Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000418-54.2020.4.03.6005

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: MARIA NALVA CORDEIRO LEITE, BRIZIDA RAMOS CORDEIRO LEITE, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ ALEXANDRE GONCALVES DO AMARAL - MS6661-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO FEDERAL, BRIZIDA RAMOS CORDEIRO LEITE, MARIA NALVA CORDEIRO LEITE

Advogado do(a) APELADO: LUIZ ALEXANDRE GONCALVES DO AMARAL - MS6661-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000418-54.2020.4.03.6005

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: MARIA NALVA CORDEIRO LEITE, BRIZIDA RAMOS CORDEIRO LEITE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ ALEXANDRE GONCALVES DO AMARAL - MS6661-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO FEDERAL, BRIZIDA RAMOS CORDEIRO LEITE, MARIA NALVA CORDEIRO LEITE

Advogado do(a) APELADO: LUIZ ALEXANDRE GONCALVES DO AMARAL - MS6661-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta por ambas as parte contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para o fim de declarar a ilegalidade do ato administrativo que cassou a pensão especial das autoras, recebida nos termos da Lei nº 3.373/58, em razão do falecimento de Nildo Leite, e determinar o restabelecimento do benefício, bem como a reversão da pensão vitalícia recebida por Zira Ramos Cordeiro Leite  e das pensões temporárias recebidas por Maria Luciana Cordeiro Leite, Nilda Claudia Cordeiro Leite e Maria Ramos Cordeiro Leite às autoras. No mais, julgou improcedente o pedido formulado contra o INSS, nos termos da fundamentação. As prestações em atraso serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à data do cálculo, observada a recente tese fixada pelo C. STF, em sede de repercussão geral, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 870947 e o regime de precatório previsto no art. 100, da CF/88. Tendo em vista a sucumbência mínima da parte autora, somente a ré União Federal foi condenada ao reembolso das custas processuais e pagamento de honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo previsto no §3º do art. 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação/proveito econômico obtido. Concedeu antecipação de tutela.

A parte autora (Maria Nalva Cordeiro Leite e Brizida Ramos Cordeiro Leite) sustenta que a sentença deve ser reformara para que seja reconhecido o direito à paridade com o vencimento de servidores que estiverem na ativa, com incidência das vantagens pessoais do servidor falecido (Gratificação Quinquenal de 15%, Gratificações de 20% GDA  - DL n. 2.211/84, 75% GDAA - Dec Lei n. 2.365/87), sempre respeitando o valor do subsídio mínimo de carto técnico da tabela aplicável aos servidores da extinta RFFSA.

A corré União Federal sustenta, preliminarmente, a prescrição do fundo de direito quanto à conversão da cota-parte (pois o óbito da genitora das autoras ocorreu em 24/02/1993  e o matrimônio das irmãs ocorreu em 12/07/1980 - Maria Ramos, 13/12/1986  - Maria Luciana e em 02/12/1995 – Nilda), ou ao menos a prescrição quinquenal nesse tocante. No mais, sustenta a ilegalidade da concessão da pensão às apeladas. Argumenta que a concessão da pensão foi irregular, por erro da administração, pois o instituidor nunca foi servidor público estatutário de qualquer Ministério, mas apenas servidor celetista da extinta Rede Ferroviária do Nordeste. Sustenta a possibilidade de revisão dos atos ilegais da administração e a inocorrência de decadência,  ressaltando que a jurisprudência do STF é pacífica quanto à não incidência do art. 54 da Lei 9.784/1999 ou de qualquer outro prazo decadencial previamente à manifestação do Tribunal de Contas, tendo em vista a natureza complexa dos atos de aposentadoria e pensão. No mais, pugna pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso, ressaltando a impossibilidade de concessão de tutela antecipada.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta e.Corte.

É o breve relatório. 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000418-54.2020.4.03.6005

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: MARIA NALVA CORDEIRO LEITE, BRIZIDA RAMOS CORDEIRO LEITE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ ALEXANDRE GONCALVES DO AMARAL - MS6661-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO FEDERAL, BRIZIDA RAMOS CORDEIRO LEITE, MARIA NALVA CORDEIRO LEITE

Advogado do(a) APELADO: LUIZ ALEXANDRE GONCALVES DO AMARAL - MS6661-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Versa o caso dos autos sobre a aplicação do prazo decadencial de 5 anos previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 ao direito da Administração Pública à revisão da concessão de aposentadorias e pensões quando ainda pendente de apreciação pelo Tribunal de Contas da União, bem como sobre prescrição de parcelas vencidas e direito à paridade.

Em vista do conteúdo do ordenamento jurídico vigente, a concessão de aposentadoria ou reforma a servidor público, bem como de pensão a seus dependentes, depende da avaliação favorável por parte de órgão da administração pública competente e, depois, do TCU. Assim, o órgão ou entidade ao qual o servidor é vinculado analisa o preenchimento dos requisitos legais para aposentadoria, reforma ou pensão e, em caso afirmativo, concede o benefício; essa decisão inicial deve ser apreciada pelo TCU, que fará controle externo de legalidade. Apenas após o parecer definitivo e favorável da Corte de Contas é que a aposentadoria, pensão ou reforma é registrada.

A atuação do TCU decorre de seu papel no controle externo das contas públicas, em conformidade com o art. 71, III, da Constituição Federal de 1988, cabendo-lhe apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão), bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões (ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório). 

O órgão da administração pública, responsável pela concessão da aposentadoria, reforma ou pensão, não precisa aguardar o pronunciamento do TCU para corrigir eventual irregularidade, porque o poder público tem o dever de anular atos irregulares relativos ao seu âmbito de atuação, sendo impróprio falar em ato jurídico perfeito ou em direito adquirido contrário ao ordenamento. Escorada na vinculação à lei e na autotutela confiada pelo sistema constitucional e legal ao poder público, o E.STF tem firme orientação quanto ao dever de a administração pública regularizar atos incorretos, como se nota na Súmula 346 (“A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”) e Súmula 473 (“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se origina direitos, ou revogá-los por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”). O TCU tem atuação convergente com a administração pública quando atua na regularização de atos administrativos, como indicado pelo E.STF na Súmula Vinculante 3 (“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”), embora revisitada no RE 636553/RS-Tema 445 (conforme adiante anotado).

Porém, em vista de a segurança jurídica impor prazos para que atos jurídicos não fiquem indefinidamente suscetíveis de alteração, a revisão de ato administrativo incorreto está sujeito a prazos previstos na legislação de regência, com seus correspondentes termos. Nesse contexto, havia entendimento consolidado de que, enquanto não emitida decisão definitiva pelo TCU, não corria o prazo decadencial quinquenal para a administração pública anular seus atos nos termos do art. 54 da Lei nº 9.784/1999, daí porque o termo inicial da decadência era a decisão proferida pela Corte de Contas (p. ex., no E.STJ, AGRESP 201401744721, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJE de 12/02/2015.)

 Contudo, ao apreciar casos versando sobre a atuação do TCU no ato de concessão ou revisão de aposentadoria, pensão ou reforma, o E.STF passou a se posicionar no sentido de que a demora para se aperfeiçoar o ato de concessão de benefício (de indiscutível natureza alimentar), aliada ao desrespeito ao contraditório e à ampla defesa, representava violação à segurança jurídica, à boa-fé, à confiança do administrado nos atos da administração (presumidamente legais e legítimos) e à razoável duração do processo (p. ex., MS 25116, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2010, DJe-027). Afinal, o E.STF se pronunciou quanto ao prazo para o TCU se pronunciar sobre temas de aposentadoria, reforma ou pensão: 

Recurso extraordinário. Repercussão geral. 2. Aposentadoria. Ato complexo. Necessária a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas. Inaplicabilidade do art. 54 da Lei 9.784/1999 antes da perfectibilização do ato de aposentadoria, reforma ou pensão. Manutenção da jurisprudência quanto a este ponto. 3. Princípios da segurança jurídica e da confiança legítima. Necessidade da estabilização das relações jurídicas. Fixação do prazo de 5 anos para que o TCU proceda ao registro dos atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, após o qual se considerarão definitivamente registrados. 4. Termo inicial do prazo. Chegada do processo ao Tribunal de Contas. 5. Discussão acerca do contraditório e da ampla defesa prejudicada. 6. TESE: "Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas". 7. Caso concreto. Ato inicial da concessão de aposentadoria ocorrido em 1995. Chegada do processo ao TCU em 1996. Negativa do registro pela Corte de Contas em 2003. Transcurso de mais de 5 anos. 8. Negado provimento ao recurso.

(RE 636553, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-129 DIVULG 25-05-2020 PUBLIC 26-05-2020)

Nesse RE 636553/RS, o E.STF firmou a seguinte Tese no Tema 445, cuidando sobre o termo inicial da decadência quinquenal prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 para fins do controle externo do TCU quanto a atos administrativos que concedem aposentadoria, reforma ou pensão: “Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas.”

Nesse RE 636553/RS-Tema 445, a Corte Suprema, privilegiando a isonomia, entendeu que a aplicação do prazo de 5 anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 para que o administrado requeira seus direitos em face da Fazenda Pública, se mostra razoável para se exigir que o poder público faça o controle de legalidade do ato administrativo. Tal entendimento busca evitar situações em que o administrado se sujeita indefinidamente à possibilidade de eventual cancelamento de seu benefício, no qual deposita legítima expectativa de recebimento.

Contudo, em razão das possíveis consequências da alteração de entendimento e os riscos de se criar instabilidade junto não apenas ao TCU, mas também aos TCEs e TCMs, o E.STF modulou os efeitos temporais para a aplicação da Tese estabelecida no Tema 445, afirmando seu caráter prospectivo, razão pela qual o prazo de 5 anos para consolidação do ato de concessão do benefício não se aplica aos casos já definidos, mas somente para aqueles em tramitação e os que venham a ser instaurados. Portanto, a partir do novo entendimento trazido no Tema 445 do E.STF, o TCU terá 5 anos não apenas para oferecer contraditório e ampla defesa mas para apreciar conclusivamente os processos a ele submetidos, a contar do recebimento do processo pela Corte de Contas.

As aposentadorias, reformas e pensões, em tramitação há mais de 5 anos no TCU quando da decisão definitiva do RE 636553/RS-Tema 445 pelo E.STF (julgado em 19/02/2020, DJe-129 de 25/05/2020, publicado em 26/05/2020), não podem mais ser revistas pela Corte de Contas e pela administração pública (Decreto nº 20.910/1932 e Lei 9.784/1999). Ao TCU não foram concedidos mais 5 anos (contados do julgamento do E.STF nesse RE 636553/RS-Tema 445) para finalizar os processos até então pendentes, tanto que o pretório excelso negou provimento às pretensão da União Federal no julgamento desse RE que, em repercussão geral, amparou a Tese no Tema 445, porque sua ratio decidendi é o primado da segurança jurídica e a confiança legítima que o cidadão deposita na administração pública ao longo do tempo, em relação à aposentadoria, reforma ou pensão já avaliada inicialmente pelo poder público.

No RE 636553/RS, os membros do E.STF também analisaram a natureza do ato administrativo que concede a aposentadoria, reforma ou pensão (se simples, complexo ou composto), e ainda que não tenha sido abandonado o entendimento de que se trata de ato complexo (combinando a atuação da administração pública e do TCU), sobressaiu a compreensão da necessidade de segurança jurídica e de confiança legítima depositada nos atos do poder público. A esse respeito, destaco o aditamento do voto do Ministro Gilmar Mendes: 

Após detida análise dos autos, verifico que a aposentadoria foi concedida pelo órgão de origem em 1º.9.1995, tendo o processo de deferimento inicial do benefício chegado ao Tribunal de Contas da União em 18.7.1996, que, em 4.11.2003 (Acórdão 2.699/2003 – 1ª Câmara), ao analisar a legalidade da aposentadoria do servidor público concedida há mais sete anos, constatou a existência de irregularidades, motivo pelo qual considerou ilegal o ato de concessão. Extrai-se ainda da inicial que o servidor foi notificado da decisão do TCU, sendo oportunizada a interposição de recurso administrativo, o qual foi rejeitado nos termos do Acórdão 1675/04 – 1ª Câmara.

Nessa esteira, reexaminando o caso dos autos, verifico que transcorreram mais de cinco anos entre a chegada do processo ao TCU e a decisão proferida pela Corte de Contas e quase 24 anos até a presente data, o que atrai a incidência do princípio da segurança jurídica.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso da União, pois, apesar de entender que o art. 54 da Lei 9784/1999 não se aplica diretamente à análise da legalidade do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas, é necessária a observância do prazo de 5 anos, a contar da chegada dos autos à Corte de Contas, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.

No caso dos autos, as autoras recebiam, desde 13/08/1985 (Id. 280846114 - Pág. 3), pensão por morte em razão do falecimento de seu pai, Nildo Leite,  ocorrido em 09/03/1973. O falecido era servidor ativo da Rede Ferroviária do Nordeste. A pensão fora concedida com fulcro na Lei 6.782/1980 c/c Decreto 76.954/1975, considerando como órgão de origem o Ministério dos Transportes.

Consta dos autos parecer do TCU, datado de 04/02/1986, no sentido de que a concessão da pensão poderá ser considerada legal, havendo apenas recomendação de verificação de autenticidade de assinaturas e correção do nome de uma das beneficiárias (Id. 280846115). Em razão das sugestões, os autos tornaram à origem em 05/02/1986 para atendimento da diligência.

Em 11/07/2019, deliberou-se administrativamente pelo cancelamento do benefício (Id. 280846186), sob o fundamento de que o falecido era servidor da extinta Rede Ferroviária do Nordeste, vinculada à Administração indireta, não fazendo jus à concessão de benefício estatutário na forma da Lei n. 3.373/58.

Não há como se acolher o argumento da União de que não decaíra o direito da Administração de revisar o benefício pois o TCU ainda não teria realizado julgamento acerca do ato concessório da pensão (consta que o julgamento pelo TCU se encontra em diligência desde fevereiro de 1986 – Id. 280846184 - Pág. 1).

Em primeiro lugar porque, conforme o entendimento esposado pela jurisprudência aqui colacionada, não há como se aguardar indeterminadamente o pronunciamento do TCU para que então a Administração passe a contar o prazo do art. 54 da Lei nº 9.784/1999 para eventual revisão e cancelamento de benefícios, sob o risco de ocorrerem casos como o presente – uma pensão por morte estabelecida havia cerca de trinta e quatro anos ser subitamente cancelada. E, de outro lado, é de se observar o entendimento consolidado da jurisprudência no sentido de que o prazo decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/1999, para atos constituídos antes da edição desta lei, passa a ser contado a partir de sua vigência, devendo eventual invalidação de ato administrativo ocorrer até 29/01/2004: “Não se olvida que é firme o entendimento desta Corte no sentido de que, caso o ato administrativo, acoimado de ilegalidade, tenha sido praticado antes da promulgação da Lei 9.784/99, a Administração tem o prazo decadencial de cinco anos para anulá-lo, a contar da vigência do aludido diploma legal. Se o ato tido por ilegal tiver sido executado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da sua prática, sob pena de decadência. A propósito: STJ, AgRg no REsp 1.563.235/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016; AgRg no REsp 1.270.252/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/09/2012” ((REsp n. 1.890.871/PE, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 10/2/2022).

Passo a apreciar as alegações de prescrição do fundo de direito e prescrição quinquenal, referentes ao pedido de reversão das cotas da mãe falecida e das irmãs casadas.

Por tratar-se de lide de trato continuado, que se renova no tempo, o fundo do direito não é alcançado pela prescrição, mas tão somente as parcelas as parcelas anteriores aos cinco anos da propositura da ação, à luz do art. 1º do Decreto nº 20.910/32.

Há de se considerar, apenas, a prescrição quinquenal das parcelas vencidas antes de cinco anos do ajuizamento da ação, em 06/04/2020, diante da ausência de notícia de eventual requerimento administrativo de reversão do benefício.

Trato, por fim, da alegação de paridade. As autoras sustentam que o Plano de Cargos dos Servidores na Ativa implica em recálculo do benefício, com acréscimo das Gratificações de 20% GDA (Decreto-Lei n. 2.211/84), 75% de GDAA (Decreto-Lei n. 2.365/87) e Abono Especial (Decreto Lei 7.333/85). No entanto, o benefício de pensão especial foi implantado sem as vantagens pessoais do falecido, o que contraria a disposição legal prevista no art. 2º e 6º, do Decreto 76.954/75.

No caso dos autos, há de se considerar que o falecido ingressou na Rede Ferroviária do Nordeste em data anterior à vigência ao Decreto-Lei 956/1969 (embora não conste dos autos documento informando a data da admissão, consta dos autos carteira funcional emitida pela “RFFSA – Rede Ferroviária do Nordeste” em 23/09/1963 – Id. 280846130 - Pág. 1). Contudo, faleceu na ativa, antes da edição da legislação invocada como geradora de gratificações.  Ou seja, na data do óbito o segurado instituidor não havia adquirido o direito à revisão pretendida. Assim, o benefício derivado (pensão) também não está sujeito a esta revisão.

Observa-se, quanto aos pensionistas, a máxima tempus regit actum, ou seja, aplica-se à pensão por morte o ordenamento vigente ao tempo em que ocorreu o fato gerador de sua concessão.

Ressalte-se que a legislação invocada como fundamento para a extensão das vantagens pessoais - Decreto 76.954/75 – refere-se ao pagamento de pensão especial de acidente em serviço (prevista no art. 242 da Lei n. 1.711/1952), que não é a situação do pai das autoras, conforme se observa nos ids. 280846115 - Pág. 1 e 280846114 - Pág. 1 e da certidão de óbito juntada no Id. 280846191 - Pág. 7.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA AUTARQUIA, com o fim de reconhecer a prescrição quinquenal, a partir de 06/01/2016 (data do requerimento administrativo de conversão), dos valores do benefício revertido às requerentes em razão do falecimento da mãe e casamento das irmãs, descrito nos autos.  NEGO PROVIMENTO ao apelo da parte autora. No mais, julgo prejudicado o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA, REFORMA OU PENSÃO. CONTROLE DE ATO ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA. REVISÃO PELO TCU. PRAZO DECADENCIAL. SEGURANÇA JURÍDICA E CONFIANÇA LEGÍTIMA. MODULAÇÃO DE EFEITOS. PROCESSO SEQUER INICIADO. PRESCRIÇÃO. PARIDADE.

- O órgão da administração pública, responsável pela concessão da aposentadoria, reforma ou pensão, não precisa aguardar o pronunciamento do TCU para corrigir eventual irregularidade, porque o poder público tem o dever de anular atos irregulares relativos ao seu âmbito de atuação (E.STF, Súmula 346 e Súmula 473). O TCU tem atuação convergente com a administração pública quando atua na regularização de atos administrativos (E.STF, Súmula Vinculante 3, revisitada no RE 636553/RS-Tema 445).

- O E.STF firmou entendimento no sentido de que os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas, mas modulou os efeitos no tempo desse RE 636553/RS-Tema 445, razão pela qual o prazo de 5 anos para consolidação do ato de concessão do benefício não se aplica aos casos já definidos, mas somente para aqueles em tramitação e os que venham a ser instaurados.

- As aposentadorias, reformas e pensões, em tramitação há mais de 5 anos no TCU quando da decisão definitiva do RE 636553/RS-Tema 445 pelo E.STF (julgado em 19/02/2020, DJe-129 de 25/05/2020, publicado em 26/05/2020), não podem mais ser revistas pela Corte de Contas e pela administração pública (Decreto nº 20.910/1932 e Lei 9.784/1999). Ao TCU não foram concedidos mais 5 anos (contados do julgamento do E.STF nesse RE 636553/RS-Tema 445) para finalizar os processos até então pendentes, porque a ratio decidendi do Tema 445 é o primado da segurança jurídica e a confiança legítima que o cidadão deposita na administração pública ao longo do tempo, em relação à aposentadoria, reforma ou pensão já avaliada inicialmente pelo poder público.

- No caso dos autos, não há como se acolher o argumento da União de que não decaíra o direito da Administração de revisar o benefício pois o TCU ainda não teria realizado julgamento acerca do ato concessório da pensão. Conforme o entendimento esposado pela jurisprudência, não há como se aguardar indeterminadamente o pronunciamento do TCU para que então a Administração passe a contar o prazo do art. 54 da Lei nº 9.784/1999 para eventual revisão e cancelamento de benefícios, sob o risco de ocorrerem casos como o presente – uma pensão por morte estabelecida havia cerca de trinta e quatro anos ser subitamente cancelada. E, de outro lado, é de se observar o entendimento consolidado da jurisprudência no sentido de que o prazo decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/1999, para atos constituídos antes da edição desta lei, passa a ser contado a partir de sua vigência, devendo eventual invalidação de ato administrativo ocorrer até 29/01/2004.

- Por tratar-se de lide de trato continuado, que se renova no tempo, o fundo do direito não é alcançado pela prescrição, mas tão somente as parcelas as parcelas anteriores aos cinco anos da propositura da ação, à luz do art. 1º do Decreto nº 20.910/1932. Há de se considerar, apenas, a prescrição quinquenal das parcelas vencidas antes de cinco anos do ajuizamento da ação, em 06/04/2020, diante da ausência de notícia de eventual requerimento administrativo de reversão do benefício.

- O falecido ingressou na RFFSA em data anterior à vigência ao Decreto-Lei nº 956/1969. Contudo, faleceu na ativa, antes da edição da legislação invocada como geradora de gratificações.  Ou seja, na data do óbito o segurado instituidor não havia adquirido o direito à revisão pretendida. Assim, o benefício derivado (pensão) também não está sujeito a esta revisão.  

- Observa-se, quanto aos pensionistas, a máxima tempus regit actum, ou seja, aplica-se à pensão por morte o ordenamento vigente ao tempo em que ocorreu o fato gerador de sua concessão.

- Ressalte-se que a legislação invocada como fundamento para a extensão das vantagens pessoais - Decreto nº 76.954/1975 – refere-se ao pagamento de pensão especial de acidente em serviço (prevista no art. 242 da Lei nº 1.711/1952), que não é a situação do pai das autoras

- Apelo da União Federal parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da autarquia e negar provimento ao apelo da parte autora, prejudicado o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
DESEMBARGADOR FEDERAL