APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005665-10.2020.4.03.6104
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE ALEX BOTELHO DE OLIVA
Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO AUGUSTO BERTOLINO STORTO - SP367946-A, LUIZ FERNANDO SIQUEIRA DE ULHOA CINTRA - SP193026-A
APELADO: JOSE ALEX BOTELHO DE OLIVA, FRANCISCO JOSE ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRASIO, FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: MARCO ANTONIO MUNARI
Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: GERSON MENDONCA - SP195652-A, GUSTAVO FRANCEZ - SP172509-A, RENATA RODRIGUES GARROTE SIERRA - SP184198-A
Advogados do(a) APELADO: AMANDA FERNANDES ADRIANO - SP332095-A, FABIO SUARDI DELIA - SP249995-A, RENATO GUIMARAES CARVALHO - SP326680-A, ROBERTO DELMANTO - SP19014-A, ROBERTO DELMANTO JUNIOR - SP118848-A, RODRIGO DE AZEVEDO MARTINS - SP427171-A
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE JEAN DAOUN - SP152177-A, BRUNO BARBALHO - SP447799-A, DANIELA APARECIDA DOS SANTOS - SP263842-A, LUIZ HENRIQUE VIEIRA - SP320868-A
Advogados do(a) APELADO: ANDRE FERREIRA - SP346619-A, FERNANDO AUGUSTO BERTOLINO STORTO - SP367946-A, LUIZ FERNANDO SIQUEIRA DE ULHOA CINTRA - SP193026-A
Advogados do(a) APELADO: BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO - SP357110-A, EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A
Advogado do(a) APELADO: FABIO SPOSITO COUTO - SP173758-A
Advogados do(a) APELADO: CARLOS FERNANDO DE FARIA KAUFFMANN - SP123841-A, MARCOS GUIMARAES SOARES - SP141862-A, PATRICIA VISNARDI GENNARI - SP352072
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005665-10.2020.4.03.6104 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE ALEX BOTELHO DE OLIVA Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO AUGUSTO BERTOLINO STORTO - SP367946-A, LUIZ FERNANDO SIQUEIRA DE ULHOA CINTRA - SP193026-A APELADO: JOSE ALEX BOTELHO DE OLIVA, FRANCISCO JOSE ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRASIO, FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: GERSON MENDONCA - SP195652-A, GUSTAVO FRANCEZ - SP172509-A, RENATA RODRIGUES GARROTE SIERRA - SP184198-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Apelações Criminais intentadas por JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA e pelo Ministério Público Federal, decorrentes de ação penal intentada pela suposta prática dos crimes dispostos no art. 312 do Código Penal e no art. 92 da Lei nº 8.666/1993, em face de JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA (nascido em 19.03.1950), FRANCISCO JOSÉ ADRIANO (nascido em 08.02.1967), CELINO FERREIRA DA FONSECA (nascido em 15.04.1955), CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO (nascido em 27.12.1952), GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO (nascido em 27.07.1966), FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS (nascido em 25.07.1977) e MARCO ANTONIO MUNARI (nascido em 11.06.1959). Recebida em 15.12.2020 (ID 278702170), a denúncia narra que (ID 278701960 e aditamento no ID 278702014): 1. INTRÓITO E SÍNTESE DA INVESTIGAÇÃO A investigação que instrui o presente feito buscou identificar e desarticular esquema criminoso instituído no âmbito da Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP (atualmente denominada Santos Port Authority) envolvendo diversos servidores públicos e empresários, notadamente com relação a licitações e contratos firmados nos anos de 2013 a 2016, dentre eles a dragagem do canal do Porto de Santos, o que caracterizaria, em tese, a pratica dos delitos tipificados nos artigos 317 e 333 do Código Penal, artigo 90 da Lei 8666/93 e artigo 2º da Lei 12.850/2013, sem prejuízo de outros ilícitos. Ao longo das investigações foram deflagradas duas fases ostensivas da denominada Operação Tritão (“Tritão” e “Círculo Vicioso”), culminando na prisão de diversos investigados, cumprimento de mandados de busca e apreensão e obtenção de milhares de documentos e materiais de interesse das investigações. (...) Com a evolução das investigações, ainda mais elementos foram levantados de modo a corroborar a prática de crimes e a delimitar a autoria dos ilícitos, culminando na deflagração da primeira fase ostensiva da operação, em 31 de outubro de 2018 – denominada Operação Tritão. (...) Assim, são estes os principais fatos relacionados à atuação da referida organização criminosa. A comprovação dos fatos e elementos de prova estão encartados no IPL nº 0072/2018 (Autos JF nº 0001439-18.2018.4.03.6104), cuja cópia integral instrui a presente denúncia. (...) 2. DOS FATOS Segundo consta dos autos, JOSÉ ALEX BOTELHO OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, forma consciente, livre e voluntária, desviaram valor, em proveito alheio, na condição de funcionários públicos, conduta tipificada no artigo 312 do Código Penal. Consta também que, para a perpetração do delito, contaram com a essencial participação do denunciado MARCO ANTONIO MUNARI, que também praticou o delito previsto no artigo 312 do Código Penal. Também é dos autos que JOSÉ ALEX BOTELHO OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, de forma consciente, livre e voluntária, admitiram, possibilitaram e deram causa a vantagem em favor de adjucatário durante execução de contrato celebrado com o Poder Público, sem autorização em lei e nos respectivos instrumentos contratuais, conduta tipificada no artigo 92 da Lei 8.666/93. Conforme apurado, a Controladoria-Geral da União identificou pagamento realizado pela CODESP para a empresa DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA no valor de R$ 1.209.689,34, a título de suposto reequilíbrio econômico-financeiro de contrato. Tinha-se por alegação que o fornecedor teria tido prejuízo na aquisição do produto, cotado em moeda estrangeira. Verificou-se que o primeiro pedido de reequilíbrio econômico financeiro, no dia 06/11/2015, foi indeferido pela Diretoria de Operações Logísticas, que alegou que se fosse concedido a proposta da DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA deixaria de ser a mais favorável para se tornar a mais elevada da licitação. Outros pedidos, de igual teor, foram intentados pela empresa DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, sendo igualmente indeferidos. Apurou-se que, no total, foram três tentativas indeferidas pelo setor técnico, com a concordância, no mesmo sentido, do setor jurídico nas duas primeiras ocasiões. Contudo, na quarta tentativa, protocolada em 24.08.2016, mais de um ano depois do indeferimento do primeiro pedido, o pleito foi aprovado pelo setor jurídico da Codesp, por meio de pareceres e despachos exarados por GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO, Superintendente Jurídico à época e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, assessor da SUJUD e, em seguida, em reunião da Diretora Executiva, ocorrida em de 27.09.2016. Participaram da referida reunião e foram responsáveis pela aprovação do pagamento os denunciados JOSÉ ALEX BOTELHO OLIVA, Diretor-Presidente; FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, Diretor de Administração e Finanças; CELINO FERREIRA DA FONSECA, Diretor de Operações Logísticas e CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, Diretor de Relações com o Mercado e Comunidade. Além de aprovar pagamento indevido, com recursos públicos, o valor aprovado, sem qualquer explicação ou justificativa lógica foi maior do que o solicitado e diferente de qualquer outro valor constante anteriormente do procedimento instaurado para pagamento. (...) Depois de devidamente aprovado pela Diretoria Executiva, composta pelos denunciados JOSÉ ALEX BOTELHO OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, e CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, o pagamento foi efetivado em 29.09.2016. Também analisando a regularidade da questão, a Controladoria Geral da União, por meio de nota técnica, foi peremptória em indicar inúmeras irregularidades e ilegalidades. Com isso, não há dúvidas que o pagamento foi completamente indevido. (...) Também analisando a questão, concluiu igualmente o Tribunal de Contas da União, pela completa irregularidade no procedimento e pagamento: (...) O Tribunal de Contas da União, também, analisou o caso e condenou a empresa DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, cujo responsável é o denunciado MARCO ANTONIO MUNARI, bem como os denunciados JOSÉ ALEX BOTELHO OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS. Diante disso, não restam dúvidas de que a conduta dos denunciados, JOSÉ ALEX BOTELHO OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, agindo de modo pré-ordenado, organizado, com unidade de desígnios e contando com a participação essencial do denunciado MARCO ANTONIO MUNARI, foi ilegal, visto que o pagamento aprovado foi indevido e realizado contrariando normas e regulamentos, além de não possuir nenhum respaldo fático ou jurídico que o autorizasse. Ressalte-se, inclusive, que existe a real possibilidade de que esse pagamento ilegal tenha sido motivado com a finalidade de posterior recebimento de vantagem indevida por parte dos funcionários da Codesp envolvidos. Entretanto, este fato ainda é objeto de investigação e não é tratado na presente denúncia. Além da ilegalidade no pagamento, verifica-se que não foi observado o dever de retenção de importância relativa ao imposto de renda devido, que seria da importância de R$ 114.315,64. Nessa linha, consta que durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão, foi apreendido documento, na mesa do denunciado FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, dando conta de mais uma ilegalidade praticada. No documento, apreendido pela Polícia Federal, o Gerente de Contabilidade da CODESP, Mario Sergio Alonso alerta para a irregularidade na execução do pagamento, ter sido realizado antes mesmo da emissão de documento fiscal pelo representante da empresa DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA bem como de cobrar a devolução dos valores não retidos a título de impostos Federais. (...) A autoria delitiva, encontra-se adequadamente delineada pela conduta dos denunciados, conforme já detalhado nessa denúncia e, em especial, nos termos especificados a seguir. JOSÉ ALEX BOTELHO OLIVA, era o então Diretor-Presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, integrava a Diretoria Executiva (DIREXE) que aprovou o pagamento à DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, pagamento este, aliás, que foi aprovado em valor diferente de qualquer outro constante dos diversos pedidos formulados pela empresa. FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, foi Diretor de Relações com o Mercado e Comunidade (01/01 a 14/07) e Diretor Administrativo e Financeiro (14/07 a 31/12 da Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, integrava a Diretoria Executiva (DIREXE) que aprovou o pagamento à DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, pagamento este, aliás, que foi aprovado em valor diferente de qualquer outro constante dos diversos pedidos formulados pela empresa. CELINO FERREIRA DA FONSECA, foi Diretor Administrativo e Financeiro (01/01 a 08/04) e Diretor de Operações e Logística (14/07 a 31/12) da Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, integrava a Diretoria Executiva (DIREXE) que aprovou o pagamento à DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, pagamento este, aliás, que foi aprovado em valor diferente de qualquer outro constante dos diversos pedidos formulados pela empresa. CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, foi Diretor de Operações e Logística (01/01 a 14/07) e Diretor de Relações com o Mercado e Comunidade (14/07 a 31/12) da Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, integrava a Diretoria Executiva (DIREXE) que aprovou o pagamento à DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, pagamento este, aliás, que foi aprovado em valor diferente de qualquer outro constante dos diversos pedidos formulados pela empresa. GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO foi Superintendente Jurídico da Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP e atuou em diversos processos (que são objetos de investigação da operação Tritão e não integram a presente denúncia, mas que oportunamente devem ser objeto de acusação) para sustentar juridicamente a autorização de contratação, aditamento, reequilíbrio de preços e pagamentos, de forma enviesada, revestindo os atos de pretenso amparo legal, visando dar ar de legalidade e buscando uma verdadeira blindagem para a Diretoria e Conselho de Administração da Codesp. Emitiu parecer favorável ao pagamento da DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, permitindo que a Diretoria Executiva (DIREXE) aprovasse o pagamento, pagamento este, aliás, que foi aprovado em valor diferente de qualquer outro constante dos diversos pedidos formulados pela empresa. FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, foi assessor do Superintendente Jurídico e exarou despacho favorável ao pagamento da DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, juntamente com o denunciado GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO, permitindo que a Diretoria Executiva (DIREXE) aprovasse o pagamento, pagamento este, aliás, que foi aprovado em valor diferente de qualquer outro constante dos diversos pedidos formulados pela empresa. MARCO ANTONIO MUNARI, responsável pela empresa DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMÁTICA LTDA, foi o responsável por formular diversos pedidos que acabaram por dar supedâneo ao ilícito praticado. Conforme já exposto, “a empresa Domain registrou declarações falsas ao apresentar valores distintos em seus diversos pedidos e ao afirmar, em cada um, que efetivamente sofreu prejuízos correspondentes aos valores mencionados”, além disso, “não apresentou comprovação alguma de que teria efetivamente pago pelos produtos fornecidos pela Oracle aplicando-se qualquer das taxas apresentadas como base de cálculo para seu alegado prejuízo, não comprovando, assim, qualquer dos valores alegados”. Assim, diante do requerimento descabido formulado pela empresa, foi possível deflagrar o processo de “pagamento”, culminando no efetivo desfalque aos cofres da CODESP. A materialidade delitiva, por sua vez, encontra-se estampada na vasta documentação encartada à presente inicial, produzida nos autos do Inquérito Policial nº 0072/2018 (Autos JF nº 0001439-18.2018.4.03.6104), em especial nos documentos apreendidos e na criteriosa análise técnica realizada pela Controladoria-Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União materializada nos documentos por estas instituições produzidos. (...) 4. PEDIDOS Posto isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia e pede a condenação de JOSÉ ALEX BOTELHO OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS como incursos no crime previsto no artigo 312 do Código Penal, bem como no crime previsto no artigo 92 da Lei 8.666/93 e MARCO ANTONIO MUNARI como incurso no crime previsto no artigo 312 c/c artigo 29, ambos do Código Penal; (...) Nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, que seja fixado valor mínimo em reais, equivalentes a R$ 1.209.689,34 (um milhão, duzentos e nove mil, seiscentos e oitenta e nove reais e trinta e quatro centavos), que devem ser devidamente corrigidos, para reparação dos danos causados pelas infrações penais imputadas, bem como o perdimento de todo provento e produto dos crimes ora narrados. Em 11.11.2020, foi declarada extinta a punibilidade de JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA em relação ao crime do artigo 92 da Lei nº 8.666/1993, com fundamento nos artigos 109, inc. IV, e 115, ambos do Código Penal (ID 278702056). Em 17.06.2021, foi homologado Acordo de Não Persecução Penal celebrado entre MARCO ANTONIO MUNARI e o Parquet federal (ID 278703071). A r. sentença (ID 278707373), publicada em 07.07.2023, proferida pelo Exmo. Juiz Federal Roberto Lemos dos Santos Filho (5ª Vara Federal Criminal de Santos/SP), julgou improcedente a pretensão punitiva, absolvendo JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, por ausência de prova da existência de dolo. Nas razões de Apelação (ID 278707515), o Ministério Público Federal pugna pela condenação nas imputações subsistentes. Também apela JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA, pleiteando a revogação das medidas cautelares a ele impostas (ID 279562782). A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento da Apelação ministerial e desprovimento do apelo defensivo (ID 281699864). Sobreveio petição de desistência da Apelação interposta em nome de JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA, ante a revogação das medidas cautelares a ele impostas (ID 282947963). Semelhantemente, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, que requerera a revogação das medidas cautelares, peticionou desistindo do pleito (ID 283777076). É o relatório. À revisão.
ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: MARCO ANTONIO MUNARI
Advogados do(a) APELADO: AMANDA FERNANDES ADRIANO - SP332095-A, FABIO SUARDI DELIA - SP249995-A, RENATO GUIMARAES CARVALHO - SP326680-A, ROBERTO DELMANTO - SP19014-A, ROBERTO DELMANTO JUNIOR - SP118848-A, RODRIGO DE AZEVEDO MARTINS - SP427171-A
Advogados do(a) APELADO: ANDRE FERREIRA - SP346619-A, FERNANDO AUGUSTO BERTOLINO STORTO - SP367946-A, LUIZ FERNANDO SIQUEIRA DE ULHOA CINTRA - SP193026-A
Advogados do(a) APELADO: BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO - SP357110-A, EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE JEAN DAOUN - SP152177-A, BRUNO BARBALHO - SP447799, DANIELA APARECIDA DOS SANTOS - SP263842-A, LUIZ HENRIQUE VIEIRA - SP320868-A
Advogado do(a) APELADO: FABIO SPOSITO COUTO - SP173758-A
Advogados do(a) APELADO: CARLOS FERNANDO DE FARIA KAUFFMANN - SP123841-A, MARCOS GUIMARAES SOARES - SP141862-A, PATRICIA VISNARDI GENNARI - SP352072
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005665-10.2020.4.03.6104 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE ALEX BOTELHO DE OLIVA Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO AUGUSTO BERTOLINO STORTO - SP367946-A, LUIZ FERNANDO SIQUEIRA DE ULHOA CINTRA - SP193026-A APELADO: JOSE ALEX BOTELHO DE OLIVA, FRANCISCO JOSE ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRASIO, FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: GERSON MENDONCA - SP195652-A, GUSTAVO FRANCEZ - SP172509-A, RENATA RODRIGUES GARROTE SIERRA - SP184198-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: O presente voto debruça-se sobre Apelação Criminal intentada pelo Ministério Público Federal em face de sentença que absolveu os acusados pelos crimes dispostos no art. 312 do Código Penal e no art. 92 da Lei nº 8.666/1993, vigente à época dos fatos (atual 337-H do CP). No tocante ao apelo aviado por JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA, este restou prejudicado pela perda de objeto (revogação das medidas cautelares dantes impostas). A r. sentença negou provimento à pretensão punitiva mediante a seguinte fundamentação (ID 278707373): Para viabilizar o acolhimento da pretensão deduzida, se apresentava imprescindível a demonstração de que os réus, ao aprovarem o pedido de reequilíbrio do contrato, agiram com a intenção de desviar valores pertencentes à CODESP em proveito próprio ou alheio ou, ainda, de dar causa a vantagem em favor do adjudicatário sem autorização legal. Não há nos autos provas a legitimar essa conclusão. A hipótese aventada pelas defesas técnicas, na senda de que tal aprovação se consubstanciou exclusivamente em pareceres técnicos e jurídicos, é plausível, notadamente no contexto de uma empresa da envergadura da CODESP que, de rotina, celebra inúmeros contratos e movimenta milhões de reais. Ainda que se pudesse argumentar que a tramitação do pedido apresentava indícios de suspeição, não é desarrazoado admitir que a aprovação dos diretores se fiou exclusivamente nos pareceres técnicos-jurídicos dos órgãos internos da empresa. Sobretudo na espécie, em que as irregularidades, ao meu sentir, demandavam uma análise mais detida do pleito, não me parecendo desarrazoada a alegação deduzida pelos diretores-denunciados no sentido de que confiaram nos pareceres técnicos que acompanharam o pedido, mesmo porque o requerimento em questão teria chegado ao conhecimento deles apenas na reunião ordinária em que foi pautado. Realmente, é razoável inferir que os pedidos submetidos à aprovação da diretoria executiva eram aprovados de maneira mais dinâmica, resguardando-se os diretores nos pareceres previamente proferidos pela superintendência jurídica e demais órgãos técnicos da companhia, mesmo porque o volume de demandas e processos que uma empresa desse porte possui é imenso e exige que as decisões na esfera hierárquica superior sejam tomadas com maior celeridade. Não se pode perder de vista, outrossim, que a própria exigência de que pareceres dessa natureza fossem elaborados impõe uma presunção natural de que a direção executiva não detinha pleno conhecimento ou domínio sobre determinadas questões. Note-se que não se está admitindo aqui que a mera existência de pareceres técnicos exima, de maneira objetiva, os tomadores de decisão da companhia de qualquer culpa ou responsabilidade por seus atos, mas apenas que a presença de tais documentos constitui um forte indicativo de que decisões mais complexas eram pautadas pelas conclusões neles exaradas. De todo modo, era necessário que na hipótese vertente o dolo fosse demonstrado de forma inequívoca. Assumir que os réus estavam revestidos do elemento subjetivo específico do tipo meramente por ocuparem posições de direção e não terem pedido esclarecimentos adicionais aos setores técnicos da empresa é admitir a responsabilização penal objetiva, o que é vedado em nosso ordenamento. Realmente, a expectativa comum de qualquer corpo diretivo seria de que as análises e pareceres emitidos pela superintendência jurídica da companhia estivessem revestidos de legalidade e que tivessem sido elaborados de forma técnica e proba. Ao meu sentir, a boa-fé nessas hipóteses é presumida, ou seja, não é esperado de qualquer administrador que parta do pressuposto que a análise de um setor técnico da própria empresa esteja enviesada ou imbuída de dolo. Ainda mais no caso em exame em que existiam indicadores ostensivos de flutuação cambial do dólar, conforme apontado na resposta do Banco Central anexada aos autos, o que, por certo, revestia os pareceres jurídicos com contornos de adequação e liceidade. Observo, também, que a matéria afeta ao pedido de reequilíbrio econômico-financeiro formulado pela DOMAIN era eminentemente jurídica, pois versava sobre uma suposta necessidade de indenização em razão da variação cambial do período e uma eventual demanda judicial sobre o tema a ser proposta pela empresa adjudicante. Assim, por óbvio, havia nuances que só poderiam ser apreciadas por profissionais com conhecimento jurídico, tais como o conceito de fato imprevisível, as normas legais que regiam o processo licitatório, o regramento editalício do caso concreto, jurisprudência sobre a matéria, probabilidades de vitória em caso de eventual litígio judicial, etc. Já no aspecto econômico-financeiro, o pedido em questão demandava a análise de outros elementos objetivos, tais quais a flutuação cambial do período, o cálculo atuarial dos pagamentos efetuados à empresa adjudicante, comprovação material e fiscal do custo suportado pela DOMAIN na aquisição de licenças junto à ORACLE em moeda estrangeira, etc. De fato, diversos fatores citados fogem do domínio técnico dos diretores que compunham a diretoria executiva da CODESP, sendo razoável admitir que eles abalizaram suas decisões em pareceres de especialistas nas respectivas áreas. Mais uma vez realço que a mera existência desses pareceres não é um salvo conduto para a prática de ilícitos. Não obstante, eles geram uma presunção natural de adequação e licitude, notadamente quando elaborados por órgãos internos e de confiança da própria companhia. Portanto, para se provar a prática dos crimes era indispensável a produção de prova que apontasse para conclusão de que os diretores agiram com dolo. Em outras palavras, a mera presença dos réus na reunião da diretoria executiva e a aprovação do pagamento à empresa DOMAIN é, por si só, fato atípico, a não ser que houvesse sido comprovado a intenção desses dirigentes de lesar a CODESP, o que, ressalto, não ficou demonstrado no caso concreto. Conforme ressaltado pela defesa, um órgão diretivo não é dotado de personalidade própria, muito menos de vontade. Nesse sentido, os seus integrantes só podem ser responsabilizados por aquilo que pessoalmente fizerem. O mesmo raciocínio equivale para os acusados GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, respectivamente superintendente jurídico e assessor jurídico ao tempo dos fatos. Com efeito, os pareceres por eles emanados foram eminentemente opinativos e não vinculativos. Sob esse viés, é razoável presumir que se houve crime, pessoas com poder decisório estivessem envolvidas (no mínimo três dada a composição da diretoria executiva da CODESP). Porém, no caso concreto, conforme antes delineado, não ficou demonstrado a participação de nenhum dos diretores na prática do ilícito, dada à falta de comprovação do dolo. De fato, existem nos autos relatos de testemunhas no sentido de que nenhuma decisão da diretoria executiva era tomada em desacordo com os pareceres da superintendência jurídica. Mas aí concluir que apenas os pareceristas concorreram para a prática dos crimes e que a consumação destes foi relegada a um evento incerto, do qual os Advogados não detinham controle, já que seus pareceres não possuíam força cogente, parece um exagero. Por outro lado, o posicionamento jurídico manifestado nesses documentos é plausível. A alteração de entendimento do setor jurídico após o terceiro pedido de reequilíbrio econômico-financeiro também foi justificada. Observo que, ao contrário do alegado pela acusação, os pareceristas jurídicos se pautaram na lei, na doutrina e em precedentes jurisprudenciais (confira-se Id 42124240). Portanto, sob a perspectiva jurídica, os fundamentos que justificaram a recomendação emanada pela superintendência jurídica da CODESP não eram desarrazoados de modo a evidenciar flagrante dolo de lesar a companhia. Não se pode perder de vista, outrossim, que aspectos econômico-financeiros normalmente fogem da alçada e competência de setores jurídicos e que, no caso concreto, os Advogados da companhia se detiveram apenas sobre aspectos legais do pedido, não tendo se pronunciado sobre o cálculo da indenização pleiteada e nem sobre as taxas de variação cambial do dólar. Observo, também, que o processo interno que avaliou o pedido formulado pela DOMAIN não foi acostado na íntegra aos autos, não sendo possível determinar se, na hipótese em exame, algum órgão interno da DIAFI (diretoria financeira da CODESP) chegou a se posicionar sobre os aspectos econômico-financeiros do pedido ou sobre os cálculos apresentados pela empresa reivindicante. Tampouco é possível determinar se essa suposta análise financeira precedeu à recomendação jurídica ou se a sucedeu. Não obstante, é possível observar que na ata da 1782ª reunião ordinária da diretoria executiva da CODESP é feita menção a uma planilha que indicava ser cabível à empresa contratada indenização no montante de R$ 1.629.657,24 (Confira-se Id 42124241). Entretanto, tal documento não foi apresentado pela acusação para uma melhor compreensão do assunto. Ademais, não consta dos autos qualquer manifestação ou parecer técnico da diretoria financeira. Os despachos exarados no documento de Id 122289690 foram proferidos pelos acusados FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS e GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO, respectivamente, conforme assinaturas exaradas ao final do referido documento. Portanto, faltam elementos nos autos para possibilitar a compreensão acerca de se realmente foi realizada uma análise econômico-financeira por algum órgão interno da DIAFI. Também resta impossibilitado avaliar se tal parecer financeiro possuía substrato fático e lógico, ou, se pelo contrário, foi proferido de modo superficial, genérico ou com indícios aparentes de enviesamento ou má-fé. Essa falta de informações não permite concluir que os Advogados da empresa recomendaram o pagamento à DOMAIN munidos de dolo. Os pareceres por eles exarados, por si só, são insuficientes para formar essa conclusão, mesmo porque, como já registrado, se detiveram apenas sobre aspectos jurídicos e foram pautados por normas legais, referências doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais. Aliás, é relevante pontuar que o órgão acusador reproduziu em suas alegações finais precedente jurisprudencial sobre a possibilidade de responsabilização de parecerista em caso de demonstração de erro grosseiro ou culpa (Id 284300895 - pág. 13). Contudo, o acórdão referenciado não foi proferido em ação de natureza penal e, tampouco, faz referência à responsabilidade criminal dos agentes, mas sim administrativa e cível. No caso concreto, entendo que até poderia ser possível firmar conclusão no sentido de que os pareceristas jurídicos agiram com imperícia ou falta de técnica. Porém, a falta de informações na presente ação penal dificulta essa análise e inviabiliza conclusão desse raciocínio. Vale reafirmar, não há como se presumir o dolo, dada a vedação de responsabilização penal objetiva pelo nosso ordenamento. Do mesmo modo, irregularidades na forma de tramitação interna do procedimento de pagamento e a não observância de obrigações fiscais, por se tratar de questões reflexas, não são suficientes a demonstração do dolo, muito embora possam ensejar responsabilização funcional, administrativa, cível ou tributária. Ademais, é oportuno registrar que o processo de pagamento em si não foi imputado a nenhum dos denunciados pelo órgão acusador, mesmo porque se deu após a recomendação do setor jurídico e a aprovação do pedido pela diretoria executiva da CODESP. Note-se que, conforme descrição fática contida na denúncia, foram imputadas aos corréus diretores as condutas consistentes na aprovação do pagamento, enquanto aos corréus advogados foram imputadas as condutas consistentes na emissão de pareceres favoráveis ao pagamento (Id 40887082 - pág. 16/17). Ressalto, ademais, que não fugiu à consideração deste Juízo o fato de que antes de ser aprovado o pedido de reequilíbrio econômico-financeiro, a empresa DOMAIN já havia apresentado a protocolo outros três requerimentos semelhantes, porém com valores distintos, todos indeferidos. De fato, trata-se de um indício de que o pedido formulado era indevido e que visava a obtenção de vantagem financeira indevida pela DOMAIN em desfavor da CODESP. Ocorre que a hipótese em questão não foi comprovada no decorrer da instrução. Não há provas de que os réus conheciam MARCO ANTÔNIO MUNARI, não existe prova de comunicação pessoal entre eles, não há registro de qualquer acordo ou conluio, não há prova de enriquecimento ilícito; tampouco há evidências do recebimento de qualquer vantagem indevida ou depósito bancário sem origem comprovada por qualquer dos acusados. O Ministério Público Federal não produziu prova alguma durante a instrução, sequer arrolou testemunhas. Ao que parece, o órgão de acusação olvidou-se do comando contido no art. 155 do Código de Processo Penal, que veda ao julgador fundamentar decisão exclusivamente em elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Enfim, pelo quadro probatório constante dos autos, compreendo que apesar de se apresentar possível a participação dos acusados na prática da hipotética ação ilícita descrita na inicial, este fato não ficou demonstrado de forma inconteste, estreme de dúvidas, cabendo salientar que diante da incerteza, a dúvida deve sempre militar em favor dos acusados, em obediência ao princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, consagrado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. O excerto ora colacionado demonstra que a absolvição dos acusados ancorou-se fundamentalmente nos seguintes pilares: - Ausência de comprovação do dolo, reconhecida a partir das premissas de: (i) Plausibilidade do argumento defensivo no sentido de que a revisão contratual inquinada teria sido promovida de acordo com procedimento técnico; (ii) Vedação à responsabilidade penal objetiva que decorreria da condenação dos acusados por sua atuação conforme papéis estatutários da companhia; (iii) Presunção da boa-fé nas relações interna corporis e em relação ao contrato administrativo questionado. - Verossimilhança dos pareceres do setor jurídico da CODESP admitindo a revisão contratual, dada a admissibilidade da hipótese de incidência da teoria da imprevisão, prejudicada a avaliação do aspecto financeiro da variação cambial pela circunstância de que o processo administrativo de avaliação do pedido revisional não foi inteiramente acostado nestes autos; - Escusa de que eventual irregularidade contábil e/ou fiscal do pagamento à DOMAIN não interfere na tipicidade da conduta e não constitui objeto dos autos; - Ausência de demonstração de conluio entre os acusados, em prejuízo da tese acusatória atinente à conjugação de esforços voltada ao beneficiamento da DOMAIN em detrimento da CODESP mediante revisão contratual ilícita. Sem dispensar os alicerces da sentença recorrida, antes aprofundando-os, há importantes considerações acerca dos fatos controvertidos que merecem ser sopesadas. O caso vertente resulta, pois, de intensa investigação desempenhada pelo aparelho controlador estatal dos ilícitos em tese perpetrados no âmbito da CODESP (atual Autoridade Portuária de Santos S.A – Empresa Pública Federal), consolidada na denominada Operação Tritão/Círculo Vicioso, pela qual a Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros de São Paulo – DELECOR tratou especialmente de apurar supostas fraudes nos contratos firmados pela Companhia entre os anos de 2013 e 2016, a partir de um vídeo postado em rede social no qual Carlos Antonio de Souza (Carlinhos), então assessor de JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA (Presidente à época da CODESP), afirmava ter praticado fraude em licitação mediante ajuste com o indivíduo Mario Jorge Paladino. A apuração contemplou inicialmente fraudes que teriam sido perpetradas na contratação das empresas MC3 Tecnologia e N2O Tecnologia da Informação, e, segundo constou de acordo de colaboração premiada firmado por Mario Jorge, estariam envolvidos o então Deputado Federal Marcelo Squassoni, Carlos Henrique de Oliveira Poço (então Diretor de Operações Logísticas da CODESP) e o corréu FRANCISCO JOSÉ ADRIANO (então Diretor Financeiro da CODESP). Segundo enuncia o relatório do inquérito policial (ID 281338029 - Pág. 99), os demais corréus não foram implicados pela delação premiada, tampouco a empresa DOMAIN CONSULTORES ASSOCIADOS EM INFORMATICA LTDA, beneficiada pelo reajuste contratual questionado nos presentes autos. Os supostos ilícitos densificados no relatório policial que sintetiza os resultados da Operação Tritão (seguida da Operação Círculo Vicioso) apontam para um conjunto de potenciais infrações penais no qual acabou enxertado o fato narrado na denúncia, sem o estabelecimento de qualquer liame entre o caso da DOMAIN com a realidade das demais empresas implicadas, exceto pela circunstância de serem todas as relações contratuais da CODESP efetuadas pelo seu corpo diretor e jurídico: - infrações relacionadas à empresa MC3 Tecnologia (Contratação de serviço de digitalização de documentos):As provas reunidas apontam a existência de uma associação criminosa (art. 288, CP) que se dedicava a fraudes em procedimentos licitatórios da companhia (art. 90, da Lei n° 8.666/93, nos termos do art. 41, da Lei nº 13.303/2016), com o respectivo pagamento de vantagem indevida a funcionários públicos, o que também configura os crimes de corrupção ativa (art. 333, CP) e passiva (art. 317, CP). A associação criminosa, nessa hipótese criminal, era composta por José Alex Botelho Oliva (Diretor-Presidente da Companhia). Carlos Antonio de Sousa (Assessor da Presidência), Francisco José Adriano (Diretor Financeiro) e Marcelo Squassoni (à época, Deputado Federal) (ID 281338030 - Pág. 27). - infrações relacionadas à empresa N20 Tecnologia de informação (Aquisição de sistemas de Informática): À vista do expendido e tudo mais que dos autos consta, não pairam dúvidas de existência de uma associação criminosa (art. 288, CP) que se dedicava a fraudes em procedimentos licitatórios da companhia (art. 90, da Lei n° 666/93, nos termos do art. 41, da Lei n° 13.303/2016), com indicativo do recebimento de vantagem indevida a funcionários, o que também configura os crimes de corrupção ativa (art. 333, CP) e passiva (art. 317, CP). Os integrantes dessa associação criminosa, nessa hipótese criminal, seriam José Alex Botelho de Oliva, Carlos Henrique de Oliveira Poço, Celino Ferreira da Fonseca e Cleveland Sampaio Lofrano (ID 281338030 - Pág. 73). - infrações relacionadas à empresa Sphera Security (Contratação de serviço de manutenção do sistema de segurança pública portuária): crimes de associação criminosa (art. 288 do CP), fraude à licitação (art. 89 da Lei nº 8.666/1993), corrupção ativa (art. 333 do CP) e passiva (art. 317 do CP) atribuídos a pessoas diversas dos acusados (ID 281338030 - Pág. 179). - infrações relacionadas à empresa Vert Soluções (Contratação de serviço de monitoramento por meio de drone): O manancial probatório revelou a existência de uma associação criminosa (art. 288, CP) que se dedicava a diversos tipos de fraudes em prejuízo da Codesp, na presente hipótese, voltada à contratação irregular de monitoramento da companhia por meio de drones, o que configura o crime do art. 90, da Lei n° 8.666/93, nos termos do art. 41, da Lei n° 13.303/2016, havendo fortes indícios de pagamento de vantagem indevida a funcionários, o que também configura os crimes de corrupção ativa (art. 333, CP) e passiva (art. 317, CP). Os principais envolvidos no esquema delituoso envolvendo a contratação irregular da empresa Vert Soluções e que integrariam essa associação criminosa são Carlos Henrique Oliveira Poço, Sérgio Pedro Guammaro Júnior, Francisco José Adriano, Gabriel Nogueira Eufrásio, e Álvaro Clemente de Sousa Neto (ID 281338030 - Pág. 222). Assim, apesar de não estar inicialmente contemplado no escopo investigativo mencionado, a operação policial espraiou para o escrutínio do contrato com a DOMAIN firmado na data de 19.12.2014, cujo objeto abrangia o licenciamento, suporte e atualização de produtos Oracle, pelo período de 12 (doze) meses, mediante o preço de R$ 4.868.000,00 (quatro milhões, oitocentos e sessenta e oito mil reais) (ID 278702081). Pressuposta como lícita a contratação da DOMAIN pela própria acusação, a imputação delitiva restringe-se ao atendimento do quarto pedido de revisão contratual (ID 278702082), endereçado à CODESP em 24.08.2016, pelo qual a empresa faria jus à indenização decorrente da variação cambial entre as datas de 15.07.2014 e fevereiro de 2015, contabilizada em R$ 1.209.689,34 (aduz como referência o valor do dólar Oracle fixado em R$ 2,17 por ocasião da Ata de Preços nº 520/2014, julho de 2014, e reajustado na tabela da fornecedora para patamar que seria inferior à cotação do dólar comercial, que atingiu R$ 2,82 no período mencionado). No documento, a contratada alega que usualmente o reajuste de preços da Oracle é promovido no início do ano fiscal, em abril, ao passo em que, na ocasião, houve um reajuste extraordinário dos indexadores cambiais já em janeiro, atingindo os valores dos pedidos de compra efetuados pela DOMAIN em janeiro de 2015 (R$ 3.644.187,62) e fevereiro de 2015 (R$ 2.433.501,73). O pagamento foi autorizado, a título de indenização, pela 1782ª Reunião Ordinária da Diretoria Executiva (DIREXE), na data de 27.09.2016, no valor de R$ 1.209.689,34, após análise da Superintendência Jurídica e da Diretoria Financeira (IDs 278703502, 278702093 e 278702094). Ponto nevrálgico da controvérsia, o parecer opinativo emitido em 31.08.2016 pelo então Superintendente Jurídico da CODESP, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO, reconheceu a premissa da reparação do desequilíbrio contratual quando exagerada a desvalorização do Real face a moedas estrangeiras, compreendendo que a variação cambial examinada no caso seria comparável somente com aquela paradigmática depreciação da moeda nacional ocorrida em 1999, de modo a posicionar-se favoravelmente ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato (ID 78702093). Em tomada de contas especial, o TCU reprovou a revisão contratual (ID 278703506) fato que, embora constitua condição necessária à tipicidade penal, não é suficiente para a condenação, uma vez que a análise criminal reclama não apenas a apreciação do cabimento da revisão contratual por onerosidade excessiva, como, sobretudo, a demonstração (ainda que por circunstâncias objetivas apreensíveis da conduta) da intencionalidade lesiva, de violar o bem jurídico penalmente tutelado. Da não comprovação do caráter indevido da revisão contratual por onerosidade excessiva. No caso em tela, em que pese a argumentação ministerial, repara-se que não houve comprovação sequer do caráter indevido da revisão contratual. Conforme bem salientado pela r. sentença, faltou colacionar aos autos a íntegra do procedimento decisório da CODESP, notadamente eventual manifestação da DIAFI (Financeiro) acerca da variação cambial incidente sobre o contrato e apreciação dos pedidos anteriores de revisão pela DOMAIN. Para além da não comprovação da inexistência de onerosidade excessiva, importante pontuar o aspecto meritório da revisão contratual pela teoria da imprevisão tal como concebida no Direito Administrativo. A Lei nº 8.666/1993 prevê como garantia do contratado a possibilidade de manutenção da equação econômico-financeira mediante a alteração justificada do contrato, por acordo entre as partes, nos termos do art. 65, inc. II, ‘b’ (redação vigente à época dos fatos), in verbis: Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...) II - por acordo das partes: (...) d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) A abertura legal que permite a recomposição da margem do contratado possui requisitos específicos, necessitando tratar-se de um desequilíbrio financeiro causado por fator externo à vontade das partes, imprevisível ou de consequências incalculáveis, que promova álea econômica extraordinária. Conquanto atada a tais pressupostos específicos, a revisão contratual baseada na teoria da imprevisão opera-se por ato discricionário, conferindo margem decisória ao administrador para melhor atingir, em concreto, o escopo da lei. Nesse diapasão, o ordenamento jurídico optou por não definir aprioristicamente o que seria álea econômica extraordinária (conceito legal indeterminado), de modo que o universo das situações aptas a caracterizar onerosidade excessiva compõe-se de um núcleo praticamente absoluto de convicção margeado por uma zona de maior imprecisão, porém elegível a atender a finalidade da lei. Em vista de perquirir o entendimento consolidado sobre a matéria, vale o socorro da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, a trazer coerentes diretrizes para o administrador avaliar ou reconhecer eventual onerosidade excessiva: - Excepcionalidade (Acórdão 1214/2023-TCU-Plenário, 3.024/2013-TCU-Plenário, 2.795/2013-TCU-Plenário): apenas eventos excepcionais justificariam a revisão de contratos com base na teoria da imprevisão. O mero aumento do preço do insumo para além da inflação não é, por si só, fundamento para reequilíbrio. O aumento do preço deverá ser expressivo, anormal e impossível de ser previsto quando da formulação da proposta. - Evento posterior à formulação da proposta (Acórdão 2901/2020-TCU-Plenário): o evento tem que ser posterior à proposta, pois a oferta de preços inexequíveis não enseja a realização de reequilíbrio. - Análise dos pressupostos (Acórdão 1431/2017-TCU-Plenário, 1.085/2015-TCU-Plenário, 2.408/2009-TCU-Plenário, 12.460/2016-TCU-Segunda Câmara, 926/2011-TCU-Segunda Câmara): é preciso constar dos autos do processo análise que demonstre, inequivocamente, os seus pressupostos, ou seja, a ocorrência de fato imprevisível, ou previsível, porém de consequências incalculáveis, que justifique modificações do contrato para mais ou para menos. - Onerosidade excessiva (Acórdão 1214/2023-TCU-Plenário; 4.072/2020-TCU-Plenário, 3.495/2012-TCU-Plenário, 606/2008-TCU-Segunda Câmara): é preciso demonstrar o evento que tenha gerado um desequilíbrio muito grande no contrato, ou seja, uma onerosidade excessiva para uma das partes. - Segurança contratual (Acórdão 1431/2017-TCU-Plenário): quando a superveniência de circunstância imprevisível que altere a base econômica objetiva do contrato gere, para uma das partes, uma onerosidade excessiva, e, para a outra, um benefício exagerado. - Percentual que enseja reequilíbrio (Acórdão 4072/2020-TCU-Plenário; 1.604/2015-TCU-Plenário): percentuais inferiores a 7% não comprometeriam, de forma demasiada, a execução da obra e a lucratividade do contratado. Intervalo entre 7 e 12% poderiam ensejar dúvidas aos gestores. Do voto do relator Benjamin Zymler (Acórdão 1.604/2015-TCU, DATA DA SESSÃO: 01/07/2015) cabe destacar importante excerto no qual se afirma ser insindicável o mérito do ato administrativo consistente em estabelecer percentual a partir do qual a onerosidade experimentada pelo contratado seria exorbitante, recomendando ao órgão público auditado a publicação de ato normativo transparecendo critérios objetivos próprios acerca do tema: 58. Por outro lado, em alguns contratos a influência do reajuste dos asfaltos superou a marca de 20% sobre a mesma base comparativa, traduzindo-se em impacto demasiado e incontestável na execução contratual do período considerado, de acordo com o segundo pressuposto da teoria da imprevisão. 59. Por esse diagnóstico, há uma série de contratos nos quais o reflexo dos aumentos de preços dos betuminosos situa-se em nível aparentemente intermediário, com percentuais variando entre 7% e 12%, o que pode ensejar dúvidas aos gestores sobre a legalidade dos pedidos de revisão contratual. Por isso, é recomendável que o Dnit estabeleça, em ato normativo próprio, algum tipo de parâmetro visando a caracterizar em quais casos os percentuais de reajuste dos materiais serão materialmente relevantes, a ponto de resultar em impacto considerável na avença e justificar a hipótese de reequilíbrio econômico-financeiro prevista no art. 65, inciso II, alínea "d", da Lei 8.666/1993. 60. Não pretendo realizar tal juízo no âmbito desta deliberação, pois entendo que se trata de matéria afeta ao mérito administrativo. Porém, é relevante que o Dnit o faça com o intuito de abalizar os seus procedimentos internos, conferindo maior transparência ao processo de análise sobre a plausibilidade das solicitações de recomposição dos preços dos insumos betuminosos. Razoavelmente estabelecidas as orientações gerais de controladoria pública ora circunstanciadas, o ponto fulcral da tese acusatória, bem como a principal dificuldade do caso concreto, atinam à dificuldade, que remanesce sentida, em divisar objetivamente o ponto no qual a álea econômica passa de ordinária para extraordinária, conforme se depreende, exemplificativamente, de parecer exarado pela Controladoria Geral da União ao analisar a aquisição de equipamentos de informática no período da pandemia da Covid-19, no qual citou recomendação exarada pelo Tribunal de Contas da União (acórdão nº 87/2008) no sentido de que o contrato administrativo preveja a obrigatoriedade da contratação de hedge cambial, evitando discussões nesse sentido. A própria Lei nº 14.133, de 01º de abril de 2021 (nova lei geral de licitações, posterior aos fatos ora retratados), no art. 22, introduziu a possibilidade de a administração estabelecer uma matriz de alocação de riscos ainda no processo de licitação, pela qual estabelecerão critérios de tratamento dos riscos inerentes ao contrato. No entanto, tais providências, que poderiam inibir a revisão por onerosidade excessiva, não foram materializadas no caso em tela, ao que se pode constatar da prova dos autos. Isto considerado, sem caracterizar usurpação da competência administrativa do gestor do contrato, cabe ao Poder Judiciário, diante da cominação legal constante do art. 92 da Lei nº 8.666/1993, identificar se houve desvio da finalidade, se a repactuação do preço seria notoriamente incongruente com a hipótese de incidência da recomposição do equilíbrio contratual. No caso dos autos, portanto, deve-se classificar a variação cambial percebida pela contratada em uma das duas categorias: ordinária ou extraordinária. Descendo aos números, importante asseverar que, oficiado o Banco Central, foi colacionada aos autos tabela reproduzindo histórico da cotação do Dólar comercial nos meses de julho de 2014, janeiro e fevereiro de 2015 (ID 278707203), permitindo constatar que a venda da moeda estrangeira oscilou entre os patamares de R$2,20 (01.07.2014) e R$2,87 (27.02.2015), uma majoração aproximada de 30%. Por seu turno o Boletim Focus, Relatório de Mercado publicado pelo Banco Central do Brasil que reflete as expectativas de mercado para a economia brasileira, no mês de julho de 2014, previa que a taxa de câmbio para 2015 estaria em apenas R$2,50 para cada Dólar (disponível em: Focus-Relatório de Mercado - bcb.gov.br. Acesso em 24.04.2024). Cotejando o caso dos autos com os precedentes do próprio TCU, não há como desprezar a carga excessivamente onerosa e imprevisível sobre a contratada em referido contexto monetário, ainda que falte elementos para precisá-la tecnicamente. Ter como razoável o pleito de revisão por onerosidade excessiva não significa ignorar supostos vícios ou irregularidades quanto à formalização e à demonstração cabal da situação ensejadora da revisão contratual (vide conclusões esposadas pelo TCU na TC 030.063/2017-5 - ID 278703506: apresentação de valores distintos nos pedidos de revisão pela DOMAIN, ausência de comprovação de valor efetivamente pago à Oracle), os quais realmente podem ter se manifestado. A presente apreciação judicial não abona, portanto, a aparente ausência de parametrização segura da álea supostamente extraordinária suportada pela DOMAIN. Ocorre que as alegações do órgão acusatório nesta senda não desnaturam o fato em sua essência: valorização não comezinha do Dólar a impactar a execução do contrato. A par disto, cabe acrescer que o indeferimento dos três pedidos de revisão contratual anteriores não abala a realidade concreta do pleito da DOMAIN em si, principalmente porque as negativas ocorreram por fundamentos aparentemente diversos e não entraram no mérito do pedido revisional. Outrossim, o pagamento em favor da DOMAIN no importe de R$ 1.209.689,34 corresponde ao pleiteado, não importando quantia menor ou maior que a indicada no requerimento de revisão pela contratada colacionado aos autos (Ofício da Autoridade Portuária de Santos S.A. – ID 280323506). Da ausência de comprovação do dolo. Ainda que se tivesse por manifestamente impertinente a aplicação da teoria da imprevisão ao caso sob exame, a tipificação do delito em comento exige a evidenciação do dolo de possibilitar vantagem ao contratado sem autorização legal. No ponto, ao observar-se o apanhado probatório da Operação Tritão, desponta claramente a fragilidade do argumento acusatório quanto à demonstração da unidade criminosa de desígnios dos acusados. À exceção de FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, a vinculação espúria inicialmente desbravada abarcaria indivíduos sequer denunciados (Mário Jorge Paladino, Carlos Henrique de Oliveira Poço, o então Deputado Federal Marcelo Squassoni e o próprio FRANCISCO JOSÉ ADRIANO), a teor da postagem de vídeo em que Carlos Antônio de Souza (Carlinhos) narrou fraudes em licitações da CODESP e da colaboração premiada de Mario Jorge. Como já afirmado acima, por ter sido contratada no período investigado (2013 a 2016), DOMAIN acabou sendo escrutinada e arrolada como pivô de um dos supostos ilícitos praticados na gestão da CODESP, em que pese a inexistência de qualquer apontamento de direcionamento da licitação que a sagrou como adjudicatária do contrato nº 75/2015, bem como a circunstância de que tal relação contratual não foi concebida com a participação dos acusados. Ocorre que, importa explicitar, o foco principal da Operação Tritão trazido à baila no já mencionado relatório policial corresponderia à apuração de supostas fraudes contratuais relacionadas a Marcelo Squassoni e Mário Jorge, parece não ter sido levado à raia judicial, dada a ausência da imputação criminal pela associação escusa que teria sido engendrada nos quadros internos da CODESP, contradizendo a tese do órgão ministerial no sentido de que os acusados estariam mancomunados para perpetrarem ilícitos decorrentes dos contratos da Companhia. Não se tem notícia de que, além do presente expediente e do referente à empresa Vert (autos nº 5004303-36.2021.4.03.6104), tenham sido objeto de persecução criminal as ações delituosas da associação criminosa que teria se arvorado na Companhia portuária. De toda forma, as circunstâncias da tramitação do pedido de revisão contratual não fazem transparecer maquinação dolosa, a exemplo da sucessão de quatro requerimentos endereçados pela DOMAIN até que obtivesse sucesso na revisão contratual por onerosidade excessiva, sendo os dois primeiros (datados de 18.03.2015 e 01.07.2015 segundo alega o órgão acusatório, e denegados em 24.04.2015 e 06.11.2015) antecedentes à gestão de JOSÉ ALEX (empossado em 09.11.2015 conforme ata da 490ª reunião extraordinária do Conselho de Administração) e o terceiro (datado de 20.07.2016) negado sob a sua presidência, em 28.07.2016, ao fundamento de que o caso já havia sido decidido nos pedidos anteriores. Na quarta oportunidade (protocolada em 24.08.2016), finalmente, o pleito obteve pareceres favoráveis da Superintendência Jurídica – SUJUD, subscritos pelo Superintendente Jurídico GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e pelo Assessor da SUJUD FREDERICO SPANGNUOLO DE FREITAS, e da Diretoria Administrativa e Financeira – DIAFI (IDs 278703502 e 278702093). Por si, os atos praticados pelos acusados contemplam medidas formalmente aptas a um desfecho lícito para o pleito da DOMAIN, correspondendo às competências próprias da contribuição inerente de cada órgão da CODESP ao procedimento decisório. Noutras palavras, a prática de atos revestidos de conformidade estatutária e legal resguarda criminalmente os acusados, sob pena de responsabilização penal objetiva, de sorte que resulta exigível, imprescindível, a demonstração de que os envolvidos estivessem imbuídos de um propósito escuso comum, consistente em vulnerar a posição jurídica da Companhia de não ceder ao reequilíbrio econômico-financeiro proposto pela contratada. Curiosamente, a revisão contratual supostamente fraudulenta poderia ter sido realizada muito antes, com o atendimento dos pedidos anteriores da DOMAIN. Entretanto, só por ocasião da quarta tentativa pela empresa contratada, é que os acusados teriam se imbuído do ânimo de lesar a Companhia. A procrastinação da consumação delitiva não condiz com a prévia conspiração presumida pela acusação. E, a propósito da concertação espúria que se faria necessária para privilegiar indevidamente a DOMAIN, por meio da qual os acusados dissimulariam um procedimento regular, acertadamente, a sentença enfatizou que: Não há provas de que os réus conheciam MARCO ANTÔNIO MUNARI, não existe prova de comunicação pessoal entre eles, não há registro de qualquer acordo ou conluio, não há prova de enriquecimento ilícito; tampouco há evidências de recebimento de qualquer vantagem indevida ou depósito bancário sem origem comprovada por qualquer dos acusados (ID 293031121 - Pág. 46). Inclusive, seria de bom alvitre que o órgão acusatório requeresse a oitiva judicial de Marco Antonio Munari, responsável legal pela DOMAIN, o que não foi procedido. Ao contrário, conforme constou da r. sentença (ID 278707373 – Pág. 38), a Defesa requereu, embora tardiamente, a produção da mencionada prova, que foi indeferida pelo juízo a quo, ante a preclusão para tal ato com a superação da fase do art. 402 do Código de Processo Penal. A prova oral produzida em juízo tampouco aponta para a conjugação de esforços que seria necessária para a perpetração dos delitos imputados pelo Parquet. No caso em tela, de fato, os aportes pessoais dos agentes que contribuíram com a indenização da DOMAIN destoam do pressuposto da tese ministerial de que houvera um ajuste malicioso: - JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA, então Diretor Presidente apenas presidiu a reunião do Conselho de Administração em que foi aprovada a revisão contratual pleiteada pela DOMAIN. Sequer voto proferiu. Nesse sentido, o interrogatório judicial de JOSÉ ALEX (ID 278706949 e 278707345 – transcrição pela Defesa): Defesa: Em relação ao contrato, ao pleito de reequilíbrio econômicofinanceiro, é objeto do processo que envolve a empresa Domain pelo uso de softwares. O senhor analisou este processo? Este pedido de reequilíbrio econômico-financeiro pessoalmente? José Alex: Não, eu tomei conhecimento desse processo na reunião de diretoria. Esse processo foi trazido à diretoria com parecer técnico, parecer jurídico e com parecer financeiro. Defesa: Parecer em que sentido? José Alex: Alegando a justificativa que foi dada na reunião em que o processo era vantajoso para a empresa, tendo em vista que o que estava alegado, se fosse para uma contenda judicial, seria muito mais prejudicial à empresa do que fazer um acordo administrativo com vantagem. Inclusive, foi informada nessa reunião pelo diretor financeiro de que a empresa, inclusive, aceitava dar uma redução no valor que ela tinha pleiteado que eu me lembro pelos próprios autos que eu li, que foi pedido 1.600.000,00 e na hora da negociação ele aceitou receber 1.200.000,00, dando um desconto que fazia mais vantajoso ainda para a empresa. Defesa: Quando esse processo chegou na reunião da Direx.... Eu não entendi a resposta objetiva. Ele havia sido aprovado, o pleito de reequilíbrio econômico-financeiro também havia sido aprovado pelos departamentos operacional, jurídico e financeiro? José Alex: Sim Defesa: Então os três tinham pareceres favoráveis pelo reequilíbrio? José Alex: O processo foi trazido à reunião da diretoria com parecer técnico, financeiro e jurídico e a recomendação do diretor que relatou o processo, mostrou as vantagens que seria para a empresa fazer esse acordo e autorizar o pagamento e noticiou na época a diferença do câmbio entre os valores que dava, se me recordo, algo em torno de 90 centavos a 1 dólar de diferença entre o valor que foi pago e o valor que realmente tinha feito uma defasagem no câmbio, então era justificável o pleito da empresa. Então, foi aprovado em função dessas explicações que eu recebi. [...] Defesa: Dr., nesse processo o Ministério Público Federal acusa que houve uma aprovação indevida de 1.200.000,00 para essa empresa Domain do senhor Marco Antonio Munari. O senhor já esclareceu que isso nunca ocorreu... José Alex: Olha, eu não conheço essa pessoa, nunca estive com ela, não sei, se eu passar por ela não vou reconhecer, porque eu nunca tive nenhum contato com ele. O processo chegou amparado em todo um rito e foi mostrado as vantagens que trazia para a empresa. Ela foi aprovada pelos 4 diretores, não houve o meu voto de aprovação. A minha participação foi meio que assinar a ata e o aprovação da reunião de diretoria. Não teve nenhuma informação, nenhum motivo que levasse a isso. Me causa estranheza dizer que houve ilegalidade numa proposta que era mais de 1.600.000,00 e se negociou e se pagou 1.200.000,00. Diminuiu. Onde que está a ilegalidade em se negociar e beneficiar a empresa? Desconheço, me causa espécie esse tipo de acusação. (...) Defesa: Havia algo no processo ou na reunião que lhe levasse a crer que houvesse alguma irregularidade nesse pedido de reequilíbrio? José Alex: Não, até porque o processo ele veio pelos diretores da área, é feito o relato oral. Quando o diretor tem alguma dúvida, ele pede vista. Não houve pedido de vista porque, pelo relato e pelos documentos apresentados, estava tudo correto. Não houve nenhuma manifestação, nem da minha parte, nem de nenhum dos outros diretores. Defesa: E quantos documentos o senhor assinava por dia? José Alex: Difícil de dizer quantos, mas uma média de 50 ou mais documentos por dia. Contrato uma empresa com 1700 funcionários com 25 km de extensão, cem navios por dia, atendendo pessoas e assinando documento. A média mais de 50 documentos, com certeza. Defesa: E de que forma que o senhor se sentia confortável para assinar tantos documentos por dia? Porque me parece que não... era possível que o senhor analisasse cada um desses documentos no detalhe, o que estava por trás do documento, a operação que estava por trás do documento, os pagamentos? José Alex: Impossível. A rotina é a seguinte: existe uma hierarquia institucional na empresa. Cada setor é responsável por um, por um relatório, um parecer. Na medida que os documentos vão subindo nessa hierarquia e chega até o diretor e o diretor assina, pressupõe-se que hierarquicamente todos os ritos foram cumpridos. Quando o diretor apresenta isso para o presidente, vem o chefe de gabinete despachar, me mostra o processo dizendo que o documento foi aprovado no conselho de administração, o documento foi aprovado na diretoria, o documento, que não tem necessidade de reunião de diretoria ou de conselho, passou pelo crivo técnico, jurídico e financeiro. Então o chefe de gabinete trazia, explicava, verificava, mas manusear, verificar, checar as informações era impossível para o presidente, se não, não teria necessidade de ter todos os outros departamentos da empresa para fazer isso. Quando chegava para assinar, pressupõe-se que estava tudo correto e com a justificativa e a apresentação do chefe de gabinete ou do relato de uma reunião de diretoria pelo diretor responsável, tudo teria que estar correto. Eu me baseava nessa hierarquia da responsabilidade de cada. Eu não tinha capacidade, nem acho que ninguém entende o presidente verificar papel por papel, como no rito, como é que foi feito, até porque é impossível você verificar mais de 50 processos por dia. - FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS, que validou juridicamente o pleito da DOMAIN, justificou que as negativas anteriores fizeram mera análise entre o preço final do contrato da DOMAIN com o reajuste pleiteado e a ordem final da licitação que antecedeu a assinatura do Contrato n° 75/2014, não adentrando ao mérito quanto à efetiva desvalorização cambial e o eventual direito ao reequilíbrio da relação contratual. Confirmou, em seu interrogatório judicial, o teor do seu parecer reavaliando o caso em favor da contratada (ID 278706060 e 278707256 – transcrição pela Defesa): Afirmou que não tem qualquer participação na contratação ou na liberação de valores do contrato de reequilíbrio econômico da celebrado pela empresa DOMAIN e a CODESP. Sua participação foi após a demanda do setor, num despacho no processo de reequilíbrio da empresa DOMAIN, que foi posterior ao parecer jurídico do departamento favorável a indenização do contrato por reequilíbrio econômico, o qual foi enviado ao financeiro que devolveu com a indagação se havia conflito entre o último parecer e os anteriores. Seu despacho consistiu em analisar a existência ou não do conflito entre o parecer atual e os anteriores, entendendo que inexistia conflito pois o primeiro não analisou se a variação do dólar era causa de reequilíbrio do contrato, enquanto o último dizia que havia variação, não confirmando nenhum dos dois pareceres, mas dirimindo o conflito entre os entendimentos, acrescentando que no caso dos valores propostos pela empresa nos dois pareceres, o mais vantajoso seria o mais baixo, para evitar demandas futuras, seguindo todo o processo a superintendências e diretorias. Na busca, explicou que a nota fiscal emitida pela empresa DOMAIN chegou em suas mãos após o pagamento através de um expediente do setor financeiro, com a indagação de que o pagamento teria sido efetivado sem a retenção do tributo e qual deveria ser a providência do jurídico em relação a isso, o que não chegou a ser analisado. (...) Afirmou que nunca participou de qualquer tipo de reunião junto a diretoria executiva (DIREX). Não possuía expertise na elaboração de cálculos dos contratos, os quais eram promovidos pelo setor financeiro. Esclareceu que a demanda contra a CODESP era comum, sendo certo que a empresa sofria diversas condenações. Como gerente do contencioso presenciou esse tipo de situação e a recomendação era de evitar as demandas judiciais. Disse que seu despacho não entrou no mérito da demanda da empresa DOMAIN. Esclareceu que os pareceres do jurídico eram apenas opinativos, sem vinculação as decisões da DIREX. Respondeu que os valores contidos em seu despacho foram extraídos do processo, desconhecendo o motivo de um valor intermediário, esclarecendo, todavia, que o pleito da empresa foi muito maior que o pagamento da CODESP. - GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO ingressou na CODESP em 01.12.2015 e lá permaneceu até final de outubro de 2018, na função de Superintendente Jurídico da CODESP (ID 278701171 - Pág. 6 – interrogatório policial). Sua contribuição no processo decisório foi exarar parecer jurídico favoravelmente à DOMAIN (ID 278702093). Interrogado em juízo, afirmou o seguinte (ID 278706206 e 278707270 - Pág. 18 – transcrição pela Defesa): GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO afirmou que os fatos não são verdadeiros. Trabalhou na CODESP como Superintendente Jurídico. Subscreveu o parecer jurídico para resolver a questão e evitar ação judicial. Agiu como parecerista e submeteu ao órgão deliberativo da CODESP. Ratifica o parecer jurídico. O parecer é meramente opinativo. O processo vem instruído da área técnica, era elaborado parecer, posteriormente encaminhado à Diretoria Executiva. Não participava da deliberação da Diretoria Executiva. A Superintendência Jurídica não faz os cálculos dos pagamentos. - FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, então Diretor Financeiro, instou o jurídico da Companhia a esclarecer a aparente dissonância do parecer favorável com os anteriores desfavoráveis à contratada. Consoante exposto em suas contrarrazões de Apelação, reportando a documentos não integrantes dos presentes autos, a diretoria financeira devolveu o procedimento para o jurídico indagando se não haveria conflito com pareceres anteriores, bem como requereu a anexação do expediente anterior que negava o pedido à DOMAIN, além, de reencaminhá-lo para a diretoria responsável pelo contrato, diretoria de logística, para avaliar o pleito (ID 278707702 - Pág. 52/53). Declarou na fase policial (ratificando em juízo) que ingressou na CODESP em 1987 por meio de concurso público, sendo que suas duas últimas funções foram de setembro de 2015 a julho de 2016, diretor de relações com mercado e comunidade, e diretor administrativo e financeiro até dezembro de 2018; Questionado sobre a contratação de "Carlinhos", afirmou: "Que ao assumir a diretoria de relações com mercado e comunidade, necessitava de alguém para auxiliá-lo na regularização de áreas da União que são geridas pela SPU e tomou conhecimento que CARLOS ANTONIO DE SOUZA teria conhecimento que poderia auxiliá-lo nesse trabalho e assim como não dispunha de vaga para assessoria na sua diretoria, pediu ao presidente ALEX BOTELHO que contratasse CARLOS como assessor da presidência, onde havia vaga para tanto, mas para que CARLOS prestasse serviço exclusivamente para diretoria do interrogado. Que CARLOS prestou serviços na diretoria durante alguns meses até a divulgação do vídeo que ensejou a instauração desse inquérito policial (ID 281338030 - Pág. 16). Em seu interrogatório judicial declarou que (ID 278706865 e 278707247 - Pág. 45 – Transcrição pela Defesa): Francisco José Adriano: Não, nesse caso já houve uma licitação anterior e esse contrato já havia sido encerrado. Não caberia mais nada, né, por já estar encerrado é um contrato morto, né. Essa empresa fez alguns pedidos e nesse último ela entrou com a documentação, entrou para a Diretoria da Presidência como é de praxe, e o Diretor Presidente encaminhou para o jurídico, porque um processo de reequilíbrio econômico-financeiro é uma matéria jurídica, então é encaminhada para a área jurídica, e assim ele fez. Foi para o Superintendente Jurídico e encaminhou para o advogado. Eles fizeram um Parecer favorável, encaminhou de novo para o Superintendente, e encaminhou para o Diretor Presidente. Essa matéria foi apresentada na Reunião de Diretoria como vantajosa, porque foi dito que o valor era maior, e que o valor menor evitaria que fosse judicializado, e nós sofríamos muito com questões de processo. (...). (...) Advogado de Defesa: A Denúncia diz que teria havido uma irregularidade nesse processo, embora o senhor já tenha explicado que não é um processo de licitação, mas um processo de adequação de valores. Ela diz que há uma irregularidade porque não foi emitida nota fiscal, não há uma nota fiscal da empresa DOMAIN. O senhor pode explicar por que não existe nota fiscal? Francisco José Adriano: Porque foi a título de indenização. Foi pago à título indenizatório, e não cabe recolhimento de impostos. Advogado de Defesa: Indenização não tem imposto? Francisco José Adriano: Não tem imposto. Advogado de Defesa: O senhor chegou a consultar isso com o Jurídico? Que indenização não tem imposto? Francisco José Adriano: Sim, quando esse processo estava em andamento, ele veio para a Diretoria Financeira para pagamento. Nós pedimos, como é de praxe, para anexar documentos para evitar que fiquem perdidos dentro da empresa, e nesse momento eu ainda mandei de volta para a Área Técnica para que pudessem endossar, e a Área Técnica mandou para o Jurídico novamente, que fez também um parecer favorável. Passou duas vezes pela Área Jurídica. - CLEEVELAND SAMPAIO LOFRANO, que assumiu o cargo de Diretor de Operações Logísticas em setembro de 2015 e em julho de 2016 assumiu a Diretoria de Relações de Mercado, votou favoravelmente ao pleito revisional posteriormente a dar parecer negando-o (à época ocupava a diretoria de logística), teria sido convencido neste ínterim a praticar o crime, ao que se deve supor segundo a tese acusatória. Enfatiza, em seu interrogatório judicial, que foi o responsável por indeferir um dos pedidos, em 06.11.2015 (ID 278705951 e 278707279 - Pág. 14 – transcrição pela Defesa): JUIZ: Em relação ao reequilíbrio do financeiro, o senhor teve alguma participação? CLEVELAND: Sim, eu tive. Justamente, logo após eu ter ingressado na empresa foi apresentado um pedido de reequilíbrio financeiro e eu, na época, tinha recentemente ingressado na companhia e foi na minha diretoria. Eu era diretor de operações logísticas, onde foi analisado esse pedido inicial. Esse pedido ele foi visto pela minha área técnica e também consultada pela área jurídica e foi indeferido, por, no momento, esse equilíbrio é um contrato que tinha sido iniciado tem pouco tempo, então não caberia ainda um equilíbrio financeiro. A empresa saberia disso, então esse pedido foi por mim, inclusive como diretor, indeferido. (...) JUIZ: Segundo a denúncia depois de dois indeferimentos o pagamento foi autorizado pela sua aprovação, época que o senhor era Diretor das Relações com o Mercado e Comunidade, é verdade isso? CLEVELAND: Não. Veja bem, eu posso colocar como exatamente aconteceu isso. Não foi a minha aprovação, pois, na época, eu já não era mais Diretor da área (Diretor de Operações e Logística), onde esse novo pedido foi feito. Esse pedido foi analisado na época pela diretoria que era gestora de contrato e teve um parecer técnico e um parecer jurídico que foi justamente submetido dentro do regimento da empresa. Daí, foi pautado na reunião da Diretoria Executiva para homologação e, na condição de membro, de Diretor Executivo, que era inclusive procedimento regimental foi feita a apresentação do pedido, devidamente fundamentado no parecer jurídico. Na época foi analisado pela Diretoria Executiva e eu votei favoravelmente por achar realmente que o que foi exposto no parecer jurídico estava perfeitamente compatível, então minha aprovação foi essa. Eu não tinha poder de solitariamente aprovar. A aprovação foi feita pela Diretoria Executiva por unanimidade JUIZ: O senhor quer acrescentar alguma coisa em sua defesa? CLEVELAND: Não, o fato é que essa prestação foi um fato normal, a apresentação foi pautada em DIREX, que era justamente o colegiado que aprovaria. As decisões da DIREX eram baseadas justamente na decisão técnica e jurídica. A Diretora Executiva nunca iria contra um parecer que sustentava e embasava essa decisão. Então, na época, parecia ser um procedimento totalmente normal e de acordo com o próprio regimento da companhia.” - CELINO FERREIRA DA FONSECA, que ocupou o cargo de Diretor Administrativo e Financeiro de novembro de 2015 a abril de 2016, e de julho de 2016 a maio de 2017 ocupou a função de Diretor de Operações Logísticas, a responsável pelo contrato revisado. Não sofreu o apontamento de nenhum ato específico pelo qual teria contribuído com a revisão contratual, senão votar favoravelmente a DOMAIN. Em seu interrogatório judicial, afirmou que (ID 278706545 e 278707241 - Pág. 13 – Transcrição da Defesa): “Eu não vejo por que que tá acontecendo tanto problema a partir de um realinhamento financeiro. Eu sempre trabalhei, nessa época... eu sou engenheiro eletrônico, trabalhei em empresas multinacionais e é praxe no Brasil, país de terceiro mundo que tem problema com o dólar, esse tipo de realinhamento inclusive em órgãos públicos. Não entendo o que nós fizemos de errado, o que o colegiado fez de errado.” Ainda, assentou que quando recebeu o pedido de reequilíbrio contratual formulado pela Domain, tomou as providências de praxe com relação a qualquer outro pedido que lhe fosse direcionado: providenciou o encaminhamento para as áreas técnicas da Codesp. Em que pesem possíveis incongruências (já citadas ao final de tópico precedente, que analisou a onerosidade excessiva) face às melhores práticas de gestão possam representar eventuais sanções administrativas, o panorama probatório não é suficiente para indicar que os acusados teriam dolosamente conferido vantagem contratual indevida à DOMAIN. Conclusão. À luz do entendimento ora delineado, resta patente que a acusação carece de evidências seguras no sentido de que aprovação do pedido de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato entre CODESP e a empresa DOMAIN (Contrato DP nº 75/2014) teria consubstanciado vantagem indevida em favor da adjudicatária ou que tenham redundado em posterior desvio em favor próprio ou de outrem, ou mesmo de que os réus teriam agido dolosamente ao concederem o pedido de revisão contratual em questão. Consequentemente, deve ser mantida a absolvição dos acusados, por não haver prova da existência dos fatos típicos denunciados ou mesmo do dolo inerente às infrações constantes do art. 312 do Código Penal e do art. 92 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-H do CP) (art. 386, inc. II, do CPP), observada a prescrição da pretensão punitiva pelo crime licitatório em relação a JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA. No que se relaciona ao pedido de desistência formulado pela defesa de JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA, homologa-se o pedido. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal, mantendo a absolvição dos acusados JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS quanto às infrações constantes do art. 312 do Código Penal e do art. 92 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-H do CP - observada a prescrição da pretensão punitiva pelo crime licitatório em relação a JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA), nos termos do art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal, bem como por HOMOLOGAR o pedido de desistência da Apelação interposta pela defesa de JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA.
ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: MARCO ANTONIO MUNARI
Advogados do(a) APELADO: AMANDA FERNANDES ADRIANO - SP332095-A, FABIO SUARDI DELIA - SP249995-A, RENATO GUIMARAES CARVALHO - SP326680-A, ROBERTO DELMANTO - SP19014-A, ROBERTO DELMANTO JUNIOR - SP118848-A, RODRIGO DE AZEVEDO MARTINS - SP427171-A
Advogados do(a) APELADO: ANDRE FERREIRA - SP346619-A, FERNANDO AUGUSTO BERTOLINO STORTO - SP367946-A, LUIZ FERNANDO SIQUEIRA DE ULHOA CINTRA - SP193026-A
Advogados do(a) APELADO: BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO - SP357110-A, EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE JEAN DAOUN - SP152177-A, BRUNO BARBALHO - SP447799, DANIELA APARECIDA DOS SANTOS - SP263842-A, LUIZ HENRIQUE VIEIRA - SP320868-A
Advogado do(a) APELADO: FABIO SPOSITO COUTO - SP173758-A
Advogados do(a) APELADO: CARLOS FERNANDO DE FARIA KAUFFMANN - SP123841-A, MARCOS GUIMARAES SOARES - SP141862-A, PATRICIA VISNARDI GENNARI - SP352072
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL. IMPUTAÇÃO PELA PRÁTICA DOS CRIMES DE PECULATO-DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CP) E DE PAGAMENTO IRREGULAR EM CONTRATO ADMIISTRATIVO (ART. 92 DA LEI Nº 8.666/1993 - ATUAL 337-H DO CP). OPERAÇÃO TRITÃO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA, POR INEXISTÊNCIA DE PROVA DOS FATOS TÍPICOS (ART. 386, INC. II, DO CPP). APELO MINISTERIAL DESPROVIDO.
01. Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal em face de sentença absolutória proferida no âmbito da Operação Tritão, instaurada com o fito de apurar ilícitos em tese perpetrados no âmbito da CODESP (atual Autoridade Portuária de Santos S.A – Empresa Pública Federal), tendo por objeto supostas fraudes nos contratos firmados pela Companhia entre os anos de 2013 e 2016.
02. A investigação policial aponta para um conjunto de potenciais infrações penais no qual acabou enxertado o fato narrado na denúncia, sem o estabelecimento de qualquer liame com a realidade das demais empresas implicadas, exceto pela circunstância de serem todas as relações contratuais da CODESP efetuadas pelo seu corpo diretor e jurídico.
03. Pressuposta como lícita a contratação sob exame pela própria acusação, a imputação delitiva restringe-se ao atendimento do quarto pedido de revisão contratual por onerosidade excessiva, endereçado à CODESP em 24.08.2016, pelo qual a empresa faria jus à indenização decorrente da variação cambial entre as datas de 15.07.2014 e fevereiro de 2015, contabilizada em R$ 1.209.689,34. O pagamento foi autorizado, a título de indenização, pela Diretoria Executiva (DIREXE), na data de 27.09.2016, após análise da Superintendência Jurídica e da Diretoria Financeira.
04. Em tomada de contas especial, o Tribunal de Contas da União reprovou a revisão contratual em questão, fato que, embora constitua condição necessária à tipicidade penal, não é suficiente para a condenação, uma vez que a análise criminal reclama não apenas a apreciação do cabimento da revisão contratual por onerosidade excessiva, como, sobretudo, a demonstração (ainda que por circunstâncias objetivas apreensíveis da conduta) da intencionalidade lesiva, de violar o bem jurídico penalmente tutelado.
05. Da não comprovação do caráter indevido da revisão contratual por onerosidade excessiva. No caso em tela, em que pese a argumentação ministerial, repara-se que não houve comprovação sequer do caráter indevido da revisão contratual. Conforme bem salientado pela r. sentença, faltou colacionar aos autos a íntegra do procedimento decisório da CODESP, notadamente eventual manifestação da DIAFI (Financeiro) acerca da variação cambial incidente sobre o contrato e apreciação dos pedidos anteriores de revisão pela DOMAIN.
06. A Lei nº 8.666/1993 prevê como garantia do contratado a possibilidade de manutenção da equação econômico-financeira mediante a alteração justificada do contrato, por acordo entre as partes, nos termos do art. 65, inc. II, ‘b’ (redação vigente à época dos fatos).
07. A recomposição da margem do contratado possui requisitos específicos, necessitando tratar-se de um desequilíbrio financeiro causado por fator externo à vontade das partes, imprevisível ou de consequências incalculáveis, que promova álea econômica extraordinária.
08. Conquanto atada a tais pressupostos específicos, a revisão contratual baseada na teoria da imprevisão opera-se por ato discricionário, conferindo margem decisória ao administrador para melhor atingir, em concreto, o escopo da lei. Nesse diapasão, o ordenamento jurídico optou por não definir aprioristicamente o que seria álea econômica extraordinária (conceito legal indeterminado), de modo que o universo das situações aptas a caracterizar onerosidade excessiva compõe-se de um núcleo praticamente absoluto de convicção margeado por uma zona de maior imprecisão, porém elegível a atender a finalidade da lei.
09. O ponto fulcral da tese acusatória, bem como a principal dificuldade do caso concreto, atinam à dificuldade, que remanesce sentida, em divisar objetivamente o ponto no qual a álea econômica passa de ordinária para extraordinária, conforme se depreende, exemplificativamente, de parecer exarado pela Controladoria Geral da União ao analisar a aquisição de equipamentos de informática no período da pandemia da Covid-19, no qual citou recomendação exarada pelo Tribunal de Contas da União (acórdão nº 87/2008) no sentido de que o contrato administrativo preveja a obrigatoriedade da contratação de hedge cambial, evitando discussões nesse sentido. A própria Lei nº 14.133, de 01º de abril de 2021 (nova lei geral de licitações, posterior aos fatos ora retratados), no art. 22, introduziu a possibilidade de a administração estabelecer uma matriz de alocação de riscos ainda no processo de licitação, pela qual estabelecerão critérios de tratamento dos riscos inerentes ao contrato. No entanto, tais providências, que poderiam inibir a revisão por onerosidade excessiva, não foram materializadas no caso em tela, ao que se pode constatar da prova dos autos.
10. Isto considerado, sem caracterizar usurpação da competência administrativa do gestor do contrato, cabe ao Poder Judiciário, diante da cominação legal constante do art. 92 da Lei nº 8.666/1993, identificar se houve desvio da finalidade, se a repactuação do preço seria notoriamente incongruente com a hipótese de incidência da recomposição do equilíbrio contratual.
11. Descendo aos números, importante asseverar que, oficiado o Banco Central, foi colacionada aos autos tabela reproduzindo histórico da cotação do Dólar comercial, permitindo constatar que a venda da moeda estrangeira sofreu uma majoração aproximada de 30% no período em questão, diversamente do previsto pelo consenso do mercado exprimido pelo Boletim Focus da época dos fatos.
12. Cotejando o caso dos autos com os precedentes do próprio TCU, não há como desprezar a carga excessivamente onerosa e imprevisível sobre a contratada em referido contexto monetário, ainda que falte elementos para precisá-la tecnicamente.
13. Sem se ignorar supostos vícios ou irregularidades quanto à formalização e à demonstração cabal da situação ensejadora da revisão contratual, os quais realmente podem ter se manifestado, sendo certo que a presente apreciação judicial não abona a aparente ausência de parametrização segura da álea supostamente extraordinária, deve-se reconhecer em essência que houve valorização não comezinha do Dólar a impactar a execução do contrato.
14. Da ausência de comprovação do dolo. Ainda que se tivesse por manifestamente impertinente a aplicação da teoria da imprevisão ao caso sob exame, a tipificação do delito em comento exige a evidenciação do dolo de possibilitar vantagem ao contratado sem autorização legal. No ponto, ao observar-se o apanhado probatório da Operação Tritão, desponta claramente a fragilidade do argumento acusatório quanto à demonstração da unidade criminosa de desígnios dos acusados.
15. As circunstâncias da tramitação do pedido de revisão contratual não fazem transparecer maquinação dolosa, a exemplo da sucessão de quatro requerimentos endereçados pela contratada até que obtivesse sucesso na revisão contratual por onerosidade excessiva, sendo os dois primeiros antecedentes à gestão do corréu então presidente da Companhia, e o terceiro negado sob a sua presidência, ao fundamento de que o caso já havia sido decidido nos pedidos anteriores. Na quarta oportunidade (protocolada em 24.08.2016), finalmente, o pleito obteve pareceres favoráveis da Superintendência Jurídica – SUJUD e da Diretoria Administrativa e Financeira – DIAFI. Só por ocasião da quarta tentativa endereçada pela empresa contratada, é que os acusados teriam se imbuído do ânimo de lesar a Companhia. A procrastinação da consumação delitiva não condiz com a prévia conspiração presumida pela acusação.
16. Além disto, por si, os atos praticados pelos acusados contemplam medidas inerentes às competências próprias da contribuição inerente de cada órgão da CODESP ao procedimento decisório. Noutras palavras, a prática de atos revestidos de conformidade estatutária e legal resguarda criminalmente os acusados, sob pena de responsabilização penal objetiva, de sorte que resulta exigível, imprescindível, a demonstração de que os envolvidos estivessem imbuídos de um propósito escuso comum, consistente em vulnerar a posição jurídica da Companhia de não ceder ao reequilíbrio econômico-financeiro proposto pela contratada.
17. A prova oral produzida em juízo tampouco aponta para a conjugação de esforços que seria necessária para a perpetração dos delitos imputados.
18. Em que pesem possíveis incongruências face às melhores práticas de gestão possam representar eventuais sanções administrativas, o panorama probatório não é suficiente para indicar que os acusados teriam dolosamente conferido vantagem contratual indevida à DOMAIN.
19. À luz do entendimento ora delineado, resta patente que a acusação carece de evidências seguras no sentido de que aprovação do pedido de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em questão teria consubstanciado vantagem indevida em favor da adjudicatária ou que tenham redundado em posterior desvio em favor próprio ou de outrem, ou mesmo de que os réus teriam agido dolosamente ao concederem o pedido de revisão contratual em questão.
20. Consequentemente, deve ser mantida a absolvição dos acusados, por não haver prova da existência dos fatos típicos denunciados ou mesmo do dolo inerente às infrações constantes do art. 312 do Código Penal e do art. 92 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-H do CP) (art. 386, inc. II, do CPP).
21. Homologado o pedido de desistência de JOSÉ ALEX e negado provimento à Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal, mantendo a absolvição dos acusados JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA, FRANCISCO JOSÉ ADRIANO, CELINO FERREIRA DA FONSECA, CLEVELAND SAMPAIO LOFRANO, GABRIEL NOGUEIRA EUFRÁSIO e FREDERICO SPAGNUOLO DE FREITAS quanto às infrações constantes do art. 312 do Código Penal e do art. 92 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-H do CP - observada a prescrição da pretensão punitiva pelo crime licitatório em relação a JOSÉ ALEX BOTELHO DE OLIVA), nos termos do art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal.