversa foi esclarecido que Renan pegou esse envelope.

A síntese 48-A é uma conversa em que Agatha descreve para Vitória (filha de Agda) que Deco foi preso na rodoviária. Fala-se também que estariam ocorrendo muitos roubos na avenida e que era necessário que fizessem uma reunião para criarem regras. As participantes dessa reunião seriam Vitória, Agda e Nicoly. Agatha reclama que tinha perdido suas malas que foram apreendidas com Deco.

A síntese 49-A trata de um contrato de consórcio, que é assunto totalmente alheio ao caso dos autos.

A síntese 50-A descreve que Silvana pediu para Artur comprar uns negocinhos (que o responsável pela transcrição supôs se tratar de drogas). Artur diz que iria ao local em que Silvana estava.

A síntese 51-A descreve uma conversa em que uma mulher não identificada pede a Artur que este compareça ao motel Fênix, pois um cliente teria se recusado a fazer o pagamento devido para ela e algumas colegas.

A síntese 52-A mostra a conversa entre Carol/Tainá e Artur, em que ela diz que vai esfaquear Janaína. Artur diz que vai chamar Janaína, pois sabe como falar com ela.

A síntese 53-A descreve uma conversa em que Artur relata para Agda que uma menininha não identificada teria batido em Kate. Agda diz que existe multa prevista para essa situação e pediu que Artur dissesse para Kate que esta deveria ter informado o ocorrido.

A síntese 54-A descreve um telefonema feito por Kate para Agda, no qual a primeira descreve a convivência tensa que tem com uma menina que a provoca constantemente. Kate está bastante tensa e Agda tenta acalmá-la.

A síntese 55-A mostra Silvana descrevendo para Agda uma situação conflituosa entre Andressa e Taís, envolvendo inclusive uma faca.

A síntese 56-A descreve Carol pedindo a Artur que este fosse buscar um dinheiro no motel Eros, enquanto a 57-A descreve um homem não identificado pedido para Artur comparecer ao local, pois tinha alguém descontrolado, que inclusive quebrou um portão.

A síntese 58-A retrata uma conversa em que Silvana informa Agda de que uma travesti estaria atrapalhando os serviços das garotas de programa na rua. Agda diz para Silvana pedir que a travesti mudasse de lugar, indo um pouco mais para cima, próximo ao motel Village.

A síntese 59-A descreve uma conversa em que Agda pede a um homem não identificado que levasse um negócio que uma menina estava querendo. O responsável pela transcrição realiza uma interpolação, supondo que esse negócio seria droga. Eles combinam que o homem deixaria o negócio com Renan.

A síntese 60-A descreve um diálogo em que Neto informa a Cafu que tinha encomendado duzentos panetones. Dessa vez o responsável pela transcrição não fez qualquer suposição de que esses panetones seriam outra coisa.

Na síntese 61-A, Vitória e Artur conversam, de forma inconclusiva, sobre passagem de ônibus.

Na síntese 62-A, que fecha o Relatório de Inteligência 13-2018, descreve diálogos com Artur, um homem não identificado e “neguinho”, que tratariam sobre drogas.

Relatório de Inteligência 14-2018: sínteses 1-C a 10-C (ID 276501164, págs. 31-42)

A síntese 1-C descreve uma conversa entre uma pessoa não identificada e Nicoly. Essa pessoa diz que vai ficar com Leonardo, enquanto Bianca vai ficar com Renan. Essa pessoa diz ainda que está mudada, que quer ir para Dumont e que não quer que ele mexa nas coisas dela.

A síntese 2-C mostra uma conversa entre um homem não identificado (que depois diz se chamar Fernando) e Pamela, que atendeu o telefone de Nicoly. Fernando pergunta para Pamela se Julia estaria na casa e Pamela responde que ela estava resolvendo um problema fora de casa.

Segundo a síntese 3-C, Nicoly fala para um homem não identificado que alguém a teria chamado de cafetina.

As sínteses 4-C a 8-C são as mesmas que constam do Relatório de Inteligência nº 35-2017 acima referido.

As sínteses 9-C e 10-C tratam, respectivamente, de uma reclamação de crédito de celular e sobre a chegada de uma pessoa não identificada na rodoviária de Ribeirão Preto. Nicoly orienta essa pessoa como chegar onde se encontrava.

Relatório de Inteligência 15-2018

Esse último relatório de inteligência se limita a ser uma compilação de trechos de sínteses apresentadas nos relatórios anteriores, não trazendo assim qualquer matéria nova.

(...)

2.1.4 Testemunhas do IPL federal

(...)

A testemunha 1 (ID 276501152, pág. 6-8) disse que veio de Campo Grande, Estado do Mato Grosso do Sul, para Ribeirão Preto em 2012, quando tinha 14 anos de idade, a convite da ré Agda, que teria lhe prometido a aplicação de silicone e a colocação de prótese, bem como providenciado a passagem de ônibus e cinquenta reais para alimentação. Tinha consciência de que o convite era para exercer a prostituição e disse que o réu Artur foi lhe buscar na rodoviária de Ribeirão Preto a mando de Agda. Afirmou que foi levada para uma chácara dessa ré, onde foi compelida a usar cocaína durante uma espécie de comemoração que se fazia com essa droga. Disse que pretendia fugir, o que deixou de fazer porque haveria câmeras na casa e a ré Agda teria ameaçado a sua família. Declarou, ainda, que a ré Agda a obrigou a trabalhar na Avenida Brasil, sendo-lhe permitido voltar para casa depois que houvesse amealhado pelo menos duzentos reais. A testemunha mencionou que ela e outras meninas usavam cocaína (três pinos de cocaína por noite, ao custo de dez reais cada) para aguentar o trabalho. Agda cobraria a diária de vinte reais e cinquenta reais pelo ponto na rua, pelos pinos de cocaína e pela refeição, e controlaria pontos na Avenida Brasil, na Avenida Saudade, no setor de motéis e no Cerrado. Declarou, ademais, que uma pessoa colocou silicone nas suas pernas na casa de Agda e que esse procedimento custou dois mil reais, a serem pagos com correção e juros. Consta do mesmo depoimento que a ré Agda cerceava a liberdade das meninas, as obrigava a comprar tudo consigo e que providenciava a fiscalização delas mediante capangas do PCC, dentre eles os réus Artur e Renan. Esses capangas teriam lhe aplicado diversas surras. A testemunha declarou também que a ré Agda sequestraria filhas das prostitutas e traficaria pessoas para a Europa, uma das quais teria sido assassinada por um marroquino na Rússia. Ao final, disse que a ré Agda, na própria casa, teria assassinado uma concorrente, mas o fato foi divulgado como suicídio.

A testemunha 2 (ID 276501152, págs. 9-10) disse que veio de São Paulo para se prostituir em Ribeirão Preto aceitando o convite de uma conhecida em cujo albergue permaneceu por três semanas. Foi abordada pela ré Agda, que lhe prometeu liberdade inclusive no que concernia aos horários de trabalho. Essa ré, acompanhada pelo acusado Renan (que seria do PCC), depois foi lhe buscar. A testemunha falou que pagou uma dívida inventada pela ré a Agda, mas a ré Ágatha (Vitória) disse que ainda havia pendência e que por isso a testemunha não poderia ir embora. Disse, ainda, que sofreu uma surra aplicada pela ré Ágatha e outra pessoa, que ainda lhe subtraíram três mil e quinhentos reais de um programa longo que havia feito com um cliente. Nesse mesmo dia, o réu Renan também lhe aplicou uma surra com um pedaço de pau, mas conseguiu fugir para um posto de gasolina, onde foi ajudada por um frentista. Depois disso, não voltou mais para a casa de Agda, deixando lá todos os seus pertences.

A testemunha 3 (ID 276501152, págs. 88-89) disse que se hospedava no motel Nuance, mediante a diária de trinta e cinco reais. Pagava vinte reais de ponto para Marlene e depois passaram a lhe cobrar cinquenta reais a mando de Agda, que, segundo lhe informaram, controlaria o referido motel. A testemunha questionou a duplicidade da cobrança, mas lhe disseram que, estando hospedada no motel Nuance, o controle era da ré Agda e que poderia trabalhar em toda a Avenida Brasil. Afirmou, ainda, que Agda explorava os serviços de prostituição de homossexuais e de mulheres, bem como que essa ré teria envolvimento com integrantes do PCC, dentre eles os réus Renan e Artur. Os membros dessa organização criminosa praticavam violência física e psicológica contra as pessoas prostituídas em decorrência de dívidas pelos pontos, pelas diárias e por drogas (que eles as obrigavam a comprar). A testemunha os presenciou batendo em outras meninas, mas disse que ela própria sofreu violência apenas psicológica (coação). Afirmou também que já pagou ponto para a ré Nicoly, nas proximidades da concessionária Santa Emília.

A testemunha 4 (ID 276501160, págs. 113-114), que se qualificou como transexual, afirmou que pagava ponto para Marlene, que explorava a prostituição de transexuais e mulheres em setor da Avenida Brasil e que era concorrente da ré Agda, que, em outro setor da mesma avenida, explorava a prostituição apenas de mulheres. Segundo essa testemunha, a ré Agda se aproveitou da idade avançada da sua concorrente para ampliar o seu setor de exploração das atividades de prostituição na Avenida Brasil. A testemunha disse que teve uma discussão com a ré Agda, que estava ameaçando de levar as transexuais da Avenida Brasil para o tribunal do crime no motel Pirata. A testemunha disse que a ré Agda determinou, sob ameaça de morte, que ela fosse embora. A testemunha disse, ademais, que a ré Ana Paula controlava o ponto de prostituição da Avenida 9 de julho, local no qual ela, a testemunha, não podia fazer ponto. Declarou, por outro lado, que a ré Nicoly, que dividiria com outras duas pessoas o controle do ponto de prostituição da concessionária Santa Emília, é muito perigosa, tendo inclusive lhe aplicado uma surra em decorrência da qual precisou de atendimento hospitalar. Disse, de forma genérica, que os exploradores dos serviços de prostituição cobravam entre trinta e cinquenta reais pelo ponto e utilizavam o tribunal do crime para resolver as desavenças entre os participantes das atividades de prostituição (clientes, prostitutas e controladores da prostituição), sustentando que as controvérsias entre travestis e cafetinas eram sempre resolvidas em favor das últimas. Declarou ter conhecimento de situações em que, na resolução desses conflitos, travestis acabaram sem as próteses, sem cabelo e sem a mala. Disse que colocou próteses mamárias pagando com recursos próprios, que as cafetinas cobram o dobro quando financiam esses procedimentos e que a ré Nicoly explorava esse tipo de financiamento. Afirmou que o réu Deco providenciou a ida de transexuais para a Europa, sem dizer a finalidade dessas viagens. Disse, ainda, que as cafetinas (sem especificar quais) providenciariam o pagamento de passagens, cobrando depois o dobro do valor, para a vinda de transexuais que eram convencidas a vir sob o argumento de que conseguiriam ganhar bem. No entanto, acabavam endividadas (os tipos de dívidas não foram especificados pela testemunha), pois não conseguiam ganhar o bastante.

A testemunha 5 (ID 276501160, págs. 115-117) disse que se prostituía em Franca e, fugindo de ameaça de morte, depois de passar por uma aplicação de silicone, veio para Ribeirão Preto, onde se instalou no Castelo das Trans, controlado pelo réu Deco, pagando cinquenta reais de diária, que incluía a hospedagem, com água, luz, internet e cinco refeições, além do uso do ponto para prostituição. Afirmou que teve um repouso de quinze dias para evitar inflamação pelo silicone e que Deco comprou os remédios necessários, o que gerou uma dívida de mil e quinhentos reais, posteriormente paga com os recursos auferidos com o seu trabalho de rua. Depois de um tempo, foi para Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul, e, quando retornou para Ribeirão Preto, a sua passagem foi financiada pela ré Ágatha, que depois cobrou o dobro do que pagou. A testemunha disse que as rés Ágatha e Agda (filha e mãe) dispunham de três casas, com diárias de valores diferenciados (quarenta e cinco, cinquenta e sessenta reais), que compreendiam também o uso do ponto na rua. Afirmou que as duas rés compraram um setor da Avenida Brasil de outra pessoa que explorava serviços sexuais prestados por terceiros.  Disse não saber se a ré Agda teria de fato levado transexuais para o tribunal do crime, embora tenha ouvido falar coisas nesse sentido. Declarou que o réu Renan forneceria drogas para transexuais.

A testemunha 6 (ID 276501160, pág. 118-120 e 121-122 [ouvida duas vezes]) disse, no primeiro depoimento, que, a convite de uma amiga, veio se prostituir em Ribeirão Preto, com a passagem paga pela ré Ágatha (Vitória), que depois lhe cobrou o dobro. Instalou-se primeiramente numa chácara em péssimo estado controlada pelas rés Ágatha e Agda, mediante a diária de cinquenta reais, que incluía o uso do ponto. A limpeza da casa era feita pela gerente do local. Mudou-se para outra casa, em melhores condições, controlada pelas rés, com diária de sessenta reais, incluindo água e energia elétrica. Disse que a ré Ágatha cobrava trinta reais pelo uso do ponto (para quem não estivesse hospedada). Não fez qualquer procedimento estético em Ribeirão Preto. A testemunha disse que os réus Ágatha e Renan eram casados e que o último seria do PCC. Sustentou, ainda, que as rés Ágatha e Agda ameaçaram apresentar ao tribunal do crime de tal organização criminosa controvérsias com amigas da declarante. No segundo depoimento, disse que veio da cidade de Anastácio, Mato Grosso do Sul, que havia regras na casa, com previsão de multas para o descumprimento, e que os pagamentos das diárias para a ré Ágatha eram feitos semanalmente. A testemunha disse que a ré Agda tem um trailer, onde homossexuais compravam mediante fiado, além de fazer referências ao programa de fidelidade do motel Fênix.

A testemunha 7 (ID 276501160, págs. 123-125), depois de dizer que dividia o aluguel de uma casa com a irmã e que ambas se prostituíam, afirmou que pagava trinta reais pelo ponto na rua. Deixou um ponto controlado por Marlene e passou a pagar um ponto controlado pela ré Agda. Disse que esta usava o tribunal do crime do PCC para resolver situações conflituosas com prostitutas de qualquer gênero e que as condenadas eram mortas, sendo os corpos enterrados em local próximo de uma usina. A testemunha disse que os pontos da Avenida Brasil eram todos então controlados pela ré Agda, depois que esta comprou uma parte do logradouro que era controlado por Marlene. A testemunha disse que Agda, além da diária, cobrava metade do valor de cada programa, e que o tribunal do crime seria um fator de coerção para que os pagamentos fossem feitos. Quanto estava sob o controle de Marlene, a que vendeu parte da Avenida Brasil para Agda, pagava somente as diárias. Disse que morou na casa controlada pelo réu Deco (Castelo das Trans), que posteriormente foi adquirida por Ágatha Lima (transexual homônima da ré Ágatha). Afirma que presenciou a ré Agda dar três tapas na cara de Paola e que ela (a ré) cobrava dívidas inexistentes, além de se apropriar de dinheiro e bens, retinha documentos das meninas subordinadas, utilizando-os para a abertura de crediários. Disse que a ré Agda obrigava as meninas a utilizarem o motel Pirata e que o réu Artur, armado, as vigiava e fazia a segurança delas. Mencionou cirurgiões plásticos que faziam procedimentos estéticos e que quebrou a clínica de um deles, que se recusou a devolver um adiantamento que tinha feito para um procedimento do qual ela desistiu. Disse que a ré Nicoly bateria nas homossexuais sob seu controle e que a ré Agda obrigaria as meninas sob seu controle a cometerem violência para compelirem os clientes a realizarem os pagamentos.

A testemunha 8 (ID 276501160, págs. 126-127) fez uma alusão ao parentesco entre as rés Ágatha e Agda, mas esclareceu que se prostituía livremente, sem pagar pelo ponto e sem subordinação.

A testemunha 9 (ID 276501161, págs. 1-3) disse que morava na casa de Agda, mediante o pagamento de uma diária de sessenta reais, que abrangia a hospedagem, a internet, a energia, a água e o ponto de prostituição. Foi atraída para vir para Ribeirão Preto mediante publicações na internet, em que a ré Agda oferecia a realização de procedimentos estéticos. Disse que a ré lhe forneceu quatrocentos reais para custear a viagem (passagem e alimentação) e depois cobrou o dobro disso. Sustentou que tinha uma dívida de setecentos reais e foi por isso ameaçada de violência física pelas rés Ágatha e Agda, além de outra pessoa. Segundo a testemunha, o réu Renan seria fornecedor de drogas, a ré Ágatha seria gerente da ré Agda e que esta seria subordinada a outra pessoa. Disse que, em razão da dívida, não podia sair da casa de Agda, embora houvesse outras moradias disponíveis.

A testemunha 10 (ID 276501161, págs. 4-5), que morava com a irmã numa casa alugada, disse que usava um ponto na Avenida Brasil, pelo qual primeiramente pagava uma pessoa e depois passou a pagar a ré Agda, que a ameaçava de violência física ou de aplicação de multa. Disse que a ré Agda cobrou quinhentos reais de multa de uma “irmã de coração” (da depoente) porque ela brigou. Afirmou que escolhe livremente os dias e horários de trabalho e estabelece os seus preços, bem como que nunca ouviu falar em tribunal do crime.

A testemunha 11 (ID 276501161, págs. 6-10) afirma que foi convidada por uma amiga para vir para Ribeirão Preto e que a ré Nicoly pagou as passagens para ela e uma amiga, vindo a cobrar o dobro depois. Disse, ademais, que a ré Nicoly disse que cobraria somente a diária, mas depois exigiu pagamentos autônomos de água, energia e internet. Segundo a testemunha, de vinte e duas meninas que estavam na casa de Nicoly, catorze foram embora porque não conseguiam quitar as suas dívidas. Nicoly exigiria que as meninas saíssem para trabalhar às 19 horas e que retornassem somente às 4 da manhã do dia seguinte. Ela permitia o uso da casa para a realização dos programas, mediante o pagamento de dez reais e, sob pena de multa, a posterior limpeza do quarto. Nicoly e seus olheiros fiscalizavam o trabalho das meninas nas ruas. A testemunha sustentou que deu dinheiro para a ré Nicoly guardar a fim de pagar a colocação de próteses mamárias. Disse ter certeza que tinha guardado mais de quatro mil reais, mas que Nicoly disse que ainda faltavam dois mil reais. Nicoly teria financiado esse valor, cobrando o dobro disso. A testemunha falou sobre negociações e financiamentos de procedimentos estéticos, perucas, móveis e roupas pela ré Nicoly. Afirmou, ainda, que a ré Nicoly bateu e aplicou uma multa numa menina que se drogava constantemente, inclusive ao menos uma vez na casa, e por isso ficava sem dinheiro para pagar as diárias. Além disso, Nicoly aplicava multas por vários motivos para as meninas ficarem com dívidas cuja falta de pagamento era noticiado em grupo de cafetinas. Nicoly, com intuito de intimidação, contou algumas vezes uma estória de que teria colocado fogo numa menina, depois de tê-la obrigado a cheirar diversos pinos de cocaína, beber corote e dançar. A mando de Nicoly, um grupo de meninas aplicou uma surra numa que estava saindo com clientes sem cobrar. Essa menina seria de Ribeirão Preto e apresentou esse caso para os “irmãos”, mas a testemunha não sabe dizer qual teria sido a atitude deles.

A testemunha 12 (ID 276501161, págs. 10-11) disse que, a convite de uma amiga, veio para Ribeirão Preto se instalar na casa da ré Ana Paula, pagando cinquenta reais de diária (que englobava a hospedagem e o ponto na rua) e, por fora, as despesas de energia, água, internet e faxina. Segundo a testemunha, a ré Ana Paula fiscalizava as meninas na rua. Disse, ademais, que a ré Ana Paula financiava a compra de sapatos, roupas, cabelos e acessórios, e que ela própria, a declarante, comprou cabelos de oitocentos reais que acabaram lhe custando dois mil reais nesse sistema de financiamento. Ana Paula exigiu multas por uma briga e pela quebra de um ventilador, mas a depoente disse que nunca foi ameaçada por ela.

A testemunha 13 (ID 276501161, págs. 12-13) disse que veio de Fortaleza, Estado do Ceará, para Ribeirão Preto com as passagens (avião até São Paulo e ônibus daí para Ribeirão Preto) financiadas pela ré Nicoly, que depois cobrou o dobro (dois mil reais) do que tinha gastado (mil reais). Pagava para a ré Nicoly diárias de cinquenta reais de segunda a quinta e de setenta reais na sexta, o que englobava a hospedagem, o almoço e o ponto nas proximidades da concessionária Santa Emília. Segundo a testemunha, as meninas tinham que sair para o trabalho às 19 horas e voltar depois das 4 horas do dia seguinte. Era possível prestar o serviço na casa mediante o pagamento de dez reais. A testemunha disse que entregava tudo o que ganhava para a ré Nicoly para pagar as passagens e uma multa de três mil reais que lhe foi aplicada por ter quebrado uma mesa de vidro. A testemunha mencionou que queria ir embora, mas tinha medo da Nicoly e, além, disso não dispunha dos recursos necessários uma vez que os deixava com a mencionada ré. Afirmou, ainda, que a ré Nicoly estipulava um preço mínimo para os programas, fiscalizava as meninas nas ruas e, pelo uso do ponto, cobrava setenta reais das meninas que não estavam sob seu controle. A rua de cima das proximidades da concessionária Santa Emília estaria sob o controle da ré Fernanda. A testemunha disse, ainda, que a ré Nicoly trancaria as meninas na casa, deixando-as sair, uma a uma, somente depois das 19 horas para o trabalho.

A testemunha 14 (ID 276501161, págs. 14-16) disse que, a convite de uma amiga que não identificou, veio de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, para Ribeirão Preto, acreditando que poderia ganhar mais dinheiro aqui. Instalou-se numa chácara, administrada por uma pessoa identificada como Maria, sendo o aluguel do local rateado entre os ocupantes, cada qual pagando aproximadamente cento e cinquenta reais por mês. Não era permitido levar clientes para a chácara. Mudou-se para uma casa com outras oito pessoas, dentre elas a mencionada Maria, pagando o aluguel per capita de duzentos reais. Maria não participava do rateio porque era a responsável por cuidar da casa. Além disso, Maria recebia trinta reais por dia de cada como comissão pelos serviços prestados na casa, o que incluía a preparação do almoço. Diz ter ouvido falar de Agda, de Ágatha (transexual, que, portanto, não é a filha de Agda), de Fernanda (transexual subordinada à Ágatha) e de Vitória (que seria garota de programa de luxo). A testemunha disse que nunca sofreu violência da parte de qualquer pessoa da casa.

A testemunha 15 (ID 276501161, págs. 17-18) disse que, em 2002, veio de Minas Gerais para Ribeirão Preto, onde permaneceu quatro ou cinco anos, depois dos quais partiu para Milão, Itália, com recursos próprios. Retornou para Ribeirão Preto depois de um ano e meio e aqui alugou uma casa. A testemunha discorreu sobre uma divisão inicial de pontos de prostituição entre Marlene e a ré Ágatha, que, mediante um arrendamento com essa pessoa, passou a controlar todos os pontos, cobrando uma diária de trinta reais, inclusive dos arrendados, cuja diária era de dez reais. A depoente se negou a pagar essa diária majorada, e recebeu uma intimidação de duas pessoas e do réu Renan. Sem esclarecer como teria obtido tais informações, a depoente disse que as rés Agda e Ágatha teriam trazido de outros Estados, para fins de prostituição, entre trinta e quarenta mulheres e transexuais, pagando as suas passagens e providenciando-lhes alojamentos. Depois de descobrirem que as condições de trabalho e de moradia eram inferiores às prometidas, essas pessoas queriam ir embora, mas não podiam diante das dívidas que lhes eram impostas.

A testemunha 16 (ID 276501121, págs. 23-25) disse que veio de Fortaleza, Estado do Ceará, depois de conversar com uma amiga sua da mesma localidade que tinha vindo para Ribeirão Preto e se hospedava numa casa da Nicoly. Essa ré disse para a depoente que a diária era de cinquenta reais, o que cobriria as despesas com hospedagem e alimentação (café da manhã, almoço e jantar). Nicoly pagou a passagem para a vinda a Ribeirão Preto no valor de duzentos reais, que foram quitados pela depoente na sua primeira noite em Ribeirão Preto. A depoente disse ainda que financiou uma peruca por mil reais com a ré Nicoly, que já pagou essa dívida, que pretendia colocar próteses numa clínica indicada pela ré e que soube que duas meninas tinham feito esse procedimento estético num local a que foram conduzidas por Nicoly. Segundo consta do documento, a testemunha disse que teria muito dinheiro a receber e que não teria qualquer dívida com Nicoly, que cobraria dez reais por programa realizado na casa e não permitia o uso de drogas no local. A depoente afirmou que o réu Filipe é namorado de Nicoly e que ele recolhia os valores das diárias. Nunca viu Filipe armado e uma vez pediu auxílio para ele depois de ser assaltada. A testemunha esclareceu que o ponto de Nicoly ficava próximo à concessionária Santa Emília e que ela não pagava pelo uso do local, pois já pagava a diária da casa. Nicoly aplicou multas em duas meninas, uma pelo uso de drogas e outra por uma briga.

A testemunha 17 (ID 276501121, págs. 26-30) disse que veio de Parnaíba, Estado do Piauí, para Ribeirão Preto a convite de uma amiga. Depois de um tempo foi se hospedar na casa administrada pela ré Nicoly, mediante a diária de quarenta reais, que abrangia a hospedagem e a alimentação, e o pagamento por fora das despesas de água, energia, gás e internet. O réu Filipe é o marido de Nicoly e ambos cuidavam da gestão da casa. Quando viajava era dispensada dos pagamentos das despesas. Quem não ocupava uma residência a cargo da ré Nicoly tinha que pagar vinte reais pelo uso do ponto, que ficava nas proximidades da concessionária Santa Emília. A testemunha disse que não tinha conhecimento de multas aplicadas por Nicoly, mas depois afirmou que esta aplicaria tais sanções em decorrência de brigas, confusões e quebras de bens na residência. A testemunha disse que colocou próteses com recursos próprios e que a ré Nicoly não a obrigou a fazer qualquer procedimento. Falou, ademais, que cada prostituta estabelecia os valores dos próprios programas. Declarou também que algumas pessoas, sem serem obrigadas, faziam os procedimentos estéticos por intermédio de Nicoly, que financiava aquelas que tinham mais pressa. Nicoly orientava as meninas a não fazerem coisa errada. A testemunha declarou que a ré Fernanda controlava outro ponto, não havendo mistura entre os grupos de cada uma. Nicoly cuidava das meninas doentes e a testemunha disse que se sentia insegura quando a ré estava ausente das ruas.

2.1.4 – Celulares apreendidos

(...)

Réu Artur

O documento do ID 276501288, págs. 3-5, descreve uma conversa de Whatsapp entre o réu Artur e uma pessoa identificada como Caveira. Artur pergunta sobre uma pistola e Caveira fala de duas, dizendo que vai ficar com uma delas e vai vender a outra. Artur diz então para Caveira avisar qual a pistola venderia. Nada há nessa conversa sobre o PCC, muito embora o responsável pela transcrição tenha feito constar que, de acordo com informações da Polícia Civil, Artur seria integrante dessa organização criminosa.

Ré Nicoly

O documento do ID 276501288, págs. 16-18, faz referência a duas conversas da ré Nicoly que seria sobre compras de passagens. Essas conversas não foram transcritas, não sendo autorizada qualquer suposição de conteúdo. O mesmo documento indica ainda outras quatro conversas não transcritas, em que os assuntos seriam a aplicação de silicone e a colocação de próteses. Fala-se que a ré teria mencionado que conhecia as pessoas que fariam esses procedimentos. Juntou-se cópia de uma conversa em que foram enviadas três mensagens para Nicoly, em que uma pessoa diz ter alguém interessada e indaga quanto seria o preço do litro cobrado pela responsável pela execução do procedimento.

Ré Agda

O documento do ID 276501288, págs. 26-28, menciona que foram encontradas diversas conversas entre a ré Agda e mulheres e travestis que se prostituíam ou queriam se prostituir na Avenida Brasil. Fala-se sobre o valor do ponto, o pensionato em que a ré abrigaria pessoas em tais condições e a cobrança de valores de pessoas que moravam em tal pensionato. Há uma foto em que aparecem envelopes de depósitos bancários que serviriam para pagar diárias. Faz-se referência a um áudio em que teria sido feita, no Facebook, uma denúncia de maus tratos, com imagens aparentemente de sangue, que, de fato, segundo alguns interlocutores, seria na. Provavelmente, esse áudio corresponde às informações verdade esmalte juntadas pela Polícia Federal no ID 276501152, págs. 35-39, com imagens obtidas na internet.

2.2 – Prova oral sob o contraditorio

(...)

2.2.1 Testemunhas arroladas pela acusacao

Audiencia do dia 31.5.2021.

Testemunha Davi Oliveira Palma (nome social Maria) - IDs 54680131, 54680653, 546806662, 54680683, 54681102, 54681124, 54681145 e 54681401

Disse que tinha vindo de Lorena para Ribeirao Preto quando tinha em torno de 12 anos de idade e na data da audiencia tinha 33. Comecou a se prostituir quando tinha aproximadamente 20 anos de idade. Entre 2017 e 2019, morou numa casa da re Agda, a quem se referiu como cafetina, pagando uma diaria de cinquenta reais, sem poder atender clientes na casa. Exercia a prostituicao na Avenida Brasil, pagando cinquenta reais pelo ponto para Marlene. Quem nao pagava o ponto deveria deixar o local. Nao pagava nada alem do ponto para quem controlava o local, que sequer ficava sabendo o valor auferido pela noite de programa. Viu casos de multa para o descumprimento das regras da casa, esclarecendo que nunca passou por essa situacao. As dividas da casa eram de responsabilidade dos donos e as moradoras se limitavam a pagar as diarias. A falta de pagamento das dividas de diarias implicava que a devedora deveria deixar o local. Segundo a testemunha, metade das moradoras usava drogas e bebidas e causavam problemas. A partir de 5:05 do ID 54680653, a testemunha disse que normalmente a cafetina, para impor respeito, agredia fisicamente a moradora que lhe desagradasse. A testemunha disse que nunca foi vitima dessas agressoes, mas sabe de casos de meninas que sumiram, de meninas que levaram surras e de um suicidio. Disse que o tribunal do crime, do PCC, se reunia para resolver problemas de terceiros, nao atuando com relacao ao trabalho das meninas, pois nao gostam muito dessa estoria de cafetinagem. Citou um caso em que o referido tribunal do crime atuou contra alguem que tinha roubado uma das meninas. A testemunha soube que o referido tribunal do crime foi chamado em decorrencia de um roubo que vitimou uma transexual, que, sob os auspicios de tal grupo criminoso, aplicou uma surra em quem a havia roubado. A testemunha disse que a re Agda nao teve qualquer participacao nesse evento. Algumas meninas fugiram da casa em decorrencia de dividas nao pagas, mas nao acontecia nada com as fugitivas que nao retornavam. As meninas tinham a chave da casa, da qual poderiam se ausentar e a qual poderiam retornar quando queriam. A testemunha colocou protese de silicone em Sao Paulo com recursos proprios, sem a intermediacao de qualquer pessoa. Disse, ainda, que antes das medidas de persecucao do presente feito, as cafetinas e cafetoes viviam em guerra. Depois dessas providencias as coisas se acalmaram. Afirmou que tinha ouvido falar do reu Deco e sabia que ele era cafetao, com meninas que trabalhavam na Avenida Brasil, logradouro que era dividido com Marlene e Agda. Ana Paula era cafetina na Avenida 9 de julho, enquanto Nicoly e Fernanda era cafetinas nas imediacoes da concessionaria Santa Emilia. Dentre os reus, sabe que apenas Deco financiava cirurgias plasticas. Sabe que em Ribeirao Preto houve aplicacoes de silicone, algumas das quais causaram a morte de algumas das meninas nas quais foram feitas. A casa nos quais as meninas ficavam era como um pensionato e nao haveria como terceiros fazerem os agenciamentos dos programas. A re Agda era proprietaria do motel Pirata e obrigaria as meninas sob seu controle a utilizar esse local para a realizacao dos programas. Na casa da re Agda eram oferecidos itens de conforto, como quarto com chave, roupa de cama limpa, comida, agua, tudo incluso na diaria de cinquenta reais. A testemunha disse que havia duas especies de meninas devedoras, uma categoria que nao dava sorte no trabalho, e por isso nao ganhava o suficiente, e uma categoria que se endividava pelo uso de drogas e bebidas. As devedoras da primeira categoria nao sofriam constrangimentos e nao tinham empecilho para irem embora, enquanto as da segunda sofriam represalias pela re Agda, que discutia, batia e cortava a alimentacao. As diarias da casa eram entregues para a gerente da casa, que era uma empregada que se chama Michele. O dinheiro pelo uso do ponto de Marlene era entregue para drogados que moravam na chacara dela. O PCC nao interferia nas atividades da prostituicao, nem no relacionamento entre as meninas e as diarias da casa. O reu Artur ficava na biqueira vendendo drogas e nao interferia nas atividades de prostituicao. A re Agda nao tinha qualquer envolvimento nos programas da prostituicao e o PCC intervinha quando as meninas eram roubadas. Nao existia cativeiro, as meninas podiam entrar e sair da casa (chamada de pensionato) no horario que queriam. Nenhuma outra cafetina alem de Deco financiava proteses em epocas preteritas. A testemunha conhece a re Nicoly como cafetina da (concessionaria) Santa Emilia. Nunca trabalhou para ela. A testemunha disse que Marlene era dona da Avenida Brasil ha cinquenta anos e nunca sofreu qualquer represalia dela. Na epoca da audiencia Marlene estava muito envelhecida e pobre. As meninas de Ribeirao Preto pagavam menos pelo ponto do que as que eram de fora. A testemunha morava ha muito tempo em Ribeirao Preto e por isso pagava o valor menor. Marlene e Agda trabalhavam de forma independente e inclusive viviam brigando entre si. Marlene nao tinha controle nenhum sobre as meninas, pois quem fazia a cobranca pelo ponto eram viciados ligados a ela, e nao ela diretamente. A testemunha disse que procurou a casa de Agda voluntariamente e que as transexuais viajam muito. Havia transexuais que causavam problemas, nao pagando as diarias e roubando as demais. A opcao entre viver bem ou viver mal na casa da cafetina depende de cada transexual.

Audiencia do dia 1o.6.2021

Testemunha Sanes Gustavo Silva Silverio (nome Social Nicoly) - IDs 54764353, 54764366 e 54764394

A testemunha disse que e de Tres Pontas, Estado de Minas Gerais, e, por conta propria, veio para Ribeirao Preto em 2009 para trabalhar na prostituicao, tendo comecado essa atividade na regiao da Avenida 9 de julho. Na epoca, morava em um apartamento locado pela re Ana Paula, o que incluia o uso do ponto. Algumas meninas tinham problemas com bebidas e drogas. Nao soube diretamente de qualquer problema entre as meninas e as cafetinas ou cafetoes. Tinha total liberdade de ir e vir no local em que morava, sem qualquer vigilancia. Nunca retiveram os seus documentos. Nao dividia com ninguem os seus ganhos com a prostituicao. Tinha que pagar somente as despesas da moradia. Nunca teve contado com o reu Artur.

Audiencias dos dias 29 e 30.11.2021

Delegada Federal Luciana Maibashi Gebrim (ouvida em dois dias porque a conexao foi interrompida no primeiro) – IDs 1696857780, 169861300, 169861711, 169861734, 17023537, 17235964, 170241360. 170233099, 170233641 e 170234095

A testemunha esclareceu que a investigacao teve inicio com o depoimento de duas testemunhas que disseram ter sido aliciadas pela re Agda para virem se prostituir em Ribeirao Preto, mediante a promessa de trabalho, moradia e alteracoes corporais. As testemunhas disseram que as condicoes de trabalho que encontraram nao eram condizentes com as prometidas pela re Agda e que estariam endividadas em decorrencia das passagens pagas pela re Agda. Falaram que essa re as obrigava a se prostituirem nos locais e horarios definidos pela re, alem de terem de pagar por outras despesas da casa que nao estavam previstas quando a promessa foi feita. Teriam sido obrigadas a usar drogas e a adquirir roupas e perucas com a re. A testemunha disse que, depois da operacao realizada previamente ao ajuizamento da presente acao penal, descobriu-se que havia outros exploradores alem da re Agda. Haveria uma divisao territorial em Ribeirao Preto entre tais exploradores, que atuariam de forma coordenada, em nucleos, ajustando inclusive os valores dos programas. O tribunal do crime intervinha em casos de controversias entre os exploradores, entre estes e as travestis e transexuais e entre estas e os clientes. A re Agda controlava a Avenida Brasil, Serrado, Salgado Filho e setor de moteis, juntamente com a re Agatha e o reu Renan. Ela comprava as passagens, as diarias, dizia onde deveriam ser feitos os programas e os valores que deveriam ser pagos. Financiava procedimentos cirurgicos e o seu nucleo era extremamente violento, tendo relacao com um grupo criminoso. As testemunhas disseram que teriam medo de prestar depoimentos e pediram para manter as suas identidades sob sigilo. A re Ana Paula controlaria a exploracao da exploracao na regiao da Avenida 9 de julho e financiava procedimentos esteticos. As res Fernanda Oliver e Nicoly controlariam os pontos da rotatoria Amin Calil. Fernanda financiaria procedimentos esteticos e tinha um pensionato. Nicoly juntamente com o namorado tinha duas casas e impunha horarios de trabalho, exigindo que no retorno as profissionais providenciassem o dinheiro das diarias e de financiamentos de protese. Nicoly venderia mega hair e outros acessorios, alem de ser muito violenta. Imporia multas exageradas e aplicava punicoes em quem nao pagava suas dividas. Filipe, namorado de Nicoly, recolhia as dividas e fiscalizava os pontos de prostituicao. Marlene era responsavel por pontos na Avenida Brasil, mas vendeu ou de alguma forma cedeu esse setor para a re Agda. As interceptacoes telefonicas e os depoimentos das testemunhas revelaram que Marlene teria ameacado contatar uma organizacao criminosa para resolver uma controversia entre meninas controladas por ela e meninas controladas pela re Agda. O reu Deco estava preso quanto a operacao foi deflagrada. Algumas testemunhas disseram que passaram pela casa dele (“Castelo das Trans”) e que ele aliciava as prestadoras de servicos sexuais e financiava procedimentos esteticos. Os depoimentos das testemunhas, as interceptacoes e documentos arrecadados na operacao demonstrariam a cobranca por dividas variadas. As testemunhas teriam recebido ameacas da parte do reu Filipe e de Marlene. Nao houve qualquer especie de coacao as testemunhas pela Policia Federal. Na operacao foram apreendidos cadernos com anotacoes de dividas, mas nao soube dizer os locais de tais apreensoes. Essas dividas seriam de diarias, de passagens e de financiamentos de procedimentos esteticos. Disse que nao foram investigadas quais seriam as atividades que teriam na cidade de origem as vitimas aliciadas para virem para Ribeirao Preto. A re Agda nao exerceria atividade licita, mas aliciava e agenciava transexuais para se prostituirem, e (sem ter certeza) teria parceria com moteis para essa finalidade. Teria tambem parceria com uma lanchonete na Avenida Saudade. A Policia Federal nao realizou interceptacao telefonica. Foram ouvidas outras testemunhas alem das denunciantes, ou seja, pessoas que se encontravam nos locais que foram alvo da operacao. Algumas teriam relatado que foram vitimas de agressoes, enquanto outras disseram que ouviram dizer sobre a pratica de tais violencias. Nao havia restricao fisica de ir e vir, a restricao seria decorrente das dividas. Nao havia aparencia de cativeiro, mas de pensionato e casa. Nao se recordava se houve apuracao em algum estabelecimento comercial da re Agda. Acredita que as diligencias foram realizadas somente em casas. A denuncia seria da exploracao da prostituicao por transexuais, e nao por mulheres. A Policia Federal nao fez monitoramento previo das residencias que foram alvos da operacao. Renan, companheiro da re Agatha, segundo a interceptacao telefonica e depoimentos das testemunhas, seria disciplina de uma organizacao criminosa, auxiliava na fiscalizacao das transexuais, participava da resolucao de conflitos e tinha um ponto de drogas que vendia para as transexuais e clientes. Em seguida, disse que nao se recordava se as informacoes sobre o reu Renan seriam provenientes tambem das interceptacoes, bem como que nao foi realizada a coleta de outros meios para alem dos depoimentos das testemunhas. Disse ter quase certeza de que o nome do reu Artur teria aparecido na intercepcao telefonica. Ele buscaria as drogas para as transexuais e participaria da cobranca das dividas. Todavia, em seguida disse que nao tinha certeza do que teria sido dito sobre o reu Artur nas interceptacoes. As duas testemunhas denunciantes se referiram apenas a re Agda. A divisao de tarefas entre os grupos investigados teria ficado clara na interceptacao telefonica. Foi realizada diligencia na casa da re Fernanda Oliver, mas, segundo se recorda, nada de interesse foi encontrado no local. Acredita que nao foram ouvidas pessoas que estariam no local quando foi realizada a diligencia. Confrontada com o depoimento do delegado da Policia Civil, segundo o qual os grupos eram concorrentes, e nao integrantes de uma mesma organizacao, disse que, segundo a sua interpretacao, haveria essa organizacao (seria uma “questao interpretativa”). Acerca dos reus Nicoly e Filipe, disse que o nome da primeira teria aparecido na intercepcao, mas nao soube dizer se alguma conversa dela foi captada. Filipe, segundo os depoimentos de testemunhas, auxiliaria Nicoly na cobranca de dividas e na fiscalizacao dos pontos de prostituicao. Nos dialogos interceptados, ficaria clara a exploracao de pontos de prostituicao, mas nao se recordava de algo relacionado a Nicoly e Filipe. Haveria fotos postadas pela re Nicoly com transexuais usando sutias utilizados depois de procedimentos esteticos. Coordenou as operacoes de busca e apreensao e de prisao, mas nao compareceu em qualquer dos locais que foram alvo. As declaracoes sobre o reu Deco foram vagas e imprecisas. A testemunha disse que havia antecedentes de tal reu, inclusive um homicidio, do qual, segundo o advogado de tal parte, ele foi absolvido pelo juri. Algumas testemunhas teriam mencionado o nome de Deco, que a testemunha soube que estava preso somente depois que a operacao foi concluida.                                                        

Audiencia do dia 29.11.2021

Delegado da Policia Civil do Estado de Sao Paulo Gustavo Andre Alves – IDs 169862605, 169862635, 169863114, 169863139 e 169863410

Relatou que, com base em informacoes obtidas, iniciou um trabalho de investigacao conjunto com o Ministerio Publico Estadual, que envolveu interceptacao telefonica. Nessa investigacao, foi demonstrada a existencia de tres grupos que exploravam a prostituicao de transexuais. Um desses grupos era liderado pela re Nicoly, que exploraria a regiao da (concessionaria de automoveis) Santa Emilia e teria um imovel em que hospedaria transexuais que explorava. Viu imagens no Facebook que a re Nicoly mostrava fotos de transexuais com sutias cirurgicos e se jactava de ter possibilitado procedimentos de transformacao corporal. Na interceptacao, foi captada uma conversa em que essa re conversou sobre valores de diarias e de uso de ponto de prostituicao. Foi detectado que algumas dessas pessoas exploradas eram provenientes de outro Estado. A re Agda exploraria a prostituicao, principalmente de mulheres, na Avenida Brasil com o auxilio dos reus Agatha e Renan. Houve a morte de uma pessoa que estava hospedada na residencia da re Agda, em decorrencia do uso indevido de silicone. O terceiro grupo era liderado pela re Ana Paula, que explorava a regiao das proximidades da Avenida 9 de Julho. Em um dialogo captado na interceptacao, Ana Paula conversou sobre procedimentos esteticos na cidade de Sao Paulo e sobre diarias. Nao houve evolucao no que concerne a um grupo que seria liderado pelo reu Deco, pois ele havia sido preso por outros motivos no curso da investigacao. Num dos dialogos, a re Agatha teria dito que usaria o reu Renan (que, de acordo com os sistemas da Policia Civil, seria integrante do PCC) para resolver uma situacao com a re Nicoly. Nao se recorda de que tenha havido violencia fisica. Foi apurado, inclusive mediante trabalhos de campo, que os grupos de exploracao de atividades sexuais mencionados agiam de forma autonoma em regioes diferentes da cidade. Nao tem conhecimento da existencia de questionamentos quanto ao trabalho realizado na investigacao pela Policia Civil, especialmente no que concerne a intimidacao das testemunhas iniciais para prestarem declaracoes contrarias a reus. A testemunha reiterou que a re Agda explorava prostitutas mulheres que prestavam servicos na Avenida Brasil. Nao foi identificada num primeiro momento a exploracao de transexuais pela mencionada re, mas o trabalho policial de campo evidenciou que mulheres e transexuais prestavam servicos no logradouro. Nao soube dizer se outras pessoas exploracao a prestacao de servicos sexuais na Avenida Brasil. Nao pode informar se todas as pessoas prestando servicos na Avenida Brasil estariam submetidos a re Agda. Nao se recorda de alguma vitima que tenha sofrido violencia fisica, sendo o seu conhecimento restrito a relatos de fatos que teriam ocorrido com terceiros. Na etapa de que participou, nao houve investigacao para apurar a veracidade das informacoes acerca de violencia fisica contra terceiros. Nao houve investigacao para confirmar a informacao dos sistemas da Policia Civil no sentido de que o reu Renan seria mesmo membro do PCC. Nao foi realizada diligencia para apurar as atividades que as vitimas de outros lugares desempenhariam no lugar de origem. Na Policia Civil, nao foi realizada qualquer investigacao no sentido de apurar a existencia de restricoes a liberdade de ir e vir das pessoas exploradas. No seu trabalho investigativo, nao foi realizada qualquer apuracao sobre uma noticia da imprensa local, no sentido da existencia de conflitos para a tomada de controle de pontos de exploracao. O numero de Nicoly foi um dos interceptados e o agente responsavel pode concluir que houve captacao de conversa dela. Na investigacao, foi identificado um perfil da re Fernanda Olivier, mas nao se recorda do que se tratava. A testemunha disse que os grupos investigados sao distintos, sem qualquer conexao entre eles. Nao se recorda de qualquer elemento relacionado a Marlene. Em relacao aos fatos dos presentes autos, a Policia Civil nao apurou nada quanto aos reus Deco e Artur.

 

Audiencia do dia 30.11.2021

Policial da Policia Civil do Estado de Sao Paulo Edson Eduardo de Paula – IDs 265294036, 265294410, 265299331, 265299958, 26529981 e 265299988

Designado pela autoridade policial, participou de diligencias nos enderecos de Fernanda Oliver (vide, abaixo, que nao se trata da re Fernanda Olivier), Nicoly Castro, Agda e Deco, bem como nos pontos de prestacao de servicos sexuais, Avenida Brasil, Avenida 9 de Julho e Amin Calil. Em seguida, foi designado para acompanhar a interceptacao deferida judicialmente, a partir da qual concluiu que Agda comandava a prostituicao de travestis e de mulheres na Avenida Brasil e adjacencias, auxiliada pelos reus Agatha, Renan e Artur, bem como por uma senhora chamada Silvana. Esses quatro ultimos fiscalizavam os pontos de prostituicao, controlavam os servicos e o fluxo financeiro, buscando diarias dos referidos pontos. Agda teria conexao com o PCC por intermedio do reu Renan. Numa escuta, Nicoly teria reclamado do uso que a re Agda faria do PCC. Em outra escuta, a re Fernanda Oliver (vide, abaixo, que nao se trata da re Fernanda Olivier) conversa com Camilo, que tinha sotaque espanhol. Fernanda estaria numa clinica e cobrou dinheiro de Camilo, que disse que o seu patrao nao havia disponibilizado a verba. A re Nicoly colocou no seu Facebook imagem de tres pessoas com sutias cirurgicos cujos sonhos ela teria realizado. Numa conversa interceptada, Nicoly fez comentarios sobre uma briga na boate Porcada entre as suas travestis e as travestis da re Agda. Nicoly reclama que Agda estaria fazendo uma reuniao para levar o caso ao PCC. O reu Deco nao foi interceptado porque tinha sido preso. A re Ana Paula teve uma conversa interceptada, na qual teria cobrado de um travesti o pagamento de valores para a colocacao de protese. Esses valores englobariam despesas com sutias, remedios e viagens, alem de uma comissao para Ana Paula, num total de nove mil e poucos reais. A testemunha disse que foi o unico policial a cuidar da interceptacao, fazendo as transcricoes e os relatorios. Nao foi realizada qualquer diligencia para confirmar a veracidade da referencia feita pela re Nicoly a associacao da re Agda com o PCC. Nao houve interceptacao de conversa de Agda dizendo que estaria associada ao PCC. Na Avenida Brasil, trabalhavam mulheres e travestis e Agda controlava ambos os tipos de categorias. Existe um dialogo entre Agda e um travesti, Lorraine, dizendo que Chiara, travesti da casa, estava com tuberculose e, assim, os demais travestis da casa deveriam fazer exames. Em outra conversa com uma menina, Agda pede que ela traga meninas e transexuais. Nao tinham como provar a reducao a condicao analoga a escravidao (embora tenha se confundido e mencionado prostituicao no lugar de escravidao), porque as meninas tinham liberdade de ir e vir. Existia uma exploracao porque as meninas tinham que pagar o ponto na avenida e a hospedagem. Tem uma escuta revelando que os moteis trabalhavam para a Agda. As taxas pagas para a re Agda eram para a hospedagem. A testemunha nao realizou diligencias em consequencia do que foi captado na interceptacao telefonica. O reu Artur era um faz-tudo da re Agda, buscava prostitutas na rodoviaria, pegava dinheiro em moteis, intervinha, junto com o reu Renan, para resolver problemas entre as prostitutas e os clientes, alem de providenciar drogas. Renan auxiliava Agda na disciplina e era integrante do PCC, conforme investigacoes policiais (estas nao estao nos autos). A testemunha fez referencias a fatos atribuidos ao reu Renan que nao sao objeto deste processo. Nao tem como afirmar quais seriam as condicoes de hospedagem na casa administrada pela re Agda. Num dialogo entre Agda e o seu esposo, Cafu, ela diz que iriam bater na tia Lu e no seu filho. Teve um roubo num motel, cujo dono buscou Renan para resolver a situacao. Nao houve, em relacao a re Ana Paula, qualquer outra informacao alem da ja mencionada acima acerca de colocacao de proteses. A testemunha nao acompanhou a re Fernanda Olivier, mas, sim, Fernanda Oliver, Fernando Paracatu de Matos Ribeiro, nao tendo detectado qualquer relacao desta com os outros grupos. A testemunha nao faz a minima ideia de quem seria Fernanda Olivier. Nada foi encontrado quanto a Marlene nas interceptacoes. Nunca tinha ouvido falar nela. A Policia Civil nao encontrou nada relativamente a Marlene. Confirma que nada foi detectado quanto ao reu Deco na interceptacao. Artur atendia o telefone de Agda e por isso ele foi interceptado. Renan foi mencionado em conversas interceptadas.

           

Audiencia do dia 30.11.2021              

Policial Federal Paulo Eduardo Fonseca e Silva – IDs 170243916 e 170243945

A testemunha fez analise do material apreendido na operacao. Fez alusoes vagas e fragmentarias aos resultados da analise. Houve confirmacao de enderecos, audios relacionados a re Nicoly falando sobre plasticas, proteses de silicone, transporte de meninas, cobrancas pela re Agda e, em video, as condicoes do lugar de moradia. Agda era chefe do motel Pirata. Foi confirmar endereco na casa da re Nicoly, onde viu diversas meninas. Nao presenciou nenhuma pratica. Nao lembra de ter visto obstaculos impeditivos da livre circulacao na residencia que visitou. Nao visitou a casa da re Fernanda Olivier. Na analise que fez, nao relatou a existencia efetiva de trabalho escravo, mas apenas suspeitas. Nada obteve quanto ao reu Deco.

           

Audiencia do dia 16.2.2022                            

Testemunha 9 – IDs 243072324, 243072773, 273072795 e 243067514

Conhece Agda, Agatha, Renan e Artur. Agda, por meio de rede social, lhe ofereceu trabalho de prostituicao em Ribeirao Preto. Era menor quando trabalho pela primeira vez com a Agda. Depois de 8 meses fugiu e voltou posteriormente. Fugiu porque nao estava conseguindo ganhar dinheiro. Tinha liberdade para escolher o horario de trabalho e pagava diaria de cinquenta reais, o que incluia o ponto na Avenida Brasil. Agda pagou a passagem para Ribeirao Preto e depois cobrou o dobro do valor que tinha gasto. Voltou para a casa da Agda porque temia pela sua familia. Estava ha cinco anos na casa da Agda quando foi deflagrada a operacao deste processo. As pessoas eram bem tratadas somente se tivessem dinheiro. Caso nao pagassem, eram submetidas a violencias. Agda trabalhava conjuntamente com o marido, Cafu, a filha Agatha, Renan e Artur. Apanhou e foi xingada pela Agda, razao pela qual se mudou para a chacara de Marlene, que era uma das fundadoras da exploracao da prostituicao na Avenida Brasil. Uma amiga da depoente apanhou porque era usuaria de droga. A depoente consumia cocaina. Renan fazia parte de uma organizacao criminosa e utilizava isso para intimidar as meninas. A testemunha pagava para morar na chacara de Agda. Tinha dividas por causa de drogas e de multas. As dividas nunca diminuiam. A testemunha morava em outra cidade, onde ja se prostituia com a idade de catorze anos. Sofreu ameacas enquanto estava na sua cidade. Prostituia-se todos os dias da semana, tendo liberdade para isso. Marlene era responsavel pelas meninas que prestavam servicos na Avenida Brasil, onde ela tinha muita influencia. Marlene nao tinha poder de mando sobre o grupo de Agda e tinha mais compaixao do que esta.   

                                              

 2.2.2 – Testemunhas arroladas pelas defesas                              

Audiencia do dia 21.7.2022 – quatro testemunhas                              

Eliza Alves Silva – ID 257484718

Residiu com Ana Paula no pensionato administrado pela mencionada re. A testemunha se prostituia pela propria iniciativa e podia receber clientes no imovel. Tinha apenas que pagar as diarias. Ana Paula nao ficava com qualquer parte do que a testemunha recebia com os programas.

 

Jessica Beatriz de Assis Stacciarini – ID 257484731

E de Uberaba e deixou a sua cidade para vir a Ribeirao Preto depois que deixou uma relacao. Procurou Ana Paula por indicacao de uma amiga. Morou num pensionato administrado pela re Ana Paula, que se limitava a receber as diarias, sem qualquer interferencia na prostituicao, nao recebendo qualquer valor em decorrencia dos programas realizados pela testemunha e pelas outras tres transexuais que tambem habitavam no local.

 

Tania Regina Correia – ID 257484731

A testemunha disse que a sua filha, transexual, morou no pensionato da re Nicoly. A testemunha as vezes passava finais de semana no local. As pessoas que residiam no local tinham total liberdade de ir e vir. A sua filha rodou o mundo todo e ficou no pensionato de Nicoly porque quis. Nunca presenciou qualquer tipo de violencia ou de anormal no local. A sua filha pagava as diarias, que englobava energia, internet e alimentacao. Nunca viu a realizacao de procedimentos esteticos no pensionato. Nao sabe dizer como as moradoras tinham se deslocado para o local. Nicoly e transexual e tambem se prostitui. A testemunha nao sabe dizer onde as transexuais se prostituiam. A sua filha fez procedimentos esteticos mamarias quando viajou para Sao Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

 

Milton Cesar da Silva – ID 257484731

Conheceu a re Nicoly numa boate. Trabalhava com Uber e transportava transexuais que moravam no pensionato de Nicoly, com as quais conversava bastante. Elas diziam que o pensionato era muito bom. Estavam sempre tranquilas e felizes. Nunca levou clientes para o local.

 

Audiencia do dia 21.7.2022 – duas testemunhas

 

Lerivaldo Santos Rossel – ID 257584706

A testemunha, motorista de aplicativo, e Uber de confianca das meninas (mulheres) que trabalham na Avenida Brasil. Elas diziam que poderiam fazer os programas onde quisessem. Os travestis ficam do outro lado da Avenida Brasil.

                                                          

Valdirene Alves da Silva – ID 257584249

Hospedou-se no motel Pirata, da re Agda, durante um tempo. Conheceu a re uns cinco anos antes da audiencia. Prostituia-se juntamente com outras mulheres, quase sem contato com travestis. Nao via travestis onde morava. Tinha que pagar o quarto que usava. Poderia ir para qualquer lugar, mas preferia fazer os programas no motel para nao incorrer em outros custos. Nao se recorda de Artur, inclusive porque trabalha com muitas pessoas.

 

Audiencia do dia 27.7.2022 – sete testemunhas

 

Paloma Ribeiro – ID 258016492

Conheceu o reu Filipe por intermedio da namorada dele, a re Nicoly. A testemunha fazia parte de uma ONG que prestava auxilio para quem fazia programa na rua. Filipe tambem fazia programas e tambem era motoboy de um restaurante. Nunca presenciou Filipe recebendo dinheiro das trabalhadoras da avenida. Nao sabe se os reus Filipe e Nicoly traziam pessoas para se prostituirem em Ribeirao Preto. Nicoly nao tinha condicoes para financiar procedimentos esteticos para outras pessoas.

 

Aline Patricia Aversani Nascimento – ID 258017114

Tinha um carrinho de espetinho nas proximidades da Santa Emilia, local de prostituicao, onde conheceu o reu Filipe. Ele fazia programas e tambem trabalhava como garcon. Nunca presenciou Filipe recebendo dinheiro das meninas que se prostituiam no local.

 

Fabio de Jesus da Silva – ID 258017136

E presidente da ONG Arco-Iris em Ribeirao Preto. As finalidades da instituicao sao a luta por direitos igualitarios para a populacao LGBT e contra a LGBT fobia em Ribeirao Preto. A re Fernanda sempre trabalhou com a instituicao em acoes de prevencao e de qualidade de vida. Foi madrinha da parada LGBT em Ribeirao Preto, como reconhecimento do trabalho que realizou. Fernanda participava de oficinas de prevencao. Sempre abriu as portas da casa dela para que a ONG fizesse o seu trabalho de conscientizacao, participando do trabalho de retificacao de nome e genero, juntamente com a faculdade Estacio. Ficou muito assustado quando ela foi presa. Nunca chegou nenhuma denuncia a ONG sobre violacao de direitos que teria sido praticada pela re Fernanda.

 

Robinson Correia da Conceicao (nome social Sabrina) – ID 258017119

Veio de Manaus, Estado do Amazonas, por indicacao de uma amiga. Comprou a propria passagem. Morou em pensionato da re Fernanda, pagando apenas a diaria, que incluia o almoco. Tinha a chave do imovel. Realizava programas mantendo para si tudo o que ganhava com essa atividade, sobre a qual Fernanda nao tinha qualquer interferencia.

 

Silvana Maria de Bacchi Neves – ID 258017103

Conheceu a re Agatha na epoca (2018) em que vendia roupas, normalmente durante o dia, para as garotas de programa no motel. Nao via travestis no motel. As garotas de programa moravam como pensionistas no motel.

 

Alicia Rosa da Silva – ID 258017567

Foi colega de escola da re Agatha. Trabalhou como recepcionista no motel da mae da re entre 2018 e 2019. Agatha ajudava a mae. O motel nao era frequentado por travestis. Nao sabe dizer se as garotas de programa moravam no motel.

 

Moises Cardoso Barbosa (nome social Carol) – ID 258017123

Vinda de Manaus por indicacao de uma amiga, morou com a re Fernanda durante cinco anos. Em torno de cinco pessoas moravam com Fernanda. Pagava somente diaria, que incluia o almoco. Fernanda nao tinha qualquer interferencia nos programas realizados pela testemunha.

 

 2.2.3 - Interrogatorios

           

Audiencia do dia 25.8.2022

           

Artur Pereira Cerqueira – IDs 260893378 e 260893603

Tinha a re Agda como mae de consideracao. Relacionava-se tambem com as res Agatha, filha de Agda, e com Renan. Agda tem um motel e um pensionato. O pensionato abrigava somente mulheres. Agatha nao trabalha com Agda. Ao ser indagado sobre procedimentos esteticos, disse estar surpreso com esse assunto. Nao tem conhecimento de que pessoas foram convencidas a virem se prostituir em Ribeirao Preto. Entre 2017 e 2019, era motorista informal de “Uber”. Nao sabe o que Renan, marido de Agatha, fazia na mesma epoca. Agatha estudava.

 

Renan Lopes Camargos – ID 260897078

Nao tinha qualquer relacionamento com Artur. Teve uniao estavel com a re Agatha, com a qual tem uma filha. Entre 2017 e 2019, fazia transporte de passageiros em veiculo proprio (Uber informal). Nao conhece qualquer dos outros reus. Apenas ouviu falar do reu Deco. Conheceu a re Agatha pelas redes sociais. Ela era estudante da oitava serie quando a conheceu. Nunca vendeu carro para Agda. Em 2014 ou 2015 trabalhava com comercio de veiculo. Agda nao aceitava o relacionamento do reu com Agatha. E falsa a acusacao de que transportava prostitutas e travestis, ganhando por isso. Nao frequentava o pensionato da re Agda. Nao sabe dizer o que a re Agatha fazia quando ficava com a mae.

 

Agatha Vitoria Dias da Silva – IDs 260894164 e 260894638

A sua mae tem um motel (que se chamava Pirata e passou a se chamar Paisagem), onde havia quartos para hospedagem e quartos para a prestacao de servicos sexuais. A depoente era recepcionista do motel e vendia roupas. Artur era amigo da sua familia. Ele fazia transporte de pessoas. Nao reconhece a existencia de aliciamento de pessoas para a prostituicao ou para a realizacao de procedimentos esteticos. Renan era marido da depoente. Conheceu Renan quando Agda comprou um carro vendido por ele. Nao conhece nenhum dos demais reus, com excecao de Deco, com o qual nao tinha nenhum relacionamento. Marlene era madrinha da depoente. Nao exerce ou exerceu qualquer poder de mando no motel. A frequencia predominante do motel e de garotas de programa. O uso por travestis e raro. A mae da autora recebe somente as diarias dos quartos usados, sem qualquer interferencia nos programas realizados.

 

Audiencia do dia 26.8.2022    

 

Mauricio Alves de Oliveira (nome social Fernanda Olivier) – ID 261024623

E oriunda de Franca. Veio se prostituir em Ribeirao Preto ha muito tempo, quando era dificil a situacao. Ela e suas colegas sofriam diversos tipos de agressao nas ruas, razao pela qual resolveu se instalar em uma residencia, na qual posteriormente passou a acolher algumas colegas. Nao conhece Artur, Agatha e Renan. Conheceu superficialmente Ana Paula, quando ambas, ainda jovens, se prostituiam nas ruas. Conheceu Nicoly porque trabalhavam na mesma area. Conhecia Filipe apenas de vista. Conhece Deco somente de nome. Abriu um hostel, pelo qual recebia diarias. Arrumava o local e fazia comida. Pessoas que moravam no hostel prestavam servicos sexuais no local. A depoente recebia apenas diarias. Nao recebia nada pelos programas prestados pelas outras pessoas. Nunca viu Filipe se prostituindo. Nao sabe se Nicoly aliciaria pessoas para a prostituicao ou procedimentos esteticos. Seu hostel tinha alvaras. Hoje tem um restaurante. Fez curso de gastronomia.

 

Agda Dias da Silva – IDs 261024429 e 26102440

Tem um pensionato e um motel, usados por mulheres. Artur era amigo dos seus filhos. Nao tinha qualquer relacao comercial com ele. Agatha de vez em quando trabalhava como recepcionista. Conheceu Renan quando comprou um carro vendido por ele. Conheceu Ana Paula somente depois de terem sido presas. Nao conheceu os demais reus, com excecao de Deco, que e seu vizinho. Pessoas ligam perguntando se ha quartos disponiveis e a depoente retorna com a informacao pertinente. O pensionato nao e utilizado para a prestacao de servicos sexuais. A depoente nao busca pessoas, nem superior de Biomedicina.

 

Ana Paula Oliveira Borges da Silveira – IDs 261024607 e 261024653

Conheceu Agda quando esta fez uma vaquinha na Avenida Brasil. Trabalhou em lugar proximo de Fernanda quando eram jovens. Depois teve contato com ela numa ONG LGBT, onde se encontrou tambem com Nicoly. Ouviu falar de Deco na televisao, em decorrencia de um atropelamento e do homicidio de um travesti. Entre 2017 e 2019 se prostituia. Nao controla o servico de outras pessoas. Nao convidou ninguem para se prostituir. Nao controlava a movimentacao de qualquer pessoa.

 

Audiencia do dia 29.8.2022

 

Antonio Alenisio da Silva (nome social Nicoly Castro) – ID 261184393

Entre 2017 e 2019 fazia programas. Conhecia superficialmente Agatha, pois foi pagar um celular que tinha sido subtraido numa briga numa boate. Trabalhava em lugar proximo de Fernanda. Conhecia Agda apenas de nome. Conheceu Filipe na prostituicao. Tiveram um relacionamento e moraram juntos. Ouviu falar de Deco numa noticia de televisao. Nao aliciou ou financiou pessoas para virem se prostituir em Ribeirao Preto. Nunca controlou a movimentacao de pessoas que se prostituiam. Abrigou algumas meninas na sua casa. Elas pagavam somente diarias, com direito a hospedagem, alimentacao, internet e energia eletrica.

 

Alexandre Ferreira da Costa (Deco) – ID 261185315

Nao praticou qualquer dos fatos que lhe foram imputados pela denuncia. Entre 2017 e 2019, o depoente estava preso. Saiu em 2020. Conhece Agda, Agatha e Artur somente de vista. Nao conhece os demais reus. Alugava quartos para meninas para ter uma renda extra. A diaria incluia alimentacao, energia, agua e internet. Nao havia prestacao de servicos sexuais no local. Elas tinham liberdade de ir e vir.

 

Filipe Sabino de Freitas Feliciano – ID 261184885

Entre 2017 e 2019 era garcon, se prostituia e teve um relacionamento com Nicoly. Nao conhece os demais reus. Nao praticou qualquer dos fatos que le foram atribuidos pela denuncia.

 

Acrescento trechos do conteúdo das provas que não foram mencionados, mas reputo serem relevantes ao julgamento:

(...) assim sobre o celular, quanto que era, você (Vitória) me fala, aí eu (Nycole) dava um jeito de pagar o celular para você (Vitória), aí você (Vitória) pedia pra elas (travestis) não arrumar rolo com as bichas, porque aí elas (travestis) estão endividadas comigo (Nycole), eu (Nycole) também ia bloquear as minhas bichas de sair e de arrumar rolo também (...)

 

(...) se você tivesse me procurado quando ela (travesti) tivesse na minha casa, eu (Nycole) fazia ela (travesti) devolver o dinheiro para você (Jason), eu (Nycole) tomava minhas providências (...)

 

(...) Tudo dela (Agda), ela leva para os irmãos (...) tudo é irmão, aí ela (Agda) quer fazer uma reunião com os irmãos e que que eu vou lá para a casa dela (Agda)

 

MNI pergunta pode ir? AGDA diz que pode, e pede para trazer umas "meninas" (refere-se a prostitutas) para mim. MNI diz que tem uma amiga aqui. AGDA diz se você conhecer "trans" (refere-se a travesti) pode trazer (...) AGDA diz para ver se arruma umas "meninas"(refere-se a prostitutas) ou umas "trans" (refere-se a travestis) para mim (...)

 

(...) Renato diz tá entendendo, troca ideia de boa, se for você (ARTUR) e a AGDA, a AGDA conversa bem, vai lá e conversa com o cara (AUTOR DO ROUBO), ó devolve o dinheiro do cara (refere-se ao RENATO), o celular duzentos e trinta conto, pega o celular e devolve pra menina (refere-se a funcionária do motel), fica redondo, porque a menina (funcionária do motel) também quer que faz o B.O. entendeu, a menina (funcionária do motel) também quer que vá atrás, ainda mais sabendo quem que é o cara, a menina (funcionária do motel) quer que faz por causa do celular dela também entendeu, embora foi ela (funcionária do motel) que marcou, aí eu (RENATO) falei não, não, já está resolvendo já, depois automaticamente a hora que você catar o cara (refere-se ao AUTOR DO ROUBO) (...)

 

(...) AGATHA diz depois eu (AGATHA) queria sentar com você (VITÓRIA) para a gente fazer uma reunião, está tendo um "babado"da bicha da Nicole, tá roubando demais na avenida, tem que parar com isso. VITÓRIA diz que falei na verdade com ela (NICOLE), ela falô que ia proibir, realmente ela (NICOLE) proibiu as meninas (refere-se aos travestis) de descer, as que estavam roubando mais, chegou outras… AGATHA (...) você tem que chamar uma reunião eu (AGATHA) tem que chegar do nada, a gente tem que sentar e conversar (...) a gente tem que botar regra na rua. VITÓRIA diz você pode ficar tranquilo então, eu (VITÓRIA) vou falar com a minha mãe (refere-se a AGDA) e nóis vai marcar isso aí, aí eu te ligo (...) AGATHA diz que vai ter que dar uma paulada numa pra prender, porque senão não vai ter jeito Vitória. VITÓRIA diz nossa elas (refere-se aos TRAVESTIS) são demais (...)

 

Ainda, a sentença não mencionou os interrogatórios dos réus em sede policial. Faço um resumo daqueles que estão nos autos em seguida, haja vista sua importância ao julgamento:

 

 

 

 

 

Em boa medida, as provas de autoria e materialidade se imbricam, de forma que passo à análise conjunta, salientando os aspectos específicos a cada acusado. Repiso que a punibilidade de MARLENE e ROBERVAL foi extinta, já que esses faleceram (ID 276504221 e ID 276506884).

Inicio fazendo considerações gerais.

O contexto em que se deu a prática dos crimes narrados nestes autos é da mais profunda clandestinidade. Quaisquer relatos de testemunhas devem ser tomados como de grande importância, tendo em vista que, pela dinâmica da situação, aqueles que fossem à polícia se sentiam em sensível risco de sofrer represálias, como se depreende de diversos relatos citados acima.

É incomum, em conjuntos fáticos como esse, que fatos sejam levados às autoridades policiais, mesmo os que sejam praticados por pessoas alheias aos grupos. Nessa esteira, a síntese 28-A, do Relatório de Inteligência nº 13/2018, apresenta um diálogo a respeito de uma situação em que o Motel Morris teria sido roubado. Renato, responsável pelo motel, conversa com o réu ARTUR, indicando que uma funcionária do estabelecimento que teve um bem seu subtraído queria ir à polícia relatar o roubo, mas Renato a orientou a não o fazer, indicando que tudo seria resolvido entre eles mesmos, prometendo que o ladrão seria pego e devolveria o celular.

Outrossim, os depoimentos das testemunhas e os demais diálogos transcritos durante as interceptações telefônicas demonstram que, quando havia situações que exigiam intervenções, procurava-se as "cafetinas" e não a polícia. É o que revela a situação ocorrida no estabelecimento que se chama de "Porcada", narrada tanto pela corré NICOLY CASTRO em seu interrogatório, quanto exposta pelas sínteses 4-C, 5-C e 6-C. Neste episódio, houve um impasse entre mulheres comandadas por AGDA DIAS e mulheres comandadas por NICOLY CASTRO; na confusão, um celular foi subtraído. Diante disso, o caso foi levado a AGDA, por meio de sua filha AGATHA VITÓRIA, e a NICOLY, para que estas pudessem solucionar o problema.

Trata-se, portanto, de contexto que se pretende manter fora do conhecimento das autoridades, do qual a polícia não recebe notificações de ocorrências. Mais do que isso, trata-se de ocorrências ilustrativas de um conjunto em que havia recurso à coerção física no contexto do aproveitamento da prostituição alheia, tornando as trabalhadoras vítimas de esquema em que eram coagidas a remunerar pessoas que “tutelavam”, para ganho próprio, o exercício da prostituição de terceiros.

Nesse ponto, cabe recordar que as vítimas são de extrema vulnerabilidade. Com efeito, muitas declararam ter começado a se prostituir enquanto menores de idade e ter saído de suas cidades natais em busca de melhores oportunidades para ganhar dinheiro em Ribeirão Preto/SP. Ainda, são pessoas transexuais que, bem se sabe, sofrem forte preconceito – frequentemente, inclusive, de próprias famílias, que muitas vezes as rejeitam, deixando-as desprovidas de amparo. São vítimas, portanto, passíveis de serem subjugadas com facilidade, diante de sua situação de fragilidade.

Ressalto, ainda, que se extrai dos autos que as vítimas muitas vezes se encontram inseridas no contexto mencionado acima e não tem conhecimento da existência de outras realidades, o que é possível perceber pelo fato de usarem expressões corriqueiras apenas em seu próprio contexto como “bombadeira”, “bombar”, “descer a rua”, “descer pro ponto”, “as bichas”, mesmo perante a autoridade judicial. Tais expressões aparecem muitas vezes nos depoimentos das vítimas, ora em sede policial, ora mesmo perante o magistrado federal de primeira instância. A vulnerabilidade fica ainda mais evidente.

As provas devem ser analisadas sob esta ótica. Prossigo às questões específicas e individualizadas de autoria.

 

ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA (DECO)

Conforme o Relatório de Inteligência nº 034/2017 (ID 276501143 - pg. 182) e o Boletim de Ocorrência nº 27527/2017 (ID 276501143 - pg. 184/185), ALEXANDRE foi preso em 11/12/2017. Segundo seu interrogatório em sede judicial, deixou a prisão apenas em 2020 (ID 276508002 - 2min40seg). É certo que até 13/03/2019 esteve preso, conforme seu auto de qualificação e interrogatório (ID 276501152 - pg. 262/265).

A denúncia narra fatos ocorridos a partir do ano de 2017 (sem delimitação específica), ate 13 de março de 2019. Considerando que o ALEXANDRE foi preso apenas em 11/12/2017, no período do ano de 2017 que antecede esta data ele poderia, sim, estar envolvido nos fatos narrados, já que estava em liberdade/foragido.

Apesar disso, as provas acostadas aos autos não são robustas o suficiente para resultar em sua condenação. Com efeito, “DECO” é mencionado pelas testemunhas 4, 5 e 7, sendo que as testemunhas 4 e 7 apenas fizeram comentários laterais a seu respeito, sem fornecer detalhes. A testemunha 5, por sua vez, narrou que ficou hospedada, mas não mencionou nenhuma situação de ameaça ou agressão que tenha vivido, ou ainda, de exploração por parte do referido corréu.

Nenhuma informação a respeito deste réu foi coletada a partir das interceptações telefônicas, visto que quando estas foram decretadas ele estava preso. Registro apenas que seu nome aparece em diálogos mantidos entre outras pessoas, como aquele transcrito na síntese 48-A, em que se discute a prisão deste réu; não, porém, com elementos minimamente conclusivos acerca da prática de rufianismo qualificado por ele.

Há de se mencionar, ainda, que o delegado de polícia civil Gustavo André Alves afirmou, em depoimento judicial, que não foi possível evoluir na investigação a respeito do grupo que seria formado por ALEXANDRE (ID 276505015 - 7min30seg).

Concluo que, não obstante a existência de indícios da prática do crime de rufianismo qualificado, a acusação não se desincumbiu do ônus de produzir provas robustas que pudessem ensejar a condenação de ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA. De rigor a manutenção de sua absolvição.

 

ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA

Os documentos acostados aos autos não são capazes de comprovar a prática do crime previsto no artigo 230, §2º, do Código Penal, por ANA PAULA. Demonstram, entretanto, a prática do delito previsto no artigo 230, caput, do mesmo código, ou seja, rufianismo simples.

De início, é inegável que esta ré está inserida no contexto de prostituição, visto que ela mesma declara que se prostituía quando era mais jovem. Além disso, as testemunhas de defesa, Jéssica Beatriz de Assis e Eliza Alves Silva, declararam que já moraram com ANA PAULA e exerciam a prostituição nesse período. Para que seja caracterizada a prática de um crime, entretanto, é necessário que se comprove não o exercício da prostituição, mas a obtenção de vantagens da prostituição alheia, sobre o que passo a discorrer em seguida.

As testemunhas 04 e 12, da fase extrajudicial, e a testemunha Sanes Gustavo Silva Silvério (nome social: Nicoly), quando ouvida em sede judicial, apontaram que ANA PAULA hospedava mulheres dedicadas à prostituição e cobrava, juntamente com a diária da hospedaria, valores para o uso do ponto de prostituição na rua.

Cumpre ressaltar que mesmo as testemunhas arroladas pela defesa da ré, quais sejam, Jéssica Beatriz de Assis Stacciarini e Eliza Alves Silva,  indicaram que a “hospedagem” era apenas de pessoas dedicadas à prostituição, o que reforça tratar-se, aqui, de obtenção de proveitos da prostituição alheia.

Acrescento que a testemunha Davi Oliveira Palma (nome social: Maria), ouvida perante o contraditório, confirmou que ANA PAULA era cafetina na Avenida 9 de Julho.

Nesse mesmo sentido, as interceptações telefônicas revelam diálogo (síntese 5-C) em que ANA PAULA conversa com Raíssa. Elas discutem a respeito de valores que esta última deveria àquela e conversam também sobre quantos dias Raíssa teria “descido”, para fins de contagem de dias por ANA PAULA. Pelos documentos acostados aos autos, é possível perceber que a expressão “descer” ou “descer na rua”, refere-se à atividade de prostituição, aos momentos em que as mulheres iam até os pontos para se prostituírem. Tal informação se extrai do termo de depoimento da testemunha 12 (“quem não estava hospedada na casa de ANA PAULA, tinha que pagar R$150 a semana para descer na rua”; “‘meninas’ de fora não podem descer no ponto da Av. Nove de Julho e Rua João Penteado sem a permissão de ANA PAULA”  - ID 276501161 - pg. 10/11). Além disso, essa é a interpretação apontada pela autoridade policial nos próprios relatórios de inteligência (ID 276501164 - pg. 83), nos quais consta que a expressão “descer” é usada para se referir a “fazer programa”.

Diante do exposto, forçoso reconhecer que a conduta de ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA demonstrada nos autos não se subsome à figura do rufianismo qualificado, mas sim ao crime previsto no artigo 230, “caput”, do Código Penal, isto é, ao rufianismo simples, em que não há utilização de violência ou ameaça como método para aproveitamento dos lucros de trabalho sexual de terceiros. Disso exsurge consequência processual em relação a essa acusada.

Dispõe a Súmula 337 do STJ que "É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva".

Diante do afastamento da causa de aumento, revela-se cabível a aplicação do instituto despenalizador previsto no art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que a pena mínima atribuída ao delito do art. 230, caput, do Código Penal, é igual a 01 ano. Afastada a forma qualificada do crime de rufianismo, abre-se a possibilidade de que o Parquet oferte o benefício processual em questão.

Assim, deve ser conferida ao Ministério Público a oportunidade de avaliar o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo com relação à ré, nos moldes do art. 89 da Lei 9.099/95.

Não se pode olvidar que, caso entenda o Ministério Público Federal pelo oferecimento do referido sursis, este, uma vez aceito, não mais implicará em discussão da culpabilidade, bem como não acarretará efeito penal secundário típico de sentença penal condenatória, não se mostrando razoável obstaculizar tal possibilidade aos acusados.

Sobre o assunto, trago os seguintes precedentes desta Corte Regional:

 

PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. CP, ART. 334, REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N. 13.008/14. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DENÚNCIA. SÚMULA N. 337 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. PRELIMINAR ACOLHIDA. 1. Dispõe a Súmula n. 337 do Superior Tribunal de Justiça que "é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva". Caso a desclassificação e a procedência parcial deem-se em segundo grau, restando imputação por crime cuja pena mínima em abstrato seja igual ou inferior a 1 (um) ano, os autos devem ser baixados ao Juízo de origem a fim de oportunizar a manifestação do Ministério Público Federal sobre a possibilidade de concessão do sursis processual. 2. Considerando que em primeiro grau houve procedência parcial da pretensão punitiva e que a imputação remanescente atribuiu ao réu a prática do crime de descaminho, o qual tem pena mínima igual a 1 (um) ano, deveria ter sido oportunizado ao Ministério Público Federal que se manifestasse sobre a proposta de suspensão condicional do processo. 3. Determinada a remessa dos autos ao Juízo de origem, para manifestação do Parquet, nos termos do art. 89 da Lei n. 9.099/95. Prejudicado, por ora, o exame do mérito recursal. (TRF3. ACR 0001196-58.2010.4.03.6006. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW. Quinta Turma. e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/05/2018)

 

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. OMISSÃO. CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. 1. Alegação de omissão, quanto à substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, não acolhida, uma vez que o acórdão embargado, a despeito de ter reconhecido a prescrição da pretensão punitiva estatal em relação ao delito do art. 55 da Lei nº 9.605/98, manteve expressamente a substituição, nos seguintes termos: "[...] Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, mantenho as penas restritivas de direitos, conforme os termos da sentença recorrida. [...]". 2. Subsistindo a conduta prevista no artigo 2º, caput, da Lei nº 8.176/91, cuja pena mínima é de 01 (um) ano de detenção, satisfaz-se requisito do artigo 89, caput, da Lei nº 9.099/95, qual seja: o cabimento, na hipótese destes autos, da suspensão condicional do processo. Como consequência, o oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo deve ocorrer, malgrado a desclassificação ou a procedência parcial reconhecida em sede de apelação. Súmula 337 do STJ. Precedentes. 3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, para suprir omissão e converter o julgamento em diligência, permitindo ao Ministério Público Federal oferecer ao embargante proposta de suspensão condicional do processo, conforme o artigo 89 da Lei nº 9.099/95. (TRF3. ACR 0001648-52.2007.4.03.6110. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES. Segunda Turma. e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/07/2015).

 

Desse modo, os autos devem ser baixados ao Juízo de origem para que o Ministério Público Federal manifeste-se acerca da possibilidade de oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo em relação à ré ANA PAULA OLIVEIRA BORGES DA SILVEIRA.

 

MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA (nome social: Fernanda Olivier)

De início, há de se esclarecer uma confusão feita entre MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA e Fernando Paracatu de Matos Ribeiro, ambos usuários do nome social “Fernanda Oliver” ou “Fernanda Olivier”. A diferença não ficou clara de início. O Ofício nº 1454/2019 (ID 276501121 - pg. 13/15) ajuda a esclarecer. No referido documento, a Delegada de Polícia Federal Luciana Maibashi explicou que inicialmente chegou-se ao nome de Fernando Paracatu, de nome social “Fernanda Olivier”, e que faria uso da linha telefônica (16) 98129-6494. Entretanto, durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, constatou-se que na verdade a “Fernanda Olivier” de interesse às investigações era MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, de CPF 142.627.078-06.

Consta que o próprio MAURÍCIO teria confirmado fazer uso do nome social “Fernanda Oliver” e da linha de telefone (16) 98129-6494 e que era responsável pelos imóveis situados nas ruas Cel. Luiz da  Cunha, 552 e 993, na cidade de Ribeirão Preto/SP, alojando cerca de 10 transexuais mediante a cobrança de valores.

O Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão de ID 276501119, pg. 103/105, traz informações nesse sentido. Anotou-se que em diligência na Rua Coronel Luiz da Cunha, 993, Ribeirão Preto/SP, descobriu-se que Fernando Paracatu de Matos Ribeiro não reside no local há aproximadamente dois anos, sendo que o responsável pelo imóvel identificou-se como “Fernanda Oliver”, tratando-se de MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA, de CPF 142.627.078-06.

Tendo em vista estas informações, concluo que no caso em tela é de fato MAURÍCIO que deve figurar como réu no presente processo, sendo aquele a quem se refere por “Fernanda Oliver”.

Passo agora à análise das provas constantes nos autos quanto a este réu.

A única testemunha que fez referência ao nome “Fernanda Olivier” foi a testemunha 07, e que apenas mencionou que não ouviu falar mal da pessoa que atende por este nome. Os relatórios de inteligência das interceptações telefônicas apresentam ainda ligações feitas ao número de FERNANDA OLIVER (sínteses 01-B, 02-B etc.), mas as conversas não possuem ligação aparente com as alegações feitas pela acusação.

Consta da apelação que a síntese 05-B apresentaria um diálogo de FERNANDA com uma pessoa chamada Camilo a respeito de financiamento de cirurgias estéticas. Entretanto, da síntese 05-B não é possível de fato extrair esta informação, mas apenas que FERNANDA estava em São Paulo para fazer uma cirurgia ou para acompanhar alguém que faria uma cirurgia e que precisava de dinheiro para fazer o pagamento do procedimento. Não é possível afirmar que se tratava de financiamento para procedimento estético de mulheres que se hospedariam com FERNANDA. Se esta prova, pelo menos, compusesse um conjunto com outros documentos comprobatórios robustos, poderia ter algum peso. Entretanto, não é possível, a partir da análise dela por si só, afirmar que FERNANDA praticou atos criminosos.

No mesmo sentido, a testemunha Davi Oliveira Palma (nome social: Maria), afirmou que FERNANDA era “cafetina” na região das concessionárias Santa Emília, mas novamente não há outras provas que corroborem esta indicação.

Consigno ainda que nada se encontrou nas buscas e apreensões feitas nos imóveis da Rua Coronel Luiz da Cunha 552 e 993 (ID 276501153 - pg. 182/185 e 232/234).

Diante desse cenário, considerando a ausência de provas que indiquem a participação na prática de rufianismo, mesmo na forma simples, deve ser mantida a absolvição do réu MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA (nome social: “Fernanda Oliver”).

 

ANTONIO ALENISIO DA SILVA (Nome social: “NICOLY CASTRO”) e FELIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO

As provas demonstram a prática do crime previsto no artigo 230, §2º, do Código Penal, por ANTONIO ALENISIO DA SILVA. Este tirava proveito da prostituição alheia por meio da cobrança de valores para utilização dos “pontos de prostituição”, ou seja, espaços na rua, tendo sido demonstrado ainda que a prática se deu mediante violência e grave ameaça, dificultando a livre manifestação da vontade das vítimas.

O nome "NICOLY CASTRO" (nome social de ANTONIO ALENISIO) é citado no depoimento das testemunhas 3, 4, 7, 11, 13, 16, 17. As testemunhas explicaram que quem se hospedava com NICOLY já pagava, no preço da “hospedagem”, o preço do “ponto da rua”; por outro lado, quem não se hospedava no local por ela controlado deveria pagar o “ponto da rua” à parte. Descreveram que NICOLY aplicaria diversas sanções dentro do seu contexto de controle, entre as quais a imposição de multas (muitas vezes criando contextos para fazê-lo), agressões físicas, ameaças, restrição de liberdade etc.

As testemunhas apontaram ainda que eram coagidas a sair para trabalhar e apenas poderiam voltar se conseguissem dinheiro o suficiente para pagar a diária. A testemunha de número 11 narrou que já aconteceu de sua amiga Jéssica, tendo chegado sem o valor da diária, ser impedida por NICOLY de entrar na casa, precisando, assim, ficar na rua até às 16/17 horas.  Segundo essa depoente, todas as mulheres tinham de sair para trabalhar às 19 horas e poderiam retornar apenas às 4 horas da manhã. No mesmo sentido, a testemunha 13 narrou que todas tinham de sair para trabalhar às 19 horas e se voltassem antes das 4 horas da manhã, teriam de ficar fora de casa esperando para entrar, visto que não tinham livre acesso à casa. A testemunha 16 narrou o mesmo, com a diferença de o horário de retorno indicado ser 2 horas da manhã e que se alguém chegasse antes com o dinheiro da diária, poderia entrar na casa.

Consigne-se que a testemunha 13 declarou que entregava todos os valores que recebia para NICOLY e tinha vontade de fugir, mas, por não ser de Ribeirão Preto, não teria para onde ir.

A testemunha 17 inicia seu depoimento dizendo que "se fosse ruim, não teria ficado" e que não poderia fazer afirmações em relação à aplicação ou não de multas. Segue sua narração, entretanto, de forma contraditória, afirmando que eram aplicadas multas diretamente por NICOLY como punição por brigas, confusões, objetos quebrados etc. e que o horário de trabalho era das 19 horas às 4 horas da manhã, sendo que quem não tivesse dinheiro para pagar a diária era obrigado a ir trabalhar. Confirmou ainda que era NICOLY quem organizava e controlava o ponto de prostituição na rua e quem não morava nas casas tinha de pagar um valor para usar os pontos, o que reforça a constatação de que havia controle territorial coativo, exercido por essa corré.

Acrescento haver testemunhas que, mesmo não tendo narrado se hospedarem com NICOLY, apontaram saber que ela era de fato perigosa. É o caso das testemunhas 3, 4 e 7, tendo a segunda, inclusive, dito já ter sofrido agressão física por parte de NICOLY.

As interceptações telefônicas corroboram os depoimentos. Em seu conjunto, demonstram a existência da situação conforme narrado pelas testemunhas, ou seja, de exploração da prostituição alheia por meio de violência e de controle sobre aqueles que se alojavam nas hospedarias.

Aparecem, nas sínteses, diálogos nos quais NICOLY é referida como “cafetina” (síntese 03-C) e ainda diálogos em que se faz referência a pessoas que seriam controladas por NICOLY (síntese 4-C e 5-C, por exemplo). Há ainda diálogo a respeito de um roubo, em que NICOLY afirma que, se a autora do crime fosse sua hóspede, ela faria a mulher devolver e tomaria suas providências (síntese 7-C), demonstrando, assim, que tinha poder sobre as mulheres que se hospedavam em suas casas e poderia obrigá-las a fazer ou deixar de fazer algo.

Na síntese 6-A, a ré AGATHA VITÓRIA se refere também a NICOLY como cafetina. O caso objeto desse documento envolve situação em que uma das mulheres controlada por NICOLY agride alguém; com isso, torna-se necessário conversar com NICOLY para resolver a situação. Fica claro, mais uma vez, que NICOLY era responsável por aquelas que se hospedavam em suas casas, e era com quem se buscava conversar quando alguma de suas “hóspedes” se envolvia em problemas, para que tomasse suas providências (agressões, multas etc.).

A síntese 05-C apresenta situação em que se evidencia o controle de NICOLY sobre aquelas pessoas hospedadas com ela. Com efeito, a própria NICOLY diz que as travestis estavam endividadas com ela e ela bloquearia suas “bichas” (mulheres controladas por ela) de sair e “arrumar rolo”.

Concluo que o conjunto probatório demonstra, sem deixar dúvidas, que NICOLY CASTRO (ANTONIO ALENISIO DA SILVA) tirou proveito da prostituição alheia por meios que dificultavam a livre manifestação das vítimas. As testemunhas demonstram que NICOLY era uma pessoa considerada perigosa, mormente àqueles que descumprissem as regras impostas por ela, de forma que as mulheres que exercia a prostituição sentiam-se subordinadas a NICOLY e obrigadas a obedecê-la, pois, caso contrário, seriam punidas.

Assim, independentemente de agressões específicas, é certo que as vítimas estavam inseridas num contexto em que viviam temendo punições caso não cumprissem as regras, o que é suficiente para caracterizar o rufianismo qualificado, previsto no artigo 230, parágrafo 2º, do Código Penal. Isso porque todo o conjunto de elementos documentais e testemunhais referido acima conflui para a conclusão do exercício de um firme poder de NICOLY CASTRO sobre as vítimas (prostitutas por ela abrigadas ou autorizadas a operar em sua área de controle efetivo), mediante real temor de reprimendas ou agressões, conforme descrito pelas testemunhas já citadas. Esse poder e esse direcionamento coativo eram voltados à extração de benefício econômico advindo da prostituição das vítimas, em integral amoldamento à figura delitiva proscrita no art. 230, § 2º, do Código Penal.

 

No que tange a FELIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, apesar de haver provas que indiquem sua atuação junto a ANTONIO ALENISIO na prática do crime previsto pelo artigo 230, §2º, do Código Penal, mais uma vez a acusação não se desimcubiu do ônus de provar com robustez, para além de dúvida plausível, sua participação na prática das condutas delitivas. 

O depoimento da testemunha 11 aponta a autoria de FELIPE, tendo a depoente até narrado que foi intimidada por ele no curso das investigações. Em sentido semelhante, a testemunha 17 afirmou que FELIPE auxiliava NICOLY a organizar o ponto de prostituição e as hospedagens.

Por outro lado, insta mencionar que ao início das investigações FELIPE era considerado uma possível vítima, como demonstra o termo de entrevista acostado às pgs. 132/142 do ID 276501153.

Apesar destas provas iniciais mencionadas, não houve aprofundamento nas investigações no que tange a este réu, inexistindo elementos bastantes à comprovação dessa prática delitiva por ele.

Mantenho, portanto, a absolvição de FELIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO, ante a ausência de provas suficientes de sua autoria, e acolho o pedido da acusação para reformar a sentença e condenar ANTONIO ALENISIO DA SILVA (Nome Social: NICOLY CASTRO) pela prática do crime previsto no artigo 230, §2º, do Código Penal.

 

AGDA DIAS DA SILVA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA e RENAN LOPES CAMARGOS

O conjunto probatório dos autos demonstra, sem margem a dúvidas, que AGDA DIAS DA SILVA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA e RENAN LOPES CAMARGOS praticaram, em conjunto, o crime previsto no artigo 230, §2º, do Código Penal. Devido à imbricação das provas, que demonstram a atuação desses réus como um grupo, passo à análise conjunta de sua autoria.

O grupo alojava mulheres (transexuais ou não) e/ou cobrava pelo uso de pontos na rua, com a finalidade de tirar proveito da prostituição alheia. Tal conduta, era praticada por meio de violência, grave ameaça ou outros meios que dificultassem ou impedissem a livre manifestação da vontade das vítimas.

A atuação do grupo é apontada nos depoimentos prestados em sede extrajudicial das testemunhas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10 e 15, conforme já resumido anteriormente. De acordo com estas testemunhas, AGDA e sua filha, a ré ÁGATHA VITÓRIA, mantinham imóveis em que hospedavam pessoas destinadas à prostituição, sendo auxiliadas por RENAN, então marido de ÁGATHA, e ARTUR, que, segundo seu interrogatório, considerava AGDA sua tia de criação. Nestes imóveis, as mulheres (transexuais ou não) tinham de pagar diárias, as quais já englobavam o uso de pontos de prostituição na rua, e outros valores. Caso os valores não fossem pagos, os devedores eram agredidos fisicamente, ameaçados de morte e ofendidos de diversas maneiras. O grupo manteve ainda vigilância sobre os pontos de prostituição, ameaçando constantemente as pessoas trabalhavam ali.

As testemunhas narraram ainda que eram impostas multas em caso de brigas, desrespeito às regras etc., sendo que muitas vezes essas multas eram inventadas apenas para que estes réus pudessem fazer cobranças e aumentar as dívidas. Com efeito, muitas das pessoas estavam “endividadas até a alma”, expressão utilizada pela testemunha 9 (ID 276501161 - pg. 3), que declarou ainda que as dívidas sempre aumentavam e nunca diminuíam. Ela mesma (a testemunha) não via perspectiva de a dívida ser quitada.

Insta apontar que alguns depoimentos mencionaram o que seria uma forte relação entre AGDA DIAS e o Primeiro Comando da Capital - PCC, facção criminosa de grande proporção que opera no estado de São Paulo. As testemunhas narraram que AGDA trabalhava em parceria com o PCC, levando com muita frequência os conflitos para a facção criminosa, para que seus membros os solucionassem. Frise-se que inclusive a ré NICOLY CASTRO (nome social de ANTONIO ALENISIO) mencionou em um diálogo, travado em ligação que foi interceptada - síntese 8C, que AGDA levava tudo “aos irmãos”, em referência a membros do PCC. Quando NICOLY foi questionada a respeito desta fala em seu interrogatório extrajudicial preferiu ficar em silêncio. Tendo em vista que o assunto não dizia respeito à ré NICOLY, a situação evidencia que ela, de alguma forma, temia o assunto, justamente pelo envolvimento da facção criminosa.

Saliento que não se ingressa aqui na análise se realmente havia ou não ligação com a facção criminosa, mas sim no fato de que as vítimas se sentiam impactadas por uma suposta relação, considerando-se em situação de extremo perigo por este fato. A manutenção de tal atmosfera de forma verossímil aos olhos das vítimas reforçava a coação moral e física exercida no contexto da exploração de sua força de trabalho.

A testemunha Davi Oliveira Palma (nome social: Maria), ouvida em juízo e perante o contraditório, fez narração extremamente detalhada da situação, na qual confirmou: que AGDA era “cafetina”; a aplicação de multas pelo descumprimento de regras; que as “cafetinas” agrediam fisicamente as moradoras para impor respeito; a atuação de tribunal do crime do PCC naquele contexto; e que AGDA cortava a alimentação e agredia fisicamente as devedoras que estavam envolvidas com bebida ou drogas.

As interceptações telefônicas confirmam as informações prestadas pelas testemunhas no sentido do aproveitamento, mediante coação, de seu trabalho como prostitutas.

Nessa esteira, diversos diálogos demonstram que AGDA e ÁGATHA, com auxílio de RENAN e ARTUR, exerciam controle sobre as pessoas que se dedicavam à prostituição nos pontos que eram de seu domínio (sínteses 4A, 5A, 6A, 16A, 5C, 33A, 43A, 52A, 54A e 58A, por exemplo). É possível extrair das conversas que AGDA era tratada como chefe dos programas sexuais, de forma que as pessoas que prestavam estes serviços sempre a consultavam sobre como proceder em casos de conflitos.

Essa posição de chefia é confirmada pelo cartão de visitas encontrado em diligência de busca e apreensão (ID 276501152 - pg. 127/130). Este documento, cuja cópia está acostada na página 48 do ID 276501159, possui o título “Mulheres e Trans”, indica a Av. Brasil em Ribeirão Preto como endereço, e apresenta como contato AGDA, com indicação do número (16) 99384-7866, cujo pertencimento a essa ré foi comprovado nos autos. Ou seja, os serviços das mulheres que se prostituíam na Av. Brasil era oferecido por AGDA.

Ademais, as conversas interceptadas provam que ARTUR e RENAN agiam principalmente em trabalhos de solução pessoal de problemas, que muitas vezes exigiam força física ou ameaça. É o caso das sínteses 18A, 24A, 27A, 28A, 29A, 43A, 44A, 51A, 52A, 53A, 54A, 57A e 5C. Registro que a testemunha 3 apontou ARTUR como o “capanga” mais agressivo (ID  276501152 - pg. 88/89). Ainda corroborando com esses apontamentos, a análise feita sobre o celular apreendido de ARTUR revelou uma conversa de Whatsapp que este teve com outra pessoa a respeito da compra de uma arma de fogo.

A participação de RENAN e ARTUR é incontestável, tendo em vista, também, a quantidade de vezes que seus nomes aparecem nas interceptações telefônicas e a quantidade de vezes que as testemunhas os citaram. Acrescento que, em seu interrogatório extrajudicial, ARTUR principiou afirmando que trabalhava com sua tia AGDA apenas como motorista, sendo que apenas ela poderia esclarecer informações a respeito das mulheres, transexuais ou não, que pagavam pelo uso do ponto de prostituição. Porém, após apresentados áudios originais das interceptações telefônicas, admitiu que também prestou serviços para sua tia cuidando dos negócios dela enquanto ela estivesse ausente. Afirmou ainda que buscava mulheres, transexuais ou não, na rodoviária para levá-las até as casas de AGDA.

Em que pese tenha apresentado versão diferente em juízo, momento em que afirmou que não tinha nenhuma relação de negócios com sua tia, o conjunto probatório demonstra que sua participação em tais atos criminosos era efetiva e consciente, restando isolada e genérica sua negativa em sede judicial.

É patente, também, que AGDA tinha como vítimas mulheres transexuais. Com efeito, na síntese 22A, ela afirma “se você conhecer trans, pode trazer”. Já na síntese 58A, Silvana pergunta a AGDA se uma moça que vai chegar é “trans”, a que AGDA responde que sim. No mesmo sentido, o cartão de visitas já apontado acima tem como título “Mulheres e Trans” e indica o contato de AGDA. Os depoimentos das testemunhas apontam no mesmo sentido.

Registro ainda que a informação nº 491/2018 (ID 276501152 - pg. 35/39) apresenta publicação feita em redes sociais por uma mulher que relata ter sido agredida fisicamente por um grupo composto por AGDA, ÁGATHA, RENAN e dois “funcionários, indicados como ARTUR e Rogério. O nome “Rogério” aparece novamente no depoimento da testemunha 1, que indica ser referente a um dos subordinados de AGDA na execução do empreendimento delitivo.

Insta salientar também que há pelo menos dois boletins de ocorrência de suicídio em endereço vinculado a AGDA, qual seja, Rua Anhembi, 217, Jardim Salgado Filho, Ribeirão Preto/SP. São os Boletins de Ocorrência 6474/2014 (ID 276501167 - pg. 121/122) e 7360/2018 (ID 276501167 - pg. 123/125). Trata-se de mais um indicativo de que o contexto era de abuso das vítimas, pessoas que residiam nas hospedarias de AGDA.

Em conclusão, não há dúvidas de que este grupo de réus atuou em conjunto para tirar proveito da prostituição alheia, alojando mulheres, tansexuais ou não, que se dedicavam à prostituição, e cobrando pelo uso de pontos de prostituição na rua, por meio de agressões, ameaças e outros meios que impediam a livre manifestação da vontade das vítimas, como o endividamento ou a imposição de um contexto que gerava medo, mormente pelo envolvimento de uma facção criminosa de grande periculosidade, que é o PCC.

Tendo em vista todo o exposto, deve ser reformada a sentença no ponto, para condenar AGDA DIAS DA SILVA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS e ARTUR PEREIRA CERQUEIRA pela prática do crime previsto no artigo 230, §2º do Código Penal.

 

III.c Art. 149 do Código Penal (Redução a condição análoga à de escravo)

Correta a sentença no que tange à imputação do crime previsto no artigo 149 do Código Penal.

Colaciono o trecho do aditamento da denúncia transcrito na sentença, referente à imputação do crime de redução a condição análoga à de escravo, atualizando o ID mencionado como de praxe:

 

“Após o aliciamento, transporte até cidade, acolhimento e alojamento das vítimas, iniciava-se a exploração sexual com a submissão delas à prostituição forçada com jornada exaustiva, sujeitando-as à condições degradantes de trabalho e restrição de sua locomoção, inclusive em razão de dívidas contraídas de forma forçada.

Ao chegar na cidade, a dívida inicial aumentava em razão dos custos ocultos das quais as vítimas não tinham conhecimento na fase de recrutamento, revelando-se dívidas insanáveis que passariam a vincular a vítima aos traficantes, impedindo-as (sic) de sair da situação de exploração.

Os documentos apreendidos e os depoimentos (sic) das testemunhas ouvidas revelaram que os denunciados compravam as passagens de ônibus para que as transexuais se deslocassem de suas cidades de origem até Ribeirão Preto, e depois cobravam o dobro do valor real das passagens.

Chegando na cidade, os investigados buscavam as vítimas na rodoviária e as alojavam em suas casas, do tipo pensionato, mediante a cobrança de diárias, cujos valores variavam de R$ 50,00 a R$ 100,00.

Sabedores que um corpo com silhueta feminina é o grande sonho de suas vítimas, os denunciados se aproveitavam disso para explorá-las, prometendo ajudá-las em suas transições, adiantando valores para a realização dos procedimentos, levando-as até a ‘bombadeira’ (ou trazendo a ‘bombadeira’ para suas casas) para aplicação de silicone industrial e acompanhando-as até clínicas médicas em são Paulo, especificamente do Dr. Puga e do Dr. Paulino.

Para tanto, diziam que elas tinham que ter uma “conta” com eles, ou seja, entregar em suas mãos pelo menos parte do dinheiro, para aplicação do silicone industrial e realização dos procedimentos cirúrgicos (sic).

Uma vez juntado parte do dinheiro exigido pelos denunciados, as vítimas eram induzidas a comprar roupas, sapatos, perucas e outros acessórios (sic) a preços superfaturados, vendidos por eles próprios, de forma a aumentar a dívida, em um ciclo de endividamento sem fim.

Àquelas que não entregassem o dinheiro ou que não respeitassem as regras da casa, eram aplicadas multas extorsivas, sem qualquer critério (valores que variavam de R$ 200,00 a R$ 1.000,00, havendo relatos de multas de até R$ 3.000,00).” (ID 276501283, págs. 9)

 

A própria narração feita pelo Ministério Público trouxe indicativo, ainda incipiente, de que os atos criminosos alegadamente praticados poderiam caracterizar tão somente o crime de rufianismo qualificado. Isso porque não se aponta com clareza que uma das condutas descritas fugiria do escopo do crime de rufianismo qualificado. Não obstante, era possível, ante a permanência e abrangência do contexto, que houvesse conduta autônoma amoldada ao art. 149 do Código Penal. Ao cabo da instrução, não se demonstrou tal ocorrência. O quadro fático comprovado nos autos demonstra que todas as condutas coativas eram praticadas dentro das finalidades e escopo de execução do rufianismo qualificado. As vítimas não eram exploradas para funções laborais diversas, de produção econômica ou  trabalho doméstico, mas exclusivamente coagidas no contexto de uma extração ilícita de ganhos da prática de prostituição. Ora, tal cenário constitui o suporte fático específico do art. 230, § 2º, do Código Penal. Se, juntamente com isso, houvesse a exploração em outros contextos, com redução de dignidade ou de liberdade, e jornadas exaustivas, poder-se-ia vislumbrar conduta autônoma tipificada no art. 149 do Código Penal. Não é o que se dá aqui.

Nesse contexto, se se aplicassem ambas as punições pretendidas pelo mesmo conjunto conduta-finalidade, restaria caracterizado bis in idem vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro. É dizer, punir réus pela prática de atos de coação ligados à execução de jornadas exclusivas de serviços sexuais pelos crimes de rufianismo qualificado e de redução escravizante significaria aplicar dupla sanção, porquanto a objetividade e a lesividade da prática guardam unidade, não se tratando seja de concurso formal, seja de concurso material. O ganho financeiro decorrente do aproveitamento de atividade especificamente sexual de terceiros, e limitada a isso, mediante meios vis de violência ou ameaça em sentido amplo, é punida nos termos do art. 230, § 2º, do Código Penal. A redução a condições análogas à escravidão, para ocorrer em concreto, teria que advir de condutas e situações que, ainda que coligadas ou relacionadas faticamente a isso, expressassem alguma objetividade própria, irredutível ao exato escopo lesivo que caracteriza o rufianismo qualificado.

Não se confunda isso com a ocorrência de concurso formal. Neste, há um mesmo ato (simples ou complexo) que gera dois resultados distintos, duas objetividades lesivas identificáveis e independentes entre si. Diversamente, no bis in idem, há dupla punição por uma mesma lesividade, uma mesma ação, guiada por uma só finalidade. É o que ocorreria aqui se aceita a tese ministerial à luz do quadro fático provado nesta ação, o que o ordenamento pátrio veda. Em suma: por inexistir, neste contexto, demonstração de algum grau de autonomia lesiva fenomênica que escape à própria exploração sexual mediante violência ou coação, não há ocorrência de fato amoldável à norma extraída do art. 149 do Código Penal.

Assim, devem tais atos ser punidos apenas nos termos do crime específico que os descreve, qual seja, o tipificado pelo artigo 230, §2º, do Código Penal, não cabendo condenação por prática autônoma ligada ao art. 149 do Código Penal. Com essas considerações, rejeito o pedido ministerial em exame.

 

III.d Art. 2º da Lei 12.850/2013 (Organização Criminosa)

A imputação do crime de Organização Criminosa se a partir da consideração das imputações anteriores em seu conjunto de planejamento e realização, e diante do contexto sistemático apontado. É dizer: imputa-se a prática dos crimes já referidos e, por terem sido praticados pela associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada com tal finalidade, estaria caracterizado também o crime previsto pelo artigo 2º, da Lei 12.850/2013.

Assim, inicialmente consigno que a absolvição, em relação aos demais crimes a eles imputados, de ALEXANDRE FERREIRA COSTA, FELIPE SABINO DE FREITAS FELICIANO e MAURÍCIO ALVES DE OLIVEIRA acarreta a absolvição pelo crime de organização criminosa, mormente por não se ter verificado participação alguma na prática dos atos criminosos comprovados nestes autos, ou atuação de auxílio doloso à atuação da empreitada de rufianismo acima analisada.

 

A ré ANA PAULA, por sua vez, não tem contra si prova nos autos que indique sua atuação com outros agentes, sob qualquer forma de associação ou relação ilícita não eventual.

 

Quanto a NICOLY CASTRO (ANTONIO ALENISIO DA SILVA), não há elementos que indiquem sua atuação em conjunto com outras pessoas. Em que pese os autos tragam provas que apontam o contato desta ré com o grupo de AGDA DIAS, tais provas indicam apenas que estes grupos atuavam paralelamente, ou seja, tinham operações independentes e apenas ocorriam situações em que o contexto de suas operações convergiam. Não é possível afirmar, pelos documentos acostados ao processo, que havia algum tipo de associação estável entre NICOLY e o grupo de AGDA. Tratava-se, ao que consta, de contatos eventuais, com potencial alinhamento de questões específicas na dinâmica da atuação autônoma de cada uma das partes ou resolução de conflitos que envolvessem interesses de todos, mas não uma atuação concertada no sentido associativo.

 

No que tange ao grupo formado por AGDA DIAS DA SILVA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS e ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, entretanto, há provas robustas que evidenciam a formação de uma associação dessas 4 (quatro) pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter vantagem ilícita mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas são superiores a 4 (quatro) anos.

Como já exposto anteriormente, o grupo operava alojando mulheres, transexuais ou não, e cobrando valores pelo uso de pontos de prostituição na rua, mediante violência, grave ameaça e/ou outros meios que dificultavam a livre manifestação da vontade das vítimas. Tal conduta caracteriza o crime de rufianismo qualificado (art. 230, §2º, do Código Penal), como também já exposto acima, cuja pena máxima é de 8 (oito) anos de reclusão.

A divisão de tarefas é evidente, visto que AGDA atuava como líder da organização, ÁGATHA atuava ao lado da primeira, na parte de administração da operação criminosa, e ARTUR e RENAN atuavam como funcionários enviados para praticar atividades como intimidação, cobrança de valores devidos, separação de brigas entre as próprias vítimas etc., tudo conforme os diversos relatos de testemunhas e as diligências e relatórios policiais já descritos em detalhe ao longo da análise de mérito deste voto, aos quais remeto.

Havia divisão de tarefas e execução sistemática, que se protraiu ao longo do período descrito na denúncia, configurando-se atuação concertada e planejada para a execução reiterada de rufianismo qualificado tendo por alvo diversas vítimas, na forma exposta acima.

 

De rigor, portanto, a reforma da sentença para condenar AGDA DIAS DA SILVA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS e ARTUR PEREIRA CERQUEIRA, pela prática do crime previsto no artigo 2º, da Lei 12.850/2013.

 

Prossigo à dosimetria das penas.

 

 

IV. Da dosimetria das penas

Diante da reforma da sentença para condenar os ANA PAULA DE OLIVEIRA BORGES por rufianismo simples, NICOLY CASTRO (ANTONIO ALENISIO DA SILVA) por rufianismo qualificado, e AGDA DIAS DA SILVA, ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, RENAN LOPES CAMARGOS e ARTUR PEREIRA CERQUEIRA por rufianismo qualificado e organização criminosa, necessário que se proceda à dosimetria.

 

IV.a NICOLY CASTRO (ANTONIO ALENISIO DA SILVA)

1ª fase

Na primeira fase, verifico a presença de circunstâncias judiciais a serem valoradas negativamente. A culpabilidade é a primeira delas, visto que a reprovabilidade concretada conduta escapa ao ordinário para o crime em tela, considerando a extrema vulnerabilidade social das vítimas transexuais, como já exposto anteriormente, que se submetiam àquelas condições por motivos como a rejeição de suas famílias, ausência de moradia, desejo de realizar procedimentos para mudança de gênero, entre outros.

Além disso, as circunstâncias do crime também devem ser valoradas negativamente. Com efeito, as testemunhas narraram, de forma coesa e explicada, a submissão – no contexto da referida prática criminosa – a situações de privação de liberdade, cobrança de multas excessivas e contextos gerais de coação de especial peso para exercer controle sobre suas vidas. Frise-se também que as ameaças narradas pelas vítimas eram graves. Ademais, uma vítima descreveu ter sido espancada pela ré (violência de alto grau, despiciendo dizer). Outrossim, o crime foi perpetrado contra uma pluralidade de vítimas ao longo do tempo, o que também configura circunstância que aumenta a gravidade concreta e a lesividade do crime.

 Assim, tem-se o uso de violência e ameaça em graus sensivelmente superiores ao inerente ou rigorosamente ordinário para o delito, a impor o recrudescimento da pena concreta.

Não há elementos específicos que permitam valoração das consequências do crime; tampouco que possibilitem análise da personalidade ou da conduta social em geral. A ré não possui antecedentes. Os motivos do crime foram os ordinários para a figura em questão. O comportamento das vítimas não impacta no desvalor concreto da conduta.

Por tais fundamentos, fixo a pena-base em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

2ª fase

Nesta segunda fase, não se verifica a presença de circunstâncias atenuantes.

Constata-se, de outro lado, a ocorrência da agravante prevista no artigo 61, II, “f” do Código Penal, visto que a ré prevaleceu-se de coabitação e/ou hospitalidade, já que as vítimas estavam hospedadas em suas residências, o que era utilizado como meio para dificultar a livre manifestação da vontade.

Verifico ainda configurada a reincidência. Conforme certidão de execução criminal de ID 276502469, a ré terminou de cumprir pena por crime que praticou anteriormente em 24/09/2014. Com isso, a prática de crime em até 5 anos após essa data configura a reincidência, o que se deu nestes autos, nos termos dos artigos 63 e 64, inciso I, do Código Penal.

A pena intermediária resta quantificada, portanto, em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

3ª fase

Não reputo a presença de causas de aumento ou de diminuição de pena, de forma que fixo a pena definitiva em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

Regime inicial

De início, consigno necessário computar o tempo de prisão provisória nos termos do artigo 387, §2º, do CPP. A ré ficou presa a partir de 13/03/2019 (ID 276501121 - pg. 1) e, apesar de não haver nos autos certidão de cumprimento do alvará de soltura, com certeza em 14/08/2019 estava em liberdade, conforme termo de compromisso prestado (ID 276501967).

Assim, a pena considerada para fins de fixação do regime inicial é de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão.

O regime inicial para o cumprimento de pena deve ser, portanto, o fechado, nos termos do artigo 33, §2º, “b”.

Incabível a substituição, porquanto não preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

 

 

IV.b AGDA DIAS DA SILVA

Rufianismo qualificado (art. 230, §2º, do Código Penal)

1ª fase

Constata-se a presença de circunstâncias judiciais negativas na prática delitiva.

A culpabilidade deve ser valorada de forma negativa, visto que a reprovabilidade da conduta foge aos elementos básicos ou ordinários do tipo penal, considerando a vulnerabilidade social das vítimas transexuais, como já exposto anteriormente, que se submetiam àquelas condições por motivos como a rejeição de suas famílias, ausência de moradia, desejo de realizar procedimentos para mudança de gênero, entre outros. Tratava-se de vítimas especialmente passíveis de captação e abuso, o que era aproveitado para execução e perpetuação do delito.

As circunstâncias do crime também devem ser valoradas negativamente. Com efeito, as testemunhas narraram situações de privação de liberdade, cobrança de multas excessivas e outras formas de coação para exercer controle sobre suas vidas.  Ademais, as ameaças narradas pelas vítimas eram de extrema gravidade, ao que se acrescia a crença verossímil de um vínculo forte entre a ré e facção criminosa de grandes proporções e periculosidade. Por fim, o crime foi praticado contra uma pluralidade de vítimas, o que também configura circunstância que aumenta a gravidade concreta e a lesividade do delito.

Não há elementos específicos que permitam valoração das consequências do crime; tampouco que possibilitem análise da personalidade ou da conduta social em geral. A ré não possui antecedentes. Os motivos do crime foram os ordinários para a figura em questão. O comportamento das vítimas não impacta no desvalor concreto da conduta.

 Com isso, fixo, nesta fase, a pena em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

2ª fase

Nesta segunda fase, não se verifica a presença de circunstâncias atenuantes.

Constata-se, quanto às agravantes, a incidência da prevista no artigo 61, II, “f” do Código Penal, visto que a ré prevaleceu-se de coabitação e/ou hospitalidade, já que as vítimas estavam hospedadas nas residências do grupo criminoso, o que era utilizado como meio para dificultar a livre manifestação da vontade.

A pena intermediária resta quantificada, portanto, em 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão.

3ª fase

Não há causas de aumento ou de diminuição de pena, de forma que a pena definitiva fica estabelecida em 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão.

 

Organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013)

1ª fase

A culpabilidade, entendida para fins de dosimetria penal como reprovabilidade concreta da conduta, discrepa ao comum. Trata-se de organização criminosa estruturada para a prática de crimes de alta lesividade a direitos fundamentais das vítimas, vale dizer, para a sistemática coação de sua liberdade e espoliação econômica de atividade sexual, tendo por alvos, em especial, pessoas de especial vulnerabilidade, o que reforça substancialmente o grau de reprovação do crime, tanto pela lesão grave à moralidade objetiva consubstanciada no paradigma do respeito à dignidade humana, quanto pelos impactos gerados na vida e na liberdade das pessoas submetidas à esfera de ação da organização integrada pela ré.

As circunstâncias do crime são igualmente negativas. Com efeito, a organização criminosa integrada pela ré teve existência por amplo lapso temporal (cerca de dois anos), operando de forma contínua e altamente coesa para a consecução efetiva de uma engrenagem criminosa de extração de ganhos ilícitos gerados pelo aproveitamento do trabalho sexual de pessoas submetidas ao poder da organização.

Por outro lado, as demais circunstâncias não discrepam do ordinário. Não há elementos específicos sobre as consequências do crime, exceto os impactos existenciais já mensurados na culpabilidade (como elementos integrados à própria conduta e sua reprovabilidade concreta). Os motivos são comuns ao delito. O comportamento das vítimas não acarreta alteração avaliativa do quadro. Inexistem dados bastantes à avaliação da personalidade ou da conduta social da acusada, que tampouco ostenta antecedentes.

Diante disso, estabeleço a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão, e 13 (treze) dias-multa.

2ª fase

Não incide nenhuma atenuante. Incide, entretanto, a agravante prevista no artigo 2º, §3º, da Lei 12.850/2013, visto que esta ré exercia o comando da organização criminosa - como já explicado anteriormente neste voto -, liderando a empreitada e sendo sua beneficiária central.

Assim, resta a pena intermediária quantificada em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa.

3ª fase

Não reputo a presença de causas de aumento ou de diminuição de pena, de forma que fixo a pena definitiva em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

Pena final

Os crimes foram cometidos em concurso material (prática de crime distintos mediante condutas diversas), o que impõe a unificação das penas mediante soma, nos termos do artigo 69 do Código Penal.

Por consequência, a pena final fica estabelecida no quantum de 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa.

Pena de multa

A pena de multa restou estabelecida em 15 (quinze) dias-multa em respeito ao critério trifásico da dosimetria penal.

Ausentes informações relativas à situação financeira da ré, fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

Regime inicial

A ré ficou presa de 13/03/2019 (ID 276501119 - pg. 174) até 12/07/2019 (ID 276501949 - pg. 11), o que deve ser subtraído da pena para fins de fixação do regime inicial, nos termos do artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal. A pena a ser considerada, portanto, é de oito anos e cinco meses.

Portanto, o regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o fechado, nos termos do artigo 33, §2º, “a”, do Código Penal.

Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

Incabível a substituição, visto que não atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

Igualmente incabível a suspensão condicional da pena, nos termos do art. 77, I, do Código Penal.

 

IV.c ÁGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA

Rufianismo qualificado (art. 230, §2º, do Código Penal)

1ª fase

Na primeira fase, constata-se a presença de circunstâncias judiciais negativas tal como ocorreu na dosimetria da ré anterior, já que o modus operandi pelo qual se praticou o crime era o mesmo, com atuação concertada.

A culpabilidade deve ser valorada de forma negativa, visto que a reprovabilidade da conduta foge aos elementos básicos ou ordinários do tipo penal, considerando a vulnerabilidade social das vítimas transexuais, como já exposto anteriormente, que se submetiam àquelas condições por motivos como a rejeição de suas famílias, ausência de moradia, desejo de realizar procedimentos para mudança de gênero, entre outros. Tratava-se de vítimas especialmente passíveis de captação e abuso, o que era aproveitado para execução e perpetuação do delito.

Além disso, as circunstâncias do crime também devem ser valoradas negativamente. Com efeito, as testemunhas narraram situações de privação de liberdade, cobrança de multas excessivas e outras formas de coação para exercer controle sobre suas vidas. Saliente-se também que as ameaças narradas pelas vítimas eram de alta gravidade, também a reforçar a o alto grau de valor negativo a envolver a conduta em sua metódica de execução. Por fim, havia pluralidade de vítimas, o que também configura circunstância que aumenta a gravidade concreta e a lesividade do crime.

Não há elementos específicos que permitam valoração das consequências do crime; tampouco que possibilitem análise da personalidade ou da conduta social em geral. A ré não possui antecedentes. Os motivos do crime foram os ordinários para a figura em questão. O comportamento das vítimas não impacta no desvalor concreto da conduta.

Postas e dimensionadas essas razões, estabeleço a pena-base em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

2ª fase

Nesta segunda fase, não se verifica a presença de circunstâncias atenuantes.

É possível, entretanto, perceber a ocorrência da agravante prevista no artigo 61, II, “f” do Código Penal, visto que a ré prevaleceu-se de coabitação e/ou hospitalidade, já que as vítimas estavam hospedadas nas residências do grupo criminoso, o que era utilizado como meio para dificultar a livre manifestação da vontade.

A pena intermediária resta quantificada, portanto, em 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão.

3ª fase

Não reputo a presença de causas de aumento ou de diminuição de pena, de forma que fixo a pena definitiva decorrente desse delito em 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão.

 

Organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013)

1ª fase

A culpabilidade, entendida para fins de dosimetria penal como reprovabilidade concreta da conduta, discrepa ao comum. Trata-se de organização criminosa estruturada para a prática de crimes de alta lesividade a direitos fundamentais das vítimas, vale dizer, para a sistemática coação de sua liberdade e espoliação econômica de atividade sexual, tendo por alvos, em especial, pessoas de especial vulnerabilidade, o que reforça substancialmente o grau de reprovação do crime, tanto pela lesão grave à moralidade objetiva consubstanciada no paradigma do respeito à dignidade humana, quanto pelos impactos gerados na vida e na liberdade das pessoas submetidas à esfera de ação da organização integrada pela ré.

As circunstâncias do crime são igualmente negativas. Com efeito, a organização criminosa integrada pela ré teve existência por amplo lapso temporal (cerca de dois anos), operando de forma contínua e altamente coesa para a consecução efetiva de uma engrenagem criminosa de extração de ganhos ilícitos gerados pelo aproveitamento do trabalho sexual de pessoas submetidas ao poder da organização.

Por outro lado, as demais circunstâncias não discrepam do ordinário. Não há elementos específicos sobre as consequências do crime, exceto os impactos existenciais já mensurados na culpabilidade (como elementos integrados à própria conduta e sua reprovabilidade concreta). Os motivos são comuns ao delito. O comportamento das vítimas não acarreta alteração avaliativa do quadro. Inexistem dados bastantes à avaliação da personalidade ou da conduta social da acusada, que tampouco ostenta antecedentes.

Nesses termos e consideradas tais circunstâncias, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão e 13 (treze) dias-multa.

2ª e 3ª fases

Inexistem agravantes ou atenuantes no caso em tela; tampouco incidem causas de aumento ou diminuição da pena. Por consequência, resta a pena definitiva estabelecida em 4 (quatro) anos de reclusão e 13 (treze) dias-multa.

Pena final

Os crimes foram cometidos em concurso material (prática de crime distintos mediante condutas diversas), o que impõe a unificação das penas mediante soma, nos termos do artigo 69 do Código Penal.

Por consequência, fica a pena definitiva imposta em 8 (oit0) anos e 1 (um) mês de reclusão, e 13 (treze) dias-multa.

Pena de multa

A pena de multa restou estabelecida em 13 (treze) dias-multa, em respeito ao critério trifásico da dosimetria penal.

Ausentes informações relativas à situação financeira da ré, fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

Regime inicial

Pelo que consta dos autos, a ré ficou presa em razão de mandado de prisão oriundo deste processo desde 06/06/2019 (ID 276501472) até 07/09/2019 (ID 276502042), período que deve ser subtraído da pena para fins de fixação do regime inicial, nos termos do artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal. A pena a ser considerada para fins específicos de estabelecimento do regime prisional inicial, portanto, é de sete anos e dez meses de reclusão.

Não obstante isso, a gravidade concreta das condutas apenadas, notadamente a culpabilidade e as circunstâncias dos crimes, com várias vítimas e uso reiterado de coação física e psíquica, tudo por longo lapso temporal, faz necessária a fixação do regime inicial fechado, de modo a cumprir as essenciais finalidades preventiva e repressiva da pena, tudo nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal. Fixo, pois, o regime inicial fechado para cumprimento da pena.

 

Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

Incabível a substituição, visto que não atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal. O mesmo se o diga quanto à suspensão condicional da pena (Código Penal, art. 77, I a III).

 

 

IV.d ARTUR PEREIRA CERQUEIRA

Rufianismo qualificado (art. 230, §2º, do Código Penal)

1ª fase

Na primeira fase, constata-se a presença de circunstâncias judiciais negativas tal como ocorreu na dosimetria das rés anteriores, já que o modus operandi pelo qual se praticou o crime era o mesmo, com atuação concertada. Para além disso, o réu ostenta maus antecedentes.

A culpabilidade deve ser valorada de forma negativa, visto que a reprovabilidade da conduta foge aos elementos básicos ou ordinários do tipo penal, considerando a vulnerabilidade social das vítimas transexuais - como já exposto ao longo deste voto -, que se submetiam àquelas condições por motivos como a rejeição de suas famílias, ausência de moradia, desejo de realizar procedimentos para mudança de gênero, entre outros. Tratava-se de vítimas especialmente passíveis de captação e abuso, o que era aproveitado para execução e perpetuação do delito.

Além disso, as circunstâncias do crime também devem ser valoradas negativamente. Com efeito, as testemunhas narraram situações de privação de liberdade, cobrança de multas excessivas e outras formas de coação para exercer controle sobre suas vidas. Saliente-se também que as ameaças narradas pelas vítimas eram de alta gravidade, também a reforçar a o alto grau de valor negativo a envolver a conduta em sua metódica de execução. Por fim, havia pluralidade de vítimas, o que também configura circunstância que aumenta a gravidade concreta e a lesividade do crime.

Ainda, o réu possui maus antecedentes, conforme certidão de ID 276502470 (condenação definitiva pela prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/06).

Não há elementos específicos que permitam valoração das consequências do crime; tampouco que possibilitem análise da personalidade ou da conduta social em geral. Os motivos do crime foram os ordinários para a figura em questão. O comportamento das vítimas não impacta no desvalor concreto da conduta.

Ponderadas essas circunstâncias, fixo a pena-base, acima do mínimo legal, no montante de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de reclusão.

2ª fase

Nesta segunda fase, não se verifica a presença de circunstâncias atenuantes.

É possível, entretanto, perceber a ocorrência da agravante prevista no artigo 61, II, “f” do Código Penal, visto que o réu prevaleceu-se de coabitação e/ou hospitalidade, já que as vítimas estavam hospedadas nas residências do grupo criminoso, o que era utilizado como meio para dificultar a livre manifestação da vontade. Muito embora não fosse o proprietário ou controlador da posse, utilizava-se conscientemente do vínculo de hospedagem que facilitava o próprio exercício contínuo da exploração ilícita.

A pena intermediária resta quantificada, portanto, em 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.

3ª fase

Não reputo a presença de causas de aumento ou de diminuição de pena, de forma que fixo a pena final pela prática em questão no quantum de 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.

 

Organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013)

1ª fase

Analisados os vetores dispostos no art. 59 do Código Penal, constata-se a existência de circunstâncias judiciais negativas no caso.

A culpabilidade, entendida para fins de dosimetria penal como reprovabilidade concreta da conduta, discrepa ao comum. Trata-se de organização criminosa estruturada para a prática de crimes de alta lesividade a direitos fundamentais das vítimas, vale dizer, para a sistemática coação de sua liberdade e espoliação econômica de atividade sexual, tendo por alvos, em especial, pessoas de especial vulnerabilidade, o que reforça substancialmente o grau de reprovação do crime, tanto pela lesão grave à moralidade objetiva consubstanciada no paradigma do respeito à dignidade humana, quanto pelos impactos gerados na vida e na liberdade das pessoas submetidas à esfera de ação da organização integrada pela ré.

As circunstâncias do crime são igualmente negativas. Com efeito, a organização criminosa integrada pela ré teve existência por amplo lapso temporal (cerca de dois anos), operando de forma contínua e altamente coesa para a consecução efetiva de uma engrenagem criminosa de extração de ganhos ilícitos gerados pelo aproveitamento do trabalho sexual de pessoas submetidas ao poder da organização.

Ainda, o réu possui maus antecedentes, conforme certidão de ID 276502470 (condenação definitiva pela prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/06).

Por outro lado, as demais circunstâncias não discrepam do usual ou inerente. Não há elementos específicos sobre as consequências do crime, exceto os impactos existenciais já mensurados na culpabilidade (como elementos integrados à própria conduta e sua reprovabilidade concreta). Os motivos são comuns ao delito. O comportamento das vítimas não acarreta alteração avaliativa do quadro. Inexistem dados bastantes à avaliação da personalidade ou da conduta social do acusado.

Por tais razões, estabeleço a pena-base acima do mínimo legal, fixando-a em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa.

2ª e 3ª fases

Inexistem agravantes ou atenuantes no caso em tela; tampouco incidem causas de aumento ou diminuição da pena. Por consequência, torno a pena definitiva no mesmo quantum de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa.

Pena final

Os crimes foram cometidos em concurso material (prática de crime distintos mediante condutas diversas), o que impõe a unificação das penas mediante soma, nos termos do artigo 69 do Código Penal.

Por consequência, fica a pena definitiva imposta em 8 (oito) anos, 11 (onze) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa.

Pena de multa

A pena de multa restou estabelecida em 15 (quinze) dias-multa em respeito ao critério trifásico da dosimetria penal.

Ausentes informações relativas à situação financeira do réu, fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

Regime inicial

O réu permaneceu preso a partir de 13/03/2019 (ID 276501121 - pg. 5) e, apesar de não haver nos autos alvará de soltura, com certeza estava em liberdade de 31/07/2019, data em que prestou termo de compromisso conforme ID 276501961. Tal período deve ser subtraído para fins de fixação do regime inicial, nos termos do artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal; mesmo computado o lapso, não há alteração do regime inicial aplicável, o qual é necessariamente o fechado, conforme comando do art. 33, § 2º, a, do Código Penal.

O regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o fechado, nos termos do artigo 33, §2º, “a”, do Código Penal.

Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

Incabível a substituição, visto que não atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal. O mesmo se constata quanto à suspensão condicional (art. 77, I a III, do Código Penal).

 

IV.e RENAN LOPES CAMARGO

Rufianismo qualificado (art. 230, §2º, do Código Penal)

1ª fase

Na primeira fase, constata-se a presença de circunstâncias judiciais negativas tal como ocorreu na dosimetria das rés anteriores, já que o modus operandi pelo qual se praticou o crime era o mesmo, com atuação concertada. Para além disso, o réu ostenta maus antecedentes.

A culpabilidade deve ser valorada de forma negativa, visto que a reprovabilidade da conduta foge aos elementos básicos ou ordinários do tipo penal, considerando a vulnerabilidade social das vítimas transexuais - como já exposto ao longo deste voto -, que se submetiam àquelas condições por motivos como a rejeição de suas famílias, ausência de moradia, desejo de realizar procedimentos para mudança de gênero, entre outros. Tratava-se de vítimas especialmente passíveis de captação e abuso, o que era aproveitado para execução e perpetuação do delito.

Além disso, as circunstâncias do crime também devem ser valoradas negativamente. Com efeito, as testemunhas narraram situações de privação de liberdade, cobrança de multas excessivas e outras formas de coação para exercer controle sobre suas vidas. Saliente-se também que as ameaças narradas pelas vítimas eram de alta gravidade, também a reforçar a o alto grau de valor negativo a envolver a conduta em sua metódica de execução. Por fim, havia pluralidade de vítimas, o que também configura circunstância que aumenta a gravidade concreta e a lesividade do crime.

Não há elementos específicos que permitam valoração das consequências do crime; tampouco que possibilitem análise da personalidade ou da conduta social em geral. O réu não possui antecedentes. Os motivos do crime foram os ordinários para a figura em questão. O comportamento das vítimas não impacta no desvalor concreto da conduta.

 Postas e mensuradas essas razões, fixo a pena-base em montante superior ao mínimo legal, qual seja, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

2ª fase

Nesta segunda fase, não se verifica a presença de circunstâncias atenuantes.

É possível, entretanto, perceber a ocorrência da agravante prevista no artigo 61, II, “f” do Código Penal, visto que a ré prevaleceu-se de coabitação e/ou hospitalidade, já que as vítimas estavam hospedadas nas residências do grupo criminoso, o que era utilizado como meio para dificultar a livre manifestação da vontade. Conquanto não fosse o proprietário ou controlador da posse, utilizava-se conscientemente do vínculo de hospedagem que facilitava o próprio exercício contínuo da exploração ilícita.

A pena intermediária resta quantificada, portanto, em 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão.

3ª fase

Não constato a presença de causas de aumento ou de diminuição de pena; por isso, torno a pena definitiva em 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão.

 

Organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013)

1ª fase

Analisados os vetores dispostos no art. 59 do Código Penal, constata-se a existência de circunstâncias judiciais negativas no caso.

A culpabilidade, entendida para fins de dosimetria penal como reprovabilidade concreta da conduta, discrepa ao comum. Trata-se de organização criminosa estruturada para a prática de crimes de alta lesividade a direitos fundamentais das vítimas, vale dizer, para a sistemática coação de sua liberdade e espoliação econômica de atividade sexual, tendo por alvos, em especial, pessoas de especial vulnerabilidade, o que reforça substancialmente o grau de reprovação do crime, tanto pela lesão grave à moralidade objetiva consubstanciada no paradigma do respeito à dignidade humana, quanto pelos impactos gerados na vida e na liberdade das pessoas submetidas à esfera de ação da organização integrada pela ré.

As circunstâncias do crime são igualmente negativas. Com efeito, a organização criminosa integrada pela ré teve existência por amplo lapso temporal (cerca de dois anos), operando de forma contínua e altamente coesa para a consecução efetiva de uma engrenagem criminosa de extração de ganhos ilícitos gerados pelo aproveitamento do trabalho sexual de pessoas submetidas ao poder da organização.

Por outro lado, as demais circunstâncias não discrepam do usual ou inerente. Não há elementos específicos sobre as consequências do crime, exceto os impactos existenciais já mensurados na culpabilidade (como elementos integrados à própria conduta e sua reprovabilidade concreta). Os motivos são comuns ao delito. O réu não comporta antecedentes. O comportamento das vítimas não acarreta alteração avaliativa do quadro. Inexistem dados bastantes à avaliação da personalidade ou da conduta social do acusado.

Por esses elementos, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão, e 13 (treze) dias-multa.

2ª e 3ª fases

Inexistem agravantes ou atenuantes no caso em tela; tampouco incidem causas de aumento ou diminuição da pena. Por consequência, torno a pena definitiva no mesmo quantum: 4 (quatro) anos de reclusão, e 13 (treze) dias-multa.

Pena final

Os crimes foram cometidos em concurso material (prática de crime distintos mediante condutas diversas), o que impõe a unificação das penas mediante soma, nos termos do artigo 69 do Código Penal.

Por consequência, fica a pena definitiva imposta no montante de 8 (oito) anos e 1 (um) mês de reclusão, e 13 (treze) dias-multa.

Pena de multa

A pena de multa restou estabelecida em 13 (treze) dias-multa, em respeito ao critério trifásico da dosimetria penal.

Ausentes informações relativas à situação financeira do réu, fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

Regime inicial

O réu ficou preso de 03/02/2020 (ID 276502295) até 27/05/2020 (ID 276502604 - pg. 7), período que deve ser subtraído da pena para fins de fixação do regime inicial, nos termos do artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal. Mesmo considerado isso, a gravidade concreta das condutas apenadas, notadamente a culpabilidade e as circunstâncias dos crimes, com várias vítimas e uso reiterado de coação física e psíquica, tudo por longo lapso temporal, faz necessária a fixação do regime inicial fechado, de modo a cumprir as essenciais finalidades preventiva e repressiva da pena, tudo nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.

Por esses fundamentos, fixo o regime inicial fechado para cumprimento da pena,  conforme o art. 33, § 3º, do Código Penal.

Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

Incabível a substituição, visto que não atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

 

V. Das penas finais.

Restam as penas finais fixadas nos termos seguintes:

 

 

 

VI. Do dispositivo.

Ante o exposto, CONHEÇO do recurso de apelação e, no mérito, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para: (a) Desclassificar a conduta de ANA PAULA OLIVEIRA BORGES, demonstrada nos autos, para prática do crime de rufianismo simples (Código Penal, art. 230, caput ), com consequente encaminhamento oportuno dos autos ao Ministério Público Federal, no que tange a essa ré, com vistas à avaliação de eventual proposta de suspensão condicional do processo; (b) condenar NICOLY CASTRO (Antonio Alenisio da Silva) pela prática do crime de rufianismo qualificado, e; (c) condenar AGDA DIAS DA SILVA, AGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA e RENAN LOPES CAMARGO pela prática, em concurso material, dos crimes de rufianismo qualificado e organização criminosa, restando as penas definitivas fixadas nos patamares acima.

 

  É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINAL. RUFIANISMO QUALIFICADO. TRÁFICO DE PESSOAS. EXPLORAÇÃO. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À ESCRAVIDÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DAS IMPUTAÇÕES. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

1. Tendo a denúncia e seu aditamento descrito suficientemente o contexto fático em seus caracteres objetivos e subjetivos, e presentes elementos iniciais sólidos e hígidos de materialidade e autoria, deve ser reconhecida a aptidão da denúncia e seu lastro probatório (justa causa para instauração de ação penal), tratando-se, os demais desenvolvimentos, de matéria atinente ao mérito.

2. Rejeitada preliminar de nulidade de interceptações telefônicas. Autorização judicial fundamentada e baseada em elementos iniciais idôneos.

2.1 Não é necessária, à validade ou à avaliação da prova, que seja feita perícia de voz a partir do teor das interceptações, mormente quanto ausente qualquer dado concreto que coloque em dúvida a autoria das comunicações.

2.2 Inexiste determinação normativa no sentido de ser necessária a degravação completa do conteúdo das interceptações, bastando a garantia de acesso integral dos arquivos à defesa, o que se deu. Questão pacífica na jurisprudência.

3. Não há pertinência nas discussões levantadas acerca de suposta quebra de cadeira de custódia. Não apenas as diligências foram feitas anteriormente à Lei 13.964/2019, como não há nenhum indicativo (ou argumento concreto) no sentido de uma eventual malversação na produção ou acondicionamento de elementos probatórios. Rejeitada a preliminar.

4. Tráfico de pessoas com finalidade de exploração sexual (Código Penal, art. 149-A, caput e inciso V). Não comprovação. Provas de materialidade insuficientes.

5. Rufianismo qualificado (Código Penal, art. 230, § 2º). Comprovação quanto a parte dos acusados. Desclassificação da conduta de uma das rés para a figura do rufianismo simples (Código Penal, art. 230, caput).

6. Redução a condição análoga à escravidão (Código Penal, art. 149). Inviabilidade de acolhimento no contexto concreto, sob pena de bin in idem. A redução a condições análogas à escravidão, para ocorrer em concreto, teria que advir de condutas e situações que, ainda que coligadas ou relacionadas faticamente a isso, expressassem alguma objetividade própria, irredutível ao exato escopo lesivo que caracteriza o rufianismo qualificado. Não se confunda isso com a ocorrência de concurso formal. Neste, há um mesmo ato (simples ou complexo) que gera dois resultados distintos, duas objetividades lesivas identificáveis e independentes entre si. Diversamente, no bis in idem, há dupla punição por uma mesma lesividade, uma mesma ação, guiada por uma só finalidade. É o que ocorreria aqui se aceita a tese ministerial à luz do quadro fático provado nesta ação, o que o ordenamento pátrio veda.

7. Organização criminosa (Lei 12.850/13, art. 2º). Comprovação de materialidade e autoria com relação a quatro acusados.

8. Recurso ministerial acolhido em parte.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu CONHECER do recurso de apelação e, no mérito, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para: (a) Desclassificar a conduta de ANA PAULA OLIVEIRA BORGES, demonstrada nos autos, para prática do crime de rufianismo simples (Código Penal, art. 230, caput ), com consequente encaminhamento oportuno dos autos ao Ministério Público Federal, no que tange a essa ré, com vistas à avaliação de eventual proposta de suspensão condicional do processo; (b) condenar NICOLY CASTRO (Antonio Alenisio da Silva) pela prática do crime de rufianismo qualificado, e; (c) condenar AGDA DIAS DA SILVA, AGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA, ARTUR PEREIRA CERQUEIRA e RENAN LOPES CAMARGO pela prática, em concurso material, dos crimes de rufianismo qualificado e organização criminosa, restando as penas definitivas fixadas nos termos seguintes: Para NICOLY CASTRO (ANTONIO ALENISIO DA SILVA): 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado; Para AGDA DIAS DA SILVA: 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 15 (quinze) dias-multa; Para AGATHA VITÓRIA DIAS DA SILVA: 8 (oit0) anos e 1 (um) mês de reclusão, em regime inicial fechado, e 13 (treze) dias-multa; Para ARTUR PEREIRA CERQUEIRA: 8 (oito) anos, 11 (onze) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 15 (quinze) dias-multa; Para RENAN LOPES CAMARGO: 8 (oito) anos e 1 (um) mês de reclusão, em regime inicial fechado, e 13 (treze) dias-multa; , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
JOSE LUNARDELLI
DESEMBARGADOR FEDERAL