Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000426-28.2007.4.03.6117

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: RUMO S.A, RUMO MALHA PAULISTA S.A., UNIÃO FEDERAL, AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT

Advogados do(a) APELANTE: ELIAS MARQUES DE MEDEIROS NETO - SP196655-A, LUIZ ANTONIO FERRARI NETO - SP199431-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000426-28.2007.4.03.6117

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: RUMO S.A, RUMO MALHA PAULISTA S.A., UNIÃO FEDERAL, AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT

Advogado do(a) APELANTE: GRAZIELE MARIETE BUZANELLO MUSARDO - SP257897-N
Advogado do(a) APELANTE: JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

MBV 

 

R E L A T Ó R I O

Reexame necessário e apelações interpostas pela UNIÃO (Id. 102714591 – fls. 09/38) e pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT (102714591 – fls. 69/92) contra sentença que, em sede de ação civil pública, julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos (Id. 102701347 – fls. 184/195):

"a) condenar a FERROBAN - FERROVIAS BANDEIRANTES S/A e AMERKA LATINA LOGÍSTICA S.A - ALL HOLDING nas seguintes obrigações de fazer, no prazo de até 120 (cento e vinte) dias, no trecho da linha férrea que corta os Municípios de Jaú a Brotas, com exceção de Dois Córregos:

a1) substituir no mínimo 45.047 (quarenta e cinco mil e quarenta e sete,) dormentes), descontados os eventualmente substituídos a partir da realização da perícia judicial;

a2) rever a fixação dos dormentes;

a3) adequar as juntas dos trilhos, lastro, passagens em nível ou viadutos;

a4) melhorar as condições de drenagem da via férrea, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 55.000,00 (cinqüenta e cinco mil reais);

b) condenar a UNIÃO a fiscalizar o cumprimento do contrato de concessão (f. 332/355) e, caso a FERROBAN não cumpra as determinações desta sentença no prazo fixado nesta sentença, a decretar a caducidade da concessão, retomando o serviço, sob pena de pagamento de multa diária, a partir daí, de R$ 50.000,00;

c) condenar a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT a fiscalizar a execução dos serviços prestados pela FERROBAN no trecho da linha férrea que corta os Municípios de Jaú a Brotas, com exceção de Dois Córregos, inclusive no tocante à execução da obrigação de fazer constante nesta sentença, aplicando as penalidades previstas em lei, devendo encaminhar a este Juízo relatórios detalhados de fiscalização até o dia 05 de cada mês, sob pena de pagamento, a partir daí, de multa diária de R$ 55.000,00.

Incabível condenação das requeridas em honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei n° 7.347/85,sistematicamente interpretado, pois não reconheço má-fé por parte delas. Se o Ministério Público, em sede de ação civil pública, não paga honorários, com exceção dos casos de má-fé, também não deve recebê-los, senão de quem age de má-fé. Nesse sentido: STJ, RESP 785.489/DF, rel. Mm. Castro Meira.

Confirmo a antecipação dos efeitos da tutela concedida nestes autos n° 2007.61.17.000426-7. Translade-se cópia desta decisão aos autos n° 2007.61.17.002431-0. Comunique-se a prolação desta sentença ao Relator do(s) agravo(s). Sentença sujeita a reexame necessário. Custas na forma da lei.

P.R.I.C”.

 

A UNIÃO arguiu as preliminares de inexistência de continência com a Ação Civil Pública n° 0002431-23.2007.4.03.6117 (2007.61.17.002431-0), ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir, ao argumento de que a obrigação de fiscalizar a prestação dos serviços foi transferida à ANTT por meio do artigo 25, II, da Lei nº 10.233/01, que criou e dispôs sobre a restruturação dos transportes terrestres, e de que não foi demonstrado ter havido recusa ou qualquer obstáculo ao exercício de fiscalização. Quanto ao mérito, sustenta, resumidamente que (Id. 102714591 – fls. 09/38):

1) o magistrado distinguiu indevidamente a fiscalização do contrato, a cargo da União, da do serviço ferroviário, a cargo da ANTT, como se fossem coisas diferentes. Contudo, a inspeção do serviço passa, evidentemente, pela do contrato e não é possível imaginar uma sem a outra.

2) é incabível falar-se em fiscalização do serviço sem associar à do contrato e a recíproca é verdadeira, vez que não se pode afirmar que a fiscalização do contrato é da União e a do serviço ferroviário é da ANTT, pois ambos se confundem e estão ligados umbilicalmente.

3) a União não pode ser considerada responsável pela suposta deficiência de fiscalização ou omissão, porquanto a inspeção do serviço ferroviário é de competência da ANTT, ainda que não tenha ocorrido de forma adequada.

4) a condenação imposta, consistente na obrigação de fiscalizar o cumprimento do contrato de concessão, não pode prevalecer por representar grave ofensa à Constituição, sobretudo ao primado da separação de poderes.

5) conquanto o Judiciário possa apreciar atos praticados pela administração, não pode ingressar no exame das questões atinentes ao mérito administrativo, de competência do Executivo, que o exerce mediante atos políticos praticados quando da realização dos programas de governo.

6) ainda que seja possível ao Judiciário determinar ao Poder Executivo a prática de algum ato, como a fiscalização de determinado contrato, o pedido não pode ser dirigido contra a União, visto que não há qualquer elemento que indique que a fiscalização do contrato é insatisfatória.

7) o fato de terem ocorrido acidentes no trecho da ferrovia objeto da ação não é suficiente, por si só, para estabelecer relação de causa e efeito entre o evento ocorrido e a atividade fiscalizadora do contrato. Nem mesmo a alegada má conservação do trecho implica a conclusão de falha ou omissão da fiscalização”.

8) para que a pessoa responsável pela fiscalização da concessão seja condenada é necessária e indispensável a comprovação cabal de que a inspeção é deficiente, não baseada em mera dedução.

9) não há nenhuma prova que indique ausência ou irregularidade na condução da fiscalização do contrato de concessão, nem mesmo no laudo pericial. Contrariamente, de acordo com a resposta ao quesito n° 4 da União, o perito afirmou que tinha conhecimento de que: a ANTT encaminhou o oficio nº 912/2006 ao Ministério Público Federal em 19 de dezembro de 2006, esclarecendo que nos exercícios de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 a Superintendência de Serviços de Transportes de Cargas, por meio da equipe da GEFIC, executou inspeções técnico-operacionais programadas e eventuais na malha paulista, conceda a Ferroban. Também foi realizada inspeção técnico-operacional referente ao exercício de 2007 no dia 25/04/2007.

10) os elementos constantes nos autos revelam que o poder concedente atua normalmente e cumpre sua obrigação legal e contratual, de modo que não há se falar em omissão de sua parte.

11) o resultado da perícia também conduz à conclusão de que o pedido formulado pelo autor em face da União não merece ser acolhido e deve ser julgado totalmente improcedente.

12) a condenação a astreintes contra a fazenda pública é incompatível com o regime constitucional, visto que qualquer pagamento devido pela UNIÃO, mesmo que decorrente de sentença judicial, segue rigorosamente o regime do precatório. Ademais, tal condenação só se legitima quando há justo receio de resistência ao julgado, impossível de ocorrer por parte da administração pública, guiada pelos princípios da legalidade e impessoalidade.

 

A AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT, em suas razões recursais, argui a preliminar de falta de interesse processual, ao fundamento de que não pode ser condenada a fazer algo a que já é obrigada em virtude do contrato de concessão e da própria lei, bem como o descabimento de tutela antecipada e imposição de multa diária contra a fazenda pública. Relativamente ao mérito, afirma que (Id. 102714591 – fls. 69/92):

a) celebrou com a FERROBAN dois termos de ajuste de conduta destinados a estabelecer as obras necessárias na malha ferroviária e executou, desde 2002, diversas inspeções técnico-operacionais no trecho de Jaú a Brotas;

b) não há qualquer omissão ilícita de sua parte ou da UNIÃO que possa ensejar a intervenção judicial;

c) a interferência do Poder Judiciário nas atribuições inerentes ao Poder Executivo ofende ao primado da separação dos poderes, considerada a distribuição de funções entre os diferentes órgãos do Estado, para preservação da harmonia e independência entre os mesmos;

d) o Judiciário não está impedido de apreciar os atos praticados para a consecução dos objetivos motivadores das decisões políticas tomadas pelo Executivo e Legislativo, contudo: “a análise judicial se circunscreve à parte correspondente à competência, forma e finalidade dos aios administrativos. Não cabe ao Poder Judiciário ingressar no exame do mérito do ato administrativo, pois este é examinado exclusivamente pelo Poder Executivo, através de atos políticos, praticados quando da realização dos Programas de Governo”.

e) é necessário demonstrar cabalmente que a fiscalização exercida é deficiente e/ou insatisfatória, para que haja condenação da pessoa jurídica de direito público, o que em momento algum foi comprovado.

 

As apelações interpostas pela UNIÃO (Id. 102714591 – fls. 09/38), AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTES – ANTT (Id. 102714591 – fls. 69/92) e RUMO S/A E RUMO MALHA PAULISTA S/A (atual denominação de FERROBAN - FERROVIAS BANDEIRANTES S.A e ALL América Latina Logística S.A.) (Id. 102701347 – fls. 240/262) foram recebidas no efeito meramente devolutivo (Id. 102714591 – fl. 171 e 177). Contra referida decisão foram interpostos o Agravo de Instrumento nº 0005466-04.2010.4.03.0000/SP pela UNIÃO (Id. 102710430 – fls. 49/59) e nº 008923-44.2010.4.03.0000/SP pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT (Id. 102710430 – fls. 63/72) e os pedidos de antecipação da tutela recursal foram indeferidos (Id. 102710430 – fls. 170/173). A Quarta Turma, na sessão realizada no dia 30/04/2020, negou provimento ao Agravo nº 0005466-04.2010.4.03.0000 e o acórdão transitou em julgado em 03/07/2020 (Id. 131637309 e Id. 136351517 do feito originário). O colegiado, no julgamento realizado no dia 16/02/2023, negou provimento ao Agravo de Instrumento nº 0008923-44.2010.4.03.0000 (Id. 270276215 dos autos originários). Os embargos de declaração opostos (Id. 270865760) foram rejeitados (Id. 278883599). O recurso especial interposto (Id. 281344495) não foi admitido (Id. 285005559), decisão contra a qual a agência interpôs agravo ao STJ (Id. 286663492). .

Em contrarrazões, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença e a condenação imposta (Id. 102710430 – fls. 15/43).

O Procurador Regional da República manifestou-se pelo desprovimento dos recursos, com a manutenção da sentença (Id. 102710430 – fls. 115/124).

A UNIÃO requereu a juntada aos autos da decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 0001763-31.2011.403.0000, em trâmite perante a Sexta Turma, em que foi reconhecida a sua ilegitimidade passiva para promover a fiscalização dos contratos de concessão da malha ferroviária, como defendido nas razões de apelo (Id. 102710430 – fls. 127/132).

A apelante RUMO S/A e RUMO MALHA PAULISTA S/A (atual denominação de AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S/A. e AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA PAULISTA S/A e FERROBAN - FERROVIAS BANDEIRANTES S/A), informou a composição amigável para extinção das Ações Civis Públicas nº 2007.61.17.000426-7 e nº 2007.61.17.002431-0 e da Execução Provisória nº 003410-142009403.6117 e requereu a desistência do apelo e a sua homologação (Id. 102710430 – fls. 174/180). Intimadas as partes, a UNIÃO apresentou manifestação para dizer que não havia aderido ao acordo (Id. 102710430 – fl. 184). O MPF afirmou que o acordo celebrado não interferia nas responsabilidades da UNIÃO e ANTT em dar cumprimento às obrigações contraídas no contrato de concessão (Id. 102710430 – fl. 189). Para a ANTT, a obrigação de fiscalizar já decorre de lei, razão pela qual descabe a cominação de multa diária por desrespeito, o que é objeto do recurso interposto, bem como ressalta que o acordo não foi integralmente cumprido e há inspeções pendentes de realização, de modo que seria prudente aguardar a finalização do cumprimento das obrigações avençadas (Id. 102710430 – fls. 191/192).

O Juízo Federal da 1ª Vara Federal em Jaú/SP comunicou que proferiu sentença extintiva nos autos do Cumprimento de Sentença n°. 0003410-14.2009.403.6117, considerado o cumprimento da transação judicial, e remeteu cópias da decisão e do acordo (Id. 102710430 – fls. 195/201). Instadas a se manifestar, a RUMO S/A e RUMO MALHA PAULISTA S/A (atual denominação de AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S.A. e AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA PAULISTA S.A. e FERROBAN Ferrovias Bandeirantes S.A.) requerem seja declarado prejudicado o apelo interposto (Id. 102710430 – fls. 206/207). A UNIÃO e a ANTT reiteraram os termos das petições anteriores (Id. 102710430 – fls. 212, 214/215). O Procurador da República manifestou-se pela homologação do requerimento de desistência do recurso formulado pela RUMO S/A e RUMO MALHA PAULISTA S/A (atual denominação de ALL - América Latina Logística S/A e América Latina Logística Malha Paulista) e pelo desprovimento dos apelos da União Federal e da ANTT (Id. 102710430 – fls. 219/220).

A AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT apresentou memoriais em que afirma que a extinção do cumprimento provisório de sentença acarretou a perda do objeto e falta de interesse superveniente, motivo pelo qual o processo deve ser extinto, sem julgamento do mérito, com fundamento no artigo 485, inciso VI do Código de Processo Civil. Informa que a área técnica encaminhou documentos, segundo os quais: "com a renovação antecipada do contrato de concessão da Rumo Malha Paulista – RMP, foi introduzida a exigência de apresentação, por parte daquela concessionária, de um Relatório de Acompanhamento Anual - RAA",  modificando-se o procedimento de fiscalização pela ANTT, o que demonstra a falta de interesse do autor, bem como a ausência de amparo legal ou ainda de razoabilidade no pedido de fiscalização mensal" (Id. 298724096).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000426-28.2007.4.03.6117

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: RUMO S.A, RUMO MALHA PAULISTA S.A., UNIÃO FEDERAL, AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT

Advogado do(a) APELANTE: GRAZIELE MARIETE BUZANELLO MUSARDO - SP257897-N
Advogado do(a) APELANTE: JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

I – DA APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL

Inicialmente, ressalta-se que sentença recorrida foi proferida em 22.05.2009 (Id. 102701347 – fl. 195), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, de modo que o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nº 01 e 03/2016, do STJ):

EMENTA

- A sentença recorrida foi proferida em antes da vigência da Lei n.º 13.105/2015 (NCPC), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativo n.º 01 e 03/2016, do STJ).

 

II - DA DESISTÊNCIA

Enquanto se aguardava o julgamento dos recursos, sobreveio pleito de desistência da apelante RUMO S/A e RUMO MALHA PAULISTA S/A (atual denominação de AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S/A. e AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA PAULISTA S/A. e FERROBAN - FERROVIAS BANDEIRANTES S/A.), à vista da composição amigável com o MPF para extinção da ação.

O artigo 998 do Código de Processo Civil confere ao recorrente a prerrogativa de desistir do recurso, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido. Saliente-se que os subscritores do pedido têm poderes especiais para desistir, conforme substabelecimento colacionado aos autos (Id. 102710430 - fls. 140/143), pelo que o pedido deve ser homologado.

 

III – DAS PRELIMINARES

III.1) DA CONTINÊNCIA

A UNIÃO alega a inexistência de continência com a Ação Civil Pública nº 0002431-23.2007.4.03.6117 (2007.61.17.002431-0) pela inexistência de identidade de partes, vez que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a ALL, a UNIÃO e a ANTT não figuram como partes nesta ação. Afirma não ser possível o deslocamento daquele feito para a Justiça federal, pois não há no polo passivo ente público que justifique a prorrogação da competência.

O artigo 104 do CPC/73 estabelecia que a continência entre duas ou mais ações ocorreria quando houvesse identidade de partes e causa de pedir e o objeto de uma fosse mais amplo e abrangesse o das outras, o que se constata no caso dos autos.

A Ação Civil Pública nº 0002431-23.2007.4.03.6117 foi ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra a RUMO MALHA PAULISTA S.A. (atual denominação de FERROBAN - FERROVIAS BANDEIRANTES S/A), e objetivava a sua condenação à obrigação de fazer consistente na realização de obras necessárias à recuperação, manutenção e conservação da via férrea que passa pelo Município de Jaú (Id. 102662948 – fls. 06/30 do feito originário). O magistrado deferiu o pedido formulado pelo Ministério Público de remessa daqueles autos à Justiça Federal em Jaú, em razão da continência, considerado o ajuizamento desta ação civil pública pelo Ministério Público Federal contra a requerida e outros, com identidade de partes e causa de pedir e objeto mais amplo. Posteriormente, determinou o sobrestamento daquele feito, até o término da fase instrutória desta ação, considerado que o trecho da malha ferroviária era objeto de ambos os feitos, que continham o mesmo segmento, bem como a necessidade de haver uma única e eficaz decisão que tutelasse toda a extensão da malha discutida nas ações (Id. 102661855 – fls. 117, 121 e 135 do feito originário).

A presente ação tem como objetivo a condenação da concessionária à obrigação de fazer consistente na realização das obras necessárias ao tráfego seguro nos trechos ferroviários situados na área da 17ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, com exclusão do de Dois Córregos, e da UNIÃO e ANTT no dever de fiscalizar a efetivação das medidas exigidas (Id. 102710412 – fls. 08/24).

A despeito da identidade parcial das partes, verifica-se que as duas ações envolvem trechos de uma mesma ferrovia e que o objeto desta ação é mais amplo, de modo que a reunião dos feitos é medida necessária para que seja proferida sentença única que possa tutelar, como mencionado pelo juiz a quo: toda a extensão da malha discutida nas ações”, bem como evitar decisões conflitantes. Nessa acepção destaca-se:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. PROCESSUAL CIVIL. CONTINÊNCIA. IDENTIDADE DE PARTES, PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 7, DO STJ. CONTINÊNCIA SUBJETIVA CRUZADA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO DOS ELEMENTOS. ART. 56, DO CPC. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. A jurisprudência do Superior de Justiça manifesta-se no sentido de que "a conexão ou a continência, por decorrência da identidade da causa de pedir ou pedido, torna conveniente o julgamento conjunto, não só por medida de economia processual, mas também para evitar a possibilidade de prolação de decisões contraditórias, que trariam desprestígio à Justiça" (AgInt no AREsp 479.470/SP, Rel. p/ acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 3.8.2017, DJe de 27.9.2017).

2. A continência é fenômeno que se dá "entre 2 (duas) ou mais ações quando houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais" (art. 56, do CPC).

3. O que realmente torna imperiosa a reunião de processos, para julgamento em sentença única, e com derrogação de competência anteriormente firmada, é a efetiva possibilidade prática de ocorrerem julgamentos contraditórios nas causas. Interpretação art. 58, do Código de Processo Civil.

4. Na hipótese, o Tribunal de origem concluiu, com base na análise das petições iniciais de ambas as ações propostas, que há identidade de partes, de pedido e causa de pedir, para reconhecer a continência.

5. Nesse contexto, a análise relativa à existência de continência e litispendência é insuscetível de reapreciação em sede de Recurso Especial, por força do óbice da Súmula nº 7 do STJ.

6. É entendimento consagrado por esta Corte que há litispendência ou, no caso, continência (também denominada de litispendência parcial) quando presente a tríplice identidade - mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmos pedidos -, sendo irrelevante o fato de as partes ocuparem polos processuais contrapostos nas duas ações.

Precedentes.

7. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.118.924/SC, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 24/4/2023.)

 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUERES. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC E CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADOS. CONEXÃO. CAUSAS COM VÍNCULO DE IDENTIDADE. RELAÇÕES JURÍDICAS QUE SE APOIAM EM FATO ÚNICO. JULGAMENTO SIMULTÂNEO. ECONOMIA PROCESSUAL E PRESERVAÇÃO DO PRESTÍGIO DAS DECISÕES PROFERIDAS. DISCRICIONARIEDADE RELATIVA DO JUÍZO.

1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

2. O art. 330, I, do CPC/1973 esclarece que é facultado ao juízo proferir sentença, desde que não haja necessidade de produzir provas em audiência. Também, o art. 131 - do mesmo diploma legal - cuida do princípio da livre persuasão racional, que estabelece caber ao magistrado avaliar as provas requeridas e rejeitar aquelas que protelariam o andamento do processo, em desrespeito ao princípio da celeridade processual.

3. Uma causa, mercê de não poder ser idêntica à outra, pode guardar com ela um vínculo de identidade, quanto a um de seus elementos caracterizadores. Esse vínculo entre as ações por força da identidade de um de seus elementos denomina-se, tecnicamente, de conexão.

4. A conexão é um instituto inspirado na preservação do prestígio do Poder Judiciário, por força da coerência e compatibilidade de suas decisões e atendimento aos postulados da economia processual, ao permitir que, num único processo e através de sentença una, possa o juiz prover sobre várias relações, ampliando o espectro da decisão para imiscuir no seu bojo uma pluralidade de conflitos, aumentando a efetividade da função pacificadora da justiça.

5. A conexão ou a continência, por decorrência da identidade da causa de pedir ou pedido, torna conveniente o julgamento conjunto, não só por medida de economia processual, mas também para evitar a possibilidade de prolação de decisões contraditórias, que trariam desprestígio à Justiça.

6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece certa e relativa margem de discricionariedade na avaliação do julgador, quanto à intensidade da conexão, mas devendo essa avaliação ser sempre orientada pela máxima de que as decisões não devem se contradizer.

7. No caso dos autos, houve reconhecimento da conexão entre a ação de despejo e embargos de terceiro em ação declaratória, pela 1ª Vara Cível, com subsequente determinação de processamento conjunto das conexas. Em face de referida decisão, não houve interposição de recurso. Após, houve alegação de incompetência de Juízo, peticionada à 3ª Vara, autuada como Exceção de Incompetência, rejeitada liminarmente, tendo em vista a intransponível preclusão da questão.

8. Não bastasse a preclusão acerca da matéria referente à reunião dos feitos, os fatos revelam a possibilidade de decisões conflitantes nos embargos de terceiro e na ação de cobrança de aluguel, mostrando-se conveniente a reunião das causas para que sejam julgadas simultaneamente.

9. Agravo interno provido, par desde logo se conhecer do recurso especial e lhe dar parcial provimento.

(STJ, AgInt no AREsp n. 479.470/SP, relator Ministro Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 3/8/2017, DJe de 27/9/2017.)

 

Registra-se que a UNIÃO, a Agência Nacional de Transportes Terrestres e a RUMO S/A. (antiga denominação de América Latina Logística S.A. - ALL Holding) foram incluídas no polo passivo da Ação Civil Pública nº 0002431-23.2007.4.03.6117 (Id. 102663606 – fl. 49 do feito originário) e que a primeira interpôs apelação.

 

III.2) DA ILEGITIMIDADE PASSIVA

A UNIÃO afirma que é parte ilegítima para compor o polo passivo, visto que, embora tenha firmado o contrato de concessão com a RUMO MALHA PAULISTA S/A (antiga denominação de FERROBAN) em 30/12/1998, pelo qual se comprometeu, entre outras obrigações, a fiscalizar a prestação dos serviços públicos, esse encargo foi transferido à ANTT por meio do artigo 25, II, da Lei nº 10.233/01, que criou e dispôs sobre a reestruturação do transporte terrestre, dispositivo que está em plena harmonia com o artigo 24 da mesma lei, que fixa as atribuições gerais da agência. Diz que a competência para promover a fiscalização do contrato de concessão é da ANTT, razão pela qual não se justifica a sua permanência no polo passivo e que só lhe caberia tal encargo se a ação tivesse sido proposta anteriormente à edição da lei. Assevera que a sua manutenção no feito é incoerente, porquanto existe pessoa jurídica criada especialmente para atender a pretensão do autor e que os pedidos dirigidos à UNIÃO e ANTT são os mesmos, o que reforça a inconsistência da sua permanência na lide. Finaliza que o seu poder-dever de promover a inspeção de determinado serviço público não tem o condão, por si só, de colocá-la na posição de ré em ação que tem como objeto questões afetas à pessoa sujeita à sua fiscalização.

A preliminar confunde-se com o mérito e com ele será decidido. O recurso tem como objetivo definir se remanesce a responsabilidade da União pela fiscalização do contrato de concessão, consideradas as atribuições conferidas à ANTT pela Lei nº 10.233/01, de modo que a legitimidade restará configurada caso constatada a sua atribuição suplementar.

 

IV - DO AGRAVO RETIDO

IV.1) DA AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL

A UNIÃO alega que não foi demonstrado tenha ocorrido resistência à fiscalização da concessão e que é desnecessário e sem utilidade qualquer provimento jurisdicional que imponha uma determinação dessa natureza, visto que a ordem está prevista na própria legislação, que tem sido observada. Diz que a ANTT encaminhou ofício ao MPF, em 19/12/2006, por meio do qual foi esclarecido que a equipe da GEFIC da Superintendência de Serviços de Transportes de Cargas executou inspeções técnico-operacionais programadas e eventuais na malha paulista, nos anos de 2002 a 2006, bem como noticiada a autuação da FERROBAN por infração a dispositivos do contrato de concessão. Afirma que a agência firmou termo de ajustamento de conduta com a concessionária, como esclarecido na inicial, com o objetivo de solucionar as deficiências existentes na malha e que foi realizada outra inspeção, em 25/04/2007, conforme documento juntado em 09/05/2007, pelo que não há se falar em omissão na fiscalização.

Por sua vez, a ANTT afirma, nas razões de apelação, que não pode ser condenada a fazer algo pelo qual já é obrigada em virtude do contrato de concessão e da própria lei, de modo que é desnecessária manifestação jurisdicional a respeito.

De acordo com a sentença, definir se as providências pleiteadas são necessárias ou não, considerados os fatos e da causa de pedir, diz respeito ao juízo meritório.

A preliminar deve ser rejeitada. Inobstante a obrigação legal e contratual das apelantes, há elementos nos autos que comprovam o estado de abandono da ferrovia e o descaso com relação à falta de conservação e manutenção, com possibilidade de ocorrência de descarrilamentos e acidentes de grandes proporções, bem como a omissão por parte do poder concedente e da agência reguladora e a deficiência na fiscalização do contrato, circunstâncias que demonstram o interesse de agir do autor.

De acordo com a inicial, foram ajuizadas duas ações civis públicas contra a concessionária, para que fossem realizadas obras de recuperação, manutenção e conservação da via férrea suficientes à segurança da população lindeira, aos seus empregados e ao meio ambiente, nos trechos que cortam os Municípios de Jaú e Dois Córregos, em virtude do péssimo estado de conservação e do estado de abandono, que geravam sério risco de acidentes.

Extrai-se do Procedimento Administrativo nº 1.34.003.000175/2000-61 notícia veiculada no Jornal da Cidade, em 23/03/2000, que informa a ocorrência de acidente que envolveu um trem de passageiros da FERROBAN, que descarrilou próximo ao Município de Gália e causou danos materiais, ferimentos em três das cinco pessoas que estavam a bordo e vazamento de parte do combustível do tanque (Id. 122624081 – fl. 08). Outro acidente ferroviário ocorreu no dia 25/03/2000, ocasião em que treze vagões da FERROBAN, carregados com cerca de novecentas e cinquenta toneladas de soja, tombaram e quatro descarrilaram na linha férrea que corta o Bairro Banharão, em Jaú, conforme notícia publicada no jornal Comércio do Jahu (Id. 122624081 – fls. 27/29).

Vistoria realizada, em 23/03/2000, por peritos nomeados pela Delegacia Regional do Trabalho e Emprego, no trecho da linha férrea que atravessa os Municípios de Jaú, Dois Córregos, Torrinha e Brotas, apurou que parte dos dormentes necessitava de reposição e apresentava, como principais defeitos, apodrecimento, deterioração e rachaduras, o que implicava afrouxamento dos dispositivos de fixação da linha e que, em alguns pontos (nas retas), a quantidade de dormentes deteriorados atingia o índice de quarenta por cento e nas curvas e nos locais com maiores esforços, vinte por cento. De acordo com o laudo: “O mato alto conforme pode ser visualizado nas Fotos 01, 02, 06, 07 e 12, constitui-se em fator de perigo para os trabalhadores da via e para o tráfego de trens na medida que impedem a normal visibilidade do trecho durante a operação ferroviária além de dificultar quaisquer tipos de verificações e exames nos trens que por ali estejam em trânsito ou parados. O mato crescido acaba por produzir grande quantidade de material orgânico, verde e ou seco, constituindo-se em fator de retenção de umidade favorecendo o apodrecimento de dormentes além de causar maiores dificuldades na manutenção geral da via. O mato alto e seco é também fator de perigo de incêndio uma vez que é material de fácil combustão, além de estar em lugares de difícil acesso para quaisquer medicas de combate a incêndio”. Os engenheiros concluíram que os dispositivos de fixação dos trilhos estavam prejudicados, pois não existiam condições suficientes para sua perfeita fixação nos dormentes deteriorados (má fixação dos trilhos aos dormentes), o que acarretava a abertura de bitola e causava descarrilamento, situação agravada nos trechos em curvas e listaram como principais avarias, que poderiam causar acidentes, o afrouxamento dos dispositivos de fixação, atolamento e decomposição do lastro, dispersão e desmonte do lastro, dormentes podres e/ou deteriorados e mato crescido e alto (Id. 122624081 – fls. 09/23). No laudo elaborado por José Eduardo Rubo, Auditor Fiscal do Trabalho, foi relatado, com relação à linha férrea que liga as estações de Jaú e de Brotas, a falta de manutenção no que se refere à limpeza da linha, com a presença de mato alto na maior parte do trecho, inclusive nas curvas e passagens de nível, o que diminuía de forma grave a visibilidade de quem conduzia as composições que por ali transitavam e dos trabalhadores que realizavam tarefas. O auditor concluiu existir risco de acidente grave de trabalho para os trabalhadores, considerada a imprevisibilidade de sua ocorrência (Id. 122624081 – fls. 24/26).  

No termo de ajustamento de conduta firmado com o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e ESTADUAL e a PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO, em 24/05/2000, a concessionária reconheceu que as condições e segurança do tráfego ferroviário estavam em situação precária e necessitavam de reformas e manutenção urgentes, notadamente para proteger a incolumidade pública, saúde e segurança de seus empregados (Id. 122624081 – fls. 43/46).

Na vistoria realizada, em 26/06/2001, foi constatada a realização de diversos serviços de manutenção, como a troca parcial dos dormentes deteriorados, com priorização dos pontos mais importantes, para evitar que dois dormentes danificados ficassem lado a lado. Dos 116.000 dormentes avariados foram trocados cerca de 44.935 e em alguns pontos a quantidade de peças defeituosas atingia índices maiores de 15%, o que merecia atenção. De acordo com o laudo, a despeito dos serviços realizados e da aplicação de materiais diversos, o estado da via permanente, principalmente quanto ao número de dormentes que necessitavam de substituição, indicava que os reparos haviam sido insuficientes para uma perfeita condição de tráfego (Id. 122624081 – fls. 63/71).

A ANTT, nas informações prestadas à Procuradoria da República no Município de Jaú/SP, em 18/12/2006, relatou que a SUCAR/ANTT havia efetuado inspeções técnicas nas malhas concedidas, com a finalidade de fiscalizar a qualidade do serviço público de transporte ferroviário prestado pelas concessionárias e verificado a existência de deficiências na via permanente dos trechos fiscalizados, bem como irregularidades nas operações ferroviárias, motivo pelo qual aplicou multas à FERROBAN, que somavam o montante de R$ 2.946.600,00, e celebrou termo de ajustamento de conduta, considerado o descumprimento de dispositivos do Regulamento dos Transportes Ferroviários – RTF e de cláusulas dos contratos de concessão e arrendamento. Menciona que, na vistoria realizada em 21/11/2006, foram constatadas deficiências na via no trecho Brotas a Jaú, nos quilômetros 190 ao 238 e 255 ao 295, tais como a existência de dispositivos de drenagem obstruídos por material carreado pelas chuvas e lastro contaminado, necessidade de capina e limpeza da faixa, substituição de dormentes inservíveis, revisão da fixação, realização de serviços de correção de AMV´s, manutenção de juntas e correção geométrica (Id. 122624077 – fls. 30/33). No documento encaminhado à Coordenadora do Núcleo de Contencioso Judicial e Administrativo – Procuradoria-Geral em 13/03/2007, a autarquia acrescentou que executou inspeções programadas e eventuais, nos exercícios de 2002 a 2005, no trecho Itirapina-Bauru, que compreende as cidades de Campo Alegre, Brotas, Espraiado, Canela, Torrinha, Taboleiro, Ventania, Dois Córregos, Lacerda Franco, Jaú, Airosa Galvão, Pederneiras, Carajás, Guianas, Aimprés, Triagem Paulista e Bauru, para determinar a correção das deficiências e irregularidades constatadas (Id. 102710412 – fls. 141/146).

Consta do laudo pericial inspeção efetivada pela ANTT, no dia 25/04/2007, no trecho Jaú a Brotas, com exceção de Dois Córregos, em que foi verificada a necessidade de capina e limpeza da faixa nos km 214, 225, 253, 260, 261, 263, 270 e 271, melhora no travamento com aplicação de dormentes no km 217 e de correção geométrica em curvas situadas nos km 208, 217, 232, 262 e 271, existência de lastro contaminado nos km 214, 215, 220, 225, 253 e 260 e trilhos patinados em segmentos situados nos km 209 e 215 (Id. 102710419 – fls. 185/243).

Na vistoria efetivada pelo perito judicial nos dias 26 a 28 de maio de 2008, no trecho que liga os Municípios de Jaú a Brotas, foram observados trilhos patinados, lascados, fissurados ou com escoamento lateral, juntas de trilhos com falta de parafuso na tala de junção ou com significativo desgaste e esmagamento do boleto do trilho, lastro contaminado, drenagem deficiente, passagens de nível carentes de reparos e desmoronamento do talude, bem como a necessidade de correção geométrica dos trilhos, aperto nos “tirefonds”, acréscimo ou substituição de aparelhos de fixação, realização de limpeza (capina) e adição de, no mínimo, 45.047 dormentes novos. O expert mencionou que poucos serviços haviam sido realizados no trecho, nas áreas urbana e rural, que muitas pontes, pontilhões e passagens inferiores apresentavam problemas no travamento auxiliar lateral dos dormentes e necessitavam de trocas e acréscimo de peças novas, muitos dispositivos de drenagem estavam obstruídos e não apresentavam boas condições de funcionalidade, os serviços de roça e capina não eram executados de forma eficaz, a necessidade de revisão e reparo das fixações dos trilhos em todo o trecho vistoriado e constatou que não havia evidência de que os serviços propostos no TAC haviam sido efetivamente realizados e que a linha férrea apresentava má condição técnica e de segurança. Concluiu que a concessionária deveria concentrar esforços para corrigir as irregularidades verificadas e melhorar as condições de drenagem da via (Id. 102710419 – fls. 185/243).

De acordo com o Jornal Comércio de Jahu, no dia 28/01/2007 ocorreu um descarrilamento no Município de Pederneiras, em que três vagões de um trem de carga saíram dos trilhos nas proximidades da Avenida Nossa Senhora Aparecida, local de movimento intenso de veículos e pedestres e em que há diversas casas a cerca de trinta metros de distância. Matéria publicada, no dia 31/01/2007, pelo mesmo veículo, informa que, no dia 16/11/2006, um vagão vazio de um trem de carga que seguia para Bauru descarrilou no cruzamento da linha no Bairro Santo Antônio, em Jaú, sem vítimas, e que o Secretário Executivo da Defesa Civil havia mencionado que as condições da ferrovia no local eram precárias (mato no meio dos trilhos e dormentes apodrecidos), o que poderia ter sido a causa do acidente. A reportagem cita os descarrilamentos ocorridos no dia 22/09/2006, em que um vagão que transportava açúcar tombou na linha férrea do Distrito de Potunduva, e no dia 05/03/2006, em que dois vagões saíram dos trilhos próximo ao Jardim Maria Luiza 4 (Id. 122624077 – fls. 36/39). O mesmo jornal noticiou que um trem com quarenta e sete vagões carregados com combustível descarrilou na altura da Vila São Pedro, em Dois Córregos, oito saíram dos trilhos e dois tombaram, assim como duas das três máquinas. De acordo com o jornal, um funcionário da FERROBAN havia relatado o precário estado da ferrovia, em que a madeira dos dormentes estava podre e faltavam peças (Id. 122624078 – fl. 03).

No comunicado encaminhado pela ANTT à Procuradoria da República no Município de Jaú/SP consta a ocorrência dos seguintes acidentes, considerados graves (Id. 122624078 – fls. 47/55):

Data Local Descrição Observação

10/10/2005

Trecho Guaianases e Aimorés – km 325 + 298

Descarrilamento de dois vagões e tombamento de quatro veículos, carreados com óleo diesel

Sem vítimas

Pequeno vazamento do produto

02/01/2006

Dois Córregos e Lacerda Franco – km 253 + 765

Descarrilamento de duas locomotivas e vagões carregados com óleo diesel

Sem vítimas

Não houve vazamento de produto

17/05/2006

Jaú – próximo à passagem de nível Km 276

Descarrilamento duas rodas truque traseiro de vagão

Vagão vazio

12/09/2006

Itirapina a Panorama – entre as Estações de Canela e Espraiado

Descarrilamento de 08 vagões carregados com soja e farelo de soja

Sem vítimas

 

O autor juntou aos autos cópia da matéria publicada no jornal Comércio de Jahu, no dia 15/09/2009, que noticiava dois descarrilamentos de seis vagões ocorridos em Jaú e Banharão Novo, zona rural, que provocaram o vazamento de cerca de nove mil litros de gasolina e óleo diesel (Id. 102701347 – fls. 178/180).

A Promotoria de Justiça de Dois Córregos encaminhou ao Procurador da República, em 05/07/2005, entre outros documentos, fotos da linha férrea que passa pelo Município de Dois Córregos/SP, que demonstram a situação da ferrovia (Id. 122602107 – fls. 56/61).

A Prefeitura de Dois Córregos encaminhou ofício ao Promotor de Justiça local, em que comunicou que o departamento de obras municipal havia constatado que a ferrovia se encontrava em estado de abandono e carente de conservação e manutenção e que havia notificado a Rede Ferroviária Federal S/A e FERROBAN S/A. para que procedessem de imediato aos serviços de reparo da linha férrea (Id. 122602107 – fls. 62/64). Posteriormente, em 14/07/2005, encaminhou o levantamento efetuado pelo Departamento de Obras que demonstrava a falta de preservação da via, o que poderia acarretar sério perigo à população residente abaixo do nível da ferrovia. O laudo de vistoria realizado por engenheiro civil da Prefeitura de Dois Córregos, em 29/06/2005, aponta o descaso total com relação à falta de conservação da ferrovia e menciona a existência de mato entre os trilhos e de terra sobre os dormentes, dormentes podres, falta de dormentes e de parafusos de fixação dos trilhos e abertura de valas junto aos trilhos, decorrente da deficiência de drenagem das águas pluviais. O engenheiro civil municipal concluiu que a falta de conservação e manutenção da ferrovia era preocupante, pois ao longo do trecho vistoriado havia uma concentração de casas residenciais, algumas localizadas abaixo do nível da ferrovia, e de mananciais e estação de tratamento de água, e que eventual descarrilamento poderia causar uma tragédia de granes proporções, considerado que muitos dos vagões transportam combustíveis e produtos químicos (Id. 122602107 – fls. 65/85).

Por fim, a concessionária e o MPF firmaram acordo, em 09/03/2012, nos autos do Cumprimento de Sentença nº 0003410 14.2009.403.6117, em que a RUMO S.A (ALL) se comprometeu a finalizar a execução das intervenções na via permanente no trecho entre Jaú-Brotas, incluído o Município de Dois Córregos, mediante a substituição mínima de 45.047 dormentes, revisão e renovação da fixação dos dormentes e adequação das juntas dos trilhos, lastro, passagens em nível ou viadutos, nos trechos onde se fazia necessário, bem como melhorar as condições de drenagem da via férrea (Id. 102710430 – fls. 195/201).

 

IV.3) DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

Segundo a UNIÃO, a concessão de tutela antecipada em desfavor da fazenda pública esbarra em óbice legal intransponível, além de não estarem presentes os requisitos previstos no artigo 273 do CPC/73. Afirma que o artigo 1º da Lei nº 9.494/97 estabeleceu restrições à concessão da medida contra pessoas jurídicas de direito público e que o artigo 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/92 prevê o não cabimento de medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. Diz que, a despeito das restrições impostas, o artigo 475, II, do CPC/73 determina que as sentenças proferidas contra pessoas jurídicas de direito público devem ser submetidas ao duplo grau de jurisdição para o reexame obrigatório, pelo que seria um contrassenso a admissão de tutela antecipada.

A ANTT afirma, em suas razões de apelação, que não estão preenchidos os requisitos do artigo 273 do CPC/73, visto que não há fundado receio de prejuízo irreparável, dada a inexistência de dano iminente a direito ou ao patrimônio público, e do fumus boni iuris, considerado que não há provas contundentes de que a sua atuação foi ilegítima, e que a tutela deve ser revogada. Acrescenta que a manutenção da liminar confirmada pela sentença traz risco de dano irreparável, pois poderá eventualmente ser condenada ao pagamento de astreinte, quando não há necessidade de nenhuma coerção para o cumprimento da lei. Diz que não é admitido provimento liminar contra a poder público, consideradas as prerrogativas existentes em função de sua atuação e do bem jurídico que tutela, bem como que o artigo 1º da Lei nº 9.494/97, c.c o artigo 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/92 estabelecem restrições à concessão de tutela antecipada contra pessoa jurídicas de direito público, bem como que o artigo 475, I, do CPC/73 prevê que as sentenças proferidas contra a União, Estados e Municípios estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição e não produzem qualquer efeito até ser confirmada pelo tribunal.

O pedido de tutela antecipada foi concedido para o fim de determinar: às rés FERROBAN e ALL que realizem, de forma solidária, no prazo de 30 (trinta) dias, todas as obras necessárias para sanar as deficiências do trecho ferroviário Jaú -Brotas, constantes de folha 315 dos autos apensos, excluindo-se o trecho pertencente ao Município de Dois Córregos, objeto de ação própria, sob pena de multa ora fixada em R$ 30.000 (trinta mil reais), por dia de atraso” (Id. 102710412 – fls. 27/33). A sentença confirmou a liminar deferida.

Não conheço da arguição de impossibilidade de concessão de tutela antecipada em desfavor da fazenda pública. Verifica-se que a medida foi dirigida à FERROBAN e ALL, o que evidencia a falta de interesse recursal, considerada a inexistência de imposição de obrigação de fazer à UNIÃO ou à ANTT. Nessa acepção, o próprio ente federal reconheceu na apelação que: “a questão relativa à impossibilidade de concessão de tutela em face de ente público somente poderá ser apreciada, caso haja recurso da parte autora, visto que não houve concessão de tutela antecipada em face da União”.

 

IV.4) DA FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM DESFAVOR DA FAZENDA PÚBLICA.

Para a UNIÃO, o pedido de astreinte contra a fazenda pública é incompatível com o regime constitucional, pois qualquer pagamento devido pela administração pública, mesmo em virtude de sentença judicial, segue rigorosamente o regime do precatório. Salienta que a condenação só se legitima quando há justo receio de resistência do julgado, impossível de ocorrer por parte da administração pública, guiada pelos princípios da legalidade e impessoalidade.

A ANTT alega, na apelação, que não é possível a imposição de multa diária contra a fazenda pública, uma vez que esse meio coercitivo não pode ser usado contra o poder público, visto que implicaria para a administração a escolha de cumprir a determinação ou sofrer a sanção pecuniária, o que é vedado, em virtude do princípio da legalidade estrita. Diz que a utilização desse meio não surtiria eficácia prática contra o mau administrador, pois não atingiria o seu patrimônio, mas o público, do que decorre o descabimento da penalização da pessoa jurídica de direito público que não deixa de cumprir uma ordem judicial por resistência injustificada ou retaliação. Salienta que a fixação de astreinte tem como pressuposto a negativa de cumprimento de decisão judicial, o que não ocorre, visto que a administração pública é guiada pelos princípios da legalidade e impessoalidade.  

O magistrado afastou a tese do não cabimento de imposição de multa diária por considerar que a cobrança ocorre apenas após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 12, § 2°, da Lei n° 7.347/85, ocasião em que surge o dever de pagar e que nada impede seja incluída no regime de precatório. Acrescenta que a presunção de legalidade dos atos administrativos não impede a sua fixação, porquanto a autarquia somente estará sujeita ao pagamento se for omissa no dever de fiscalizar, o que desfaz a alegação de presunção.

A irresignação não procede. A questão está pacificada na jurisprudência. Nessa acepção, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 98, consolidou o entendimento quanto à possibilidade de imposição de multa diária a ente público (REsp n. 1.474.665/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 26/4/2017, DJe de 22/6/2017.). No mesmo sentido destacam-se:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENTE PÚBLICO. ASTREINTES. CABIMENTO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.

1. O STJ entende ser cabível a imposição de multa diária contra ente público como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer ou entregar coisa.

2. A revisão do entendimento do aresto hostilizado no tocante à insuficiência das razões apresentadas para o afastamento completo da multa diária esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ, uma vez que o Tribunal de origem decidiu a questão com base na realidade fático-probatória dos autos.

3. Agravo interno desprovido.

(STJ, AgInt no AREsp n. 2.360.397/AL, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 18/12/2023, DJe de 21/12/2023.)

 

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA MALHA FERROVIÁRIA. RESPONSABILIDADE DA AGÊNCIA REGULADORA. FISCALIZAÇÃO. FIXAÇÃO DE ASTREINTES. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS.

1. No caso, o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas e apreciou integralmente a controvérsia posta nos autos; não se pode, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

2. No que diz respeito à possibilidade de fixação de astreintes, esclareceu o acórdão recorrido que não se trata de multa por descumprimento da obrigação de executar os serviços, mas da responsabilidade de fiscalizar o andamento das obras e a tomada de providência. Ora, a jurisprudência do STJ é firme quanto à possibilidade de cominação de multa diária contra o Poder Público como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer ou entregar coisa, não havendo falar, portanto, em violação à lei processual civil.

4. Agravo interno da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT não provido.

(STJ, AgInt no AREsp n. 2.156.570/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 18/5/2023.)

 

“É pacífica a orientação jurisprudencial deste Tribunal Superior segundo a qual é possível a fixação de multa cominatória contra a Fazenda Pública. Precedentes. Observância da Súmula 83 do STJ” (STJ, AgInt no REsp n. 1.972.772/PE, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 22/3/2023.)

 

V – DA PERDA DO OBJETO

Nos memoriais apresentados (Id. 298724096), a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT afirma que deve ser decretada a perda do objeto e do interesse superveniente e o processo extinto sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, VI, do CPC, em virtude da extinção da execução provisória de sentença  por cumprimento da obrigação.

Não há se falar em perda do objeto decorrente do cumprimento da obrigação fixada em sentença. O autor necessitou ingressar em juízo para a satisfação de sua pretensão e o cumprimento da obrigação decorreu de provimento jurisdicional, que precisa ser confirmado, e não de ato voluntário da apelante antes da citação ou de transação extrajudicial. Nessa acepção:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIMPLEMENTO, NO CURSO DO PROCESSO, DA OBRIGAÇÃO. EXISTÊNCIA DE RESOLUÇÃO DO MÉRITO DA QUESTÃO CONTROVERTIDA.

1. Consta dos autos que o Parquet propôs Ação Civil Pública com o escopo de obrigar os recorridos a averbarem "área destinada à reserva florestal legal na matrícula do imóvel ou o seu registro no Cadastro Ambiental Rural".

2. O Juiz do primeiro grau, com fulcro no art. 267, VI, do CPC de 1973, extinguiu o processo extinto sem o julgamento do mérito, uma vez que teria ocorrido a perda superveniente do objeto, porquanto os recorridos adimpliram a obrigação de inscrever a propriedade no SISCAR. O Ministério Público estadual pleiteia que seja proferida sentença resolvendo o mérito da causa, haja vista eventual cumprimento da obrigação ter ocorrido durante o trâmite processual.

3. O adimplemento total da pretensão deduzida em juízo pelo autor, durante o curso da relação processual, subsume-se à hipótese do art. 269, II, do CPC de 1973, "o que afasta a tese de carência da ação por falta de interesse de agir ou perda do objeto, devendo o feito ser extinto com resolução do mérito".

4. Recurso Especial provido.

(STJ, REsp n. 1.725.771/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/4/2018, DJe de 11/9/2020.)

 

PROCESSUAL CIVIL. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR DO AUTOR. CUMPRIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA. INEXISTÊNCIA DO EXAURIMENTO DO OBJETO DA AÇÃO. SÚMULA 83/STJ. 1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no art. 535, inciso II, do CPC, verifico que o julgado recorrido não padece de omissão, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos interesses da parte.

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está firmada no sentido de que o simples fato do cumprimento da ordem em antecipação de tutela não implica a perda do objeto da demanda ou a falta de interesse processual, sendo necessário o julgamento do mérito da causa, para definir se a parte beneficiada, de fato, fazia jus a tal pretensão.

3. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: "Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea "a" do art. 105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 2.6.2010. 4. Recurso Especial não conhecido.

(STJ, REsp n. 1.685.874/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/9/2017, DJe de 16/10/2017.)

 

VI – DA FALTA DE INTERESSE DO AUTOR

A AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT informa que na renovação do contrato de concessão Rumo Malha Paulista – RMP: "foi introduzida a exigência de apresentação, por parte daquela concessionária, de um Relatório de Acompanhamento Anual - RAA", com a modificação do procedimento de fiscalização, o que demonstraria a falta de interesse do autor e a ausência de amparo legal e razoabilidade do pleito de fiscalização mensal do contrato  (Id. 298724096).

A preliminar deve ser rejeitada. A autarquia foi condenada à fiscalizar a execução dos serviços prestados pela concessionária, de modo que a exigência de relatórios anuais da Rumo Malha e a modificação do procedimento de fiscalização não interferem no decidido. Ademais, a apelante não fez parte da transação que acarretou a extinção do cumprimento provisório de sentença, motivo pelo qual o processo não pode ser extinto com relação à ANTT pelo cumprimento da obrigação por parte da concessionária.

 

VII – DOS FATOS E PROCESSAMENTO

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a RUMO S/A e RUMO MALHA PAULISTA S/A. (atual denominação de AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S/A – ALL HOLDING e FERROBAN - FERROVIAS BANDEIRANTES S/A.), ANTT - AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES e UNIÃO FEDERAL, em que se objetiva a condenação das primeiras à obrigação de fazer, consistente na realização das obras necessárias ao tráfego seguro em todos os trechos ferroviários situados na área da 17ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, com exclusão do de Dois Córregos, que é objeto de ação específica, que forem indicadas em perícia a ser realizada, e das últimas no dever de fiscalizar a efetivação das medidas exigidas e, no caso de sua não implementação, proceder ao rompimento do contrato de concessão, bem como de todas as rés aos ônus da sucumbência e ao pagamento de multa diária de R$ 50.000,00, a ser revertida ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados (artigo 13 da Lei n° 7.347/85), no caso de descumprimento da ordem judicial (Id. 102710412 – fls. 08/24).

O autor afirma que foi instaurado procedimento administrativo para apuração e adoção de medidas de reparação necessárias, em virtude da precariedade das condições da via férrea gerenciada pela FERROBAN, que passa pelos Municípios de Jaú a Brotas, em que o descaso com a malha ferroviária é total e não foi corrigido com os termos de ajuste de conduta e ações anteriores. Relata que os Ministérios Públicos Federal, Estadual e do Trabalho celebraram, em 24/05/2000, termo de ajustamento de conduta com a FERROBAN, para implementação e efetivação de serviços e obras no trecho da ferrovia, o que foi parcialmente cumprido, com a persistência da situação de precariedade e insegurança.

Diz que o Ministério Público Estadual propôs, em dezembro de 2004, a Ação Civil Pública nº 1.383/2004 contra a concessionária, em que pleiteou, liminarmente, a proibição do tráfego de trens na Comarca de Jaú, até que fossem realizadas obras de recuperação, manutenção e conservação da via férrea. No mérito, requereu a condenação da ré a proceder às obras necessárias e suficientes à segurança da população lindeira, aos seus empregados e ao meio ambiente, mas a medida liminar não foi obtida. Informa que foi proposta ação civil pública pelo Ministério Público, no ano de 2006, para o trecho que corta o Município de Dois Córregos, sem êxito, mesmo com a concessão da liminar, vez que não foi determinada a interdição da via, situação que acarreta o descumprimento da medida deferida.

Relata que, em 16/11/2006, ocorreu o descarrilamento de um vagão vazio e o tombamento de outro que transportava açúcar na linha férrea no distrito de Potunduva e, nos dias 22/09/2006 e 05/03/2006, o descarrilamento de dois vagões nas proximidades do Jardim Maria Luiza 4, além de outros acidentes anteriores, inclusive com vítima fatal, no mesmo trecho em que se tornou rotineira a ocorrência desse tipo de acidente, tudo em virtude das precárias condições de uso da ferrovia, em que há mato crescido no meio dos trilhos, sistema de fixação das barras ineficazes e dormentes apodrecidos. Alega que, a despeito de a maioria dos acidentes graves ter ocorrido na ferrovia que atravessa o Município de Dois Córregos, objeto de outra ação, essa circunstância apenas reforça as péssimas condições da ferrovia que corta toda essa região. Menciona que o incidente mais grave aconteceu em Pederneiras, fora da área dessa jurisdição e do objeto desta ação, mas que evidencia a situação em que se encontra toda a malha da região, que se encaixa em um trecho maior, que é o de Bauru a Itirapina, em que dois vagões saíram dos trilhos nas proximidades de uma avenida de intenso fluxo de veículos e pedestres. Relata que no trecho de Jaú a Brotas e de outros municípios, que se situam na jurisdição federal de Jaú, a via também passa pelo perímetro urbano próximo a muitas casas.

Narra que a Procuradoria da República de Jaú recomendou ao Diretor-Geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e ao Diretor-Geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres a interdição do trecho da ferrovia que corta Jaú/SP a Brotas/SP, bem como fosse determinado à concessionária que procedesse às devidas obras de reparação dos trilhos, suficientes para o trânsito seguro, no prazo de sessenta dias, em razão dos acidentes constantes. Diz que, em resposta, a ANTT informou que havia celebrado termo de ajustamento de conduta com a FERROBAN, em abril de 2005, com o objetivo de normalizar a operação do transporte ferroviário na malha paulista, mais especificadamente no trecho Itirapina a Bauru, no qual está inserido o segmento Jaú a Brotas. Relata que, embora a agência tenha atestado o cumprimento regular do TAC, foram constatadas deficiências na via, tais como dispositivos de drenagem obstruídos por material carreado pelas chuvas, lastro contaminado, trilhos patinados e necessidade de capina e limpeza de faixas, substituição de dormentes inservíveis, revisão da fixação, serviços de correção de AMV's e de correção geométrica. Segundo o Parquet, o TAC firmado melhorou a situação, mas não resolveu os problemas, pois as deficiências são consideráveis e a maior parte dos acidentes verificados no trecho Bauru a Itirapina ocorreu após a sua celebração.

Conclui que, a despeito da celebração de dois termos de ajustamento de conduta e das recomendações que visavam à recuperação do precário estado da ferrovia para torná-la segura e eficiente, as medidas adotadas pela concessionária revelaram-se insuficientes, paliativas e colocaram em risco a segurança de moradores das adjacências da via férrea e de seus próprios empregados, além do indiscutível perigo ao meio ambiente. Salienta a inércia da UNIÃO e da ANTT, que não têm cumprido a contento suas obrigações contratuais e legais, visto que não fiscalizam a prestação do serviço como deveriam e concorreram com os problemas existentes. Assevera que o lucro obtido pela América Latina Logística só aumenta, com faturamento de um bilhão e duzentos milhões de reais, mas não tem sido aplicado na infraestrutura da malha férrea e sim no enriquecimento de poucos, sem qualquer preocupação com a segurança das pessoas, meio ambiente ou com a regularidade dos serviços públicos, o que contraria princípios que autorizam a concessão de um serviço público titularizado pelo Estado. Finaliza que se faz necessária a interdição da via, pois com essa medida o interesse econômico ficará cerceado, o que impulsionará a célere reparação da malha ferroviária.

A inicial foi instruída com cópia do Procedimento Administrativo nº 1.34.0003.000175/2000-61 da Promotoria da República no Município de Bauru, instaurado com o objetivo de averiguar e adotar medidas pertinentes em face das condições de segurança do transporte de carga para os trabalhadores da concessionária e populações lindeiras, na via permanente que liga os Municípios e Jaú/SP a Brotas/SP (Id. 122624081, Id. 122624077 a Id. 122624078, Id. 122602107 e Id. 122602108).

O magistrado rejeitou as preliminares de legitimidade passiva e interesse da UNIÃO, das rés e da ANTT e legitimidade ativa do Ministério Público Federal, reconheceu a conexão da ação com a Ação Civil Pública nº 0002431-23.2007.4.03.6117 (nº 1.383/2004), bem como deferiu o pedido de tutela antecipada para o fim de determinar: às rés FERROBAN e ALL que realizem, de forma solidária, no prazo de 30 (trinta) dias, todas as obras necessárias para sanar as deficiências do trecho ferroviário Jaú -Brotas, constantes de folha 315 dos autos apensos, excluindo-se o trecho pertencente ao Município de Dois Córregos, objeto de ação própria, sob pena de multa ora fixada em R$ 30.000 (trinta mil reais), por dia de atraso” (Id. 102710412 – fls. 27/33). Contra referida decisão foi interposto pela UNIÃO o Agravo de Instrumento nº 2007.03.00.021724-8/SP (Id. 102710412 – fls. 81/100).

A AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTESTERRESTRES – ANTT (Id. 102710412 – fls. 130/173), a UNIÃO (Id. 102710412 – fls. 179/206) e a FERROBAN - FERROVIAS BANDEIRANTES S.A. e ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S.A (Id. 102709527 – fls. 04/87, Id. 102709528, Id. 102709529, Id. 102709530 e Id. 102709531) contestaram o pedido e apresentaram documentos.

O magistrado afastou a alegação de impossibilidade de imposição de multa ou astreinte contra a fazenda pública, rejeitou as preliminares de ilegitimidade passiva e ausência de interesse processual em face da UNIÃO e ANTT, carência de ação por ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e falta de interesse de agir e ilegitimidade passiva da ALL S/A. e deferiu a produção de prova pericial (Id. 102710419 – fls. 58/64). Contra referida decisão foi interposto agravo retido pela UNIÃO (Id. 102710419 – fls. 102/112).

O Ministério Público Federal (Id. 102710420 – fls. 20/38), a FERROBAN - FERROVIAS BANDEIRANTES S/A. e ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S/A. (Id. 102701347 – fls. 04/31), a UNIÃO (Id. 102701347 – fls. 78/86) e a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (Id. 102701347 – fls. 89/94) apresentaram alegações finais.

Sobreveio decisão que julgou procedente o pedido inicial (Id. 102701347 – fls. 184/195).

À vista da sentença proferida, foi declarado prejudicado o Agravo de Instrumento nº 2007.03.00.021724-8/SP, manejado pela UNIÃO (Id. 102714591 – fl. 169).

 

VIII - DO MÉRITO

A controvérsia reside na obrigatoriedade da UNIÃO de fiscalizar o cumprimento do contrato de concessão firmado com a RUMO MALHAS (FERROBAN), considerada a atribuição conferida à ANTT pela Lei nº 10.233/01, bem como o reconhecimento de que a fiscalização do serviço público prestado pelas concessionárias exercida pela agência é ineficaz.

O juiz a quo julgou procedente o pedido para o fim de condenar a ANTT a fiscalizar a execução dos serviços prestados e a UNIÃO, ao cumprimento do contrato de concessão e a decretar a sua caducidade, caso a RUMO MALHAS (FERROBAN) não cumpra as determinações no prazo fixado, com a cominação de multa diária de R$ 50.000,00 e R$ 55.000,00, respectivamente, por considerar que o serviço público não é prestado de forma adequada e eficiente, a concessionária descumpre os termos do contrato de concessão, a agência é ineficiente na obrigação que decorre do artigo 25, IV, da Lei nº 10.233/2001 e a UNIÃO é omissa, conserva seus poderes em face do contrato e ostenta o poder-dever de fiscalizar a concessão e de extingui-la, em caso de inadimplemento contratual (Id. 102701347 – fls. 184/195).

A UNIÃO afirma que não pode ser considerada responsável pela suposta deficiência de fiscalização ou omissão, porquanto a inspeção do serviço ferroviário e do contrato de concessão é de competência da ANTT, ainda que não tenha ocorrido de forma adequada, de modo que a condenação imposta representa grave ofensa à Constituição, sobretudo ao primado da separação de poderes. Diz que a condenação da pessoa responsável pela fiscalização depende da comprovação de que a inspeção é deficiente (Id. 102714591 – fls. 09/38).

A ANTT alega que não há qualquer omissão de sua parte ou da UNIÃO que possa ensejar intervenção judicial e que a sua condenação está condicionada à comprovação cabal de que a fiscalização exercida é deficiente ou insatisfatória (Id. 102714591 – fls. 69/92).

Para os autores, a despeito da a Lei nº 10.233/01 ter atribuído à ANTT o dever de fiscalizar o serviço público prestado, esse encargo não exclui a obrigação contratual da UNIÃO de, na condição de poder concedente, fiscalizar se a concessionária cumpre adequadamente suas obrigações contratuais. Mencionam que a realização de escassas obras melhorou a situação da via, mas não resolveu as inúmeras irregularidades existentes no trecho férreo, e que as deficiências são significativas, considerado que as medidas efetivamente adotadas pela concessionária se revelaram insuficientes e paliativas e colocaram em risco a segurança de moradores das adjacências e dos seus próprios empregados, além do indiscutível perigo ao meio ambiente (Id. 102710430 – fls. 15/43).

Prevê a Constituição Federal o dever de prestação de serviços pelo poder público, de forma direta ou indireta, por meio de concessionárias ou permissionárias, após o devido processo licitatório, verbis:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

 

Por sua vez, o artigo 21, inciso XII, alínea “d”, confere à UNIÃO a prerrogativa de explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de transporte ferroviário entre fronteiras nacionais ou que transponham os limites de Estado ou Território.

A questão foi regulamentada pela Lei nº 8.987/95, que dispôs sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos regido pelas disposições constitucionais, normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos respectivos contratos:

Art. 1o As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.

Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei, buscando atender as peculiaridades das diversas modalidades dos seus serviços.

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;

II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;     (Redação dada pela Lei nº 14.133, de 2021)

III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegados pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;       (Redação dada pela Lei nº 14.133, de 2021)

IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

Art. 3o As concessões e permissões sujeitar-se-ão à fiscalização pelo poder concedente responsável pela delegação, com a cooperação dos usuários.

 

Consoante se observa dos artigos 2º e 3º da referida lei, a concessão se traduz como forma de descentralização da prestação de serviço ou da execução de obra de competência do poder público mediante transferência da exploração ao particular contratante para que o explore ou o utilize pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais. Tem, assim, natureza jurídica de mera delegação de serviço de titularidade pública, sujeito à fiscalização pelo poder concedente, que pode retomar sua execução a qualquer tempo quando não respeitadas as normas legais pertinentes e as disposições contratuais firmadas.

O dever de prestação de serviço público adequado é igualmente previsto em diversas passagens da Lei nº 8.987/95, como corolário do princípio constitucional da eficiência, que deve reger a atividade administrativa (artigo 37, caput, CF), bem assim do Código de Defesa do Consumidor, que deve ser atendido também por ocasião da prestação de serviços de natureza pública. Veja-se:

DO SERVIÇO ADEQUADO

Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

(...)

 

DOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS USUÁRIOS

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

I - receber serviço adequado;

(...)

 

DO CONTRATO DE CONCESSÃO

Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.

 

DOS ENCARGOS DO PODER CONCEDENTE

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:

I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação;

II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuais;

III - intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei;

III - intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei;

IV - extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato;

V - homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma desta Lei, das normas pertinentes e do contrato;

VI - cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão;

VII - zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas;

VIII - declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;

IX - declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;

 

DOS ENCARGOS DA CONCESSIONÁRIA

Art. 31. Incumbe à concessionária:

I - prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato;

(...)

IV - cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão;

(...)

 

A concessão pressupõe a prestação de serviço adequado que satisfaça as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, como estabelecido na Lei nº 8.987/95, nas normas pertinentes e no respectivo contrato (artigo 6º). A delegação do serviço público tem como finalidade transferir a sua prestação, mas não a sua titularidade, de modo que o poder concedente pode intervir e extinguir a concessão, bem como retomar sua execução, quando não observadas as normas legais ou contratuais, visto que permanece responsável pelo serviço concedido, considerada a sua natureza pública.

O artigo 3º da Lei nº 8.987/95 estabelece que a concessão está sujeita à fiscalização pelo poder concedente responsável pela delegação. Na mesma acepção, o artigo 29 prevê que compete ao poder concedente, entre outras atribuições, regulamentar o serviço concedido, fiscalizar permanentemente a sua prestação, aplicar as penalidades regulamentares e contratuais, intervir na prestação e extinguir a concessão, nos casos nele previstos e na forma estipulada no contrato, cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares e as cláusulas contratuais da concessão e zelar pela boa qualidade do serviço. Ademais, o artigo 30 lhe confere a prerrogativa de, no exercício da fiscalização, ter acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária. No mesmo sentido, o artigo 67 da Lei nº 8.666/93 prevê que a administração deve acompanhar e fiscalizar a execução do contrato público.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é uma autarquia especial, integrante da administração federal indireta, vinculada ao Ministério dos Transportes e ostenta a qualidade de órgão regulador da atividade de exploração da infraestrutura ferroviária e rodoviária federal e da atividade de prestação de serviços de transporte terrestre (artigos 21 e 22 da Lei nº 10.233/2001 e artigo 1º do Decreto nº 4.130/2002). A sua competência, em matéria de transporte ferroviário, diz respeito à edição de normas para a regulação do serviço.

A Lei nº 10.233/2001, que dispõe sobre a reestruturação do transporte terrestre e criou a Agência Nacional de Transportes Terrestres, estabelece que a autarquia tem como objetivo implementar as políticas formuladas pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, pelo Ministério dos Transportes e pela Secretaria de Portos da Presidência da República, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos na lei, e regular ou supervisionar as atividades de prestação de serviços e de exploração da infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros, com vistas a garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas, bem como harmonizar, preservado o interesse público, os objetivos dos usuários, das empresas concessionárias, permissionárias, autorizatárias e arrendatárias e de entidades delegadas mediante arbitramento de conflitos de interesses e impedimento de situações que configurem competição imperfeita, práticas anticompetitivas ou formação de estruturas cartelizadas que constituam infração da ordem econômica (artigo 20).

O artigo 24 da norma arrola diversas atribuições conferidas à agência, entre as quais a de promover pesquisas e estudos específicos do tráfego e de demanda de serviço de transporte, promover estudos aplicados à definição de tarifas, preços e fretes, elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais, editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração de infraestrutura e de prestação de serviços de transporte terrestre, proceder à revisão e ao reajuste de tarifas, segundo as disposições contratuais, fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprir e fazer cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas, aplicar penalidades pelo seu descumprimento, autorizar projetos e investimentos no âmbito das outorgas estabelecidas, adotar procedimentos para a incorporação ou desincorporação de bens, promover estudos sobre a logística do transporte intermodal, ao longo de eixos ou fluxos de produção, habilitar o operador do transporte multimodal, promover levantamentos e organizar cadastro relativos ao sistema de dutovias, estabelecer padrões e normas técnicas complementares relativos às operações de transporte terrestre de cargas especiais e perigosas, dispor sobre as infrações, sanções e medidas administrativas aplicáveis aos serviços de transportes.

Especificamente com relação ao transporte ferroviário, o artigo 25, inciso IV, estabelece que compete à agência administrar os contratos de concessão e arrendamento de ferrovias celebrados até a entrada em vigor da Lei nº 10.233/2001, fiscalizar diretamente, com o apoio de suas unidades regionais ou por meio de convênios de cooperação, o cumprimento das cláusulas contratuais de prestação de serviços ferroviários e de manutenção e reposição dos ativos arrendados, regular e coordenar a atuação dos concessionários, permissionários e autorizatários, de modo a assegurar a neutralidade com relação aos interesses dos usuários e dos clientes, orientar e disciplinar a interconexão entre as diferentes ferrovias e regular os procedimentos e as condições para cessão a terceiros de capacidade de tráfego disponível na ferrovia explorada em regime público, de modo a orientar e disciplinar o tráfego mútuo e o direito de passagem.

A UNIÃO, detentora do serviço público, concedeu a sua exploração à FERROBAN (RUMO MALHAS) por meio do contrato de concessão. A cláusula 9.2 do instrumento estabelece como obrigações da concedente, entre outras (Id. 122624078 – fls. 04/27): “I) Regulamentar os serviços concedidos e fiscalizar permanentemente a sua prestação; II) Aplicar as penalidades regulamentares e contratuais; III) Intervir para garantir a prestação do serviço adequado; IV) Extinguir a CONCESSÃO nos casos previstos neste contrato; V) Homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas; VI) Cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas do presente contrato; VII) Zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar as queixas e reclamações dos usuários; (...)”. A cláusula décima segunda determina que a fiscalização do serviço deve ser realizada pela concedente por intermédio de órgãos técnicos ou entidades conveniadas e prevê a fiscalização periódica efetuada por comissão composta por representantes da concedente, da concessionária e dos usuários, bem como que: “a CONCEDENT'E poderá determinar reparações, melhoramentos, substituições e modificações, bem como a execução de medidas de emergência ou providências necessárias à normalização do serviço, estabelecendo prazos para sua realização”. Por fim, de acordo com a cláusula décima quarta, a concedente poderá intervir na concessão para assegurar a prestação do serviço concedido e fazer cumprir as cláusulas contratuais, normas regulamentares e legais.

A administração, ainda que não preste diretamente os serviços públicos, tem o dever de garantir que a delegação seja realizada por empresa competente e em condições de executá-los de maneira eficiente. A concessão dos serviços públicos ao particular não retira do poder concedente a sua titularidade, visto que somente é transferida a execução e reduzida a sua participação, pois, após a concessão, sua função passa a ser de fiscalização e controle do contrato e da prestação dos serviços públicos concedidos. Dessa maneira, tem a incumbência de aplicar sanções, porquanto detém o dever-poder de garantir a prestação adequada e que atenda o interesse público, de modo que não pode abster-se dessa atribuição, considerado o interesse da coletividade.

Para o doutrinador Hely Lopes Meirelles: “o acompanhamento da execução do contrato é direito e dever da Administração, e nele se compreendem a fiscalização, a orientação, a interdição, a intervenção e a aplicação de penalidades contratuais” (Meirelles, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 14 ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo e Vera Monteiro. São Paulo: Malheiros Editores, 1990. p. 235).

Egon Bockmann Moreira, ao tratar da fiscalização da concessão, observa que o Estado tem a incumbência de assegurar a adequada e efetiva prestação do serviço público concedido de forma direta (responsabilidade de execução) ou por meio de concessionário ou permissionário (responsabilidade de garantia da prestação). Salienta que: Fiscalizar a concessão é o dever imputado ao concedente de verificar se o concessionário executa o serviço tal como previsto em lei, nos regulamentos (gerais e setoriais) e no contrato de concessão (Lei nº 8.987/1995, arts. 3º, 23, VII, 29, I, e 30, parágrafo único), zelando pela boa prestação daquele serviço normativamente qualificado como público. Esta fiscalização tem dupla perspectiva funcional: frente ao concessionário, para supervisionar o cumprimento dos deveres e obrigações contratuais; frente aos usuários, para garantir a adequada prestação do serviço. Afinal, como consignou José Joaquim Gomes Canotilho, o exercício de serviços públicos por pessoas privadas implica “tão somente a escolha de uma forma outra de prossecução das tarefas públicas. O Estado permanece ‘responsável´, mas a tarefa pode ser prosseguida e executada com mais efectividade, eficiência e economicidade se se adoptarem os novos padrões de organização. Esta responsabilidade tem razão de ser: o serviço permanece público, pois normativamente imputado ao Estado. E será por meio da fiscalização que o Estado garantirá a prestação adequada, a preço módico, do serviço que lhe foi atribuído. Mas note-se que não se trata de atitude passiva, que porventura autorizasse a inercia estatal – muito pelo contrário. O motivo da fiscalização está em que o resultado da licitação significa, na melhor das hipóteses, apenas a evidencia de que o escolhido tem capacidade de executar o contratado ao preço consolidado na proposta, durante o longo prazo da avença (Moreira, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público: (concessões, parcerias, permissões e autorizações), 2 ed., Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 171-175) [ressaltado]. Para o jurista, o poder concedente tem o dever vinculado e indeclinável de supervisionar o serviço concedido ao concessionário, para que seja garantida a efetiva e adequada prestação do serviço público: “Os deveres estatutários do concedente impõem a supervisão, previa e ativa, das prestações atribuídas ao concessionário bem como a participação cooperativa na evolução do projeto. (...) Mas note-se que se trata de dever imputado ao concedente. Se em face do concessionário e de terceiros este dever implica o exercício de competência com caracteres que podem chegar à intervenção (“pode de fiscalização”), fato é que para a pessoa pública a quem foi atribuída tal competência trata-se de dever vinculado e indeclinável. (...) Afinal, será por meio de fiscalização que se procurará garantir a efetiva prestação do serviço adequado”. Relativamente à titularidade do serviço público concedido, anota que: Persiste com o detentor originário o dever de adotar conduta ativa, pois quem outorga não renuncia. Conforme já consignado (§§ 15 a 18), o fato de a Constituição e as leis facultarem a delegação do serviço a outra pessoa pública não desfaz o vínculo normativo com o respectivo titular. Por exemplo, no caso da União, os bens e serviços persistirão federais mesmo se celebrado convênio que transfira sua gestão a Estado-membro. Tanto isso é verdade que os convênios e consórcios podem ser desfeitos ou ter um de seus membros excluídos na hipótese de descumprimento do negócio administrativo. E ao fim do convênio ou do consórcio os bens e serviços retornarão ao seu detentor – que usufruirá as vantagens materiais oriundas da concessão. Logo, é inconcebível o desprezo ao exercício da fiscalização por parte do titular do serviço. Enfatiza que a fiscalização exercida pelo poder concedente tem como objetivo o cumprimento do dever estatal de garantia da prestação do serviço adequado, bem como dos preceitos legais e regulamentares e do contrato de concessão: “O objeto primário da fiscalização é o cumprimento do dever estatal de garantia da prestação do serviço adequado. Circunscrevendo-se às concessões, a fiscalização, compreendida materialmente como uma das competências do concedente, é a atividade investigativa, disciplinadora e, sobretudo, incentivadora, a qual, com lastro numa relação especial de administração, assegura a adequação da atividade provada aos fins públicos previamente definidos no contrato e no estatuto da concessão, e apenas secundariamente procede à detecção de ilicitudes e aplicação de sanções. O concedente supervisiona a atividade licita do concessionário em vista do cumprimento dos preceitos da lei, dos regulamentos e do contrato de concessão” (op. cit., p. 180) [ressaltado]. Afirma que, a despeito da transferência do serviço público, o poder concedente permanece na posição de garante, considerada a titularidade do serviço e o respectivo interesse público: “O mesmo se diga quanto às relações concessionárias e respectivos caracteres extravagantes: cada estatuto concessionário definirá em que consiste a especifica relação especial instalada por aquele vinculo jurídico. Aqui, o Estado, nada obstante ter contratualizado sua relação com o concessionário, não se despe de sua posição de garante – em vista da titularidade do serviço e respectivo interesse público posto em jogo. Pois para garantir a prestação do serviço poder-se-á fazer necessária a emissão de comandos imediatamente vinculantes e pertinentes em exclusivo à relação concessionária em si mesma” (op. cit. p. 182).

Acrescenta-se que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o seguinte entendimento: “Ao delegar um serviço público mediante concessão, não deve o poder concedente se eximir de fiscalizar e exigir o cumprimento do contrato administrativo no qual é parte” (REsp n. 1.595.018/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18/8/2016, DJe de 29/8/2016.). Destaca-se o seguinte precedente da Corte de Justiça:

ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO NO CONTRATO DE CONCESSÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADES. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO.

I - Na origem, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Amazonas impetrou mandado de segurança visando à decretação da nulidade da intervenção no sistema de transporte coletivo urbano do Município de Manaus-AM.

II - O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas denegou a ordem entendendo dispensável estabelecer contraditório prévio à decretação da intervenção, afastando a alegação de confisco e decidiu que seria necessária a produção de prova pericial.

III - Conforme se extrai do regime jurídico do art. 175 da Constituição e da Lei de Concessões - Lei n. 8.987/1995, o Estado delega a prestação de alguns serviços públicos, resguardando a si, na qualidade de poder concedente, a prerrogativa de regulamentar, controlar e fiscalizar a atuação do delegatário. A intervenção no contrato de concessão visa assegurar a adequação na prestação do serviço público, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes (art. 32 da Lei n. 8.987/1995).

IV - De um lado, o poder concedente deve "instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa" (art. 33 da Lei n. 8.987/1995). De outro, não se pode desconsiderar que eventuais ilegalidades no curso do procedimento dependem de comprovação de prejuízo.

V - Em se tratando de intervenção, o direito de defesa do concessionário só é propiciado após a decretação da intervenção, a partir do momento em que for instaurado o procedimento administrativo para apuração das irregularidades. Isso porque a intervenção possui finalidades investigatória e fiscalizatória, e não punitivas.

VI - No caso, não cabe a concessão da segurança, dado que a impetração exigiria atividade instrutória mediante produção de provas, inclusive periciais, a fim de esclarecer eventual reequilíbrio econômico-financeiro no contrato, bem como as alegadas nulidades no curso da intervenção no contrato de concessão firmado entre as concessionárias de transporte coletivo e o Município de Manaus. Não foi demonstrado o alegado direito líquido e certo, bem como não houve comprovação, de plano, da violação ao direito por ato ilegal ou abusivo atribuído às autoridades públicas.

VII - Recurso ordinário desprovido.

(RMS n. 66.794/AM, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 2/3/2022.) [ressaltado]

 

Conclui-se que o poder concedente, titular do serviço público, pode transferir a sua execução, circunstância em que se torna responsável pela fiscalização, a ser exercida de forma direta ou indireta (delegação), com a prerrogativa de intervir na prestação e extinguir a concessão, de modo a garantir que o serviço seja prestado de forma adequada na forma da lei.

As agências reguladoras, como integrantes da administração pública federal indireta, vinculadas aos respectivos ministérios, são uma espécie de braço do poder público e capazes de controlar e fiscalizar com eficiência e rapidez as atividades públicas desempenhadas pelas empresas privadas. O Estado, ao delegar parte de suas atribuições, passa a focar nos serviços públicos considerados primordiais para a coletividade, sem perder seus poderes originais e estratégicos de gestão. Nesse sentido: “As Agências reguladoras são instrumentos autônomos, subordinadas ao Poder Central, cuja principal finalidade é dar garantia do funcionamento dos serviços controlados por elas. (...) As competências atribuídas por lei às Agências reguladoras são extraídas do Poder central. Os poderes da administração direta são cedidos às Agências reguladoras” (SANTOS, Herta Rani Teles. A função das agências reguladoras na prestação dos serviços públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2545, 20 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15063. Acesso em: 5 mar. 2024).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2095/RS, expressou o entendimento de que a atuação da agência reguladora está aliada às diretrizes definidas pelo Poder Executivo e aos termos do contrato administrativo e que o poder normativo a elas atribuído deve ser exercitado em conformidade com a ordem constitucional e legal de regência.

O Tribunal de Contas da União, no Seminário intitulado: “O Controle Externo da Regulação de Serviços Públicos”, realizado em Brasília em outubro de 2001, concluiu que o Estado brasileiro, a partir do Programa Nacional de Desestatização, implementado pela Lei nº 8.031/90, afastou gradualmente a prestação direta dos serviços públicos e reservou para si a atividade de regulação e fiscalização, que passaram a ser exercidas por agências criadas por lei. A descentralização de serviços públicos objetiva a prestação mais eficiente que favoreça os usuários e consumidores, reduz o tamanho do Estado e acentua sua função regulatória. Enfatiza que o Estado atua na regulamentação e fiscalização dos serviços, diretamente, mediante um de seus órgãos, ou de forma descentralizada por meio das agências reguladoras e que a fiscalização das concessionárias, em princípio, é de responsabilidade do poder concedente (disponível em: 2059166 (1).PDF). Confira-se:

“A Reforma do Estado Brasileiro redimensiona o papel da Administração Pública na prestação de serviços públicos. Reduz o tamanho do Estado agente, ao mesmo tempo em que acentua sua função regulatória. Neste contexto, inserem-se a criação das agências reguladoras, como entidades dotadas de maior autonomia financeira, administrativa e patrimonial.

Objetivo principal da descentralização em curso é a busca da prestação de serviços públicos de forma mais eficiente, favorecendo os usuários consumidores. Atua o Estado na regulamentação e fiscalização dos serviços, diretamente, mediante um de seus órgãos, ou de forma descentralizada, por meio das agências reguladoras.

Dentro desta nova concepção de Estado, ganha o controle preeminência. Além do exame da legalidade, devem os órgãos controladores verificar a eficiência da atuação das agências reguladoras. O Tribunal de Contas da União detém competência constitucional para fiscalizar e julgar as contas dos dirigentes das agências reguladoras. Neste contexto, exerce o controle também sobre as outorgas dos serviços públicos a terceiro.

Quanto ao acompanhamento da execução contratual dos serviços concedidos, deve o Tribunal atuar de forma complementar aos órgãos/entidades reguladoras. Em princípio, a fiscalização das concessionárias é de responsabilidade do Poder Concedente. Entretanto, isso não impede a atuação cooperativa e suplementar do TCU, ao realizar a fiscalização sobre a prestação dos serviços públicos delegados”.

 

De acordo com o Manual Básico das Agência Reguladoras, elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a fiscalização das concessões deve ser exercida pelo poder concedente ou por intermédio de entidade a ele vinculada (Disponível em: 46468003 miolo.indd (irssl.org.br)):

“São órgãos criados pelo poder público com a finalidade de regular e fiscalizar a atuação de empresas privadas, prestadoras de serviços públicos. Em geral, envolvem serviços públicos, cuja execução foi transferida à iniciativa privada por delegação, decorrente de concessão ou permissão. Cabe às Agências Reguladoras verificar o cumprimento das metas estabelecidas nos contratos, podendo, inclusive, aplicar multas aos concessionários/permissionários. Existem ainda Agências Reguladoras criadas para regulamentar e fiscalizar determinada atividade econômica

(...) Na concessão, o Poder Público permanece com a titularidade do serviço público, porém a execução é delegada a um particular que a assume em seu nome, por conta e risco. A atividade é exercida por agentes e técnicas privados, mas continua submetida ao regime jurídico-administrativo. Em uma mesma concessão podemos ter diversas figuras jurídicas: Poder Concedente, Interveniente/Anuente, Contratante, Agência Reguladora e Concessionário.

As concessões e permissões sujeitam-se à fiscalização do poder concedente responsável pela sua delegação e será efetuada por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele vinculada (arts. 3º e 30 da LF 8987/95). Surgem assim as Agências Reguladoras”.

 

Gabriel Ribeiro Fajardo menciona que, a despeito da delegação do serviço público, a responsabilidade final pelo cumprimento do serviço adequado permanece com o poder público, titular do objeto delegado e responsável pela fiscalização do contrato, com vista a garantir a satisfação dos usuários e o adimplemento contratual (Fajardo, Gabriel Ribeiro. Agências reguladoras como poder concedente nos contratos de concessão. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais. disponível em: Agencias Reguladoras como Poder Concedente.pdf (ufmg.br)). Confira-se:

“Se os serviços seriam delegados a particulares, para que pudessem executá-los a partir de contratos regulatórios firmados com a Administração Pública, a responsabilidade final pelo cumprimento do serviço adequado remanesceria ao Poder Público titular do objeto delegado. Assim, permaneceria a Administração responsável pela fiscalização do cumprimento das regras avençadas, com vistas a garantir a satisfação dos usuários e o adimplemento do contrato.

A Lei nº 8.987/1995 traz previsão específica de que o encargo da fiscalização das concessões é do poder concedente, por meio de órgão técnico “ou por meio de entidade com ele conveniada”, abrindo margem para que outras pessoas jurídicas de direito público possam exercer tal função (...).

Assim é que as agências reguladoras passam a exercer importante função fiscalizatória diante dos contratos de concessão, engajadas na satisfação plena de seus objetivos e com aparato burocrático, técnico e financeiro propício para tais finalidades.

(...)

As leis instituidoras das agências reguladoras setoriais, já trazem, em sua maioria, a competência expressa destas entidades para fiscalização dos serviços prestados a partir de delegações realizadas pelo Poder Público. Na Lei que criou a Agência Nacional de Transportes Terrestres, por exemplo, esta previsão se espraia pelas diversas modalidades de contratos regulatórios.

(...)

A fiscalização pelas agências guarda profunda relação com os encargos contratuais e o devido processo administrativo para aplicação de eventuais penalidades aos concessionários. Afinal, somente com as balizas contratuais poder-se-á imputar eventual inadimplemento ao particular contratado, com a aplicação das sanções previstas no contrato. O fato de haver agências reguladoras como responsáveis pela fiscalização do serviço concedido não afasta ou mitiga as garantias constitucionais do devido processo legal e do direito à ampla defesa e ao contraditório para aplicação de eventuais penalidades.

Novamente, não há como se limitar a fiscalização dos serviços concedidos apenas quando houver a instituição de agências reguladoras – mas estas, sem dúvida, poderão desempenhar de forma ainda mais eficiente, técnica e ágil. Alexandre Santos Aragão, amparado na doutrina de Marcelo Caetano231, relembra algumas das formas que o poder público poderá se valer para um sistema fiscalizatório das obrigações delegadas: (a) Comissário e Administradores, a partir do qual o poder concedente designa um ou mais servidores seus para fiscalizarem o concessionário; (b) Repartições, quando a função é conferida a um órgão ou entidade técnica do poder concedente, repartição integrante de sua linha hierárquica ou c) Entidades (comissões ou agências) autônomas: quando a regulação do serviço é conferida a entidade colegiada cujos membros são nomeados por prazo determinado, vedada a exoneração ad nutum.

Este último, para o autor, amparado na proposta inédita de Bilac Pinto, teria o condão de garantir a melhor fiscalização dos serviços, e consequentemente, o cumprimento dos objetivos anunciados pelo Poder Público”. [ressaltado]

 

In casu, a União delegou à ANTT a regulação das atividades de transporte ferroviário, rodoviário interestadual e internacional de passageiros e o de cargas, além da exploração da infraestrutura ferroviária e rodoviária federal, incluída a atribuição de fiscalizar a prestação dos serviços, o cumprimento das cláusulas contratuais atinentes aos serviços ferroviários e o cumprimento das condições de outorga de autorização e das cláusulas contratuais de concessão, elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais e autorizar o transporte de passageiros realizado por empresas de turismo, sob o regime de fretamento. Os poderes conferidos à autarquia, incluídos os de fiscalização, foram delegados pelo poder concedente, que permanece titular originário desse encargo. Como mencionado pelo Parquet, a atribuição da agência de fiscalizar o serviço público prestado pela FERROBAN: “não exclui a obrigação da UNIÃO, de natureza contratual, na condição de poder concedente, fiscalizar se a concessionária está cumprindo adequadamente suas obrigações contratuais”. Acrescenta que do contrato de concessão (cláusula 9.2, décima segunda, parágrafo 3º, e décima quarta) e dos artigos 20 e 25 da Lei nº 10.233/01: “emerge a atribuição concorrente das requeridas UNIAO e ANTT pela fiscalização do cumprimento das cláusulas contratuais e da regularidade da prestação do serviço público executado pela concessionária FERROBAN” (Id. 102710430 – fls. 15/43).

Para o Superior Tribunal de Justiça, a transferência da administração dos contratos de concessão e arrendamento de ferrovias para a ANTT pela Lei nº 10.233/2001 não descaracteriza o interesse ou responsabilidade da UNIÃO, titular dos serviços concedidos. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489, § 1º, IV E 1.022, II E PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. DEMANDA PROPOSTA PELA RFFSA EM FACE DE ARRENDATÁRIA POR DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. UNIÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES. INTERESSE DE AGIR DA UNIÃO ANTES DO FIM DA CONCESSÃO. CONFIGURAÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ.

1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ.

2. É de se reconhecer a ausência de violação dos arts. 489, § 1º, IV e 1.022, II, do CPC/2015 quando a aplicação do direito ao caso, ainda que por meio de solução jurídica diversa da pretendida por um dos litigantes, não induz negativa ou ausência de prestação jurisdicional. Precedentes.

3. A jurisprudência desta Corte é no no sentido de que o fato de a Lei 10.233/01 atribuir à ANTT a administração dos contratos de concessão e arrendamento de ferrovias celebrados até a sua vigência, por si só, não descaracteriza o interesse da União de ocupar o polo ativo da presente demanda, observada sua condição de titular de todos os serviços objeto de contrato de concessão em cumprimento ao que determina a Constituição. Precedentes.

4. A revisão da conclusão a que chegou o Tribunal de origem sobre a expressa previsão contratual para que a União verifique se as obrigações da concessionária estão sendo cumpridas, havendo, portanto, interesse de agir do ente público antes do fim da concessão demanda o reexame dos fatos e provas constantes nos autos, além de cláusulas contratuais, o que é vedado no âmbito do recurso especial, nos termos das Súmulas 5 e 7/STJ. Precedentes.

5. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 2.354.327/RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 25/10/2023.)

 

A fiscalização exercida pela UNIÃO e pela ANTT tem enfoques distintos. O poder concedente exerce fiscalização relacionada à qualidade do serviço prestado, quanto aos aspectos da adequação, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia, modicidade das tarifas e investimentos com relação aos ditames legais e contratuais. Por sua vez, a ANTT, como agência reguladora, tem atribuições regulatórias, de controle e fiscalizatórias, voltadas à normatização infralegal, como a elaboração de normas e regulamentos concernentes à exploração do transporte ferroviário, coordenação da atuação dos concessionários, permissionários e autorizatários e inspeção da prestação dos serviços concedidos relativamente às normas por ela estabelecidas, além das previstas no contrato. Registra-se que a caducidade da concessão somente pode ser declarada pelo poder concedente, como estabelece o artigo 38 da Lei nº 8.987/95.

A delegação da atividade de fiscalização não retira da União a responsabilidade primária do encargo, que pode ser condenada pela falha, omissão ou deficiência da delegada, considerada a sua condição de titular dos serviços concedidos. Consoante entendimento jurisprudencial, a UNIÃO, na qualidade de concedente, tem responsabilidade legal pela fiscalização do serviço público concedido, bem como por eventual omissão da concessionária na preservação dos bens sob seu domínio e no dever de fiscalização destes. Confira-se:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. USINA HIDRELÉTRICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PROTEÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. UNIÃO. RECURSO DESPROVIDO.

I - O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em desfavor da União, Estado do Paraná, do Município de Campo Mourão, do IBAMA e da Companhia Paranaense de Energia e outros, tendo como causa de pedir danos ambientais em áreas de preservação permanente causados pela instalação da Usina Hidrelétrica Mourão I, nos lotes de terras localizados nos na Cidade Lago Azul, Emílio de Paolis, Recreio Lago Azul e Recreio Entre Lagos.

II - O Juízo de primeira instância julgou parcialmente procedentes os pedidos, mantendo, ademais, a União no polo passivo, em sentença que foi confirmada no acórdão recorrido, prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

(...) V - Não merece reforma o acórdão recorrido, em que foi apontado que, como concedente do serviço público de geração de energia elétrica, a União é responsável pela omissão da concessionária na preservação dos bens ambientais sob seu domínio. Não prospera a alegação da parte recorrente acerca da existência de unidade de conservação estadual e respectiva competência fiscalizatória do Estado do Paraná. Conforme consignado na sentença, "A presente ação (inclusive sua futura execução) não versa sobre a tutela da Unidade de Conservação Parque Estadual Lago Azul (inclusive sobre os correspondentes Zona de Amortecimento e Corredor Ecológico), cuja proteção deve ser objeto de procedimento administrativo e ação coletiva próprias, no interesse do Estado do Paraná, mediante legitimidade do Ministério Público Estadual e competência da Justiça Estadual."

VI - Além da responsabilidade que decorre do dever genérico de proteção ambiental atribuído em comum à União, aos Estados e aos Municípios (art. 23, VI e VII, da Constituição), responde a União também pelos danos causados diretamente pela omissão da concessionária sobre os seus bens ambientais. Como a União foi a responsável pela concessão do serviço público de energia elétrica, é responsável por eventual omissão no dever de fiscalização dos bens ambientais do local.

VII - O STJ pacificou o entendimento de que há responsabilidade civil do Poder Público quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador direto (REsp 1715151/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14/11/2018).

VIII - Ainda, levando-se em consideração a natureza objetiva e solidária do dano ambiental, "não há falar em competência exclusiva de ente da federação para promover medidas protetivas, impondo-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo" (AgInt no REsp1530546/AL, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6/3/2017).

IX - Nesse caso, não se afasta a possibilidade de o autor da ação civil pública demandar contra qualquer dos responsáveis pelo dano, direta ou indiretamente, isolada ou cumulativamente. A propósito:

AgRg no REsp n. 1.417.023/PR, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 25/8/2015.

X - Por fim, salienta-se que a União foi condenada em caráter apenas subsidiário à execução da obrigação de fazer (reparação da APP) (AgInt no REsp 1326903/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 30/4/2018; AgInt no REsp 1.326.903/DF, Relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 30/4/2018).

XI - Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.

(AREsp n. 2.108.917/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 23/3/2023.) [ressaltado]

 

Diferentemente do alegado, há elementos nos autos que demonstram a omissão por parte do poder concedente e que a fiscalização do contrato pela agência reguladora foi deficiente.

A ANTT afirma que não foi omissa no seu dever-poder, porquanto fiscalizou e autuou as concessionárias, nos casos de descumprimento de normas administrativas, e que a SUCAR - Superintendência de Serviços de Transporte de Cargas efetuou inspeções técnico-operacionais nas malhas concedidas, com o objetivo de fiscalizar a qualidade do serviço público prestado, nos aspectos de segurança e condições oferecidas, bem como o pleno atendimento aos usuários desses serviços. Diz que a equipe da GEFIC - Gerência de Fiscalização do Transporte de Cargas executou inspeções com a finalidade de verificar a existência de deficiências na via permanente dos trechos e irregularidades nas operações e que, para manter o pleno atendimento aos usuários dos serviços, notificou as concessionárias para solucionarem as deficiências e irregularidades verificadas, com a cominação de adoção de medidas administrativas e aplicação de penalidades. Relativamente à FERROBAN, informa que a SUCAR realizou ações fiscalizatórias nos exercícios de 2002 a 2005 e inspeções programadas e eventuais no trecho Itirapina - Bauru, que resultaram em notificações para a correção de deficiências e irregularidades constatadas. Relata que, na inspeção realizada em 2002, considerou imprescindível a adoção de medidas, como a disponibilização de recursos para a execução da manutenção e conservação da via e do material rodante, promoção de ações junto aos responsáveis pela manutenção e segurança das passagens de nível, a fim de solucionar as deficiências existentes, de forma a minimizar o risco de acidentes, e retirada de lixo verificado na plataforma nos perímetros urbanos de Dois Córregos e Jaú. As medidas foram reiteradas nas fiscalizações ocorridas em 2003, 2004 e 2005, a concessionária notificada para que efetuasse a manutenção da malha, multada em valores que totalizaram R$ 699.400,00 e firmado, em 28/04/2005, um termo de ajustamento de conduta para normalização do transporte ferroviário, dentro dos padrões de segurança regulamentares, de modo a atender aos usuários, ampliar a prestação do serviço público de transporte de cargas e reativar trechos com tráfego suspenso (Id. 102710412 – fls. 130/173, Id. 102701347 – fls. 89/94 e Id. 102714591 – fls. 69/92).

Como mencionado no item III.1, ocorreram diversos acidentes na malha ferroviária causados pela falta de conservação da via e da omissão fiscalizatória por parte da UNIÃO, na qualidade de poder concedente, e da agência reguladora, o que foi corroborado pelo termo de ajustamento de conduta firmado com o Ministério Público Federal e Estadual e a Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª REGIÃO, em 24/05/2000, em que a concessionária reconheceu que as condições e segurança do tráfego ferroviário estavam em situação precária e necessitavam de reformas e manutenção urgentes e o ajustado com a ANTT, em 28/04/2005, no qual a RUMO MALHA PAULISTA S.A. (FERROBAN) admitiu o descumprimento de cláusulas do contrato de concessão concernentes à prestação adequada do serviço público, bem como que não havia solucionado as deficiências que originaram as autuações e a postergação de intervenções de manutenção e investimentos na via permanente (Id. 102710412 - 160/173). Nada obstante os TAC firmados e a transferência da atribuição de administrar e fiscalizar os contratos de concessão e arrendamento de ferrovias à ANTT, a situação da malha ferroviária pouco foi alterada, como pode ser demonstrado pelas inspeções realizadas em 26/06/2001 (Id. 122624081 – fls. 63/71), no dia 29/06/2005 (Id. 122602107 – fls. 65/85), em 21/11/2006 (Id. 122624077 – fls. 30/33) e em 26 a 28 de maio de 2008 (Id. 102710419 – fls. 185/243), fotos da linha férrea que passa pelo Município de Dois Córregos/SP, que retratavam a situação da ferrovia em 05/07/2005 (Id. 122602107 – fls. 56/61), descarrilamentos ocorridos nos anos de 2005 a 2007 (Id. 122624077 – fls. 36/39, Id. 122624078 – fls. 03 e 47/55) e 2009 (Id. 102701347 – fls. 178/180) e o acordo firmado, em 09/03/2012, nos autos do Cumprimento de Sentença nº 0003410 14.2009.403.6117.

A despeito das notificações e ações fiscalizatórias realizadas pela ANTT, no período de 2002 a 2007, do termo de ajustamento de conduta firmado entre a agência e a concessionária e das multas aplicadas, verifica-se a deficiência na fiscalização do contrato, porquanto na última vistoria realizada, nos dias 26 a 28 de maio de 2008, foram verificadas irregularidades na via permanente em diversos quilômetros do trecho de Jaú a Brotas e constatado que a ferrovia apresentava má condição técnica e de segurança. Como mencionado na sentença, a concessionária apenas adotou medidas para atingir a eficiência na prestação do serviço, porque instada a fazê-lo pelo juízo (mas ainda existiam diversas providências que deveriam ser adotadas), ou seja, não decorreu de atos por parte da agência reguladora ou da UNIÃO.

Ao contrário de afirmado pela UNIÃO, o laudo elaborado pelo perito judicial apenas reforça que o poder concedente descumpriu sua obrigação legal e contratual de fiscalizar a prestação do serviço público, considerado o estado em que a ferrovia se encontrava e a necessidade de manutenção e diversos reparos, de modo a propiciar condições de tráfego e de segurança eficazes.

Por fim, a decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 0001763-31.2011.403.0000, em que foi reconhecida a ilegitimidade da UNIÃO na ação civil pública que objetivava a sua responsabilização pela fiscalização do contrato de concessão de malha ferroviária não interfere nesse entendimento pelos motivos já indicados. Ademais, a despeito do deferimento do efeito suspensivo, consulta efetuada nos sistemas de acompanhamento processual desta corte (GEDPRO/SIAPRO) demonstra que o recurso foi declarado prejudicado.

 

IX - DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, homologo o pedido de desistência da apelação da RUMO S/A. e RUMO MALHA PAULISTA S/A., rejeito as preliminares e nego provimento ao agravo retido, às apelações e ao reexame necessário, nos termos da fundamentação.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. DESISTÊNCIA. HOMOLOGAÇÃO. PRELIMINARES. CONTINÊNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITADAS. AGRAVO RETIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. TUTELA ANTECIPADA E IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO. LEI Nº 8.987/95. RESPONSABILIDADE PELA FISCALIZAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO DOS CONTRATOS. ANTT. LEI Nº 10.233/01. UNIÃO. PODER CONCEDENTE. TITULAR DO SERVIÇO. OBRIGAÇÃO CONTRATUAL E LEGAL. AGÊNCIA REGULADORA. FISCALIZAÇÃO DEFICIENTE. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES DESPROVIDAS.

- A sentença recorrida foi proferida em 22.05.2009, razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, de modo que o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nº 01 e 03/2016, do STJ).

- O artigo 998 do Código de Processo Civil confere ao recorrente a prerrogativa de desistir do recurso, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido. Saliente-se que os subscritores do pedido têm poderes especiais para desistir, conforme substabelecimento colacionado aos autos.

- O artigo 104 do CPC/73 estabelecia que a continência entre duas ou mais ações ocorreria quando houvesse identidade de partes e causa de pedir e o objeto de uma fosse mais amplo e abrangesse o das outras, o que se constata no caso dos autos. A despeito da identidade parcial das partes, verifica-se que as duas ações envolvem trechos de uma mesma ferrovia e que o objeto desta ação é mais amplo, de modo que a reunião dos feitos é medida necessária para que seja proferida sentença única que possa tutelar, como mencionado pelo juiz a quo: “toda a extensão da malha discutida nas ações”, bem como evitar decisões conflitantes. Precedentes.

- A preliminar de ilegitimidade passiva confunde-se com o mérito e com ele será decidido. O recurso tem como objetivo definir se remanesce a responsabilidade da União pela fiscalização do contrato de concessão, consideradas as atribuições conferidas à ANTT pela Lei nº 10.233/01, de modo que a legitimidade restará configurada caso constatada a sua atribuição suplementar.

- A alegação de ausência de interesse processual deve ser rejeitada. Inobstante a obrigação legal e contratual das apelantes, há elementos nos autos que comprovam o estado de abandono da ferrovia e o descaso com relação à falta de conservação e manutenção, com possibilidade de ocorrência de descarrilamentos e acidentes de grandes proporções, bem como a omissão por parte do poder concedente e da agência reguladora e a deficiência na fiscalização do contrato, circunstâncias que demonstram o interesse de agir do autor.

- Não conheço da arguição de impossibilidade de concessão de tutela antecipada em desfavor da fazenda pública. Verifica-se que a medida foi dirigida à FERROBAN e ALL, o que evidencia a falta de interesse recursal, considerada a inexistência de imposição de obrigação de fazer à UNIÃO ou à ANTT. Nessa acepção, o próprio ente federal reconheceu na apelação que: “a questão relativa à impossibilidade de concessão de tutela em face de ente público somente poderá ser apreciada, caso haja recurso da parte autora, visto que não houve concessão de tutela antecipada em face da União”.

- O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 98, consolidou o entendimento quanto à possibilidade de imposição de multa diária a ente público (REsp n. 1.474.665/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 26/4/2017, DJe de 22/6/2017.). Precedentes.

- Prevê a Constituição Federal o dever de prestação de serviços pelo poder público, de forma direta ou indireta, por meio de concessionárias ou permissionárias, após o devido processo licitatório. Por sua vez, o artigo 21, inciso XII, alínea “d”, confere à UNIÃO a prerrogativa de explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de transporte ferroviário entre fronteiras nacionais ou que transponham os limites de Estado ou Território. A questão foi regulamentada pela Lei nº 8.987/95, que dispôs sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos regido pelas disposições constitucionais, normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos respectivos contratos. Consoante se observa dos artigos 2º e 3º da referida lei, a concessão se traduz como forma de descentralização da prestação de serviço ou da execução de obra de competência do poder público mediante transferência da exploração ao particular contratante para que o explore ou o utilize pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais. Tem, assim, natureza jurídica de mera delegação de serviço de titularidade pública, sujeito à fiscalização pelo poder concedente, que pode retomar sua execução a qualquer tempo quando não respeitadas as normas legais pertinentes e as disposições contratuais firmadas.

- O dever de prestação de serviço público adequado é igualmente previsto em diversas passagens da Lei nº 8.987/95, como corolário do princípio constitucional da eficiência, que deve reger a atividade administrativa (artigo 37, caput, CF), bem assim do Código de Defesa do Consumidor, que deve ser atendido também por ocasião da prestação de serviços de natureza pública.

- A concessão pressupõe a prestação de serviço adequado que satisfaça as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, como estabelecido na Lei nº 8.987/95, nas normas pertinentes e no respectivo contrato (artigo 6º). A delegação do serviço público tem como finalidade transferir a sua prestação, mas não a sua titularidade, de modo que o poder concedente pode intervir e extinguir a concessão, bem como retomar sua execução, quando não observadas as normas legais ou contratuais, visto que permanece responsável pelo serviço concedido, considerada a sua natureza pública.

- O artigo 3º da Lei nº 8.987/95 estabelece que a concessão está sujeita à fiscalização pelo poder concedente responsável pela delegação. Na mesma acepção, o artigo 29 prevê que compete ao poder concedente, entre outras atribuições, regulamentar o serviço concedido, fiscalizar permanentemente a sua prestação, aplicar as penalidades regulamentares e contratuais, intervir na prestação e extinguir a concessão, nos casos nele previstos e na forma estipulada no contrato, cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares e as cláusulas contratuais da concessão e zelar pela boa qualidade do serviço. Ademais, o artigo 30 lhe confere a prerrogativa de, no exercício da fiscalização, ter acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária. No mesmo sentido, o artigo 67 da Lei nº 8.666/93 prevê que a administração deve acompanhar e fiscalizar a execução do contrato público.

- A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é uma autarquia especial, integrante da administração federal indireta, vinculada ao Ministério dos Transportes e ostenta a qualidade de órgão regulador da atividade de exploração da infraestrutura ferroviária e rodoviária federal e da atividade de prestação de serviços de transporte terrestre (artigos 21 e 22 da Lei nº 10.233/2001 e artigo 1º do Decreto nº 4.130/2002). A sua competência, em matéria de transporte ferroviário, diz respeito à edição de normas para a regulação do serviço.

- A UNIÃO, detentora do serviço público, concedeu a sua exploração à FERROBAN (RUMO MALHAS) por meio do contrato de concessão. A cláusula 9.2 do instrumento estabelece como obrigações da concedente, entre outras: “I) regulamentar os serviços concedidos e fiscalizar permanentemente a sua prestação; II) Aplicar as penalidades regulamentares e contratuais; III) Intervir para garantir a prestação do serviço adequado; IV) Extinguir a CONCESSÃO nos casos previstos neste contrato; V) Homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas; VI) Cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas do presente contrato; VII) Zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar as queixas e reclamações dos usuários; (...)”. A cláusula décima segunda determina que a fiscalização do serviço deve ser realizada pela concedente por intermédio de órgãos técnicos ou entidades conveniadas e prevê a fiscalização periódica efetuada por comissão composta por representantes da concedente, da concessionária e dos usuários, bem como que: “a CONCEDENT'E poderá determinar reparações, melhoramentos, substituições e modificações, bem como a execução de medidas de emergência ou providências necessárias à normalização do serviço, estabelecendo prazos para sua realização”. Por fim, de acordo com a cláusula décima quarta, a concedente poderá intervir na concessão para assegurar a prestação do serviço concedido e fazer cumprir as cláusulas contratuais, normas regulamentares e legais.

- O Superior Tribunal de Justiça consolidou o seguinte entendimento: “Ao delegar um serviço público mediante concessão, não deve o poder concedente se eximir de fiscalizar e exigir o cumprimento do contrato administrativo no qual é parte” (REsp n. 1.595.018/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18/8/2016, DJe de 29/8/2016.). Precedente.

- O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2095/RS, expressou o entendimento de que a atuação da agência reguladora está aliada às diretrizes definidas pelo Poder Executivo e aos termos do contrato administrativo e que o poder normativo a elas atribuído deve ser exercitado em conformidade com a ordem constitucional e legal de regência.

- Para o Superior Tribunal de Justiça, a transferência da administração dos contratos de concessão e arrendamento de ferrovias para a ANTT pela Lei nº 10.233/2001 não descaracteriza o interesse ou responsabilidade da UNIÃO, titular dos serviços concedidos. Precedente.

- A delegação da atividade de fiscalização não retira da União a responsabilidade primária do encargo, que pode ser condenada pela falha, omissão ou deficiência da delegada, considerada a sua condição de titular dos serviços concedidos. Consoante entendimento jurisprudencial, a UNIÃO, na qualidade de concedente, tem responsabilidade legal pela fiscalização do serviço público concedido, bem como por eventual omissão da concessionária na preservação dos bens sob seu domínio e no dever de fiscalização destes. Precedente.

- Desistência da apelação homologada. Agravo retido não provido. Reexame necessário e apelações desprovidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu homologar o pedido de desistência da apelação da RUMO S/A. e RUMO MALHA PAULISTA S/A., rejeitar as preliminares e negar provimento ao agravo retido, às apelações e ao reexame necessário, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. Ausente, justificadamente, por motivo de férias, a Des. Fed. LEILA PAIVA , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ANDRÉ NABARRETE
DESEMBARGADOR FEDERAL