Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002478-69.2014.4.03.6143

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: VALMIR COSTA

Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ PEREIRA - SP286027-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: CLARO S/A
 

ADVOGADO do(a) ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: CAMILLA DO VALE JIMENE - SP222815-A
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: ALEX SILVA DOS SANTOS - SP256794-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002478-69.2014.4.03.6143

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: VALMIR COSTA

Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ PEREIRA - SP286027-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: CLARO S/A
 

ADVOGADO do(a) ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: CAMILLA DO VALE JIMENE - SP222815-A
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: ALEX SILVA DOS SANTOS - SP256794-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de apelação criminal interposta por VALMIR COSTA em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Limeira/SP, que o condenou pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/97.

Narra a denúncia (ID 285552161 – pag. 3/18):

 

“Desde pelo menos janeiro de 2013 até 13 de agosto de2014, por volta das 6 horas e 40 minutos, Valmir Costa, por vontade livre e consciente, em concurso de agentes, desenvolveu clandestinamente atividades de telecomunicação de caráter transnacional, com dano a terceiro, na cidade de Mogi Guaçu (SP), retransmitindo sinais de televisão por assinatura da empresa CLARO TV por meio de receptores não homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), incorrendo assim nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, combinado com os artigos 29 e 71 do Código Penal.

No mesmo período de pelo menos janeiro de 2013 até 13 de agosto de 2014, por volta das 6 horas e 40 minutos, Valmir Costa, por vontade livre e consciente, integrou organização criminosa transnacional, associando-se a pelo menos dez outras pessoas, de forma estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter vantagem financeira, para a prática da infração penal retromencionada, incorrendo assim nas penas do artigo 2º, parágrafo 4º, inciso V, da Lei nº 12.850/13.

Elizabete Cristíria Costa Servilheri, por sua vez, até o início de 2013 e em 25 de julho de 2014 ou data posterior, de vontade livre e consciente, em concurso de agentes, concorreu para as atividades clandestinas de telecomunicação de seu tio Valmir Costa, fornecendo a ele pontos de acesso, incorrendo assim nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, combinado com os artigos 29 e 71 do Código Penal.

Ângelo Donizete Servilheri, em meados de 2013, de vontade livre e consciente, em concurso de agentes, concorreu para as atividades clandestinas de telecomunicação de Valmir Costa, tio de sua esposa, fornecendo a ele pontos de acesso, incorrendo assim nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, combinado com os artigos 29 e 71 do Código Penal.

João Alcindo Porto Polito, por sua vez, adquiriu, por volta de fevereiro de 2014, em proveito próprio, um receptor de sinal de televisão que sabe ser produto de crime, incorrendo assim nas penas do artigo 180 do Código Penal.

II.HISTÓRICO DOS FATOS RELEVANTES

Na manhã de 13 de agosto de 2014, policiais civis e promotores de justiça de Mogi Guaçu (SP), acompanhados por um engenheiro eletrônico, amparados por mandado de busca e apreensão expedido nos Autos nº 12/14 da Vara Criminal da Comarca de Mogi Guaçu (fls. 44-45), diligenciaram nos imóveis de nº 120 e nº 50 da Rua Basílio Monteiro, naquela cidade, e encontraram diversos equipamentos que eram utilizados na retransmissão de sinais de televisão por assinatura da empresa CLARO TV, incluindo, no imóvel de número 120, três receptores de sinal ‘Azbox’ não homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), cada um contendo um cartão de assinatura válido, além de um computador, e, no imóvel de número 50, uma central de disseminação de chaves, composta por mais de 193 (cento e noventa e três) receptores ‘Azbox’ não homologados ligados à internet e a antenas lá instaladas, em número de seis, além de cartões de assinatura válidos e seis computadores (fls. 3-4, 6-7 e 11-17), resultando na apreensão de tudo (fl. 18-28). Valmir Costa, que se encontrava no imóvel de número 120, foi conduzido ao plantão policial (fls. 3-4, 6-7 e 11-17). Foram igualmente realizadas, na mesma data, buscas em casas de clientes de Valmir, entre eles João Alcindo Porto Polito (domiciliado na Rua São Sebastião da Grama, n. 325, em Mogi Guaçu, o qual cerca de seis meses antes adquirira um receptor ilícito) e Nelson Servilheri (domiciliado na Avenida Suécia, nº 2.307, também em Mogi Guaçu, pai de Angelo Donizete Servilheri e sogro de Elizabete Cristina Costa Servilheri, em nome dos quais foram emitidos os boletos de fls. 60-64, com vencimento nos meses de fevereiro a setembro de 2013), sendo inquiridos alguns deles, assim como os policiais que participaram das diligências, efetuando-se a apreensão de equipamentos e boletos (fls. 46-67, 74-78, 83. 87-90 e 92).

0 apuratório foi relatado e enviado a esse Juízo (fis. 94-97 e 99). Vieram aos autos os laudos e informações técnicas de fls. 246-253, 283-290, 317-347, 406-420, 469-487, 525-531, 612-618. 627-732 e 842- 885.

III. DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DELIMAS A materialidade delitiva está comprovada pelo auto de prisão em flagrante de fls. 2-9, pelo boletim de ocorrência de fls. 11-17, pelo auto de exibição e apreensão de fls. 18-28, pelos boletos de fis. 60-64, pelos laudos e informações técnicas de fls. 246-253, 283-290, 317-347, 406-420, 462-467, 469- 487, 525-531, 612-618, 627-732 e 842-885 e pelas próprias declarações dos denunciados (fls. 8-9 e 65), as quais ainda demonstram a autoria e a habitualidade da atividade clandestina.

[...] IV. CONCLUSÃO Diante do exposto, o Ministério Público Federal denuncia: a) Valmir Costa como incurso nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, combinado com os artigos 29 e 71 do Código Penal, e também nas sanções do artigo 2º, parágrafo 4º, inciso V, da Lei nº 12.850/13, concurso material (artigo 69 do Código Penal); b) Elizabete Cristina Costa Servilheri como incursa nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, combinado com os artigos 29 e 71 do Código Penal; c) Ângelo Donizete Servilheri também como incurso nas penas do artigo 183 da lei nº 9.472/97, combinado com os artigos 29 e 71 do Código Penal; e d) João Alcindo Porto Polito como incurso nas penas do artigo 180 do Código Penal”.

 

Denúncia recebida em 28/08/2019 (ID 285552161 – pag. 19/20).

Após regular instrução, o Juízo da 1ª Vara Federal de Limeira proferiu a sentença ID 285553089, publicada em 14/07/2023, por meio da qual:

i) absolveu JOÃO ALCINDO PORTO POLITO com fundamento no art. 386, IV do CPP;

ii) desmembrou o processo em relação aos acusados ELIZABETE CRISTINA COSTA SERVILHERI e ÂNGELO DONIZETE SERVILHERI para que o MPF se manifeste sobre a possibilidade de oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95), por força da emendatio libelli promovida na sentença, recapitulando as condutas dos acusados no tipo penal do art. 171 do CP;

iii) condenou VALMIR COSTA pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/97, à pena de 3 anos de detenção, em regime inicial aberto, além de multa no valor de R$10.000,00. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 04 salários mínimos, em favor de entidade a ser designada pelo Juízo da Execução. Na sentença, foi decretada a perda dos equipamentos e objetos apreendidos nos autos, conforme art. 184, III da Lei 9.472/97. Por fim, o réu foi condenado ao pagamento das custas processuais.

A defesa de VALMIR COSTA interpôs apelação (ID 285553092). Pleiteia a liberação dos bens apreendidos que não foram utilizados para a prática delitiva (02 controles remotos; 02 televisores, marca LG, 32 polegadas; 01 câmera webcam de vídeo de informática marca KNOP; 01 computador CPU POSITIVO; 06 computadores CPU de marcas variadas; 04 monitores LCD de vídeo de marcas variadas; 05 mouses de computador de marcas variadas; 02 pen drives scandisk; 11 adaptadores wi-fi para computadores; 06 switchs de informática; 03 roteadores de informática; 01 roteador thomson; 02 pen drives de informática; 01 tablet da marca Genesis; 05 teclados para computador; 04 fontes de computador; 02 telefones celulares, sendo 01 da marca SAMSUNG e 01 da marca MULTILASER, além de R$14.000,00). Alega que na sentença não foi decretado expressamente o perdimento da quantia em dinheiro. Pede, ainda, a substituição da pena de prestação de serviços à comunidade por outra pena restritiva de direitos, uma vez que o réu sofre de doença degenerativa na coluna (ID 285553109).

Contrarrazões oferecidas pela assistente de acusação Claro S/A e pelo MPF, pelo desprovimento do recurso (ID 286746453 e 286524065).

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo não provimento da apelação (ID 286961010).

É o relatório.

À revisão.

 

 


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11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002478-69.2014.4.03.6143

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: VALMIR COSTA

Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ PEREIRA - SP286027-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: CLARO S/A
 

ADVOGADO do(a) ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: CAMILLA DO VALE JIMENE - SP222815-A
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: ALEX SILVA DOS SANTOS - SP256794-A

 

 

 

V O T O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação interposta por VALMIR COSTA.

Dos fatos

O Ministério Público Federal imputou a VALMIR COSTA a prática dos crimes previstos no art. 183 da Lei 9.472/97 e art. 2º, §4º, V da Lei 12.850/13.

VALMIR COSTA foi condenado pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/97 por desenvolver atividade clandestina de telecomunicações em imóveis situados na Rua Basílio Monteiro, nº 120 e nº 50, no município de Mogi Guaçu/SP, retransmitindo sinais de televisão por assinatura da empresa CLARO TV por meio de receptores não homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

Os equipamentos e objetos utilizados no desemprenho da atividade ilícita foram apreendidos durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido nos autos nº 12/14 pelo Juízo da Vara Criminal na Comarca de Mogi Guaçu.

No tocante ao crime de organização criminosa, constou da sentença que não restaram demonstradas a materialidade delitiva nem a autoria, conforme fundamentação a seguir:

 

“No que pertine ao crime do artigo 2º, § 4º, V, da Lei nº 12.850/2013, não verifico sua materialidade nem a autoria imputada ao acusado Valmir. De acordo com o artigo 1º, § 1º, da mesma lei, organização criminosa é qualificada como a associação de quatro ou mais pessoas “estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. A partir dessa definição, não concluo que o réu tenha efetivamente se associado a outras pessoas com o intuito de praticar o delito do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997. A organização criminosa é, grosso modo, comparável a uma sociedade empresária, o que significa dizer que se trata de uma instituição não só com divisão de tarefas e ordenada estruturalmente, mas também com hierarquia, isto é, com graus de poder e comando. Pelo que foi apurado durante as investigações e foi confirmado na instrução probatória, o acusado realmente mantinha contato com pessoas, inclusive radicadas em outros países, para executar seus serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura, porém não se verificou que entre ele e esses sujeitos havia integração irmanada numa estrutura operacional única e subordinada a um mesmo comando. O que se tem é uma espécie de rede colaborativa, em que várias pessoas se ajudam pela internet com o escopo de perpetrar o tipo de fraude cometida pelo réu, além de haver “prestadores de serviço” aos quais ele precisava recorrer – donos de satélites piratas, vendedores de receptores não homologados, etc. A dinâmica fática, portanto, assemelha-se mais a um ramo de mercado ilícito com vários atores do que a uma grande organização criminosa que tudo controla e à qual todos estão subordinados”.

 

A defesa de VALMIR COSTA apelou objetivando a restituição de bens e numerário apreendidos que não teriam relação com a atividade clandestina de telecomunicações. Pleiteia, ainda, a modificação da pena de prestação de serviços à comunidade por outra pena restritiva de direitos, considerando o estado de saúde do réu.

Do pedido de restituição de bens apreendidos

O Juízo a quo decretou a perda dos bens apreendidos, com fundamento no art. 184, II da Lei 9.472/97. Extrai-se da sentença:

 

“Decreto a perda dos equipamentos e objetos apreendidos na busca e apreensão feita em desfavor de VALMIR COSTA, nos termos do artigo 184, II, da Lei nº 9.472/1997”.

 

Como se observa, o decreto de perda de bens incluiu os equipamentos e também todos os outros objetos apreendidos durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão, inclusive o numerário.

O art. 184 da Lei 9.472/97 dispõe:

 

“Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar”.

 

Pois bem.

O mandado de busca e apreensão foi cumprido em dois imóveis situados na Rua Basílio Monteiro, nº 120 e nº 50, no município de Mogi Guaçu/SP, onde foram encontrados diversos equipamentos de propriedade do apelante, destinados ao desenvolvimento da atividade clandestina de telecomunicações.

Ainda que alguns objetos não se destinem exclusivamente ao exercício de atividade de telecomunicações, está demonstrado que todos os bens apreendidos foram empregados na atividade clandestina exercida pelo réu no imóvel de nº 50, onde existia uma complexa estrutura destinada à retransmissão de sinal de TV por assinatura da empresa Claro S/A, através de receptores não homologados pela ANATEL. A “Central de Chaves” em funcionamento no referido endereço foi criada para prover a tecnologia existente em smartcards oficiais aos receptores não originais. De acordo com a perícia “(…) para o funcionamento de uma Central de Chaves é necessária a utilização dos smartcards e provavelmente também dos receptores originais fornecidos pela operadora do serviço de transmissão de TV. Por essa razão o grupo responsável pela Central precisava aliciar pessoas para que fizessem assinaturas de sinal de TV. O aliciado fazia a assinatura solicitando o maior número de pontos de acesso permitido uma vez que para cada ponto de acesso a operadora fornece um aparelho decodificador e um smartcard. Os aparelhos seriam entregues a uma pessoa do grupo sendo que o aliciado ou retinha um dos aparelhos para uso próprio ou recebia um aparelho alternativo da marca AZBOX para ter acesso aos canais de TV. A assinatura era integralmente paga pelo grupo responsável pela Central”.

Merece destaque o fato de que no referido imóvel não foram identificados sinais de moradia e os equipamentos encontravam-se em funcionamento.

Robustecendo essa conclusão, destaco as declarações prestadas pelo engenheiro Gustavo Bastistuzzo do Instituto Brasileiro de Peritos – IBP, que acompanhou a diligência de busca e apreensão (ID 285552151 – pag. 11):

 

“trabalha na empresa IBP -Instituto Brasileiro de Peritos, que presta serviços para empresas, Ministério Público, Poder Judiciário e advogados. Foram contratados para auxiliar em investigação referente ao uso de equipamentos receptores de sinal de TV por assinatura não homologados pela ANATEL. O uso desses equipamentos faz com que terceiros tenham acesso à programação das TVs por assinatura sem 0 pagamento de mensalidade às operadoras. A empresa Claro detectou que um servidor no exterior, mais especificamente no Canada, estava sendo usado para disseminar chaves de descriptografias geradas por cartões de assinatura válidos, ou seja, que tinham sido por ela fornecidos a clientes. Melhor esclarecendo, a operadora fornece via satélite o sinal da TV, que é criptografado, 0 qual é captado pelo receptor. Fornece ainda a mensagem que vai quebrar esta criptografia, a qual também é criptografada. O cartão que é usado no receptor, vai quebrar a criptografia da mensagem e esta mensagem vai quebrar a criptografia do sinal da TV. A claro apurou que o sinal que era mandado para 0 servidor no Canada era oriundo de um endereço de IP do brasil e através da quebra de sigilo obtida judicialmente, a claro constatou que este endereço de IP era da empresa RET e estava na cidade de Mogi Guaçu, na Rua Basilio Monteiro, 120. Após um mês foi efetuada nova pesquisa e apurou-se que 0 IP tinha mudado para 0 imóvel situado no número 50 da mesma rua. Apurou-se, ainda, que o plano de internet utilizado para isso junto a empresa net está em nome de Valmir Costa, que também tinha cadastrado em seu nome um dos cartões de assinatura. A partir daí, foram apurados outros endereços de pessoas em cujos nomes estavam cadastrados cartões de assinaturas, as quais tinham vínculos familiares com Valmir. Hoje sua empresa participou de buscas que foram realizadas nestes endereços, em apoio ao GAECO e à polícia civil. Ao depoente coube diligenciar na residência de Valmir, situada na rua Basílio Monteiro, 120 e no imóvel de número 50 da mesma via. Valmir foi encontrado em sua residência, estando o outro imóvel fechado. Na casa de Valmir, de numeral 120, foram encontrados 03 receptores de sinal de TV por assinatura não homologados pela ANATEL, da marca Azbox, sendo que em cada um havia um cartão de assinatura válido, ou seja, fornecidos pela operadora Claro. Lá também foram apreendidos outros objetos para posterior análise de seu conteúdo, tais como tablet, CPU, celulares, pendrives e cartão de memória. Nesta casa também havia duas antenas receptoras instaladas, mas desligadas, ou seja, sem cabo. No imóvel de número 50 foi encontrada toda a estrutura do negócio, ou seja, uma central de disseminação de chaves, composta por mais de cem receptores não homologados ligados a internet e as antenas lá instaladas, em número de seis. Neste local também foram encontrados outros cartões de assinatura válidos que estavam fora dos receptores e vários receptores não instalados e nas respectivas caixas. Também havia seis computadores (CPU) que estavam ligados e ao menos dois deles estavam monitorando o funcionamento dos receptores em operação. Efetuou ainda o monitoramento do trafego de dados desta central e constatou que estavam conectados na internet, se comunicando com outros computadores em tempo real, um deles especificamente no Canadá. Esclarece que Valmir recebia parte das mensagens via satélite e parte das mensagens ele gerava com a utilização dos cartões de assinatura válidos, as quais ele retransmitia aos clientes via internet. Questionado no local, Valmir confirmou que efetuava a venda de antenas e de receptores, os quais inclusive instalava, e que retransmitia a estes clientes a mensagem para descriptografia”.

 

Portanto, não apenas as antenas, receptores e decodificadores foram empregados na atividade clandestina de telecomunicação, mas também os cabos, controles remotos, web cam, adaptadores wifi, roteadores, computadores e respectivos periféricos, tablet, fontes de energia, pen drives, cartões de memória e telefones celulares, sem os quais a retransmissão ilícita de sinal de TV não seria possível.

Por outro lado, o apelo deve ser parcialmente provido, no tocante ao pedido de restituição do numerário apreendido.

O art. 118 do Código de Processo Penal prescreve que antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Já o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante.

O art. 91 do CP determina a perda de bens em favor da União nas seguintes hipóteses: a) instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

Além disso, como já mencionado, o art. 184 da Lei 9.472/97 estabelece que um dos efeitos da condenação é a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar.

Nessa esteira, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada a comprovação de 03 (três) requisitos, quais sejam: 1) propriedade do bem pelo requerente; 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão; e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento.

Diferentemente dos demais equipamentos e objetos apreendidos, que comprovadamente foram empregados na atividade clandestina de telecomunicações, a acusação não se desincumbiu do ônus de comprovar que a quantia apreendida seja produto do crime ou que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

O único elemento capaz de vincular a quantia em espécie à atividade ilícita é o fato de que a apreensão se deu no mesmo imóvel. A localização geográfica do numerário, por si só, não constitui fundamento idôneo para o perdimento do bem.

Dessa forma, por não restar demonstrada a origem ilícita do numerário apreendido, acolho o pedido da defesa para determinar a restituição do numerário correspondente a R$ 14.000,00 apreendido nos autos (ID 285552152 – pag. 20).

Da dosimetria

A defesa pugna pela modificação da pena de prestação de serviços à comunidade, tendo em vista o estado de saúde do acusado.

1ª fase

A pena-base foi fixada em 2 anos de detenção.

2ª fase

Incidiu apenas a atenuante prevista no art. 65, III, “d” do CP, todavia a pena foi corretamente mantida no patamar mínimo legal em observância à Súmula 231 do STJ.

3ª fase

Presente a causa de aumento prevista no art. 183 da Lei 9.472/97, diante do dano causado a terceiro (operadora Claro TV). Pena definitiva fixada em 3 anos de detenção, em regime inicial aberto.

Da substituição da pena privativa de liberdade

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 04 salários mínimos.

A defesa alega o réu é portador de doença degenerativa na coluna, estando impossibilitado de cumprir a pena de prestação de serviços à comunidade.

O conjunto probatório demonstra que o réu vinha desenvolvendo, durante período considerável, atividade clandestina de telecomunicações, o que evidencia a possibilidade de cumprimento da pena restritiva de direitos que lhe foi imposta na forma do art. 46 do CP. Acrescente-se que as tarefas serão atribuídas ao condenado conforme sua aptidão, nos termos do art. 46, §3º do CP, cabendo ao Juízo da Execução especificá-las de acordo com as peculiaridades do apenado.

Desse modo, mantenho as penas restritivas de direitos impostas na sentença.

Da pena de multa

Na sentença, a pena pecuniária foi fixada em R$10.000,00, o que comporta reparo, de ofício.

No tocante à pena de multa estabelecida na Lei nº 9.472 /97, o Órgão Especial desta Corte, na Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº 00054555-18.2000.4.03.6113 (sessão de Julgamento realizada em 29 de junho de 2011), declarou a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00", por violar o princípio da individualização da pena.

Assim, em obediência à proporcionalidade que a pena de multa deve guardar com a pena privativa de liberdade, passo a fixar aquela trazida no Código Penal, em 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, tendo em vista a situação econômica do réu.

Dispositivo

Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação da defesa para determinar a restituição da quantia de R$14.000,00 apreendida nos autos e, de ofício, fixo a pena de multa em 15 dias multa, no valor unitário mínimo legal.

É o voto. 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 183 DA LEI 9.472/97. DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. RESTITUIÇÃO DO NUMERÁRIO APREENDIDO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DOS DEMAIS OBJETOS E EQUIPAMENTOS APREENDIDOS. ART. 184 DA LEI 9.472/97. PENA DE MULTA. MODIFICAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

O apelante foi condenado pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/97 por desenvolver atividade clandestina de telecomunicações em imóveis situados na Rua Basílio Monteiro, nº 120 e nº 50, no município de Mogi Guaçu/SP, retransmitindo sinais de televisão por assinatura da empresa CLARO TV por meio de receptores não homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

O mandado de busca e apreensão foi cumprido em dois imóveis, onde foram encontrados diversos equipamentos de propriedade do apelante, destinados ao desenvolvimento da atividade clandestina de telecomunicações.

Ainda que alguns objetos não se destinem exclusivamente ao exercício de atividade de telecomunicações, está demonstrado que todos os bens apreendidos foram empregados na atividade clandestina exercida pelo réu no imóvel de nº 50, onde existia uma complexa estrutura destinada à retransmissão de sinal de TV por assinatura da empresa Claro S/A, através de receptores não homologados pela ANATEL

Recurso parcialmente provido no tocante ao pedido de restituição do numerário apreendido. Diferentemente dos demais equipamentos e objetos apreendidos, que comprovadamente foram empregados na atividade clandestina de telecomunicações, a acusação não se desincumbiu do ônus de comprovar que a quantia apreendida seja produto do crime ou que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

No tocante à pena de multa estabelecida na Lei nº 9.472 /97, o Órgão Especial desta Corte, na Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº 00054555-18.2000.4.03.6113 (sessão de Julgamento realizada em 29 de junho de 2011), declarou a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00", por violar o princípio da individualização da pena.

Em obediência à proporcionalidade que a pena de multa deve guardar com a pena privativa de liberdade, deve ser fixada, de ofício, aquela trazida no Código Penal, em 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, tendo em vista a situação econômica do réu.

Apelação parcialmente provida para determinar a restituição da quantia de R$14.000,00 apreendida nos autos. De ofício, fixada a pena de multa em 15 dias multa, no valor unitário mínimo legal.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da defesa para determinar a restituição da quantia de R$14.000,00 apreendida nos autos e, de ofício, fixar a pena de multa em 15 dias multa, no valor unitário mínimo legal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
JOSE LUNARDELLI
DESEMBARGADOR FEDERAL