APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002043-79.2023.4.03.6115
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: INSTITUTO SOCIAL CABURLOTTO
Advogados do(a) APELADO: FABIO JOSUE PUNTEL - RS126874-A, GILSON PIRES CAVALHEIRO - RS94465-A, RICARDO JOSUE PUNTEL - RS31956-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002043-79.2023.4.03.6115 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: INSTITUTO SOCIAL CABURLOTTO Advogados do(a) APELADO: FABIO JOSUE PUNTEL - RS126874-A, GILSON PIRES CAVALHEIRO - RS94465-A, RICARDO JOSUE PUNTEL - RS31956-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela União Federal em face de sentença proferida em ação de procedimento comum ajuizada por Instituto Social Caburlotto, que julgou procedente o pedido para reconhecer, no período de 01/10/2018 a 24/07/2020, a imunidade de que goza a parte autora, na forma do art. 195, §7º, da Constituição, por ser entidade beneficente de assistência social, enquanto ostentar o certificado de reconhecimento de entidade beneficente de assistência social – CEBAS (ou documento que legalmente o substitua) válido, ressalvado o direito de fiscalização por parte da autoridade fazendária, bem para, no mesmo período, reconhecer não devidas as contribuições sociais previstas em lei a outras entidades ou fundos, na forma do artigo 3º, §5º, da Lei nº 11.457/07. Além disso, a União foi condenada a restituir os valores efetivamente pagos pela autora desde 01/10/2018, atualizados pela SELIC desde o pagamento indevido até a restituição, bem como honorários de sucumbência, fixados nos percentuais mínimos previstos no artigo 85, § 3º, do Código de Processo Civil, incidentes sobre o valor da condenação. A União Federal alega, em síntese, que a parte autora não comprovou o preenchimento dos requisitos legais para o gozo da imunidade tributária pretendida, ressaltando ainda que o CEBAS seria apenas um deles e que, no caso concreto, a certificação apenas foi concedida em 2021, com validade de três anos, não abrangendo, portanto, todo o período mencionado pela sentença. Destaca a constitucionalidade formal dos requisitos previstos nos arts. 29, incisos I a V, VII e VII, e 32, ambos da Lei nº 12.101/2009, os quais não foram julgados inconstitucionais pelo E.STF ao julgar a ADI nº 4.480. Além disso, sustenta que não se aplica a imunidade com relação às contribuições a terceiras entidades, bem como o direito à fiscalização do contínuo cumprimento dos requisitos legais pela instituição imune. Nesse contexto, pede a reforma da sentença, julgando-se improcedente o pedido formulado. Apresentadas contrarrazões, os autos foram encaminhados para este Tribunal.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002043-79.2023.4.03.6115 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: INSTITUTO SOCIAL CABURLOTTO Advogados do(a) APELADO: FABIO JOSUE PUNTEL - RS126874-A, GILSON PIRES CAVALHEIRO - RS94465-A, RICARDO JOSUE PUNTEL - RS31956-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Em atenção ao decidido pelo E.STF em várias ADIs e REs e Tema 32, a compreensão dos requisitos formais e materiais para a imunidade tributária de entidades beneficentes há muito tempo é feita segundo as disposições do art. 14 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966), recepcionado como lei complementar pelo art. 146, II e III, pelo art. 150, VI, “c” e pelo art. 195, § 7º, todos da Constituição de 1988. A interpretação do art. 14, I, II e §2º, do CTN não considera suficiente a mera comprovação formal da imunidade com base em previsão abstrata de estatuto, em decretos de utilidade pública e em declarações sem aferição de gastos periódicos com beneficência, pouco servindo também balanços e outras peças contábeis pelas quais não é possível constatar o percentual destinado a benefícios em favor de pessoas carentes. Na regência do art. 14 do CTN, entidades beneficentes devem destinar o percentual mínimo de 20% de suas atividades em operações com gratuidade para a população carente, porque essa proporção vincula parcela importante do patrimônio e de recursos com as finalidades que justificam a desoneração tributária por parte do Estado. A Lei Complementar nº 187 (DOU de 17/12/2021) trouxe analítica descrição sobre a certificação das entidades beneficentes e regulou procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social de que trata o art. 195, §7º, da Constituição Federal. O art. 14 do CTN continua sendo a referência para a imunidade dos tributos pertinentes ao art. 150, VI, “c”, da Constituição, e também para as contribuições destinadas à seguridade social cujos fatos geradores sejam anteriores à publicação da Lei Complementar nº 187/2021 (art. 5º, XXXVI, da Constituição, e art. 40 dessa lei complementar). E o art. 41 da Lei Complementar nº 187/2021 não reduziu o comando do art. 14 do CTN apenas à análise formal, pois tão somente extingue créditos tributários motivados em leis ordinárias inconstitucionais. Havendo judicialização, a comprovação dos requisitos materiais para a caracterização da atividade beneficente geralmente depende de prova pericial, de modo que o CEBAS não é imprescindível para o reconhecimento judicial da imunidade tributária, embora a certificação estatal avalize (com presunção relativa de veracidade e de validade) a adequação da atuação da entidade aos propósitos constitucionais e legais. Sobre a certificação administrativa do cumprimento dos requisitos da desoneração tributária, durante a vigência do art. 55, inciso II, da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 9.429, de 26/12/1996, o reconhecimento da isenção prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, dentre outros requisitos, exigia que a entidade fosse portadora do “...Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos” (destaquei) e o Decreto nº 2.536, de 06/04/1998, previa, em seu art. 4º, a apresentação pela pessoa jurídica ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) da documentação listada referente aos três últimos exercícios. Com isso, é possível concluir que, à data do requerimento do Certificado, os efeitos retroagiriam três anos. Ademais, o prazo de validade do CEBAS era de três anos, a contar de sua concessão (art.3º, § 2º, do Decreto nº 2.536, de 06/04/1998) Na vigência dos dispositivos legais mencionados, a certificação (CEBAS) tem presunção relativa de regularidade e de veracidade durante seu prazo de validade. Considerando que a concessão inicial da certificação era feita com base em dados dos exercícios fiscais anteriores ao do requerimento, os efeitos do CEBAS são retroativos ao início do ano pertinente à documentação apresentada na via administrativa, perdurando por todo o prazo de validade da certificação. Ademais, essa é a conclusão extraída da Súmula 612 do E.STJ: “O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade.”. Constatando-se o fato de o poder público demorar anos para se pronunciar sobre o cabimento do CEBAS requerido, restringir essa certificação apenas ao único ano anterior ao requerimento corresponderia à negação da própria determinação do art. 21, §4º da Lei nº 12.101/2009 e de regras regulamentares sobre o tempo de validade da certificação. A entidade beneficente deve continuamente cumprir os requisitos cumulativos para se desonerar das obrigações tributárias de trato sucessivo, tal como afirmado pela Súmula 352, do E.STJ: “A obtenção ou a renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) não exime a entidade do cumprimento dos requisitos legais supervenientes”. Mas uma vez expedido o CEBAS, seu conteúdo declaratório e sua presunção de validade e de veracidade impõem à administração pública o ônus da prova de cancelar justificadamente a certificação. Por essa mesma razão, a autoridade fiscal competente tem o dever de fiscalizar (art. 14, §1º do CTN e art. 24 e art. 25 da Lei nº 12.101/2009), mesmo havendo provimento judicial declaratório de imunidade, inclusive revendo certificação administrativa (E.STF, Súmulas 336 e 473, e RE 594.296-Tema 138 com a seguinte Tese: “Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo”). Tendo em vista que imunidade tributária é restrição constitucional a campo de incidência por ela mesmo estabelecida, não são possíveis interpretações extensivas dos preceitos que a conferem, motivo pelo qual modalidades diversas de contribuições sociais para a seguridade não são desoneradas pela imunidade pessoal e condicionada prevista no art. 195, § 7º, da Constituição. As contribuições devidas a terceiros (“Sistema S”), incidentes sobre a folha de pagamentos, não têm natureza jurídica de contribuições para a seguridade social, motivo pelo qual não estão compreendidas pela imunidade prevista no art. 195, §7º da Constituição, mas entidades de beneficentes de assistência social (bem como as que atuam em áreas como saúde e educação) são isentas desses tributos por atos legislativos (art. 150, § 6º da ordem de 1988), mesmo à luz do art. 111 do CTN. Várias leis ordinárias que tratam das contribuições destinadas a terceiros concedem isenções pessoais e condicionadas para entidades sem fins lucrativos, cujos requisitos formais e materiais são equivalentes os exigidos para a imunidade do art. 195, §7º, da Constituição e ao art. 14 do CTN. Para legitimar a renúncia tributária, a entidade beneficente deve colaborar com o poder público no atendimento da população carente, embora possa cobrar valores e ter lucro para revertê-los às prestações gratuitas (tal como decidiu o E.STF em se tratando de imunidade, Súmulas 724 e 730). A proporção da gratuidade não pode ser ínfima, devendo envolver, no mínimo, 20% das atividades das instituições (medida em face de suas receitas ou de suas prestações), salvo circunstâncias especiais verificados em casos concretos. Sobre contribuições devidas ao Salário-Educação, o art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.766/1999 concede isenção pessoal e condicionada ao cumprimento de requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/1991 (atualmente tratado pela Lei nº 12.101/2009): Art. 1º A contribuição social do Salário-Educação, a que se refere o art. 15 da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, obedecerá aos mesmos prazos e condições, e sujeitar-se-á às mesmas sanções administrativas ou penais e outras normas relativas às contribuições sociais e demais importâncias devidas à Seguridade Social, ressalvada a competência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, sobre a matéria. § 1º Estão isentas do recolhimento da contribuição social do Salário-Educação: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como suas respectivas autarquias e fundações; II - as instituições públicas de ensino de qualquer grau; III - as escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, devidamente registradas e reconhecidas pelo competente órgão de educação, e que atendam ao disposto no inciso II do art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; IV - as organizações de fins culturais que, para este fim, vierem a ser definidas em regulamento; V - as organizações hospitalares e de assistência social, desde que atendam, cumulativamente, aos requisitos estabelecidos nos incisos I a V do art. 55 da Lei no 8.212, de 1991. (...) Já o art. 3º, §§ 2º, 5º e 6º da Lei nº 11.457/2007, também se referindo às exigências do art. 55 da Lei nº 8.212/1991 (tema tratado na Lei nº 12.101/2009), concede isenção pessoal e condicionada a demais contribuições devidas a terceiros: Art. 3º As atribuições de que trata o art. 2o desta Lei se estendem às contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, na forma da legislação em vigor, aplicando-se em relação a essas contribuições, no que couber, as disposições desta Lei. (...) § 2º O disposto no caput deste artigo abrangerá exclusivamente contribuições cuja base de cálculo seja a mesma das que incidem sobre a remuneração paga, devida ou creditada a segurados do Regime Geral de Previdência Social ou instituídas sobre outrasbases a título de substituição. § 5º Durante a vigência da isenção pelo atendimento cumulativo aos requisitos constantes dos incisos I a V do caput do art. 55 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, deferida pela Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, pela Secretaria da Receita Previdenciária ou pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, não são devidas pela entidade beneficente de assistência social as contribuições sociais previstas em lei a outras entidades ou fundos. § 6º Equiparam-se a contribuições de terceiros, para fins desta Lei, as destinadas ao Fundo Aeroviário – FA, à Diretoria de Portos e Costas do Comando da Marinha – DPC e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA a do salário-educação. Interpretando o alcance da Lei nº 11.457/2007 (inclusive para fins da isenção concedida pelo art. 3º, §§ 2º, 5º e 6º), a redação originária do art. 109 da IN RFB nº 971/2009 não era clara quanto ao alcance da isenção, mas a IN RFB nº 1.071/2010 deu nova redação a esse art. 109 e, especialmente, incluiu o art. 109-A nesse ato normativo fazendário, reconhecendo a concessão de isenção pessoal e condicionada em se tratando de contribuições para terceiros: Art. 109. Compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), nos termos do art. 3º da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, as atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação e cobrança da contribuição devida por lei a terceiros, ressalvado o disposto no § 1º do art. 111. § 1º Consideram-se terceiros, para os fins deste artigo: I - as entidades privadas de serviço social e de formação profissional a que se refere o art. 240 da Constituição Federal de 1988, criadas por lei federal e vinculadas ao sistema sindical; II - o Fundo Aeroviário, instituído pelo Decreto-Lei nº 270, de 28 de fevereiro de 1967; III - o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo, instituído pelo Decreto-Lei nº 828, de 5 de setembro de 1969; IV - o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), criado pelo Decreto-Lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970; V - o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), gestor da contribuição social do salário-educação, instituída pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. § 2º A contribuição de que trata este artigo sujeita-se aos mesmos prazos, condições, sanções e privilégios das contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, inclusive no que diz respeito à cobrança judicial. § 3º O disposto no caput aplica-se, exclusivamente, à contribuição cuja base de cálculo seja a mesma das que incidem sobre a remuneração paga, devida ou creditada a segurados do RGPS ou instituídas sobre outras bases a título de substituição. § 4º A retribuição pelos serviços referidos no caput será de 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do montante arrecadado, salvo percentual diverso estabelecido em lei específica, e será creditada ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975. § 5º A contribuição de que trata este artigo é calculada sobre o total da remuneração paga, devida ou creditada a empregados e trabalhadores avulsos, e é devida: I - pela empresa ou equiparada, de acordo com o código FPAS da atividade, atribuído na forma deste Capítulo; II - pelo transportador autônomo de veículo rodoviário, na forma do art. 111-I; e III - pelo segurado especial, pelo produtor rural pessoa física e jurídica, em relação à comercialização da sua produção rural, e pela agroindústria, em relação à comercialização da sua produção, de acordo com as alíquotas constantes do Anexo IV. Seção II Da Não-Incidência da Contribuição Art. 109-A. Não estão sujeitos à contribuição de que trata o art. 109: I - órgãos e entidades do Poder Público, inclusive agências reguladoras de atividade econômica; II - organismos internacionais, missões diplomáticas, repartições consulares e entidades congêneres; III - Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Seccionais da OAB; IV - Conselhos de profissões regulamentadas; V - instituições públicas de ensino de qualquer grau; VI - serventias notariais e de registro, exceto quanto à contribuição social do salário-educação; VII - as entidades a que se refere o inciso I do § 1º do art. 109, constituídas sob a forma de serviço social autônomo, exceto quanto à contribuição social do salário-educação e à contribuição devida ao Incra. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1238, de 11 de janeiro de 2012) VIII - entidades beneficentes de assistência social certificadas na forma da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, e que cumpram os requisitos legais. (...) No mesmo sentido, antes havia a remissão prevista no art. 4º da Lei nº 9.429/1996 (também condicionada ao cumprimento dos requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/1991, agora na Lei nº 12.101/2009), que já alinhava a isenção dessas contribuições às exigências da imunidade das contribuições previdenciárias (art. 195, §7º, da Constituição): Art. 4º São extintos os créditos decorrentes de contribuições sociais devidas, a partir de 25 de julho de 1981, pelas entidades beneficentes de assistência social que, nesse período, tenham cumprido o disposto no art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Ainda que as isenções pessoais e condicionadas, pertinentes às contribuições devidas a terceiros (“Sistema S”), sejam plenamente subordináveis a requisitos legítimos fixados em lei ordinária (a rigor, não havendo as restrições reconhecidas pelo E.STF no Tema 32), por todo histórico normativo acima descrito, nota-se que essas desonerações sempre estiveram (e ainda estão) atreladas ao cumprimento de requisitos formais e materiais equivalentes aos exigidos para a imunidade do art. 195, §7º, da Constituição e ao art. 14 do CTN, em favor dos mesmos compromissos solidários de atendimento beneficente à população carente. O reconhecimento judicial da isenção pode ser feito sem o CEBAS (embora sua apresentação leve à presunção da adequação da atuação da entidade, E.STJ, Súmulas 352 e 612), desde que fiquem comprovados nos autos o cumprimento dos demais requisitos formais e materiais exigidos para o reconhecimento da isenção pessoal e condicionada. Essa comprovação geralmente depende de prova pericial, não bastando afirmações genéricas baseadas em cláusulas abstratas de estatutos sociais, ou referências a balanços sintéticos e certidões de utilidade pública desvinculadas das condições para a desoneração tributária. Em vista das previsões legais, essas isenções exigem cumprimento contínuo dos requisitos cumulativos previstas na legislação, razão pela qual provimentos judiciais declaratórios não impedem que as autoridades administrativas exerçam seu dever de fiscalização, inclusive invalidando certificações irregulares (p. ex., CEBAS) dotadas de presunção relativa de validade e de veracidade (E.STF, Súmulas 336 e 473, e Tema 138, E.STJ, Súmula 352, e art. 14, §§ 1º e 2º do CTN). Em suma, para usufruir da isenção pessoal e condicionada reclamada pertinente a contribuições devidas a terceiros, a entidade deve cumprir continuamente os seguintes requisitos cumulativos: 1) prestar serviços de assistência social beneficente em proporções substanciais de sua atividade e de seus recursos (o mesmo sendo exigido se a atividade for de saúde ou educação), sem fins lucrativos e voltados à população miserável ou economicamente pobre; 2) não remunerar ou conceder vantagens e benefícios (a qualquer título) a seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores; 3) aplicar, integralmente, seus recursos no atendimento das finalidades assistenciais (de modo direto ou indireto); 4) manter escrituração regular. Quanto à contribuição ao PIS, o E. Supremo Tribunal Federal, ao decidir o RE nº 636.941/RS, sob o regime de repercussão geral, fixou a seguinte tese no Tema nº 432: “A imunidade tributária prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal abrange a contribuição para o PIS”. Com isso, o reconhecimento da imunidade deve observar os mesmos requisitos aplicáveis em relação às contribuições previdenciárias e a terceiras entidades. Pois bem. No caso dos autos, a parte autora é entidade civil de Direito Privado, sem fins econômicos, de caráter assistencial (art. 1º do Estatuto – id nº 291280923, pág. 01), que se dedica, dentre outras atividades, à promoção humana, familiar, beneficente, filantrópica e de assistência social (art. 3º do Estatuto – id291280923, pág. 01). E, no exercício de tais atividades, o instituto não distribuição resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela do seu patrimônio, sob nenhuma forma, e não constitui patrimônio de indivíduo ou de sociedade (art. 30 do Estatuto – id nº 2912880923, pág. 09), vedação que não alcança as associadas da entidade na execução de tarefas diferentes das suas atribuições enquanto dirigentes ou conselheiras (art. 31, parágrafo único). Já o art. 39 do Estatuto (id nº 2912880923, pág. 13), prevê que a totalidade dos recursos econômico-financeiros previstos é integralmente aplicada na consecução das finalidades do instituto. A parte autora também juntou aos autos, balanços e demonstrações contábeis (id nº 281280926), certidão negativa de débitos tributários (id nº 291281082) e de FGTS (id nº 291281083). Além disso, requereu e teve deferida a Certificação de entidade beneficentes de assistência social, com validade de três anos a partir da publicação da Portaria nº 92, de 25/06/2020, da Secretaria Nacional de Assistência Social (D.O.U. de 26/06/2020), tendo constado do mencionado documentos que o pedido foi acolhido por atender os requisitos legais constantes na Lei nº 12.101/2009 (id nº 291281084). A validade da certificação foi prorrogada para 31/12/2024, conforme documento id nº 291281085. O protocolo administrativo respectivo recebeu o nº 235874.0009780/2019, e decorre do pedido de certificação protocolado em 19/12/2019 (id nº 291281085). Portanto, considerando que nos termos do art. 3º da Lei nº 12.101/2009, então vigente à época da certificação da parte autora, a entidade deveria demonstrar o cumprimento dos requisitos legais no exercício fiscal anterior, deve ser mantida a sentença quanto ao reconhecimento da imunidade no período de 01/10/2018 a 24/07/2020, nos termos do pedido formulado, ressalvado o direito de fiscalização por parte da autoridade fazendária. Consequentemente, também deve ser mantido o julgado no tocante à condenação da União Federal à restituição do montante recolhido indevidamente. Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária e à apelação da União Federal. Em vista trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). É o voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CONTRIBUIÇÕES A TERCEIRAS ENTIDADES. PIS. ENTIDADE BENEFICENTE. CERTIFICAÇÃO. CEBAS. EFEITOS RETROATIVOS. PRAZO DE VALIDADE. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VALIDADE E DE VERACIDADE. CANCELAMENTO. ÔNUS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
- Para a caracterização da imunidade pessoal e condicionada pertinente às contribuições destinadas à seguridade social (art. 195, §7º da Constituição) sob a regência do art. 14 do CTN (observada a publicação da Lei Complementar nº 187/2021), é necessária a comprovação de requisitos formais e materiais, sobretudo prestações gratuitas em favor da população carente para justificar a desoneração tributária por parte do Estado.
- A certificação (CEBAS) tem presunção relativa de regularidade e de veracidade durante seu prazo de validade. Considerando que a concessão inicial da certificação é feita com base em dados de exercícios fiscais anteriores ao do requerimento, os efeitos do CEBAS são retroativos ao início do ano pertinente à documentação apresentada na via administrativa, perdurando por todo o prazo de validade da certificação. Essa é a conclusão extraída da Súmula 612 do E.STJ.
- Constatando-se o fato de o poder público demorar anos para se pronunciar sobre o cabimento do CEBAS requerido, restringir essa certificação apenas ao único ano anterior ao requerimento corresponderia à negação da própria determinação do art. 21, §4º da Lei nº 12.101/2009 e de regras regulamentares sobre o tempo de validade da certificação.
- A entidade beneficente deve continuamente cumprir os requisitos cumulativos para se desonerar das obrigações tributárias de trato sucessivo (Súmula 352, do E.STJ). Mas uma vez expedido o CEBAS, seu conteúdo declaratório e sua presunção de validade e de veracidade impõem à administração pública o ônus da prova de cancelar justificadamente a certificação e, pela mesma razão, a autoridade fiscal competente tem o dever de fiscalizar (art. 14, §1º do CTN e art. 24 e art. 25 da Lei nº 12.101/2009), mesmo havendo provimento judicial declaratório de imunidade, inclusive revendo certificação administrativa (E.STF, Súmulas 336 e 473, e RE 594.296-Tema 138.
- As contribuições devidas a terceiros (“Sistema S”), incidentes sobre a folha de pagamentos, não têm natureza jurídica de contribuições para a seguridade social, motivo pelo qual não estão compreendidas pela imunidade prevista no art. 195, §7º da Constituição. Todavia, em atenção ao art. 150, § 6º da ordem de 1988 e ao art. 111 do CTN, atos legislativos concederam isenção pessoal e condicionada para entidades de beneficentes de assistência social, de saúde e de educação, cujos requisitos são os mesmos aplicáveis às contribuições para a seguridade social. É o caso das contribuições ao Salário-Educação (art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.766/1999) e das demais contribuições devidas a terceiros (art. 3º, §§ 2º, 5º e 6º da Lei nº 11.457/2007), com referência ao art. 55 da Lei nº 8.212/1991 (substituído pela Lei nº 12.101/2009 e pela Lei Complementar nº 187/2021), cujo alcance foi afirmado pelo art. 109 e pelo art. 109-A, ambos da IN RFB nº 971/2009 (com alterações da IN RFB nº 1.071/2010 e seguintes). Antes havia a remissão do art. 4º da Lei nº 9.429/1996, que já alinhava a isenção dessas contribuições às exigências da imunidade das contribuições previdenciárias (art. 195, §7º, da Constituição).
- Ainda que as isenções pessoais e condicionadas, pertinentes às contribuições devidas a terceiros (“Sistema S”), sejam subordináveis a requisitos legítimos fixados em lei ordinária (a rigor, não havendo a imposição de lei complementar indicada pelo E.STF no Tema 32), essas desonerações sempre estiveram (e ainda estão) substancialmente atreladas ao cumprimento de requisitos formais e materiais equivalentes aos exigidos para a imunidade do art. 195, §7º, da Constituição (primeiro pelo art. 14 do CTN e agora pela Lei Complementar nº 187/2021), em favor dos mesmos compromissos solidários de atendimento beneficente à população carente.
- O E. Supremo Tribunal Federal, ao decidir o RE nº 636.941/RS, sob o regime de repercussão geral, fixou a seguinte tese no Tema nº 432: “A imunidade tributária prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal abrange a contribuição para o PIS”. Com isso, o reconhecimento da imunidade com relação ao PIS deve observar os mesmos requisitos aplicáveis em relação às contribuições previdenciárias e a terceiras entidades.
- No caso dos autos, conforme consta de seu estatuto social, a parte autora é entidade civil de Direito Privado, sem fins econômicos, de caráter assistencial, que se dedica, dentre outras atividades, à promoção humana, familiar, beneficente, filantrópica e de assistência social. E, no exercício de tais atividades, não distribuição lucros ou resultados, sendo a totalidade dos recursos econômico-financeiros recebidos aplicada na consecução das finalidades do instituto. Além disso, foram juntados aos autos balanços e demonstrações contábeis, certidão negativa de débitos tributários e de FGTS. Por fim, a parte autora requereu e teve deferida a Certificação de entidade beneficentes de assistência social, com validade de três anos a partir da publicação de Portaria da Secretaria Nacional de Assistência Social publicada em 26/06/2020, tendo constado do mencionado documentos que o pedido foi acolhido por atender os requisitos legais constantes na Lei nº 12.101/2009, sendo prorrogado a sua validade para 21/12/2024. O protocolo administrativo do pedido de certificação é de 19/12/2019.
- Considerando que nos termos do art. 3º da Lei nº 12.101/2009, então vigente à época da certificação da parte autora, a entidade deveria demonstrar o cumprimento dos requisitos legais no exercício fiscal anterior, deve ser mantida a sentença quanto ao reconhecimento da imunidade no período de 01/10/2018 a 24/07/2020, nos termos do pedido formulado, ressalvado o direito de fiscalização por parte da autoridade fazendária.
- Apelação da União e remessa necessária desprovidas.