Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5009272-81.2022.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ANDRE DE SOUZA MARTINO

Advogado do(a) APELANTE: WILSON CARLOS DE GODOY - MS4686-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5009272-81.2022.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ANDRE DE SOUZA MARTINO

Advogado do(a) APELANTE: WILSON CARLOS DE GODOY - MS4686-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa de ANDRÉ DE SOUZA MARTINO, o qual foi denunciado pela prática do crime tipificado no artigo 334-A, caput e §1º, incisos I e II, do Código Penal.

Narra a denúncia (ID 290202473):

 

"II.I. Conduta da pessoa denunciada

A pessoa denunciada, livre e conscientemente:

Adquiriu, transportou e possuía cigarro de procedência estrangeira em infração às medidas de controle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo desse tipo de produto. Também, em infração às medidas de controle e fiscalização sanitária para importação e distribuição dessa espécie de mercadoria.

De acordo com a Secretaria da Receita Federal do Brasil: Foram apreendidos 3.500 (três mil e quinhentos) maços de cigarro da marca HILLS, de fabricação paraguaia.

Os cigarros apreendidos foram avaliados em R$ 17.500,00.

Cumpre ser mencionado que:

Cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, por envolverem risco à saúde pública, são produtos submetidos ao controle e à fiscalização sanitária pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (artigo 8º, caput e § 1º, inciso X, da Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999).

Os cigarros apreendidos são produtos fumígeros, cuja importação e distribuição devem se encontrar previamente autorizados pela ANVISA (artigo 7º, VII e VIII, da Lei n. 9.782/1999; Resolução da Diretoria Colegiada - RDC n. 226, de 30 de abril de 2018).

II.II. Descoberta dos fatos

Os fatos foram descobertos em 13/12/2021, por volta das 23h45min, no km 410 da rodovia BR-060 - UOP PRF, em Sidrolândia/MS, por ocasião de fiscalização de rotina. A pessoa denunciada conduzia o seguinte veículo: marca GM, modelo CELTA 2P LIFE, ano 2009/2010, cor preta, placas HTN9249, de Campo Grande/MS, de propriedade de Jose Batista da Fonseca Filho (doc. 2.1, pág. 6) e/ou Swellen Pereira Correa (doc. 2.1, pág. 14).

Nesse veículo, transportava as mercadorias importadas irregularmente (12 unidades de pneus, 2 garrafas de uísques Red Label, 500 escovas de cabelo, 1 uísque Jack Daniels e 100 kg de calças) e cigarros de procedência estrangeira (3.500 maços da marca Hills).

Ao ser indagado sobre a origem e o destino de sua viagem, afirmou estar vindo de Ponta Porã/MS com destino a Campo Grande.

Durante a abordagem, os policiais observaram que o veículo estava com os bancos traseiros e dianteiro do passageiro repleto de caixas cobertas por um pano preto. Indagado, relatou que havia roupas, pneus e aproximadamente 4 caixas de cigarros de origem estrangeira.

Foi constatado, também, que o denunciado estava inabilitado para direção veicular, uma vez que não possuía CNH.

Ao que consta de procedimentos no PJe, 5007100-69.2022.4.03.6000 (fato anterior, excepcionalmente arquivado pelo denominado princípio da insignificância) e 5004432-28.2022.4.03.6000 (fato posterior, 09/05/2022), o denunciado reiteradamente se vale de veículos automotores para a prática de infrações aduaneiras.

II.III. Evidências dos fatos São evidências dos fatos: Representação Fiscal para Fins Penais - Processo de Representação n. 19715.722946/2021-35, da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Doc. 2.1.

BO nº 2289080211213234519. Doc. 2.1, p. 13. Contendo fotografias da documentação então apresentada pelo denunciado aos policiais.

Cumpre pontuar que, nos crimes de contrabando de cigarros e/ou descaminho, o exame indireto levado a efeito pela Receita Federal do Brasil é suficiente para a caracterização da materialidade delitiva. Com efeito, o laudo merceológico de bens não é indispensável à comprovação da materialidade dos crimes aduaneiros, do valor das mercadorias ou do valor dos tributos devidos. A Receita Federal do Brasil é órgão responsável pelo controle e repressão do ingresso irregular de mercadorias estrangeiras no território brasileiro, possuindo seus agentes aptidão técnica para diagnosticar se as mercadorias apreendidas são efetivamente de origem estrangeira e instrumentos hábeis para mensurar o seu valor. Vide: STJ - AgRg no AREsp 1.291.992, 6ª T; e AgRg no AREsp 1.538.752, 5ª T

 

A denúncia foi recebida em 11 de novembro de 2022 (ID 290202479).

Em audiência realizada (ID 280522700), o ANPP já oferecido e assinado anteriormente (ID 279052955), foi homologado pelo Juízo em 30/03/2023.

Diante do descumprimento das condições estipuladas, o ANPP foi rescindido (ID 295826977), com o regular andamento do feito (ID 296221266).

Após o regular processamento do feito, o juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande/MS, proferiu a r. sentença de ID 290203131, que julgou procedente a pretensão punitiva, para condenar ANDRÉ DE SOUZA MARTINO pela prática do crime tipificado no artigo 334-A, caput e § 1º, I e II, do Código Penal, c.c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei n. 399/1968, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicialmente aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e (i) prestação pecuniária no valor de 02 (dois) salários-mínimos.

A sentença foi publicada em 01 de março de 2024 (ID 290203131).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação (ID 290203135), em cujas razões recursais (ID 290203148), postula, em síntese, a incidência do princípio da insignificância, a redução da pena de prestação pecuniária, e o afastamento da inabilitação para dirigir.

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões, pelo desprovimento do recurso defensivo (ID 290203155).

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República ofereceu parecer pelo desprovimento do apelo (ID 290976991).

É o relatório.

À revisão.

 

 

 

 

 

 


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11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5009272-81.2022.4.03.6000

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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

O apelante foi condenado à pena privativa de liberdade de 2 anos de reclusão, em regime inicialmente aberto, pela prática do crime tipificado no artigo 334-A, caput e § 1º, I e II, do Código Penal, c.c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei n. 399/1968.

 

Irresignada com a condenação, a defesa interpôs recurso de apelação (ID 290203135). Em razões recursais (ID 290203148), postula, em síntese:

 

“Seja revista a decretação da inabilitação para dirigir por ausência de motivação da decisão, conforme preceitua o parágrafo único do artigo 92 do Código Penal.

Seja reduzido o valor da prestação pecuniária arbitrada em 2 salários-mínimos para um salário mínimo, posto que não pode o juiz simplesmente presumir a capacidade financeira do Apelante.

O Apelante pugna pelo reconhecimento do princípio da bagatela, em razão da pouca quantidade de cigarros apreendidos, 3.500 maços, cujos pacotes contem 10 maços e cada caixa possui 60 pacotes, dando um total de 5,8 caixas.”

 

Da inaplicabilidade do princípio da insignificância

A defesa do réu postula a incidência do princípio da insignificância ao caso em apreço.

Segundo o princípio da intervenção mínima, o Direito Penal apresenta-se como último instrumento de controle social ("ultima ratio"), devendo o Estado, sempre que existirem instrumentos menos gravosos para assegurar a paz social, prioritariamente recorrer a eles, evitando-se o emprego da pena criminal, que atinge mais intensamente a liberdade individual, que é um dos bens mais preciosos do ser humano. Daí falar-se em caráter subsidiário do Direito Penal, que deve atuar tão-somente em face de fatos que causem grave lesão ou perigo de lesão aos bens jurídicos por ele tutelados.

Com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação dos Tribunais Superiores no sentido de que a introdução de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados da documentação comprobatória da regular importação, configura crime de contrabando, tendo em vista que se cuida de mercadoria de proibição relativa, envolvendo o bem jurídico tutelado, sobremaneira, o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e a segurança públicas.

Atualmente, o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação.

Assim definiu o C. STJ, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1143, conforme ementa a seguir colacionada:

 

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONTRABANDO DE CIGARROS. SAÚDE PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE RESTRITA (APREENSÃO DE ATÉ 1.000 MAÇOS), SALVO REITERAÇÃO. DIMINUTA REPROVABILIDADE DA CONDUTA E NECESSIDADE DE SE CONFERIR PRIMAZIA À REPRESSÃO AO CONTRABANDO DE VULTO. MODULAÇÃO DE EFEITOS. NOVEL ORIENTAÇÃO APLICÁVEL AOS FEITOS AINDA EM CURSO QUANDO DO ENCERRAMENTO DO JULGAMENTO.

1. O crime de contrabando de cigarros tutela, entre outros bens jurídicos, a saúde pública, circunstância apta a não recomendar a aplicação do princípio da insignificância.

2. Obstar a aplicação do princípio da insignificância para todos os casos, notadamente para aqueles em que verificada a apreensão de quantidade de até 1.000 (mil) maços, é uma medida ineficaz à luz dos dados estatísticos apresentados, além do que não é razoável do ponto de vista de política criminal e de gestão de recursos dos entes estatais encarregados da persecução penal, razão pela qual se revela adequado admitir a incidência do princípio em comento para essa hipótese - apreensão de até 1.000 (mil) maços -, salvo reiteração da conduta, circunstância que, caso verificada, é apta a afastar a atipicidade material, ante a maior reprovabilidade da conduta e periculosidade social da ação.

3. Modulado os efeitos do julgado, de modo que a tese deve ser aplicada apenas aos feitos ainda em curso na data em que encerrado o julgamento, sendo inaplicáveis aos processos com trânsito em julgado, notadamente considerando os fundamentos que justificaram a alteração jurisprudencial no caso e a impossibilidade de rescisão de coisa julgada calcada em mera modificação de orientação jurisprudencial.

4. Recurso especial desprovido. Acolhida a seguinte tese: O princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação.

(REsp nº 1.971.993-SP, Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SESSÃO, JULGADO EM 13/09/2023)” Negritei.

 

In casu, verifica-se por meio da Relação de Mercadorias com Demonstrativo de Créditos Tributários Evadidos (ID 268136159, p. 13) que o réu ANDRÉ transportava 3.500 (três mil e quinhentos) maços de cigarro de marca Hills, de origem paraguaia, não sendo esta quantia passível de aplicação do princípio da bagatela.

Inaplicável, portanto, o princípio da insignificância.

 

Do mérito

Não houve impugnação específica quanto à materialidade e autoria delitivas nem quanto ao dolo.

Ademais, conforme bem fundamentou a sentença apelada, a materialidade e autoria restaram comprovadas pelas seguintes provas: a) Representação Fiscal para Fins Penais nº 0100100-66825/2022 (ID 268136159, p. 9-11); b) Relação de Mercadorias com Demonstrativo de Créditos Tributários Evadidos (ID 268136159, p. 13); c) Boletim de Ocorrência da PRF nº 2289080211213234519 (ID 268136159, p. 17-23); d) Relação de Mercadorias nº 0140100-189794/2021 (ID 268136159, p. 25) - Contendo fotos do veículo carregado com as mercadorias; e) Confissão espontânea do réu em sede de audiência de instrução e julgamento; f) Depoimento dos policiais que participaram da abordagem do réu ANDRÉ.

O apelante tinha total conhecimento da ilicitude de sua conduta, conforme se extrai de sua confissão, em interrogatório judicial (ID 290203122).

Os depoimentos das testemunhas também confirmam os fatos narrados na denúncia, conforme de depreende in verbis (ID 290203131):

 

Em 21/11/2023 foi realizada a audiência de instrução (ID 307486712), oportunidade em que foram ouvidas as testemunhas ISRAEL CELESTINO PINHEIRO e ALEXANDRE ALVES DOS SANTOS, bem como realizado o interrogatório do réu ANDRÉ DE SOUZA MARTINO.

Em seu depoimento testemunhal (ID 307495030), ISRAEL CELESTINO PINHEIRO, policial rodoviário federal, asseverou que se recorda da abordagem e do indivíduo abordado, informando que estava em fiscalização com o colegas SOUZA BRAGA e ALVES quando realizaram a abordagem do veículo Celta de cor preta e requisitaram ao condutor do veículo a documentação, sendo informado pelo mesmo que não havia habilitação,  ensejando na busca minuciosa no veículo que possibilitou encontrar diversas mercadorias do Paraguai (pneus em "bola") , bem como cigarros estrangeiros (4 caixas), todos cobertos por um pano preto, os quais foi informado serem oriundos da fronteira do Paraguai e com destino a Campo Grande.

Em seu depoimento testemunhal (ID 307495032), ALEXANDRE ALVES DOS SANTOS, policial rodoviário federal, asseverou que se recorda dos fatos narrados na denúncia, ao que indicou que o veículo Celta de cor preta foi abordado na circunscrição da unidade operacional de Sidrolândia no sentido Campo Grande. Durante entrevista, informa o policial que foi possível observar que o veícula estava cheio de mercadorias, dentre as quais algumas roupas, pneus e cigarros contrabandeados; que o condutor informou estar vindo de Ponta Porã.

Em seu interrogatório, o réu ANDRÉ DE SOUZA MARTINO (ID 307497961) ratificou os fatos narrados na denúncia, aduzindo que recebeu os cigarros na fronteira com o Paraguai e iria revendê-los quando na ausência de serviços de jardinagem, ofício do réu; que realizava a venda de porta em porta; que pagou R$ 410,00 (quatrocentos e dez reais) em cada caixa, tendo trazido 3 (três); que o restante das mercadorias iriam ser entregues no camelódromo, produtos de frete.

 

Por tais razões, fica mantida a condenação de ANDRÉ DE SOUZA MARTINO pela prática dos crimes previstos no artigo 334-A, caput e § 1º, I e II, do Código Penal, c.c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei n. 399/1968

 

Da dosimetria

 

Não houve impugnação quanto à dosimetria da pena, que fica mantida, inclusive porque fixada no mínimo legal, no regime inicial aberto, conforme se depreende in verbis (ID 290203131):

 

“DOSIMETRIA – ANDRÉ DE SOUZA MARTINO

Do crime de contrabando – art. 334-A do Código Penal.

Circunstâncias judiciais – artigo 59 do CP: na primeira fase de fixação da pena serão analisadas as circunstâncias judiciais aplicáveis ao caso, as quais nortearão a individualização da pena e a fixação da pena-base, quais sejam: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias, consequências do crime e comportamento da vítima.

Pela análise dos parâmetros legais supracitados, não se vislumbra a existência de elementos que ensejem a exasperação da pena nesta etapa da dosimetria.

Portanto, fixo a pena-base em 2 anos de reclusão.

Circunstâncias agravantes e atenuantes: reconheço a atenuante de confissão espontânea, prosseguindo à manutenção da pena intermediária em 2 anos de reclusão diante da impossibilidade de se reduzi-la aquém do mínimo legal.

Causas de aumento e de diminuição: ausentes as causas de aumento e de diminuição da pena, pelo que entendo finalizada a dosimetria do delito ora mencionado, restando fixada a pena em 2 anos de reclusão.

Demais considerações.

Fixo o regime inicial aberto para início de cumprimento da pena, nos termos do artigo 33 do Código Penal.

Inaplicável à hipótese o disposto no artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, pois não houve prisão cautelar.

Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, visto encontrarem-se presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

Dessa forma, nos termos do art. 44, § 2º do CP, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46 do CP) e prestação pecuniária (45, § 1º, do CP), que fixo em 02 (dois) salários-mínimos; as quais serão cumpridas nos termos legais, conforme deliberação do juízo da execução.

 

Do pedido de redução do valor da pena de prestação pecuniária

Postula a defesa “seja reduzido o valor da prestação pecuniária arbitrada em 2 salários-mínimos para um salário mínimo, posto que não pode o juiz simplesmente presumir a capacidade financeira do Apelante”.

Assistindo ao interrogatório judicial do apelante (ID 290203122), verifico que este possui a profissão de jardineiro autônomo, que não completou o ensino médio, e tem uma renda variável, em torno de R$ 1.900,00, por mês.

Por tais razões, entendo que deve ser reduzida a pena de prestação pecuniária para o valor de 01 (um) salário mínimo, por ser mais compatível com a capacidade financeira do apelante e suficiente para a prevenção e repressão do crime no caso concreto.

 

Da inabilitação para dirigir veículos

A defesa requer o afastamento da inabilitação para dirigir veículo.

O artigo 92 do Código Penal é claro ao dispor sobre os efeitos da condenação:

 

"Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

II - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença." (grifo nosso)

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem firme jurisprudência no sentido de que esse efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada, de forma concreta, a imprescindibilidade dessa medida. A título exemplificativo:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. AFASTAMENTO. DESCAMINHO. HABITUALIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. ART. 92, INCISO III, DO CP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA ACESSÓRIA AFASTADA.
1. Efetivamente impugnados os fundamentos da decisão de inadmissão do recurso especial, o agravo merece ser conhecido, em ordem a que se evolua para o mérito.
2. A habitualidade delitiva afasta a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, sobretudo na hipótese de multiplicidade de procedimentos administrativos, como na espécie.
Precedentes.
3. O entendimento do acórdão, de que a aplicação da penalidade prevista no art. 92, III, do CP "exige apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso", diverge da jurisprudência desta Corte, firmada na compreensão de que a aplicação da pena acessória de inabilitação para dirigir veículo ao crime de descaminho exige, além da constatação de que o veículo tenha sido utilizado para a prática do delito, a demonstração da necessidade da medida no caso concreto, sobretudo por não se tratar de efeito automático da condenação.
4. Agravo regimental parcialmente provido, para afastar a penalidade prevista no art. 92, III, do CP.
(AgRg no AREsp nº 2.078.176/SP, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, j. 02.8.2022, DJe 05.08.2022)

 

No caso dos autos, o Juízo a quo demonstrou de maneira fundamentada a imprescindibilidade da medida, em razão da reiteração delitiva do apelante, conforme se depreende in verbis:

 

O efeito extrapenal contido no art. 92, III, do CP, consistente na inabilitação para conduzir veículo, demanda fundamentação específica. No caso concreto, verifico a reiteração delitiva de ANDRÉ evidenciada pela Relação de Correlatos (ID 268136159, p. 60-61), haja vista a quantidade não desimportante de procedimentos em seu desfavor, critério em que peso pela sua inabilitação para dirigir veículo automotor; sem prejuízo, em razão da independência de instâncias, da aplicação do art. 278-A do CTB por parte da autoridade administrativa de trânsito.

Nesse sentido:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGOS 334-A, CAPUT, § 1º, INCISO I, E 334, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. DESCAMINHO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR.ARTIGO 278-A DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO.

1. A norma contida no artigo 278-A, do Código de Trânsito Brasileiro se destina aos órgãos administrativos responsáveis pela emissão e registro de habilitação para dirigir veículos, de modo que não equivale à pena de inabilitação prevista na legislação penal.

2. O direito ao trabalho e ao exercício de profissão não são absolutos e podem sofrer restrições legais, contudo devem ser proporcionais e razoáveis, o que não ocorre quando o agente não se vale da profissão e/ou de sua habilitação para dirigir veículo para praticar crimes de forma reiterada. 3. Apelação da defesa provida.

(TRF-3 - ApCrim: 50108058020194036000 MS, Relator: Desembargador Federal LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS, Data de Julgamento: 19/10/2022, 5ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 21/10/2022). Negritei.

 

Por tais razões, mantenho a aplicação da pena de inabilitação para dirigir veículo ao réu, que deverá perdurar até o cumprimento integral da pena privativa de liberdade.

No mais, fica mantida a sentença recorrida.

Dispositivo

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da defesa, apenas para reduzir o valor da prestação pecuniária para 01 (um) salário mínimo.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334-A, § 1º, I E IV, DO CÓDIGO PENAL, C.C. ARTIGOS 1º E 2º DO DECRETO-LEI Nº 399/68. CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. QUANTIDADE DE CIGARROS. MATERIALIDADE. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. MANTIDA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO. REDUZIDO O VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR MANTIDA. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O apelante foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 334-A, caput e § 1º, I e II, do Código Penal, c.c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei n. 399/1968.

2. Não houve impugnação quanto a materialidade, autoria e dolo, inclusive porque devidamente comprovadas pelas seguintes provas: a) Representação Fiscal para Fins Penais nº 0100100-66825/2022; b) Relação de Mercadorias com Demonstrativo de Créditos Tributários Evadidos; c) Boletim de Ocorrência da PRF nº 2289080211213234519; d) Relação de Mercadorias nº 0140100-189794/2021 contendo fotos do veículo carregado com as mercadorias; e) Confissão espontânea do réu em sede de audiência de instrução e julgamento; f) Depoimento dos policiais que participaram da sua abordagem.

3. Atualmente, o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação (Julgado do C. STJ - Tema Repetitivo nº 1143). No caso, verifica-se por meio da Relação de Mercadorias com Demonstrativo de Créditos Tributários Evadidos que o réu transportava 3.500 (três mil e quinhentos) maços de cigarro de marca Hills, de origem paraguaia, não sendo esta quantia passível de aplicação do princípio da bagatela. Inaplicável, portanto, o princípio da insignificância.

4. Pena de prestação pecuniária. Acolhido o pleito da defesa para reduzir o valor para o valor de 01 (um) salário mínimo, por ser mais compatível com a capacidade financeira do réu e suficiente para a prevenção e repressão do crime no caso concreto.

5. Da inabilitação para dirigir veículos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem firme jurisprudência no sentido de que esse efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada, de forma concreta, a imprescindibilidade dessa medida. No caso dos autos, o Juízo a quo demonstrou de maneira fundamentada a imprescindibilidade da medida, em razão da reiteração delitiva do apelante. Mantida a aplicação da pena de inabilitação para dirigir veículos.

6. Apelação da defesa parcialmente provida, apenas para reduzir o valor da prestação pecuniária para 01 (um) salário mínimo.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da defesa, apenas para reduzir o valor da prestação pecuniária para 01 (um) salário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
JOSE LUNARDELLI
DESEMBARGADOR FEDERAL