Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004769-89.2005.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004769-89.2005.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR:

Trata-se de embargos de declaração opostos pela CEF contra o v. acórdão proferido por esta C. Turma (ID 279385864) que, por unanimidade, negou provimento a sua apelação e, de ofício, reformou a sentença para afastar a aplicabilidade do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública e, por conseguinte, reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, restando assim ementado:

“APELAÇÃO. CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CEF. CONSUMIDOR. CONTRATO DE PENHOR. ROUBO DE JOIAS DADAS EM GARANTIA PIGNORATÍCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CLÁUSULA CONTRATUAL DE LIMITAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. NULIDADE DE PLENO DIREITO. LEILÃO APÓS O VENCIMENTO. JOIAS PENHORADAS SEM NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DISPENSA EXPRESSA NO CONTRATO. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. LIMITAÇÃO TERRITORIAL DOS EFEITOS DA COISA JULGADA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 16 DA LEI 7.347/85. APELO NÃO PROVIDO. REFORMA DA SENTENÇA DE OFÍCIO PARA DELIMITAÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA.

Trata-se de recurso de apelação interposto pela Caixa Econômica Federal, em face da sentença proferida nos autos da presente Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, objetivando a declaração de nulidade das cláusulas contratuais estipuladas nos contratos de mútuo com garantia de penhor e amortização única de celebrados entre a demanda e os mutuários interessados, assim como a condenação da CEF a edital tal cláusula, de modo que seja mais beneficial aos mutuários revendo os valores acordados, ressarcindo aqueles que já foram indenizados em casos de furto, roubo ou subtração dos objetos confiados à demandada.

Sentença recorrida que julgou parcialmente procedentes os pedidos para declarar a nulidade das cláusulas 14.1 e 18.1 nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única, estabelecidos pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, devendo a ré editar cláusulas que determinem: (i) a notificação prévia do mutuário e, (ii) o ressarcimento, no prazo de 30 (trinta) dias, do extravio, roubou ou furto do bem, no valor de mercado, a título de dano material. Para os casos já ocorridos a partir da propositura ação, o montante deverá ser atualizado desde a propositura até o efetivo pagamento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, deduzido o crédito recebido anteriormente.

A legitimidade passiva do MPF foi analisada e enfrentada por esta Eg. Corte, quando do julgamento do recurso de apelação interposto, em face da sentença proferida pelo Juízo da 15ª Vara Federal desta capital, em que restou reconhecido que que o objeto tutelado, consistente na declaração de nulidade de cláusula contratual, tem como fundamento a contrariedade do disposto no Código de Defesa do Consumidor e a ausência de justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes está intrínseco à função social do contrato.

O interesse de agir do Ministério Público Federal é presumido quanto à sua atuação em decorrência direta daquilo que lhe atribui o ordenamento, de modo que restou rechaçada a alegação de ausência de interesse de agir, para propositura do pedido de revisão e anulação de cláusulas abusivas contidas no Contrato de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização, com esteio no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.

[...] “certos interesses individuais, quando aferidos em seu conjunto, de modo coletivo e impessoal, têm o condão de transcender a esfera de interesses estritamente particulares, convolando-se em verdadeiros interesses da comunidade, emergindo daí a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública, com amparo no art. 127 da Constituição Federal”. (RE 631.111, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 30/10/2014)

A questão da coisa julgada já foi apreciada e afastada pelo Juízo de Origem, em sede de despacho saneador, decisão contra a qual a CAIXA não se insurgiu.

O C. Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que as matérias não impugnadas no momento oportuno sujeitam-se à preclusão consumativa, inclusive as de ordem pública, ainda que se tratando de ordem pública.

Ainda que se cogite pela possibilidade de enfrentamento da matéria, entendo que não assistiria razão à CAIXA. A teor do julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1075, no Recurso Extraordinário (RE) 1101937, em que foi reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, as sentenças proferidas em sede de ação coletiva ajuizada no âmbito nas relações de consumo, terão os efeitos da coisa julgada disciplinados pelo artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor.

No tocante à Ação Civil Pública nº 2000.50.01.008123-5, depreende-se do julgado proferido pela Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2º Região, que a improcedência do pedido decorreu da insuficiência de provas para desconstituir a alegação da CEF de que os critérios empreendidos na avaliação dos bens dados em garantia adequam-se aos parâmetros do mercado.

A alegação de que a sentença seria ultra petita, deve-se fundamentalmente ao fato de que o juízo de primeiro grau ao determinar o ressarcimento dos mutuários em 30 (trinta) dias do extravio, roubo ou furto do bem, delimitação esta que, sequer teria sido objeto da pretensão pelo MPF, teria extrapolado os limites dos pedidos formulados na exordial.

No entanto, foi requerido pelo MPF em sede de antecipação de tutela, que nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única em execução, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL: “(a) a) indenize o(s) objeto(s) sob sua custódia que for(em) roubado(s). furtado(s) ou extraviado(s), na importância de 10 (dez) vezes o valor da avaliação do bem, a título de dano moral e material, no prazo de 20 (vinte) dias, a partir da ocorrência, deduzido o crédito recebido inicialmente”.

A sentença, por sua vez, acolheu parcialmente a pretensão do MPF, fixando, para tanto, o prazo de 30 dias, 10 (dez) dias a mais do quanto requerido na exordial (vide item “a”, em benefício da própria Apelante, de modo que não procede a insurgência da Apelante no sentido de que o magistrado teria decidido acima da pretensão do autor, ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

A indenização se mede pela extensão do dano (art. 944 do Código Civil), de tal sorte que, em havendo disparidade entre o valor das joias apurado pelo credor pignoratício e o efetivo valor de mercado dos bens, este deve prevalecer, sob pena de enriquecimento indevido da instituição financeira.

Não há que se falar na validade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da casa bancária ao pagamento de indenização em uma vez e meia o valor de avaliação obtido pelo próprio banco, uma vez que se trata de imposição unilateralmente feita pela instituição financeira, em contrato de adesão e que restringe o valor indenizatório a percentual calculado sobre avaliação feita pelo próprio banco.

A CEF é empresa estatal a quem a lei confere o monopólio da atividade de penhor civil, nos termos do art. 2°, alínea "e" do Decreto-Lei n° 759/1969, que autorizou a sua criação. Perde força, portanto, a tese de que a autora escolheu livremente contratar com a CEF, uma vez que se trata da única instituição financeira autorizada a explorar esta atividade comercial.

Há que se ressaltar a evidente abusividade da cláusula em comento, uma vez que impõe aos consumidores-aderentes a necessidade de aceitar que a CEF se limite a indenizá-los, pelo roubo das joias dadas em garantia pignoratícia, em montante calculado sobre o valor das joias, avaliadas unilateralmente pelo banco estatal.

Inafastável a conclusão de que a Cláusula 14.1, da forma como redigida, constitui verdadeira atenuação da responsabilidade do prestador do serviço, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Não há que se falar na validade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da casa bancária ao pagamento de indenização em uma vez e meia o valor de avaliação obtido pelo próprio banco, inclusive, consoante dispõe a Súmula 638, do C. Superior Tribunal de Justiça: É abusiva a cláusula contratual que restringe a responsabilidade de instituição financeira pelos danos decorrentes de roubo, furto ou extravio de bem entregue em garantia no âmbito de contrato de penhor civil.

Trata-se, efetivamente, de questão redutível à apuração judicial contraditória, cuja análise deve ser diferida para a fase de liquidação, por arbitramento, nos casos de execução individual da sentença ora recorrida, na forma do artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor.

As disposições previstas no CDC, acerca da proteção contratual, vedam a imposição de cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. E mais que isso, em se tratando da celebração e contrato de adesão, exige que as cláusulas sejam interpretadas favoravelmente aos consumidores (cf. art. 47, CDC) e à luz do princípio da boa-objetiva. Tais diretrizes também estão estampadas, de maneira geral, no artigo 422 do Código Civil, segundo o qual, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

A necessidade de uma interpretação particular é justificada pela vulnerabilidade jurídica do contratante, do aderente/consumidor no contrato de penhor, o qual se submete ao contrato de adesão e às respectivas condições gerais, sem poder discutir as cláusulas da contratação, merecendo ele especial proteção, com o reconhecimento de cláusulas contratuais excessivamente abusivas.

A possibilidade de revisão das cláusulas contratuais pelo Judiciário, tem o nítido propósito de trazer, ainda que minimamente, um equilíbrio contratual, a fim de suavizar eventuais vantagens excessivas do predisponente, observando sempre a equivalência das prestações e a função social do contrato.

Ao se permitir que as joias sejam leiloadas sem a prévia comunicação formal do mutuário, a instituição financeira se afasta do objetivo primário do contrato, que diz com o adimplemento do mútuo ou a renovação contratual mediante pagamento de juros. Nessa ordem de ideias, a cláusula contratual em questão revela-se abusiva, na medida em que restringe o direito do consumidor à purgação da mora, direito esse inerente à natureza do contrato.

Precedentes.

A prova carreada nos autos não deixou claro qual é efetivamente o procedimento de aviso do edital de licitação da alienação da coisa dada em garantia e se as supostas notificações enviadas têm o condão de intimar o mutuário pessoalmente, acerca da designação dos leilões.

Não se justificam as considerações sobre ser necessário, ou não, que a comunicação conte com aviso de recebimento. Juízo Sentenciante que não determinou que fosse adotada essa sistemática, tampouco definiu de que forma deveria ser feita a notificação, limitando-se a acolher o pedido para que passe a constar no texto contratual a necessidade de notificação.

Depreende-se da sentença que a imposição do termo inicial para incidência da correção monetária, a partir do ajuizamento da Ação Civil Pública, se restringe aos casos cujo fato gerador para pleitear eventual reparação é anterior à data da propositura da ação (01 de abril de 2005).

Relativamente aos fatos de perda do bem e contratos firmados após o ajuizamento da ação, o termo inicial para incidência da correção monetária passa a ser o da própria citação da CAIXA, em sede de execução inicial de sentença, como dispõe, nos termos do art. 397, parágrafo único do Código Civil.

No que tange aos efeitos das coisa julgada relativamente à presente ação coletiva, a sentença considerou que: “Assim, afasto a alegação de coisa julgada pela ré, mas acolho o pedido de limitação dos efeitos da presente decisão, uma vez que afetarão os sujeitos com domicílio nesta Jurisdição.”

A CAIXA requer em suas razões de apelação, que a sentença seja reformada para que conste expressamente no dispositivo, a delimitação territorial, com a abrangência apenas dos domiciliados no Município de São Paulo/SP.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), alterada pela Lei 9.494/1997, que limita a eficácia das sentenças proferidas nesse tipo de ação à competência territorial do órgão que a proferir, firmando a seguinte tese: “É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e, fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas". TF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral - Tema 1075) (Info 1012).

Não há como se admitir a restrição imposta pela sentença recorrida, aos sujeitos com domicílio nesta Jurisdição, com esteio justamente no artigo 16 da LACP.

Rechaçado o pedido de limitação dos efeitos da sentença, e à luz do quanto dispõe a redação original do artigo 16 da LACP, em consonância com o artigo 103, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, a fim de reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, com abrangência em todo território nacional.

Recurso de apelação a que se nega provimento. Reformada a sentença de ofício, para afastar a aplicabilidade do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, alterado pela redação da Lei nº 9.494, de 10.9.1997, com esteio no RE 1101937/SP e, por conseguinte, reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, com abrangência em todo território nacional, nos termos da fundamentação supra.”

Sustenta a embargante, em breve síntese, que a r. sentença, no capítulo que se refere aos limites territoriais de abrangência, transitou em julgado, não podendo haver reformatio in pejus em desfavor da CAIXA e nem mesmo decisão extra petita. Aduz, ainda, haver falta de fundamentação quanto à avaliação dos bens e à notificação dos devedores.

Requer sejam os embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para sanar os vícios apontados e, por fim, prequestiona a matéria para fins recursais.

Contraminuta (ID 281527221).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004769-89.2005.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR:

Nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, corrigir erro material ou suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual o magistrado não se manifestou de ofício ou a requerimento das partes.

Alega a embargante que o v. acórdão, ao ampliar a abrangência territorial da decisão incorreu em julgamento extra petita, assim como reformatio in pejus. Sustenta, ainda, ausência de fundamentação no tocante ao critério de avaliação dos bens, bem como quanto à notificação, a fim de que conste expressamente a obrigação do devedor pignoratício de manter atualizado seus dados cadastrais junto ao credor.

Na presente hipótese, o acórdão embargado abordou todas as questões suscitadas, não ocorrendo os vícios alegados. Confira-se:

“(   ) Conforme consignado no precedente em referência, a análise do caso deve partir da premissa de que a indenização se mede pela extensão do dano (Código Civil, art. 944), o que enseja a necessidade de apuração do efetivo valor das joias subtraídas para se determinar, então, qual o montante devido pelo banco apelante a título de indenização por dano material.

Assim, não há dúvidas de que, havendo disparidade entre o valor avaliado pelo banco e o valor de mercado das joias dadas em garantia, deve prevalecer este último.

Neste sentido, registre-se, ainda, que a CEF é empresa estatal a quem a lei confere o monopólio da atividade de penhor civil, nos termos do art. 2°, alínea "e" do Decreto-Lei n° 759/1969, que autorizou a sua criação (...)

Perde força, portanto, a tese de que a autora escolheu livremente contratar com a CEF, uma vez que se trata da única instituição financeira autorizada a explorar esta atividade comercial.

Mas, ainda que assim não fosse, há que se ressaltar a evidente abusividade da cláusula em comento, uma vez que impõe aos consumidores-aderentes a necessidade de aceitar que a CEF se limite a indenizá-los, pelo roubo das joias dadas em garantia pignoratícia, em montante calculado sobre o valor das joias, avaliadas unilateralmente pelo banco estatal.

Daí porque é inafastável a conclusão de que a Cláusula 14.1, da forma como redigida, constitui verdadeira atenuação da responsabilidade do prestador do serviço, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (...)

Sendo assim, não há que se falar na validade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da casa bancária ao pagamento de indenização em uma vez e meia o valor de avaliação obtido pelo próprio banco, inclusive, consoante entendimento sumulado recentemente pelo C. Superior Tribunal de Justiça (...)

A bem verdade, ao se permitir que as joias sejam leiloadas sem a prévia comunicação formal do mutuário, a instituição financeira se afasta do objetivo primário do contrato, que diz com o adimplemento do mútuo ou a renovação contratual mediante pagamento de juros.

Tal conduta viola os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e da equidade, na medida em que coloca o mutuário consumidor, em desvantagem exagerada, impossibilitado de efetuar o pagamento da dívida vencida, ainda que com os acréscimos decorrentes da mora e, com isso, preservar o bem empenhado.

Nessa ordem de ideias, a cláusula contratual em questão revela-se abusiva, na medida em que restringe o direito do consumidor à purgação da mora, direito esse inerente à natureza do contrato. (...)

Como bem apontado pelo Juízo de Origem, a prova carreada nos autos não deixou claro qual é efetivamente o procedimento de aviso do edital de licitação da alienação da coisa dada em garantia e se as supostas notificações enviadas têm o condão de intimar o mutuário pessoalmente, acerca da designação dos leilões.

E em assim sendo, fica evidente que a prestação do serviço bancário padece de regularidade por representar abusivo vínculo à míngua da ciência do consumidor, de modo que resta autorizado ao judiciário a revisão e, se necessária a declaração de nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto no código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Dito isso, reputo contraditória a afirmação da CEF de que usualmente comunica os devedores previamente à alienação, mas que exigir isso do banco traria elevados custos.

Se é verdade que o banco já adota essa prática, isso é um indicativo de que não se trata de medida tão custosa.

Mas, mesmo que fosse, a cláusula é abusiva e não pode ser imposta aos consumidores.

Também não se justificam as considerações sobre ser necessário, ou não, que a comunicação conte com aviso de recebimento.

Como visto, o Juízo Sentenciante não determinou que fosse adotada essa sistemática, tampouco definiu de que forma deveria ser feita a notificação, limitando-se a acolher o pedido para que passe a constar no texto contratual a necessidade de notificação.

Muito pelo contrário, entendo que o comando exarado em sentença abrange todo tipo de comunicação feita pela CEF ao devedor por meios idôneos, que possibilitem a prova da comunicação, aí incluídas eventuais cartas dirigidas ao endereço declinado pelo consumidor, mensagens de texto para número de telefone celular por ele indicado e e-mails enviados ao endereço eletrônico fornecido pelo mutuante, dentre outros.

Com isso, admite-se que a CAIXA venha a redigir cláusula contratual prevendo essas formas de notificação. O que não se admite é a cláusula discutida nos autos, que previa a desnecessidade da comunicação.

Desta forma, mantenho a sentença no que se refere à declaração de abusividade da cláusula que dispensava a notificação prévia à alienação da coisa empenhada e a condenação do banco estatal à edição de cláusula contratual que preveja a notificação prévia do mutuário.

(...) não há como se admitir a restrição imposta pela sentença recorrida, aos sujeitos com domicílio nesta Jurisdição, com esteio justamente no artigo 16 da LACP.

E nem se argumente pela configuração da reformatio in pejus, na medida em que a decisão proferida pela Suprema Corte Federal, em controle de constitucionalidade, tem força cogente e vincula sua aplicação pelas as Cortes Regionais Federais e pelos Tribunais Estaduais.

Ora, se a lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo C. STF, tem o condão de tornar inexigível determinada obrigação reconhecida em título executivo judicial, consoante dispõe o § 12º, do artigo 525, do CPC/15, bem como de rescindir decisão de mérito, transitada em julgado, na forma do artigo 966, também do CPC/15, é com muito menos rigor que se admite a reforma da sentença para afastar a aplicação do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública e adequar o provimento jurisdicional ao quanto decidido no RE nº1.101.937/SP.

Desta forma, rechaço o pedido de limitação dos efeitos da sentença, e à luz do quanto dispõe a redação original do artigo 16 da LACP, em consonância com o artigo 103, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, a fim de reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, com abrangência em todo território nacional.(...)”

No caso concreto, o que se verifica é o inconformismo da parte embargante com o resultado do julgado.

Ao afastar a limitação territorial dos efeitos da r. sentença proferida na ação civil pública, o acórdão apenas adequou a decisão à tese consagrada pelo STF no julgamento do Tema 1075 (RE 1101937/SP) o qual declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei 7.347/1985, em sua redação atribuída pela Lei nº 9.494/1997.

No mais, restou claramente demonstrado que a cláusula contratual que limita previamente o valor indenizatório impossibilita o ressarcimento justo e adequado ao consumidor.

Por fim, não verifico ainda a ausência de fundamentação quanto à necessidade de notificação.

Ao possibilitar a alienação do bem empenhado, dado em garantia, sem prévia comunicação ao mutuário, tomador do empréstimo, a CEF impõe obrigação abusiva, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada e contraria a boa-fé objetiva.

Assim, as divergências aventadas pela parte embargante demonstram o seu inconformismo com o resultado do julgado, pretendendo exclusivamente a reapreciação da matéria, que deverá ser feita por recurso próprio, uma vez que não configuram quaisquer das hipóteses do artigo 1.022 do Código de Processo Civil.

Ademais, mesmo que os embargos de declaração tenham como escopo o simples prequestionamento da matéria, para o acolhimento do recurso, torna-se imperiosa a existência dos vícios previstos no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, o que não ser verifica na presente hipótese.

Por fim, cumpre esclarecer que nos termos do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, para fins de prequestionamento são considerados como inclusos no acórdão, todas as questões levantadas pelo embargante, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos ou rejeitados.

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.

É como voto.



E M E N T A

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HIPÓTESES DO ARTIGO 1.022 DO CPC/2015. ERRO MATERIAL, OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. REDISCUSSÃO DO MÉRITO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. INADEQUAÇÃO.

Nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, corrigir erro material ou suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual o magistrado não se manifestou de ofício ou a requerimento das partes.

As divergências aventadas pela parte embargante demonstram o seu inconformismo com o resultado do julgado, pretendendo exclusivamente a reapreciação da matéria, que deverá ser feita por recurso próprio, uma vez que não configuram quaisquer das hipóteses do artigo 1.022 do Código de Processo Civil.

Embargos de declaração rejeitados.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RENATO BECHO
DESEMBARGADOR FEDERAL