APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000877-22.2021.4.03.6005
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: LOCAMERICA RENT A CAR S.A., UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ HENRIQUE NERY MASSARA - MG128362-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, LOCAMERICA RENT A CAR S.A.
Advogado do(a) APELADO: LUIZ HENRIQUE NERY MASSARA - MG128362-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000877-22.2021.4.03.6005 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: LOCAMERICA RENT A CAR S.A., UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogado do(a) APELANTE: LUIZ HENRIQUE NERY MASSARA - MG128362-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, LOCAMERICA RENT A CAR S.A. Advogado do(a) APELADO: LUIZ HENRIQUE NERY MASSARA - MG128362-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de rito ordinário, ajuizada por Locamérica Rent a Car S.A (atual denominação de Unidas S.A), em face da União Federal, objetivando obter provimento jurisdicional que determine a restituição do veículo Fiat Toro Endurance, cor branca, placa QOP-2641, RENAVAM 01157017280, Chassi 9882261CXKKC07029, sob argumento de que não concorreu para a prática ilícito aduaneiro, sendo, portanto, terceiro de boa-fé, fato este que não justifica a privação de bem de sua propriedade. Narra a autora que, no exercício regular de seu objeto social, promoveu a locação do veículo Fiat, modelo Toro Endurance AT, 2018/2019, cor branca, placa QOP-2641, RENAVAM 01157017280, de sua propriedade, para a Sra. Ana Zelma Xavier Marques de Souza, que indicou como condutor adicional o Sr. Jeferson Gonçalves Matias. O veículo foi retirado na agência em 6.2.2019, com previsão de devolução para 11.2.2019, às 13:30hrs, tal como avençado no Contrato de Locação nº. 17211170. Sustenta que o veículo restou apreendido pela Polícia Rodoviária Federal, em 11.2.2019, às 13:00hrs, uma vez que o Sr. Jeferson Gonçalves Matias e outras duas pessoas foram flagradas utilizando o automóvel na prática crime de descaminho, transportando mercadorias provenientes do exterior desacompanhadas de documentação fiscal, conforme se verifica do Boletim de Ocorrência nº. 229/2019 constante às fls. 2/6 do Processo Administrativo Fiscal nº. 10109.720748/2019-96. Afirma que de acordo com o Auto de Infração e Apreensão de Veículo, a Alfândega da Receita Federal do Brasil em Ponta Porã – MS entendeu que a pena de perdimento seria aplicável em razão de suposta responsabilidade da Autora, porquanto esta teria agido com culpa ao ter locado veículo à pessoa física que teria processos administrativos fiscais instaurados em seu nome, conforme se verificaria em consulta no Sistema COMPROT do Ministério da Fazenda. Aduz que a existência de Processos Administrativos Fiscais no sistema COMPROT em nome do condutor infrator não permite à empresa locadora se recusar a efetivar aluguel de veículo automotor, sob pena inclusive de crime contra o consumidor (art. 7°, I, Lei nº. 8.137/1990). Alega que para a aplicação da pena de perdimento é necessário o dolo específico (e não uma mera culpa in eligendo, que sequer ocorreu) do proprietário do veículo automotor apreendido. Foi concedida a tutela de urgência determinando à Receita Federal que libere o veículo Fiat, modelo Toro Endurance AT, 2018/2019, cor branca, placa QOP-2641, RENAVAM 01157017280, Chassi 9882261CXKKC07029, em favor da parte autora, mediante compromisso de fiel depósito, a ser firmado perante a própria autoridade administrativa (Id. 201504810). Por meio de sentença, o MM. Juízo a quo julgou parcialmente procedente a ação, resolvendo o mérito com fulcro no art. 487, I do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade do ato que decretou a pena de perdimento do veículo Fiat Toro Endurance AT, 2018/2019, cor branca, placa QOP-2641, RENAVAM 01157017280, Chassi 9882261CXKKC07029, bem como para determinar o pagamento à parte autora de indenização no valor da venda do bem, acrescido de juros, abatida as despesas decorrentes de sua regular apreensão, transporte (guincho), guarda e conservação pela RFB, a ser atualizada nos moldes do artigo 30, § 2º, do DL 1455/76. Condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o proveito econômico, nos termos do art. 85, §3°, I e § 4°, III do Código de Processo Civil (Id. 201505043 e 201505052). Apela a União, requerendo a reforma da r. sentença, alegando que a locadora não adotou as cautelas razoáveis que estavam ao seu alcance, o que poderia ter evitado a prática do ilícito, considerando que a locatária já foi autuada diversas vezes pela mesma conduta ilícita, informação que poderia ter sido facilmente obtida através do sistema COMPROT, que é aberto à consulta pública (Id. 201505060). Por sua vez, apela a autora, aduzindo que no curso da ação, a Receita Federal noticiou que o veículo foi alienado, de forma que ficou prejudicado o pedido principal formulado na ação, mas não o subsidiário. Alega que houve violação ao artigo 30, §1º, inciso I, c/c §2º, do Decreto-Lei nº 1.455/76, bem como no artigo 803-A, do Decreto nº. 6.579/2009, pois na hipótese de pagamento de indenização pela União Federal, há determinação de que o pagamento deve corresponder ao valor constante do procedimento fiscal (ou seja, R$ 75.307,00, conforme indicado à fl. 89 do Processo Administrativo Fiscal 10109.720748/2019-96, Id. 52934475), devidamente acrescido de taxa de juros pela taxa Selic, não estabelecendo qualquer abatimento de despesas ou taxas eventualmente incorridas pela Administração, justamente porque reconhecida estará a ausência de responsabilidade do proprietário do bem pela infração que motivou a apreensão (Id. 201505055). Com contrarrazões de ambas as partes, os autos foram remetidos a esta E. Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000877-22.2021.4.03.6005 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: LOCAMERICA RENT A CAR S.A., UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogado do(a) APELANTE: LUIZ HENRIQUE NERY MASSARA - MG128362-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, LOCAMERICA RENT A CAR S.A. Advogado do(a) APELADO: LUIZ HENRIQUE NERY MASSARA - MG128362-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O De início, importante salientar que a questão aqui versada não encontra correspondência jurídica com a matéria discutida no Tema 1041 do C. Superior Tribunal de Justiça, de modo que inaplicável ao caso o sobrestamento deste feito. Pois bem. O Decreto-Lei nº 37/66, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, prevê em seu artigo 96, de forma geral, acerca da pena de perdimento, verbis: Art. 96 - As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente: I - perda do veículo transportador; II - perda da mercadoria; III - multa; IV - proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa pública e sociedade de economia mista. Já o artigo 104, do mesmo Diploma Legal, prevê as situações concretas ensejadoras da aplicação do perdimento do veículo, sendo que o caso em análise subsome-se ao inciso V, em destaque: Art.104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos: (...) V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção; Também dispõe sobre a pena de perdimento, o Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), em seu art. 688: Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 104; Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 24; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 75, § 4º): (...) V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade; Quanto à responsabilidade do proprietário de veículo, estabelece o art. 674 do Decreto n.º 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro): Art. 674. Respondem pela infração (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 95): I - conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra para sua prática ou dela se beneficie; II- conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo, quanto à que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes; (...) Extrai-se da leitura dos artigos acima transcritos que se aplica a pena de perdimento quando, cumulativamente, o veículo for conduzindo mercadoria sujeita a perdimento e as mercadorias pertençam ao responsável pela infração. Ainda sobre a possibilidade de aplicação da pena de perdimento, no caso de importação irregular de mercadorias, o extinto Tribunal Federal de Recursos editou a Súmula 138: “A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do seu proprietário na prática do ilícito.” Consoante se depreende da leitura dos autos, o veículo em questão, no momento da apreensão, era conduzido por Alex Everton Montalvão terceiro alheio ao contrato de locação e continha em seu interior mercadorias sem as devidas documentações fiscais e tributárias em conformidade. Observa-se que o veículo em questão foi objeto de contrato de locação nº 17211170, em 6.2.2019, com data de devolução prevista para 11.2.2019 entre a recorrida e Ana Zelma Xavier Marques de Souza, que indicou como condutor adicional o Sr. Jeferson Gonçalves Matias. Ao contrário do que alega a União, o proprietário do veículo apreendido, na hipótese de estar alheio aos fatos que culminaram em exigência fiscal, não deve ser responsabilizado pelo ato realizado por terceiro, uma vez que não é verificada má-fé. In casu, não se vislumbra culpa por parte da locadora quanto à prática da infração aduaneira, já que o veículo era conduzido por terceiro, alheio inclusivo ao contrato de locação, não havendo qualquer indício de que tenha participação no ilícito, tratando-se, portanto, de terceiro de boa-fé. O C. Superior Tribunal de Justiça tem entendido que nos casos em que a pessoa jurídica, proprietária do veículo, que exerce a regular atividade de locação, com fim lucrativo, não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria. Confira-se: ADMINISTRATIVO. MERCADORIAS ESTRANGEIRAS. INTERNAÇÃO IRREGULAR. DESCAMINHO OU CONTRABANDO. VEÍCULO TRANSPORTADOR. LOCADORA DE VEÍCULOS. PROPRIEDADE. PARTICIPAÇÃO NO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA. PENA DE PERDIMENTO. ILEGALIDADE. 1. Só a lei pode prever a responsabilidade pela prática de atos ilícitos e estipular a competente penalidade para as hipóteses que determinar, ao mesmo tempo em que ninguém pode ser privado de seus bens sem a observância do devido processo legal. 2. À luz dos arts. 95 e 104 do DL n. 37/1966 e do art. 668 do Decreto n. 6.759/2009, a pena de perdimento do veículo só pode ser aplicada ao proprietário do bem quando, com dolo, proceder à internalização irregular de sua própria mercadoria. 3. A pessoa jurídica, proprietária do veículo, que exerce a regular atividade de locação, com fim lucrativo, não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria, exceção que, à míngua de previsão legal, não pode ser equiparada à não investigação dos "antecedentes" do cliente. 4. Hipótese em que o delineamento fático-probatório contido no acórdão recorrido não induz à conclusão de exercício irregular da atividade de locação, de participação da pessoa jurídica no ato ilícito, nem de algum potencial proveito econômico da locadora com as mercadorias internalizadas. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 1817179/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 02/10/2019) No mesmo sentido, é o entendimento desta E. Corte: DIREITO ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. VEÍCULO UTILIZADO NA PRÁTICA DE CONTRABANDO. APLICAÇÃO DE PENA DE PERDIMENTO. NÃO PARTICIPAÇÃO DO PROPRIETÁRIO NO ILÍCITO. LOCADORA. ILEGITIMIDADE DA PENA. VERBETE 138 DO TFR. APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL NÃO PROVIDA. - Ao que se infere do já relatado, a questão jurídica tratada neste processo não está inserida na discutida no Tema 1041 do C. Superior Tribunal de Justiça. - Isso porque, o Tema 1.041, em discussão junto ao C. STJ, não trata da aplicação da pena de perdimento às locadoras de veículo por responsabilidade subsidiaria em relação a ilícitos cometidos pelo condutor (locatário), mas apenas quanto à aplicação da pena de perdimento a veículos de empresas transportadoras de mercadoria ou de passageiros (empresas de viagem/turismo), circunstância jurídica essa não aqui apreciada. Dessa forma, inaplicável ao caso o sobrestamento deste feito. - O objeto do presente processo consiste na declaração de nulidade da pena de perdimento do Volkswagen Voyage 1.6L MB5, ano de fabricação/modelo 2018/2019, Placa QPV-7761, cor cinza, Chassi 9BWDB45U2KT094825, imposto à autora, empresa LOCALIZA RENTE A CAR S.A. - A pena de perdimento de veículo é expressamente prevista pelo artigo 688 do Decreto nº 6.759/2009 nas seguintes hipóteses: Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 104; Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 24; e Lei no 10.833, de 2003, art. 75, § 4o): I - quando o veículo transportador estiver em situação ilegal, quanto às normas que o habilitem a exercer a navegação ou o transporte internacional correspondente à sua espécie; II - quando o veículo transportador efetuar operação de descarga de mercadoria estrangeira ou de carga de mercadoria nacional ou nacionalizada, fora do porto, do aeroporto ou de outro local para isso habilitado; III - quando a embarcação atracar a navio ou quando qualquer veículo, na zona primária, se colocar nas proximidades de outro, um deles procedente do exterior ou a ele destinado, de modo a tornar possível o transbordo de pessoa ou de carga, sem observância das normas legais e regulamentares; IV - quando a embarcação navegar dentro do porto, sem trazer escrito, em tipo destacado e em local visível do casco, seu nome de registro; V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade; VI - quando o veículo terrestre utilizado no trânsito de mercadoria estrangeira for desviado de sua rota legal sem motivo justificado; e VII - quando o veículo for considerado abandonado pelo decurso do prazo referido no art. 648. - No caso, a proprietária do veículo é empresa locadora, tendo sido contratado por terceiro para, tão somente, proceder à locação do automóvel, não tendo ficado comprovado nos autos a sua participação na conduta lesiva, tampouco a ciência do conteúdo ilícito a ser transportado no automóvel. - Não há de se falar em sanção administrativa de perdimento, se não apurada a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito penal de contrabando, em processo regular, com observância dos direitos constitucionais de ampla defesa e contraditório. - De ser observado o disposto no § 2º do citado artigo 617 do Regulamento Aduaneiro: § 2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito. - Sem dúvida, nos termos da legislação, verifica-se a necessidade do Poder Público em comprovar que o proprietário do veículo apreendido tenha agido com má-fé. Tal condição é pressuposto para a aplicação da pena de perdimento, consoante estabelecido pelo verbete da Súmula 138 do extinto TRF, in verbis: "A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade de seu proprietário na prática do ilícito." - Ressalte-se, outrossim, consistir a pena de perdimento na restrição ao direito de propriedade do particular, protegido constitucionalmente, não podendo ser admitidos excessos na sua aplicação, havendo a necessidade da apuração da presença do dolo no comportamento do transportador. Não basta a mera responsabilização por culpa in elegendo ou in vigilando, ou seja, imprescindível a comprovação da intenção do proprietário do veículo em participar na prática do ilícito. - Pela documentação juntada aos autos, restou por comprovada a conduta da autoria, a qual não participou do ilícito, sendo, conforme já dito, tão somente, proprietário do veículo em questão. - Tal premissa vai ao encontro da pacificada jurisprudência no sentido de que a aplicação da pena de perdimento do veículo só é possível quando comprovada a responsabilidade do proprietário. Por sinal, é este o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça. - Efetivamente, não comporta qualquer alteração a r. sentença de primeiro grau, pela qual restou julgado procedente o pedido e afastada a pena de perdimento do veículo em questão. - Cabe destacar, a impropriedade do pedido subsidiário da parte ré, para que sejam abatidas, no momento do pagamento da indenização, as despesas com a apreensão, transporte e guarda do veículo em questão, sob alegação da previsão do art. 270, §1º do Código Brasileiro de Trânsito - CBT. - Tal requerimento, objetivamente, se confronta com o direito autoral de ser, na forma efetiva, ressarcido financeiramente do perdimento fiscal do veículo de sua propriedade, face à prática de ato ilícito por terceiro, do qual a proprietária não deu causa, não podendo, portanto, responder por despesas colaterais ditas pertinentes ao caso. - Destarte, por conta do não provimento de sua apelação, a União resta por condenada ao pagamento de honorários advocatícios recursais fixados em 2% (dois por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 3º e 11, do Código de Processo Civil. - Negado provimento à apelação da União. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5006029-03.2020.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 28/11/2022, DJEN DATA: 06/12/2022) ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE VEÍCULO E DE MERCADORIAS DE ORIGEM ESTRANGEIRAS DESPROVIDAS DE REGULAR DOCUMENTAÇÃO. LOCAÇÃO DE VEÍCULO. BOA-FÉ DO PROPRIETÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO. LIBERAÇÃO DO VEÍCULO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Tratando-se de importação irregular de mercadorias, a pena de perdimento deve ser aplicada ao veículo transportador se houver prova de que o proprietário do veículo apreendido concorreu de alguma forma para o ilícito fiscal. 2. No caso em epígrafe, a impetrante é empresa locadora de veículos e firmou contrato de locação do automóvel marca/modelo Nissan Versa, de placas QPL-4440, com Antônio Floriano Ramos, em 14/03/2019, com data de devolução em 13/04/2019 (ID 156537243). 3. Juntou aos autos, além do contrato de locação assinado, termo de responsabilidade, ficha de inspeção do veículo. comprovantes do valor pago pelo serviço contratado, CNH do condutor locatário, bem como certificado de registro do veículo, que demonstram a propriedade do automóvel, bem como a regularidade da locação havida (ID 156537243 a ID 156537245). Neste contexto, não há nos autos elementos que comprovem a participação da impetrante no cometimento ou conhecimento do ilícito praticado. 4. Nos termos de consolidado entendimento da Corte Superior, se não comprovada a participação da empresa locadora no ato ilícito, nem de potencial proveito econômico da empresa com a prática criminosa, é cabível a restituição do veículo. (STJ, REsp 1817179/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 02/10/2019) 5. Observa-se, por oportuno, que em nenhum momento dos autos há prova de que a proprietária, ora impetrante, tenha alguma relação com o ilícito perpetrado, seja em sua consecução direta, seja no recebimento de vantagem econômica, subsistindo a conclusão de que, não sendo a locadora pessoa responsável pelos atos praticados pelo locatário, nada há a se imputá-la. 6. Como já ressaltado em sentença, não há dever legal de a impetrante, empresa locadora, realizar consulta aos sistemas da RFB ou obter certidões criminais dos locatários e condutores do veículo. 7. Apelação a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001851-93.2020.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 07/01/2022, Intimação via sistema DATA: 04/02/2022) Ora, não havendo prova de que a locadora, proprietária do veículo, tenha alguma relação com o ilícito perpetrado, seja em sua consecução direta, seja no auferimento de vantagem econômica, subsiste a conclusão de que, não sendo a pessoa responsável pelos atos praticados por terceiro, inaplicável a pena de perdimento do bem. Não se mostra razoável impor às locadoras de veículo antes da realização do contrato de locação fazer consulta de CPF a fim de averiguar a ocorrência ou não de crime anterior, já não é possível controlar permanentemente as atividades dos locatários; de forma que a imputação objetiva da responsabilidade ao proprietário do veículo inviabiliza o livre exercício de sua atividade profissional. Ademais, ainda que a locadora realize a consulta no COMPROT, como requer a União, tal circunstância não permite à empresa recusar a efetivação do aluguel de veículo, sob pena inclusive de crime contra o consumidor (art. 7°, I, Lei nº 8.137/1990), por discriminação. Assim, estando ausente o requisito da responsabilidade pessoal da recorrida, tratando-se de terceiro de boa-fé impossível a aplicação da pena de perdimento do veículo em questão. Do valor da indenização do veículo. No tocante ao valor da indenização do veículo, verifica-se que assiste razão ao recorrente, considerando que de acordo com o §1º do art. 803-A do Decreto nº 6.759/2009, para que seja determinado que o valor a ser considerado como base da indenização é o constante do procedimento fiscal correspondente, devidamente acrescido de taxa de juros pela Taxa Selic, afastando-se qualquer abatimento de despesas ou taxas incorridas pela Administração, tendo em vista a ausência de responsabilidade do proprietário do bem pela infração que motivou a apreensão Nesse sentido, colaciono jurisprudência de E. Corte: TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AÇÃO ANULATÓRIA. PENA DE PERDIMENTO AFASTADA. INDENIZAÇÃO. ARTIGO 803-A DO DECRETO Nº 6.759/2009. OMISSÃO. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. POSSIBILIDADE. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, bem assim corrigir erro material. No entanto, a jurisprudência admite a atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração em hipóteses excepcionais, para corrigir premissa equivocada no julgamento, bem como nos casos em que, sanada a omissão, a contradição ou a obscuridade, a alteração da decisão surja como consequência necessária. Afastada a pena de perdimento e o pagamento de lucros cessantes e tendo em vista a informação de que as mercadorias já foram destinadas na via administrativa, cabível acolher o pedido subsidiário de indenização pelo valor equivalente em dinheiro, nos termos do artigo 30 do DL nº 1.455/76 e artigo 803-A do Decreto nº 6.759/2009. A indenização terá como base o valor atualizado das mercadorias, constante dos documentos de importação juntados aos autos, além dos juros de mora de 0,5% (meio por cento), contados a partir da data da aplicação da pena de perdimento das mercadorias até a data do pagamento administrativo, nos termos do artigo 30, §2º, do DL nº 1.455/76, a ser apurado em sede de liquidação de sentença. Embargos de declaração acolhidos para suprir a omissão apontada. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0001585-74.2009.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 27/04/2022, DJEN DATA: 02/05/2022) DIREITO ADUANEIRO E TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. MERCADORIA IMPORTADA IRREGULARMENTE SUJEITA À PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO TRANSPORTADOR. BOA-FÉ DO PROPRIETÁRIO. EMPRESA LOCADORA DE VEÍCULOS. LEILÃO ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. 1 - A doutrina e a Jurisprudência entendem que o proprietário de veículo apreendido com mercadorias proibidas ou provenientes do exterior sem a documentação de importação pertinente não pode ser responsabilizado por tal conduta se agiu de boa-fé e não concorreu para tal fato. 2 - Por certo, o negócio entre particulares não obsta a atuação da Administração, porquanto não podem ser oponíveis as convenções particulares ao fisco, restritos os efeitos do pacto entre as partes celebrantes, não vinculando a autoridade aduaneira, em razão da primazia do interesse público sobre o particular. 3 - Consoante o entendimento do STJ, "somente é cabível a aplicação de pena de perdimento de veículo quando houver clara demonstração da responsabilidade do proprietário na prática do ilícito" (AgRg no REsp 1.313.331/PR, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 18.6.2013). 4 - Assim, cumpre verificar, no caso concreto, a ocorrência de fatos que comprovem que o proprietário concorreu, de alguma forma, para a prática do ilícito, porque o proprietário tem a obrigação de agir com cautela e evitar a utilização do seu veículo na prática de infrações. 5 - Na hipótese, constata-se que, em 24/09/2012, a empresa Govesa Locadora celebrou com a empresa Aprova Goiás o contrato de locação do veículo VW Gol G5, 1.6, prata, ano 2012, modelo 2013,Placas OGL- 6659 - Goiânia - GO - Renavam 472701029 (fls. 107/109). 6 - Ao se compulsar os autos, não se encontra qualquer indício de que a locadora do veículo teve qualquer participação no ilícito. Aliás, tanto no inquérito policial instaurado nº 0456/2012-2 (Proc. 0011364-69.2012.403.6000) quanto no PA nº 19715.721912/2012-32 fica evidente que a locação foi lícita e que o condutor do automóvel, Junior César Martins, funcionário da Aprova Goiás, sequer informou a Govesa quanto a apreensão do veículo ocorrida em 31/10/2012, que só tomou conhecimento da apreensão e guarda do veículo (Termo nº 0140100/EFA001438/2012) quando do recebimento do ofício nº 6252/2012-SR/DPF/MS enviado pelo Departamento de Polícia Federal Superintendência Regional no Mato Grosso. Consta, inclusive, que o veículo não sofreu qualquer adulteração para a prática criminosa. 7 - Nesse cenário, por certo, é incabível a aplicação da pena de perdimento uma vez ausentes os elementos suficientes a afastar a presunção de boa-fé ao autor, em atendimento à regra do ônus da prova prevista no art. 373, I do CPC/2015, vez que esta se presume. 8 - Presente a boa-fé do proprietário (locadora de veículos) no sentido de sua não participação, não é possível que lhe seja estendida a responsabilidade pelo cometimento do ilícito fiscal. 9 - Diante a impossibilidade de restituição do veículo por conta do leilão administrativo, conforme fundamentação supra, o autor deve ser indenizado, nos termos do art. 803-A, do Decreto 6.759/2009. 10 - Recurso de apelação desprovido. Sentença mantida. (TRF-3 - ApCiv: 00065908820154036000 MS, Relator: Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, Data de Julgamento: 05/12/2019, 3ª Turma, Data de Publicação: e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/12/2019) DIREITO ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS. BAGAGEM ACOMPANHADA. BENS DE USO PESSOAL. INTUITO COMERCIAL NÃO CARACTERIZADO. LIMITE QUANTITATIVO. INAPLICABILIDADE. APREENSÃO E PENA DE PERDIMENTO. ILEGALIDADE. INDENIZAÇÃO DEVIDA, DIANTE DA IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS BENS. PRELIMINARES AFASTADAS. APELAÇÃO IMPROVIDA. RECURSO ADESIVO PROVIDO. 1. A aplicação de pena de perdimento não impede a discussão judicial do ato administrativo, inclusive porque a autora requereu subsidiariamente a condenação da União ao pagamento de indenização pelos danos materiais suportados, de modo que descabe falar em ausência de interesse de agir. 2. Não há ofensa à ampla defesa em razão do julgamento antecipado da lide se, intimadas as partes a se manifestarem sobre as provas que pretendiam produzir, restaram silentes. 3. A apreensão das mercadorias importadas pela autora foi realizada ao argumento de ter restado caracterizado o intuito comercial da operação, vez que ultrapassado o limite quantitativo estabelecido pelo art. 33 da Instrução Normativa RFB nº 1.059/10 (isto é, em viagem por via terrestre, no máximo 20 unidades no total e 3 unidades idênticas). 4. Ocorre que o art. 157 do Regulamento Aduaneiro diferencia "bens de uso ou consumo pessoal" de "outros bens" e apenas quanto a estes últimos é que se aplicam os limites quantitativos referidos. Os itens importados pela autora, em quantidade e natureza, enquadram-se no conceito de "bens de uso ou consumo pessoal", tornando-se inaplicável sua limitação quantitativa e ilegal a apreensão/perdimento. 5. Considerando-se que já houve a determinação de perdimento dos bens, sendo impossível sua restituição, é devida à autora indenização dos danos materiais suportados, nos termos do art. 803-A do Regulamento Aduaneiro. O valor será apurado em preliminar de execução, com juros desde a apreensão indevida (Res. 267/CJF). 6. Preliminares afastadas. Apelação improvida. Recurso adesivo provido.” (AC nº 0000909-48.2013.4.03.6311/SP, Rel. Desemb. Fed. JOHONSON DI SALVO, DJF3 19/07/2018) Destarte, a r. sentença merece ser parcialmente reformada para que seja determinado que o valor a ser considerado como base da indenização é o constante do procedimento fiscal correspondente, devidamente acrescido de taxa de juros pela Taxa Selic, afastando-se qualquer abatimento de despesas ou taxas incorridas pela Administração, tendo em vista a ausência de responsabilidade do proprietário do bem pela infração que motivou a apreensão. Ante o exposto, nego provimento ao apelo da União e dou parcial provimento ao apelo da autora para determinar que o valor a ser considerado como base da indenização é o constante do procedimento fiscal correspondente, afastando-se qualquer abatimento de despesas ou taxas incorridas pela Administração, conforme fundamentação. É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. PERDIMENTO DE VEÍCULO INTRODUTOR DE MERCADORIA ESTRANGEIRA SEM REGULAR DOCUMENTAÇÃO. LOCADORA DE VEÍCULOS. BOA-FÉ DO PROPRIETÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO. DESTINAÇÃO DO BEM.VALOR DA INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE AO CONSTANTE NO PROCEDIMENTO FISCAL.
1. A questão aqui versada não encontra correspondência jurídica com a matéria discutida no Tema 1041 do C. Superior Tribunal de Justiça, de modo que inaplicável ao caso o sobrestamento deste feito.
2. No caso de importação irregular de mercadorias, a pena de perdimento deve ser aplicada ao veículo transportador sempre que houver prova de que o proprietário do veículo apreendido concorreu de alguma forma para o ilícito fiscal (Inteligência da Súmula nº 138 do TFR) e relação de proporcionalidade entre o valor do veículo e o das mercadorias apreendidas.
3. Consoante se depreende da leitura dos autos, o veículo em questão, no momento da apreensão, era conduzido por Alex Everton Montalvão terceiro alheio ao contrato de locação e continha em seu interior mercadorias sem as devidas documentações fiscais e tributárias em conformidade.
4. Observa-se que o veículo em questão foi objeto de contrato de locação nº 17211170, em 6.2.2019, com data de devolução prevista para 11.2.2019 entre a recorrida e Ana Zelma Xavier Marques de Souza, que indicou como condutor adicional o Sr. Jeferson Gonçalves Matias.
5. Ao contrário do que alega a União, o proprietário do veículo apreendido, na hipótese de estar alheio aos fatos que culminaram em exigência fiscal, não deve ser responsabilizado pelo ato realizado por terceiro, uma vez que não é verificada má-fé.
6. In casu, não se vislumbra culpa por parte da locadora quanto à prática da infração aduaneira, já que o veículo era conduzido por terceiro, alheio inclusivo ao contrato de locação, não havendo qualquer indício de que tenha participação no ilícito, tratando-se, portanto, de terceiro de boa-fé.
7. Não se mostra razoável impor às locadoras de veículo antes da realização do contrato de locação fazer consulta de CPF a fim de averiguar a ocorrência ou não de crime anterior, já não é possível controlar permanentemente as atividades dos locatários; de forma que a imputação objetiva da responsabilidade ao proprietário do veículo inviabiliza o livre exercício de sua atividade profissional.
8. Ainda que a locadora realize a consulta no COMPROT, como requer a União, tal circunstância não permite à empresa recusar a efetivação do aluguel de veículo, sob pena inclusive de crime contra o consumidor (art. 7°, I, Lei nº 8.137/1990), por discriminação.
9. No tocante ao valor da indenização do veículo, verifica-se que assiste razão ao recorrente, considerando que de acordo com o §1º do art. 803-A do Decreto nº 6.759/2009, o valor a ser considerado como base é o constante do procedimento fiscal correspondente, devidamente acrescido de taxa de juros pela Taxa Selic, tendo como marco inicial a data da apreensão, nos termos do artigo 30, §1º, inciso I, c/c §2º, do Decreto-Lei nº. 1.455, de 7 de abril de 1976; afastando-se qualquer abatimento de despesas ou taxas incorridas pela Administração, tendo em vista a ausência de responsabilidade do proprietário do bem pela infração que motivou a apreensão.
10. Apelo da União desprovido. Apelo da autora provido em parte.