APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010380-47.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: LUIS CARLOS FAUSTINO
Advogado do(a) APELANTE: EUNICE PINHEIRO DOS SANTOS RODRIGUES - SP410230-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010380-47.2023.4.03.6183 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: LUIS CARLOS FAUSTINO Advogado do(a) APELANTE: EUNICE PINHEIRO DOS SANTOS RODRIGUES - SP410230-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora busca a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição ao portador de deficiência. A sentença julgou improcedente o pedido. Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual salienta estar demonstrada a deficiência de natureza leve desde 1999, ao contrário da data fixada no laudo pericial, a lhe autorizar a concessão da prestação em foco desde a DER. Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010380-47.2023.4.03.6183 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: LUIS CARLOS FAUSTINO Advogado do(a) APELANTE: EUNICE PINHEIRO DOS SANTOS RODRIGUES - SP410230-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido. Passo à análise das questões trazidas a julgamento. Da aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência No que tange à aposentadoria do deficiente, vale pontuar que o Brasil foi signatário da convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova Iorque, 2006) e do protocolo facultativo, com status de Emenda Constitucional, os quais foram aprovados pelo Decreto Legislativo nº 186, em 2008 e promulgado pelo Decreto n. 6.949, em 2009. Em 6 de julho de 2015, foi promulgado o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a qual definiu: “Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008 , em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil , em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 , data de início de sua vigência no plano interno. Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação. § 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se: I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; II - desenho universal: concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva; III - tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social; IV - barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em: a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo; b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados; c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes; d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação; e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas; f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias; V - comunicação: forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações; VI - adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais; VII - elemento de urbanização: quaisquer componentes de obras de urbanização, tais como os referentes a pavimentação, saneamento, encanamento para esgotos, distribuição de energia elétrica e de gás, iluminação pública, serviços de comunicação, abastecimento e distribuição de água, paisagismo e os que materializam as indicações do planejamento urbanístico; VIII - mobiliário urbano: conjunto de objetos existentes nas vias e nos espaços públicos, superpostos ou adicionados aos elementos de urbanização ou de edificação, de forma que sua modificação ou seu traslado não provoque alterações substanciais nesses elementos, tais como semáforos, postes de sinalização e similares, terminais e pontos de acesso coletivo às telecomunicações, fontes de água, lixeiras, toldos, marquises, bancos, quiosques e quaisquer outros de natureza análoga; IX - pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso; X - residências inclusivas: unidades de oferta do Serviço de Acolhimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas) localizadas em áreas residenciais da comunidade, com estruturas adequadas, que possam contar com apoio psicossocial para o atendimento das necessidades da pessoa acolhida, destinadas a jovens e adultos com deficiência, em situação de dependência, que não dispõem de condições de autossustentabilidade e com vínculos familiares fragilizados ou rompidos; XI - moradia para a vida independente da pessoa com deficiência: moradia com estruturas adequadas capazes de proporcionar serviços de apoio coletivos e individualizados que respeitem e ampliem o grau de autonomia de jovens e adultos com deficiência; XII - atendente pessoal: pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essenciais à pessoa com deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas; XIII - profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas; XIV - acompanhante: aquele que acompanha a pessoa com deficiência, podendo ou não desempenhar as funções de atendente pessoal”. Nessa esteira, destaca-se a Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde (CIF): “(...) é um modelo para a organização e documentação de informações sobre funcionalidade e incapacidade [e deficiência] (OMS, 2001), que conceitua a funcionalidade como uma interação dinâmica entre a condição de saúde de uma pessoa, os fatores ambientais e os fatores pessoais. (...), e integra os principais modelos de incapacidade [e deficiência] - o modelo médico e o modelo social - como uma síntese biopsicossocial. Também reconhece o papel dos fatores ambientais na criação da incapacidade [e deficiência], além do papel das condições de saúde.” Já a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ao portador de deficiência, nos termos da Lei Complementar n. 142/2013, devem ser preenchidos os requisitos fixados no artigo 3º, in verbis: "Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições: I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave; II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período." E para instrumentalizar a avaliação do segurado da Previdência Social, nos termos do referido estatuto, foi criada a Portaria interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP N. 1 DE 27/1/2014, a qual trouxe regras para determinar os respectivos graus de deficiência do segurado, cotejadas as limitações físicas com aspectos sociais (pessoais) e ambientais, através de avaliação médica e funcional. Entre suas disposições, os parágrafos (1º e 2º) do artigo 2º, estipulam que: “§ 1º A avaliação funcional indicada no caput será realizada com base no conceito de funcionalidade disposto na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, da Organização Mundial de Saúde, e mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - IFBrA, conforme o instrumento anexo a esta Portaria. § 2º A avaliação médica e funcional, disposta no caput, será realizada pela perícia própria do INSS, a qual engloba a perícia médica e o serviço social, integrantes do seu quadro de servidores públicos”. No caso dos autos, a parte autora aduz ter direito à aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, pois "apresenta histórico médico de longa data de gota e artrite psoriática, além de outras comorbidades ...". No curso desta demanda, sobrevieram as avaliações médica e funcional a fim de dirimir a controvérsia. Eis a conclusão do parecer da perícia socioeconômica, conferindo 3.325 pontos ao litigante: "... concluindo a Perícia Social, tecnicamente podemos afirmar que o periciando Sr. Luiz Carlos Faustino, realiza as atividades de forma adaptada em algumas atividades diária instrumentais, pontuou algumas dificuldades, principalmente na questão de Comunicação, Mobilidade, Atividades Domesticas e Educação, trabalho e vida econômica, conforme a aplicação da Escala de Pontuação IF-Br". Por outro lado, transcrevo trecho do laudo médico pericial, atribuindo a pontuação de 3.550 (g.n.): "- O periciando tem um quadro de artrite psoriática (possivelmente em forma de poliartrite simétrica) desde o final de 1999. - O periciando possui, no que diz respeito exclusivamente a avaliação médica, uma deficiência. Marcou 3550 pontos no IFBRA aplicado por este perito e corrigido pelo Modelo Linguístico Fuzzy (necessitando da pontuação encontrada na perícia realizada pelo(a) assistente social para se classificar o grau da deficiência). - No momento, o periciando está apresentando uma agudização do quadro, que se configura como uma incapacidade laboral total, temporária e multiprofissional. - Pelo que é discutido nas “Diretrizes de apoio à decisão médico-pericial em clínica médica”, é aceitável considerar uma recuperação para incapacidade laboral temporária após 60 dias nas formas de poliartrite simétrica. Assim, sugiro DII para o dia 28/08/2023 e estabeleço término do benefício (DCB) para o dia 28/10/2023". A totalidade dos pontos (6.875), portanto, equivale à deficiência leve, garantindo ao segurado a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição ao portador de deficiência com 33 anos de contribuição, na dicção da Lei Complementar n. 142/2013. Ocorre que a parte autora atinge pouco mais de 29 anos de atividade laborativa, consoante contagem levada a efeito pela decisão recorrida, considerada a data de início do impedimento de longo prazo fixada em 28/8/2023, insuficientes ao benefício reclamado. De fato, a despeito da argumentação do recorrente de que sua "deficiência existe a longo prazo, ao menos há 24 anos (desde 1999), como se nota no laudo médico acostado", não dá para asseverar categoricamente esta data como de efetiva "incapacidade" para o trabalho e funções habituais. Ora! Não há dúvidas da severa patologia que o acomete, mas o fato de possuir a "doença" não é o mesmo de "incapacidade", até porque o segurado encontra-se inserido no mercado de trabalho desde 1.983 desenvolvendo regularmente suas funções laborais normais. Ademais, depreende-se dos autos ter o autor formulado em 2018 pedido comum de aposentadoria por tempo de contribuição, suscitando a contingência geradora para fruição da aposentadoria especial do deficiente somente em 2019, nas razões recursais do indeferimento do benefício (ID 290750275 - Pág. 3), o que corrobora a insubsistência da tese exordial. Nessas circunstâncias, não atingido o tempo mínimo de contribuição previsto no inciso III do artigo 3º, da Lei Complementar n. 142/2013, conclui-se que a parte autora não faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência. Mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita. Diante do exposto, nego provimento à apelação da parte autora. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
- A parte autora aduz ter direito à aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência.
- Não preenchidos os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ao portador de deficiência, a despeito da pontuação necessária atingida.
- Mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação da parte autora desprovida.