Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010073-75.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: EMPRESA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO DE CAMPINAS S/A

Advogados do(a) APELANTE: ANA PAULA TARANTI - SP174171-A, FERNANDA SARTORI MARQUES VIEIRA - SP335548-A, RODRIGO DALLA PRIA - SP158735-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010073-75.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: EMPRESA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO DE CAMPINAS S/A

Advogados do(a) APELANTE: ANA PAULA TARANTI - SP174171-A, FERNANDA SARTORI MARQUES VIEIRA - SP335548-A, RODRIGO DALLA PRIA - SP158735-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

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R E L A T Ó R I O

 

 

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):

Trata-se de apelação em ação de rito ordinário, com pedido de tutela provisória, ajuizada pela Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas S.A. contra a União Federal objetivando declarar (...) a inexistência de relação jurídico-tributária entre as partes que tenha por conteúdo a exigência do Imposto sobre a Renda Pessoa Jurídica – IRPJ e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) sobre as receitas da Autora decorrentes que são dos serviços públicos essenciais que realiza, declarando o direito da autora à imunidade recíproca que tem previsão no artigo 150, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal (...), reconhecendo (...) o direito à eventual compensação dos valores pagos indevidamente do IRPJ e CSLL em comento com débitos de tributos arrecadados pela Ré e administrados pela Receita Federal do Brasil (...) ou, (...) subsidiariamente, seja condenada a Ré à devolução de todo o montante dos valores pagos indevidamente a título do Imposto sobre a Renda Pessoa Jurídica – IRPJ em tela.

Alega ser (...) sociedade de economia mista municipal criada pela Lei do Município de Campinas nº. 4.092, de 11 de janeiro de 1972 (...) que, em cumprimento ao anseio governamental pelo qual foi criada, desempenha serviço público essencial sobretudo à própria Prefeitura de Campinas sendo certo que 99,31% do capital pertence ao município.

Aduz que se trata de uma descentralização administrativa, já que detém autonomia na execução das atribuições previstas em seu estatuto, notadamente a fiscalização de trânsito, a qual se traduz no exercício do Poder de Polícia, sendo que as multas de trânsito aplicadas possuem destino previsto no Código Brasileiro de Trânsito, não se encontrando na livre disponibilidade da autora.

Ressalta que tal atividade não é econômica, não persegue lucro, não podendo ser exercida por qualquer pessoa jurídica no mercado, pois é privativa do Estado, concluindo que atua exclusivamente na prestação de serviços públicos essenciais, nos termos do art. 30, V da Constituição, encontrando-se sujeita ao recolhimento de tributos, tais como o IRPJ e a CSLL.

O pedido de tutela de urgência foi indeferido (ID 289655581), tendo a parte autora interposto o Agravo de Instrumento 5032576-72.2019.4.03.0000, ao qual foi negado provimento (ID 28965615).

O r. Juízo a quo julgou (...) improcedente o pedido da autora e (...) extinto o feito com julgamento de mérito, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil (...), condenando (...) a autora nas custas e nos honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, que deverá ser corrigido até seu efetivo pagamento.

Opostos embargos de declaração, alegando omissões, os quais não foram conhecidos (ID 289656178).

Apelou a parte autora, requerendo a reforma do julgado, alegando, em breve síntese, que foi (...) comprovada a presença de todos os requisitos definidos pelo E. STF no julgamento do Tema 1140 para reconhecimento da imunidade tributária recíproca às sociedades de economia mista.

Requer a nulidade da sentença por ausência de fundamentação válida.

Juntou parecer técnico opinativo elaborado por Perito Contábil que, segundo alega, (...) não traz conteúdo informativo/comprobatório, mas tão somente opinativo, limitando-se, pois, a uma análise técnica da prova produzida, em relação à qual a Apelada já teve a oportunidade de exercer o contraditório (ID 289656236).

Com contrarrazões, subiram os autos a este e. Tribunal.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


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3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010073-75.2019.4.03.6105

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APELANTE: EMPRESA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO DE CAMPINAS S/A

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V O T O

 

 

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):

A apelação deve prosperar em parte.

Preliminarmente, afasto a alegação de ausência de fundamentação válida do julgado.

A r. sentença enfrentou devidamente a questão posta a julgamento, não estando o magistrado obrigado a examinar todas as inquirições suscitadas pelas partes, se já tiver encontrado fundamentação suficiente para o deslinde da causa, razão pela qual não há que se falar em nulidade do decisum, por ausência de fundamentação.

Rejeitada a preliminar, passo à análise do mérito.

A denominada imunidade recíproca está prevista no art. 150, VI, "a", da Constituição da República, nos seguintes termos:

 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

 

O objetivo da norma constitucional supracitada é impedir que o patrimônio de uma pessoa política seja afetado por outra pessoa política e, com isso, acarretar restrição à sua autonomia.

Como bem anotou Roque Antonio Carraza, a imunidade recíproca (...) decorre do princípio federativo porque, se uma pessoa política pudesse exigir imposto de outra, fatalmente acabaria por interferir em sua autonomia. Sim, porque, cobrando-lhe impostos, poderia levá-la a situação de grande dificuldade econômica, a ponto de impedi-la de levar avante seus objetivos institucionais (Curso de Direito Constitucional Tributário, 16.ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2000, p. 602).

O Supremo Tribunal Federal cristalizou entendimento, quando do julgamento do Tema 1140 da Repercussão Geral (RE 1.320.054), no sentido de que (...) as empresas públicas e as sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos essenciais, que não distribuam lucros a acionistas privados nem ofereçam risco ao equilíbrio concorrencial, são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, independentemente de cobrança de tarifa como contraprestação do serviço.

São, portanto, três os requisitos exigidos, independentemente de eventual cobrança de tarifa: prestação de serviço público essencial, ausência de distribuição de lucros a acionistas privados e inexistência de risco ao equilíbrio concorrencial.

No caso vertente, de acordo com o seu Estatuto Social (ID 289655428), a apelante tem natureza jurídica de empresa pública municipal, exercendo, dentre outras atividades, a exploração do serviço de trânsito, operação e controle de tráfego; implantação, manutenção e operação de sistema de sinalização, dispositivos e equipamentos de controle viário, incluindo o monitoramento e fiscalização através de câmeras; planejamento, projeto, regulamentação e operação de trânsito; projeto e execução de sinalização viária; fiscalização de trânsito; gestão de transporte coletivo urbano e sua operação, direta ou indireta; estudo tarifário, técnico, econômico e financeiro; gestão de sistema de bilhetagem e venda de passagens e planejamento viário e da mobilidade urbana.

Não há dúvida, em vista disso, de que se trata de serviço público essencial de transporte e controle do trânsito, em regime de exclusividade, como longa manus do Estado, possuindo, inclusive, expressa previsão no Texto Maior, conforme se denota da transcrição do seguinte dispositivo:

 

Art. 144 (...)

§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:

I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e

II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.

 

Nesse mesmo diapasão, infere-se inexistir qualquer risco ao equilíbrio concorrencial do setor em testilha.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do supracitado RE 1.320.054, envolvendo o Metropolitano de São Paulo, afastou a alegação de regime de concorrência em relação aos ônibus urbanos e metropolitanos, aplicativos de mobilidade e operadores privados de parcela da rede metroviária por concessão (Via Mobilidade e Via Quatro).

Quanto à ausência de intuito lucrativo, i.e., de distribuição de lucros a acionistas privados, cumpre esclarecer que a sociedade de economia mista apelante tem mais de 99,969% de seu capital social pertencente à Prefeitura Municipal de Campinas – PMC, conforme alteração do quadro de sócios apresentada em réplica à contestação (ID 289655638, p. 10) e análise do Balanço Geral da empresa estatal pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (ID 289655745, p. 2).

Constam, ainda, como acionistas Companhia de Habitação Popular de Campinas (COHAB), Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A., Serviços Técnicos Gerais (SETEC) e Instituto Previdência do Município de Campinas (IPMC), havendo uma irrisória participação de pessoas físicas em seu quadro acionário que, à época, ocupavam cargos no Conselho de Administração da Companhia, haja vista a previsão legal nesse sentido (art. 146 da Lei 6.404/1976).

Por sua vez, o exercício de atividade de cunho econômico consistente na exploração de publicidade em infraestrutura de mobilidade urbana, assim como ocorre com a cobrança de tarifas dos usuários do serviço, não tem o condão de afastar o reconhecimento da imunidade tributária recíproca da entidade de transporte municipal apelante.

Nesse mesmo sentido, trago à colação o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DE ESTADO-MEMBRO. IMUNIDADE RECÍPROCA.

1. Ação cível originária ajuizada pela Companhia de Saneamento de Sergipe em face da União, na qual postula o reconhecimento de imunidade tributária recíproca quanto aos impostos federais incidentes sobre seu patrimônio, renda ou serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

2. Em casos análogos, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido sua competência, por estar em jogo questão ligada à imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da Constituição), indispensável à preservação do pacto federativo.

3. A imunidade tributária prevista na alínea a do art. 150, I, da Constituição Federal, alcança empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos essenciais e exclusivos, desde que não tenham intuito lucrativo, enquanto mantidos os requisitos.

4. Pedido procedente.

(STF, ACO 3410, Rel. Min. Roberto Barroso, TRIBUNAL PLENO, j. 22/04/2022, Processo Eletrônico DJe-084 03/05/2022)

 

Não obstante, insta esclarecer que a imunidade tributária recíproca possui aplicação restrita aos impostos, não incidindo sobre as contribuições sociais, porquanto o art. 195 da Carta Magna consagrou o Princípio da Solidariedade Social, não eximindo do recolhimento do tributo nem sequer as Pessoas Jurídicas de Direito Público ou suas equiparadas.

Nesse sentido, também já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

 

Segundo agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. Inovação recursal. Impossibilidade. Direito tributário. PASEP na vigência da CF/88. Natureza jurídica de contribuição. Não aplicação da imunidade tributária recíproca. Referibilidade presente. Destinação adequada. Modificações na base de cálculo promovidas pela Lei nº 9.715/98. Constitucionalidade. Necessidade de análise da legislação infraconstitucional e do conjunto fático-probatório para se verificar a legitimidade da incidência do tributo sobre as parcelas discutidas nos autos.

(...) 2. À luz da jurisprudência da Corte, o PASEP, na vigência da Constituição Federal de 1988, possui natureza jurídica de contribuição, e não de imposto, sendo impossível se invocar, contra sua cobrança, a imunidade tributária recíproca, a qual se aplica somente quanto a essa última espécie de tributo.

3. O princípio da solidariedade bem como os fatos de que o desemprego pode atingir trabalhadores de qualquer parte do País e de que há programa nacional para atender os desempregados autorizam a cobrança do PASEP (que financia tal programa) contra os municípios, ainda que seus servidores não possam gozar do seguro-desemprego.

(STF, ARE 1310286 AgR-segundo, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, j. 23/05/2022, Processo Eletrônico DJe-115 14/06/2022) (destaque nosso)

 

Reconhecida a imunidade tributária recíproca quanto ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), cumpre deixar assente os parâmetros atinentes à compensação/restituição.

O contribuinte faz jus à compensação administrativa após o trânsito em julgado da ação (art. 170-A do CTN), com atualização dos valores mediante aplicação da taxa Selic (art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995) e observância do disposto no art. 74 da Lei 9.430/1996 e demais dispositivos vigentes na data da propositura da ação. Deve ser observada a prescrição quinquenal. É ressalvado ao contribuinte o direito de proceder a essa compensação em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios (REsp 1.137.738/SP – Tema 265 dos recursos repetitivos).

Em relação à correção monetária, pacífico é o entendimento segundo o qual se constitui mera atualização do capital, e visa restabelecer o poder aquisitivo da moeda, corroída pelos efeitos nocivos da inflação, de forma que os créditos do contribuinte devem ser atualizados monetariamente desde a data do recolhimento indevido (Súmula STJ 162) até a data da compensação, com a aplicação da taxa Selic, conforme consignado acima, afastada a aplicação de qualquer outro índice a título de juros e de correção monetária.

Tanto a compensação como a restituição via precatório são formas de perfectibilizar a repetição do tributo declarado indevido, podendo o contribuinte, quando da execução do julgado, optar pela forma de repetição que lhe for mais favorável.

Aliás, esse é o enunciado da Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça, que assim preceitua: O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado.

Descabida, contudo, a restituição em espécie na via administrativa, conforme entendimento firmado no âmbito desta Terceira Turma.

Corroborando o até aqui expendido, trago à colação recente precedente desta c. Terceira Turma:

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ARTIGO 1.040, II, CPC. COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO (METRÔ). SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, "A", CF/88. RE 1.320.054. TEMA 1140 STF. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDAS. APELAÇÃO DA AUTORA NÃO PROVIDA.

1. Determinou o acórdão anteriormente prolatado que o fato de a Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô também exercer atividades com finalidade lucrativa inviabilizaria a aplicação da imunidade tributária recíproca.

2. Ocorre que, em verdade, esse entendimento destoa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em julgado prolatado sob a sistemática dos recursos repetitivos (RE 1.320.054 – Tema 1140).

3. A imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, ‘a’, da CRFB/88) é extensível às empresas públicas e às sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, notadamente quando prestados com cunho essencial e exclusivo. Precedentes do STF e do STJ.

4. Independentemente da cobrança de tarifa como contraprestação do serviço, a Companhia do Metropolitano de São Paulo, prestadora de serviço público essencial, faz jus à imunidade tributária recíproca prevista no artigo 150, VI, a, da CF/88.

5. Havendo a imunidade tributária, portanto, é de rigor o reconhecimento do direito da impetrante à repetição dos valores indevidamente recolhidos, a serem compensados administrativamente ou restituídos mediante precatório judicial, observado o trânsito em julgado (artigo 170-A, CTN) e a prescrição quinquenal.

6. Remessa necessária e apelação da União não providas. Apelação da autora não provida, em juízo de retratação.

(TRF3, 3ª Turma, ApelRemNec 0005868-89.2008.4.03.6100, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, j. 14/03/2022, DJEN DATA: 17/03/2022)

 

Por fim, passo à análise dos honorários advocatícios.

Em razão de serem a autora e a ré parcialmente vencedoras e vencidas, reconheço a sucumbência recíproca das partes, de modo que as despesas devem ser proporcionalmente distribuídas, conforme prevê o art. 86, caput, do Código de Processo Civil, fixando-se os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, I, do mesmo diploma legal, cabendo 50% à autora, ora apelante, e 50% à União Federal, apelada.

Em face do exposto, rejeito a preliminar de ausência de fundamentação e dou parcial provimento à apelação, a fim de reconhecer a imunidade tributária recíproca quanto ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) incidente sobre as receitas da autora, bem como o direito à compensação/restituição nos moldes descritos.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO AFASTADA. IMUNIDADE RECÍPROCA. APLICAÇÃO RESTRITA AOS IMPOSTOS. EMPRESA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO DE CAMPINAS S.A. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. AUSÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS A ACIONISTAS PRIVADOS. INEXISTÊNCIA DE RISCO AO EQUILÍBRIO CONCORRENCIAL. COBRANÇA DE TARIFA E PUBLICIDADE. IRRELEVÂNCIA. COMPENSAÇÃO/RESTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

1. Preliminar de ausência de fundamentação válida do julgado afastada, uma vez que a r. sentença enfrentou devidamente a questão posta a julgamento, não estando o magistrado obrigado a examinar todas as inquirições suscitadas pelas partes, se já tiver encontrado fundamentação suficiente para o deslinde da causa.

2. Quanto ao mérito, o Supremo Tribunal Federal cristalizou entendimento, quando do julgamento do Tema 1140 da Repercussão Geral (RE 1.320.054), no sentido de que (...) as empresas públicas e as sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos essenciais, que não distribuam lucros a acionistas privados nem ofereçam risco ao equilíbrio concorrencial, são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, independentemente de cobrança de tarifa como contraprestação do serviço.

3. De acordo com o seu Estatuto Social, a apelante tem natureza jurídica de empresa pública municipal, exercendo, dentre outras atividades, a exploração do serviço de trânsito, operação e controle de tráfego; implantação, manutenção e operação de sistema de sinalização, dispositivos e equipamentos de controle viário; fiscalização de trânsito; gestão de transporte coletivo urbano e sua operação, direta ou indireta; estudo tarifário, técnico, econômico e financeiro; gestão de sistema de bilhetagem e venda de passagens e planejamento viário e da mobilidade urbana.

4. Não há dúvida, em vista disso, de que se trata de serviço público essencial de transporte e controle do trânsito, em regime de exclusividade, como longa manus do Estado, possuindo, inclusive, expressa previsão no Texto Maior (art. 144, § 10, I e II).

5. Nesse mesmo diapasão, infere-se inexistir qualquer risco ao equilíbrio concorrencial do setor em testilha.

6. Quanto à ausência de intuito lucrativo, i.e., de distribuição de lucros a acionistas privados, cumpre esclarecer que a sociedade de economia mista apelante tem mais de 99,969% de seu capital social pertencente à Prefeitura Municipal de Campinas – PMC, conforme alteração do quadro de sócios apresentada em réplica à contestação e análise do Balanço Geral da empresa estatal pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

7. Constam, ainda, como acionistas Companhia de Habitação Popular de Campinas (COHAB), Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A., Serviços Técnicos Gerais (SETEC) e Instituto Previdência do Município de Campinas (IPMC), havendo uma irrisória participação de pessoas físicas em seu quadro acionário que, à época, ocupavam cargos no Conselho de Administração da Companhia, haja vista expressa previsão legal nesse sentido (art. 146 da Lei 6.404/1976).

8. Por sua vez, o exercício de atividade de cunho econômico consistente na exploração de publicidade em infraestrutura de mobilidade urbana, assim como ocorre com a cobrança de tarifas dos usuários do serviço, não tem o condão de afastar o reconhecimento da imunidade tributária recíproca da entidade de transporte municipal apelante.

9. Não obstante, insta esclarecer que a imunidade tributária recíproca possui aplicação restrita aos impostos, não incidindo sobre as contribuições sociais, porquanto o art. 195 da Carta Magna consagrou o Princípio da Solidariedade Social, não eximindo do recolhimento do tributo nem sequer as Pessoas Jurídicas de Direito Público ou suas equiparadas.

10. O contribuinte faz jus à compensação administrativa após o trânsito em julgado da ação (art. 170-A do CTN), com atualização dos valores mediante aplicação da taxa Selic (art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995) e observância do disposto no art. 74 da Lei 9.430/1996 e demais dispositivos vigentes na data da propositura da ação. Deve ser observada a prescrição quinquenal.

11. Descabida, contudo, a restituição em espécie na via administrativa, conforme entendimento firmado no âmbito desta Terceira Turma.

12. Em razão de serem a autora e a ré parcialmente vencedoras e vencidas, deve ser reconhecida a sucumbência recíproca das partes, de modo que as despesas devem ser proporcionalmente distribuídas.

13. Preliminar rejeitada. Apelação parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, rejeitou a preliminar de ausência de fundamentação e deu parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CONSUELO YOSHIDA
DESEMBARGADORA FEDERAL