APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001904-16.2008.4.03.6124
RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, UNIÃO FEDERAL
ESPOLIO: JOSE DO AMARAL RIBEIRO
APELADO: CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, ESPÓLIO DE JOSE DO AMARAL RIBEIRO - CPF: 141.930.008-34, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
REPRESENTANTE: JOSE DO AMARAL RIBEIRO FILHO, MIRIAM REGINA SALIMON RIBEIRO, FERNANDO SALIMON RIBEIRO
Advogados do(a) APELADO: CARINA SANTANIELI - SP213374-A, MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A, RODOLFO QUEIROZ MACHADO - SP499982
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO ASSUNCAO DE LIMA - SP209868-A,
Advogados do(a) ESPOLIO: EDUARDO ASSUNCAO DE LIMA - SP209868-A,
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - RJ80696-A
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001904-16.2008.4.03.6124 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, UNIÃO FEDERAL ESPOLIO: JOSE DO AMARAL RIBEIRO Advogados do(a) APELADO: CARINA SANTANIELI - SP213374-A, MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A, RODOLFO QUEIROZ MACHADO - SP499982 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR): Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra JOSÉ DO AMARAL RIBEIRO, ARLETE MIRIAN SALIMON RIBEIRO, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS e o MUNICIPIO DE SANTA FÉ DO SUL, objetivando indenização in natura por danos causados ao meio ambiente em razão de alterações produzidas em área de preservação permanente – APP. Segundo afirmado na inicial, JOSÉ DO AMARAL RIBEIRO e ARLETE MIRIAN SALIMON RIBEIRO são proprietários de um terreno no qual edificada uma construção no loteamento “Dr. Vasco”, localizado no Município de Santa Fé do Sul, na margem do Rio Paraná, confrontando-se com o Reservatório da UHE Ilha Solteira, o qual se encontra em área de preservação permanente (APP). Afirma que laudo ambiental apontou que “a permanência das edificações e a utilização antrópica do local impede o restabelecimento da vegetação na APP ao redor do Reservatório, podendo trazer novos danos ambientais decorrentes do lançamento de efluentes (esgotos) e da utilização do lago da usina sem o competente licenciamento ambiental”. Entende caracterizada a responsabilidade objetiva de todos os indicados na petição inicial, pelo que postula: (i) que a União seja condenada pela omissão na fiscalização do contrato de concessão firmado com a concessionária, que apure eventuais responsabilidades dos gestores públicos, que recomponha os danos ambientais e que lhe seja arbitrada multa pecuniária; (ii) que o proprietário do imóvel seja obrigado a promover a completa recuperação da área de preservação permanente, mediante retirada de edificações, bem como coíba toda e qualquer atividade que possa causar lesão à área; (iii) que o IBAMA, a CESP e o Município sejam condenados à obrigação solidária de recuperar a APP, à remoção das edificações existentes e à adoção de práticas de adequação ambiental. Atribuiu à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em 29 de outubro de 2008 – fls. 16/43 do id 280995813. O juízo deferiu em parte a tutela antecipada (fls. 58/62 do id 280995813). A UNIÃO manifestou às fls. 66/80 (id 280995813) requerendo seu ingresso no polo ativo da demanda, na qualidade de assistente litisconsorcial. O pedido foi atendido pelo juízo às fls. 87 (id 280995813). O INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS requereu sua transposição para o polo ativo (fls. 93/95), sendo atendido pelo juízo às fls. 96 – id 280995813. Contestação de JOSÉ DO AMARAL RIBEIRO e ARLETE MIRIAN SALIMON RIBEIRO às fls. 119/143 do id 280995813. Contestação do MUNICIPIO DE SANTA FÉ DO SUL às fls. 183/212 do id 280995813. Contestação da CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO às fls. 223/239 do id 280995813. Réplica do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL às fls. 13/25; da UNIÃO às fls. 27/30 e do IBAMA às fls. 35/40, todos do id 280995817. Em razão da existência das ADIs 4901, 4902 e 1903, o juízo determinou a suspensão do feito pelo prazo de 180 dias (fls. 15 do id 280995819). A CESP requereu a sua sucessão processual pela RIO PARANÁ ENERGIA S.A – fls. 99/101 do id 280995819. A RIO PARANÁ ENERGIA S.A ofertou contestação – id 280995830. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifestou-se em réplica no id 280995883; o IBAMA no id 280995884; a CESP no id 280995892 e JOSÉ DO AMARAL RIBEIRO e ARLETE MIRIAN SALIMON RIBEIRO no id 280995921. Decisão saneadora proferida no id 280995940. Com o falecimento de JOSÉ DO AMARAL RIBEIRO, deu-se a habilitação de seu espólio – id 280995973. Laudo pericial no id 280996083. As partes se manifestaram sobre o laudo pericial. Por meio da sentença de id 280996098 o juízo, fundamentado no art. 487, I, do CPC, julgou improcedentes os pedidos formulados na ação. Deixou de condenar no pagamento de custas e honorários advocatícios à luz do art. 18 da Lei 7.347/85. Condenou a União no ressarcimento dos honorários periciais adiantados (Tema 510 STJ). Apela o MINISTERIO PUBLICO FEDERAL (id 280996100) buscando a reforma da sentença sob o fundamento de ser inaplicável o Novo Código Florestal e, por conseguinte, a nova delimitação da área de preservação permanente. Diz que “no presente caso a nova delimitação das APP’s não se aplica, haja vista estar-se diante de ações que já estavam em trâmite quando da entrada em vigor da nova lei de regência”, de forma que, ainda que o STF tenha reconhecido a constitucionalidade do art. 62 da Lei 12.651/2012, há de ser aplicável a lei vigente ao tempo do ajuizamento da ação, por força do princípio “tempus regit actum”, sob pena de se caracterizar retrocesso ambiental. Aduz que a Lei 4.771/65 e a Resolução CONAMA 302/2002 estipulava que as APPs ao largo de reservatórias estariam delimitadas em 100m (cem metros) e que a construção nessas áreas, embora possível, dependiam de autorização prévia e de comprovação de utilidade pública, interesse social e baixo impacto, inexistentes na espécie. Aponta relação de causalidade entre as condutas dos réus e os danos, pelo que postula a condenação de todos, nos termos da petição inicial. Apela o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS (id 280996101) arguindo, em preliminar, a nulidade do feito por cerceamento de defesa, uma vez que a perícia não respondeu aos quesitos que apresentou tempestivamente. Afirma que seus quesitos visavam esclarecer “se as intervenções constatadas dentro da faixa de APP definida no licenciamento seriam pré-existentes ou posteriores ao marco temporal (seja este 22/07/2008 ou a data de entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012), para que, somente então, se pudesse concluir pela regularidade de tais intervenções”. Argui a necessidade de reforma da decisão saneadora, com a correta interpretação do art. 62 da Lei 12.651/12, e pleiteia a reforma da sentença sob o entendimento de que a nova delimitação das APPs somente é aplicável aos casos de intervenção já consolidadas, isto é, existentes em 22.07.2008 ou em 28.05.2012. A UNIÃO, por sua vez, apela (id 280996102) para que seja afastada a sua condenação no ressarcimento de honorários periciais. Subsidiariamente, entende que deve ser procedido ao rateio da condenação entre todos os litisconsortes ativos. Contrarrazões do IBAMA no id 280996109; da CESP no id 280996110, da RIO PARANÁ ENERGIA S/A no id 280996118 e do MUNICÍPIO DE SANTA FÉ DO SUL no id 280996120. Processados os recursos, e por força da remessa oficial, subiram os autos a esta E. Corte. Como custos legis o Ministério Público Federal se manifestou no id 282526338. Recebi os autos no gabinete em 22 de fevereiro de 2024. É o relatório.
APELADO: CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, ESPÓLIO DE JOSE DO AMARAL RIBEIRO - CPF: 141.930.008-34, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
REPRESENTANTE: JOSE DO AMARAL RIBEIRO FILHO, MIRIAM REGINA SALIMON RIBEIRO, FERNANDO SALIMON RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO ASSUNCAO DE LIMA - SP209868-A,
Advogados do(a) ESPOLIO: EDUARDO ASSUNCAO DE LIMA - SP209868-A,
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001904-16.2008.4.03.6124 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, UNIÃO FEDERAL ESPOLIO: JOSE DO AMARAL RIBEIRO Advogados do(a) APELADO: CARINA SANTANIELI - SP213374-A, MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A, RODOLFO QUEIROZ MACHADO - SP499982 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR): Trata-se de remessa oficial e de apelações interpostas pelo MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS e pela UNIÃO, em face de sentença que julgou improcedente a ação civil pública ajuizada com o escopo de demolir edificações e promover a recuperação ambiental em área de preservação permanente situada próximo ao reservatório da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira. Preliminar de cerceamento de defesa. O IBAMA aduz ter havido cerceamento de defesa em razão da prova pericial não ter apresentado resposta aos quesitos que formulou. Sustenta a imprescindibilidade da manifestação do expert, uma vez que suas indagações visavam esclarecer se as intervenções constatadas na área de APP eram preexistentes ou posteriores ao marco temporal de 22.07.2008 – ou, subsidiariamente, à entrada em vigor da Lei 12.651/2012 – para que se pudesse concluir pela regularidade dessas intervenções nos termos do art. 62 do Novo Código Florestal. Verifica-se que a decisão saneadora (id 280995940) delimitou os pontos controvertidos da demanda e anotou que o advento da Lei nº 12.651/2012 alterou significativamente a delimitação das APPs. E neste aspecto, definiu que persistia “a controvérsia para avaliar se as benfeitorias e edificações mencionadas nestes autos estão, ou não, em APP”. Diante disso, o profissional indicado para a realização da perícia, informou em seu trabalho que “Considerando que a APP – Área de Proteção Permanente do imóvel fora fixada nesta decisão nos termos da Lei 12.651/2012, artigo 62 (distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum)”, não há intervenção humana que impeça a regeneração da vegetação nativa – id 280996083. Considerada a situação, alguns quesitos formulados pelo IBAMA restaram prejudicados, como, por exemplo, se havia reforma ou ampliação de área edificada ou se o imóvel se destinava a residência ou se servia como área de lazer. Por fugir ao escopo da perícia, ou por objetivar que o expert se valesse de forma de cálculo de faixa da área de preservação permanente diverso daquele estabelecido pelo juízo, não há que se falar ter havido cerceamento de defesa. Nesse sentido já foi decidido no âmbito desta E. Turma, em ações envolvendo as mesmas questões fática e jurídica: 0001694-62.2008.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal Carlos Delgado, DJEN 23.05.2024; 0000813-51.2009.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal Carlos Delgado, DJEN 21.05.2024. Portanto, entendendo o juízo que o laudo pericial elaborado pelo expert atendia às necessidades legais e de forma fundamentada esclarecia a questão sub judice, descabe o alegado cerceamento de defesa unicamente por não terem sido apreciados pontos e situações que margeavam a discussão central e que não influiriam para o desfecho do litígio. Preliminar de nulidade da decisão saneadora. Como segunda preliminar, o IBAMA alega que “a r. decisão saneadora, quando fixa o artigo 62 da Lei nº 12.651/12 como marco normativo para a instrução do feito, não representou julgamento sobre o mérito do processo, limitando-se a definir balizas para a fase instrutória (...), de modo que, não sendo decisão recorrível por agravo de instrumento, a matéria não foi coberta pela preclusão”. E, assim, postula a reforma da decisão saneadora na parte em que fixou como marco normativo para instrução do feito o artigo 62 do Novo Código Florestal. A questão ventilada confunde-se com o mérito e será analisada oportunamente, quando da manifestação a respeito da aplicabilidade – ou não – do art. 62 da Lei 12.651/2012 ao caso concreto. Das Áreas de Preservação Permanente situadas nas proximidades de reservatórios artificiais. Novos limites trazidos pela Lei 12.651/2012. O legislador constituinte erigiu o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e incumbiu o Poder Público de promover a sua defesa. Segundo este escopo, a Constituição Federal determinou que o Poder Público definisse, “em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção” (art. 225, § 1º, III, CF). Esses espaços territoriais a serem especialmente protegidos foram denominados de área de preservação permanente – APP. O Código Florestal instituído pela Lei nº 4.771/65, atualmente revogado, considerava como áreas de preservação permanente aquelas nele previstas, cobertas ou não por vegetação nativa, com as funções ambientais de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade e o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar da população humana. Dentre outras, a legislação atualmente revogada estipulava a especial preservação sobre as seguintes áreas (art. 2º): Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água, em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura: 2 - igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a 200 (duzentos) metros de distancia entre as margens; 3 - de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 (duzentos) metros. 1. de 30 (trinta) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura; 2. de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura; 3. de 100 (cem) metros para os cursos d’água que meçam entre 50 (cinqüenta) e 100 (cem) metros de largura; 4. de 150 (cento e cinqüenta) metros para os cursos d’água que possuam entre 100 (cem) e 200 (duzentos) metros de largura; igual à distância entre as margens para os cursos d’água com largura superior a 200 (duzentos) metros; b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, mesmo nos chamados "olhos d'água", seja qual for a sua situação topográfica; d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos taboleiros ou chapadas; h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, nos campos naturais ou artificiais, as florestas nativas e as vegetações campestres. a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; 2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; 3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; 4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; 5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; Dada a importância que o meio ambiente tem para a preservação das espécies, presentes e futuras, os limites das áreas de preservação permanentes foram alterados ao longo dos anos. O Código Florestal instituído pela Lei 4.771/65 teve sua redação original alterada pelas Leis 7.511/86 e 7.803/89, que definiram novos parâmetros para as áreas de preservação permanente, especialmente as situadas ao longo dos rios e cursos d’água. A evolução legislativa culminou com a edição do Código Florestal, instituído pela Lei nº 12.651/2012, o qual, em seu artigo 3º, inciso II, define a área de preservação permanente como a “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. No art. 4º, a lei caracterizou as seguintes áreas como sendo de especial proteção ambiental: Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas; III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º , equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive; VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; VII - os manguezais, em toda a sua extensão; VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º , as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação; X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação; XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado. Para o caso dos autos temos como incidente o inciso III supratranscrito, uma vez que a ação foi proposta como fim de se afastar supostos danos ambientais decorrentes de edificação de casas de veraneio próximas ao Reservatório da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira. Na vigência do antigo código, apesar da previsão da área ao redor dos reservatórios d’água artificiais como de preservação permanente, o legislador não delimitou a distância a ser observada. Coube então CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão integrante do Poder Executivo criado pela Lei nº 6.938/81, suprimir a omissão legislativa. Assim, por meio da Resolução de nº 04/1985, estabeleceu-se como reservas ecológicas as seguintes áreas ao redor de lagoas, lagos ou reservatórios artificiais: Art. 3º São Reservas Ecológicas: II - ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal cuja largura mínima será: - de 30 (trinta) metros para os que estejam situados em áreas urbanas; - de 100 (cem) metros para os que estejam em áreas rurais, exceto os corpos d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinqüenta) metros; - de 100 (cem) metros para as represas hidrelétricas. Diante dos questionamentos surgidos a respeito da legalidade da resolução, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 2.166-67/2001, que ao acrescentar o § 6º ao art. 4º do Código Florestal (Lei nº 4.771/65), instituiu que “Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA”. Referida Medida Provisória foi reeditada por diversas vezes e, por fim, acabou por ser integrada ao ordenamento jurídico com a Emenda Constitucional nº 32/2001, que em seu artigo 2º estabeleceu que “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”. Não existindo medida provisória posterior e tampouco deliberação definitiva do Congresso Nacional, o CONAMA, no esteio da autorização que lhe fora concedida, editou a Resolução nº 302/2002 e estabeleceu os seguintes critérios para cálculo da área de preservação permanente no entorno dos reservatórios artificiais de água: Art 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área com largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de: I - trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais; II - quinze metros, no mínimo, para os reservatórios artificiais de geração de energia elétrica com até dez hectares, sem prejuízo da compensação ambiental; III - quinze metros, no mínimo, para reservatórios artificiais não utilizados em abastecimento público ou geração de energia elétrica, com até vinte hectares de superfície e localizados em área rural. § 1º Os limites da Área de Preservação Permanente, previstos no inciso I, poderão ser ampliados ou reduzidos, observando-se o patamar mínimo de trinta metros, conforme estabelecido no licenciamento ambiental e no plano de recursos hídricos da bacia onde o reservatório se insere, se houver. § 2º Os limites da Área de Preservação Permanente, previstos no inciso II, somente poderão ser ampliados, conforme estabelecido no licenciamento ambiental, e, quando houver, de acordo com o plano de recursos hídricos da bacia onde o reservatório se insere. O novo Código Florestal, aprovado pela Lei nº 12.651/2012, passou a definir os parâmetros para a aferição da área de preservação permanente. No que toca às áreas ao entorno dos reservatórios artificiais, estabeleceu o art. 5º: Art. 5º Na implantação de reservatório d’água artificial destinado a geração de energia ou abastecimento público, é obrigatória a aquisição, desapropriação ou instituição de servidão administrativa pelo empreendedor das Áreas de Preservação Permanente criadas em seu entorno, conforme estabelecido no licenciamento ambiental, observando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de 15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em área urbana. A par das alterações referentes à distância, o Código Florestal buscou compatibilizar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado com a necessidade de resolução de conflitos de interesses envolvendo disputas por terras, inclusive permitindo a regularização de construções edilícias que já estavam consolidadas pelo tempo. Nesse sentido foi inserido nas disposições transitórias do Código Florestal, o Capítulo XIII, em cuja Seção II tratou-se especificamente das áreas consolidadas em áreas de preservação permanente. No art. 61-A da lei, por exemplo, autorizou-se a continuidade de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. Já o art. 61-B assegurou aos proprietários de imóveis rurais de até 10 módulos fiscais, que desenvolviam atividades agrossilvipastoris, percentuais mínimos para a recomposição ambiental, em limites que não inviabilizassem a continuidade das atividades. Por sua vez, o art. 62 trouxe o seguinte dispositivo: Art. 62. Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. Portanto, previu-se que os reservatórios artificiais de água, destinados à geração de energia elétrica ou abastecimento público, deveria ser respeitada as faixas mínimas e máximas, conforme se tratasse de área urbana ou rural, estabelecido no art. 5º. Para as situações já existentes e consolidadas, como é o caso versado nestes autos, não se previa mais uma distância fixa, mas sim a observância de características particulares do empreendimento, como a topografia (art. 62). Aduzida regra gerou controvérsias, sobretudo no que tange à rediscussão da validade do dimensionamento das Áreas de Preservação Permanente feitas segundo os parâmetros fixados na Resolução n. 302/2002, uma vez que se afirmava que a nova delimitação, em geral menor do que aquela prevista no ato administrativo, caracterizaria supressão de APP e poderia ocasionar impacto negativo ao ecossistema. Após inúmeras discussões, o Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado, declarou a constitucionalidade do art. 62 da Lei nº 12.651/2012 – ADC nº 42 e ADIs nºs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937. Confira-se a ementa do acórdão: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO. DEVER DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OUTROS VETORES CONSTITUCIONAIS DE IGUAL HIERARQUIA. ARTIGOS 1º, IV; 3º, II E III; 5º, CAPUT E XXII; 170, CAPUT E INCISOS II, V, VII E VIII, DA CRFB. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. JUSTIÇA INTERGERACIONAL. ALOCAÇÃO DE RECURSOS PARA ATENDER AS NECESSIDADES DA GERAÇÃO ATUAL. ESCOLHA POLÍTICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. EXAME DE RACIONALIDADE ESTREITA. RESPEITO AOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DECISÓRIA EMPREGADOS PELO FORMADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. 1. O meio ambiente é tutelado constitucionalmente pela regra matriz do artigo 225, caput, da Constituição, que dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 2. O meio ambiente assume função dúplice no microssistema jurídico, na medida em que se consubstancia simultaneamente em direito e em dever dos cidadãos, os quais paralelamente se posicionam, também de forma simultânea, como credores e como devedores da obrigação de proteção respectiva. 3. O homem é parte indissociável do meio ambiente, uma vez que, por intermédio das interações genéticas biologicamente evolutivas que se sucederam nos últimos milhares de anos, o meio ambiente produziu a espécie humana, cuja vida depende dos recursos nele contidos. Nesse ponto, nem os mais significativos avanços tecnológicos permitirão ao homem, em algum momento futuro, dissociar-se do meio ambiente, na medida em que a atividade humana inventiva e transformadora depende da matéria nele contida, sob todas as suas formas, para se concretizar. 4. A capacidade dos indivíduos de desestabilizar o equilíbrio do conjunto de recursos naturais que lhes fornece a própria existência tem gerado legítimas preocupações, que se intensificaram no último século. Afinal, recursos naturais têm sido extintos; danos irreversíveis ou extremamente agressivos à natureza tornaram-se mais frequentes; disfunções climáticas são uma realidade científica; diversas formas de poluição se alastram pelos grandes centros, entre outras evidências empíricas do que se cognomina crise ambiental. Nesse ínterim, o foco no crescimento econômico sem a devida preocupação ecológica consiste em ameaça presente e futura para o progresso sustentável das nações e até mesmo para a sobrevivência da espécie humana. O homem apenas progride como ser biológico e como coletividade quando se percebe como produto e não como proprietário do meio ambiente. 5. A Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, editada por ocasião da Conferência de Estocolmo, em 1972, consistiu na primeira norma a reconhecer o direito humano ao meio ambiente de qualidade . 6. Por sua vez, a Conferência Eco-92, no Rio de Janeiro, introduziu o princípio do desenvolvimento sustentável, consubstanciado na necessária composição entre o crescimento socioeconômico e o uso adequado e razoável dos recursos naturais. Essa nova perspectiva demandou aos Estados a construção de políticas públicas mais elaboradas, atentas à gestão eficiente das matérias primas, ao diagnóstico e ao controle das externalidades ambientais, bem como ao cálculo de níveis ótimos de poluição. Todos esses instrumentos atendem a perspectiva intergeracional, na medida em que o desenvolvimento sustentável estabelece uma ponte entre os impactos provocados pelas gerações presentes e o modo como os recursos naturais estarão disponíveis para as gerações futuras. 7. A recente Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Natural (Rio+20), em 2012, agregou ao debate a ideia de governança ambiental global . 8. Paralelamente a esses marcos, são incontáveis os documentos internacionais bilaterais e multilaterais que tem disciplinado questões específicas do meio ambiente. Exemplificadamente, cito a Convenção para Prevenção da Poluição Marinha por Fontes Terrestres (1974), a Convenção para Proteção dos Trabalhadores contra Problemas Ambientais (1977), a Convenção sobre Poluição Transfronteiriça (1979), o Protocolo sobre Áreas Protegidas e Fauna e Flora (1985), a Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em Contextos Transfronteiriços (1991), a Convenção da Biodiversidade (1992), o Protocolo de Quioto (1997), dentre outros. 9. Essa movimentação política de âmbito global tem despertado os Estados nacionais e a coletividade para a urgência e a importância da causa ambiental. Comparativamente, 150 constituições atualmente em vigor tratam da proteção ao meio ambiente em seus textos. No Brasil, não obstante constituições anteriores tenham disciplinado aspectos específicos relativos a alguns recursos naturais (água, minérios etc), a Carta de 1988 consistiu em marco que elevou a proteção integral e sistematizada do meio ambiente ao status de valor central da nação. Não à toa, a comunidade internacional a apelidou de Constituição Verde , considerando-a a mais avançada do mundo nesse tema. 10. O caráter transnacional e transfronteiriço das causas e dos efeitos da crise ambiental demanda dos Estados, dos organismos internacionais e das instituições não governamentais, progressivamente, uma atuação mais articulada para transformar a preservação da natureza em instrumento de combate à pobreza e às desigualdades. 11. Por outro lado, as políticas públicas ambientais devem conciliar-se com outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos etc . Dessa forma, não é adequado desqualificar determinada regra legal como contrária ao comando constitucional de defesa do meio ambiente (art. 225, caput , CRFB), ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de retrocesso ambiental, ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras gerais e objetivas. 12. Deveras, não se deve desprezar que a mesma Constituição protetora dos recursos ambientais do país também exorta o Estado brasileiro a garantir a livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170) e o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a erradicar a pobreza e a marginalização, a reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III; art. 170, VII), a proteger a propriedade (art. 5º, caput e XXII; art. 170, II), a buscar o pleno emprego (art. 170, VIII; art. 6º) e a defender o consumidor (art. 5º, XXXII; art. 170, V) etc . 13. O desenho institucional das políticas públicas ambientais suscita o duelo valorativo entre a tutela ambiental e a tutela do desenvolvimento, tendo como centro de gravidade o bem comum da pessoa humana no cenário de escassez. É dizer, o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente não são políticas intrinsecamente antagônicas. 14. A análise de compatibilidade entre natureza e obra humana é ínsita à ideia de desenvolvimento sustentável, expressão popularizada pelo relatório Brundtland, elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A mesma organização eficiente dos recursos disponíveis que conduz ao progresso econômico, por meio da aplicação do capital acumulado no modo mais produtivo possível, é também aquela capaz de garantir o racional manejo das riquezas ambientais em face do crescimento populacional. Por conseguinte, a proteção ao meio ambiente, no contexto de um desenvolvimento sustentável, não equivale a uma visão estática dos bens naturais, que pugna pela proibição de toda e qualquer mudança ou interferência em processos ecológicos ou correlatos. A história humana e natural é feita de mudanças e adaptações, não de condições estáticas ou de equilíbrio. 15. A preservação dos recursos naturais para as gerações futuras não pode significar a ausência completa de impacto do homem na natureza, consideradas as carências materiais da geração atual e também a necessidade de gerar desenvolvimento econômico suficiente para assegurar uma travessia confortável para os nossos descendentes. 16. Meio ambiente e Desenvolvimento Econômico enceram conflito aparente normativo entre diversas nuances, em especial a justiça intergeracional, demandando escolhas trágicas a serem realizadas pelas instâncias democráticas, e não pela convicção de juízes, por mais bem-intencionados que sejam. (REVESZ, Richard L.; STAVINS, Robert N. Environmental Law. In : Handbook of Law and Economics . A. Mitchell Polinsky; Steven Shavell (ed.). V. 1. Boston: Elsevier, 2007. p. 507) 17. A Jurisdição Constitucional encontra óbice nos limites da capacidade institucional dos seus juízes, notadamente no âmbito das políticas públicas, cabendo ao Judiciário a análise racional do escrutínio do legislador, consoante se colhe do julgado da Suprema Corte Americana FCC v. Beach Communications , Inc. 508 U.S. 307 (1993), em que se consignou que a escolha do legislador não está sujeita ao escrutínio empírico dos Tribunais e pode se basear em especulações racionais não embasadas em provas ou dados empíricos ( Legislative choice is not subject to courtroom factfinding and may be based on rational speculation unsupported by evidence or empirical data ). 18. A capacidade institucional, ausente em um cenário de incerteza, impõe auto-contenção do Judiciário, que não pode substituir as escolhas dos demais órgãos dos Estado por suas próprias escolhas (VERMEULE, Adrian. Laws Abnegation . Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 130, 134-135) 19. O Princípio da vedação do retrocesso não se sobrepõe ao princípio democrático no afã de transferir ao Judiciário funções inerentes aos Poderes Legislativo e Executivo, nem justifica afastar arranjos legais mais eficientes para o desenvolvimento sustentável do país como um todo. 20. A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal demonstra deferência judicial ao planejamento estruturado pelos demais Poderes no que tange às políticas públicas ambientais. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 586.224/SP (Rel. ministro Luiz Fux , julgamento em 05/03/2016), apreciou-se o conflito entre lei municipal proibitiva da técnica de queima da palha da cana-de-açúcar e a lei estadual definidora de uma superação progressiva e escalonada da referida técnica. Decidiu a Corte que a lei do ente menor, apesar de conferir aparentemente atendimento mais intenso e imediato ao interesse ecológico de proibir queimadas, deveria ceder ante a norma que estipulou um cronograma para adaptação do cultivo da cana-de-açúcar a métodos sem a utilização do fogo. Dentre os fundamentos utilizados, destacou-se a necessidade de acomodar, na formulação da política pública, outros interesses igualmente legítimos, como os efeitos sobre o mercado de trabalho e a impossibilidade do manejo de máquinas diante da existência de áreas cultiváveis acidentadas. Afastou-se, assim, a tese de que a norma mais favorável ao meio ambiente deve sempre prevalecer ( in dubio pro natura ), reconhecendo-se a possibilidade de o regulador distribuir os recursos escassos com vistas à satisfação de outros interesses legítimos, mesmo que não promova os interesses ambientais no máximo patamar possível. Idêntica lição deve ser transportada para o presente julgamento, a fim de que seja refutada a aplicação automática da tese de vedação ao retrocesso para anular opções validamente eleitas pelo legislador. 21. O Código Florestal ostenta legitimidade institucional e democrática, sendo certo que a audiência pública realizada nas presentes ações apurou que as discussões para a aprovação da Lei questionada se estenderam por mais de dez anos no Congresso Nacional. Destarte, no âmbito do Parlamento, mais de 70 (setenta) audiências públicas foram promovidas com o intuito de qualificar o debate social em torno das principais modificações relativas ao marco regulatório da proteção da flora e da vegetação nativa no Brasil. Consectariamente, além da discricionariedade epistêmica e hermenêutica garantida ao Legislativo pela Constituição, também militam pela autocontenção do Judiciário no caso em tela a transparência e a extensão do processo legislativo desenvolvido, que conferem legitimidade adicional ao produto da atividade do Congresso Nacional. 22. Apreciação pormenorizada das impugnações aos dispositivos do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012): (a) Art. 3º, inciso VIII, alínea b , e inciso IX (Alargamento das hipóteses que configuram interesse social e utilidade pública ): As hipóteses de intervenção em áreas de preservação permanente por utilidade pública e interesse social devem ser legítimas e razoáveis para compatibilizar a proteção ambiental com o atendimento a outros valores constitucionais, a saber: prestação de serviços públicos (art. 6º e 175 da CRFB); políticas agrícola (art. 187 da CRFB) e de desenvolvimento urbano (art. 182 da CRFB); proteção de pequenos produtores rurais, famílias de baixa renda e comunidades tradicionais; o incentivo ao esporte (art. 217 da CRFB), à cultura (art. 215 da CRFB) e à pesquisa científica (art. 218 da CRFB); e o saneamento básico (artigos 21, XX, e 23, IX, da CRFB). O regime de proteção das áreas de preservação permanente (APPs) apenas se justifica se as intervenções forem excepcionais, na hipótese de inexistência de alternativa técnica e/ou locacional. No entanto, o art. 3º, inciso IX, alínea g , limitou-se a mencionar a necessidade de comprovação de alternativa técnica e/ou locacional em caráter residual, sem exigir essa circunstância como regra geral para todas as hipóteses. Essa omissão acaba por autorizar interpretações equivocadas segundo as quais a intervenção em áreas de preservação permanente é regra, e não exceção. Ademais, não há justificativa razoável para se permitir intervenção em APPs para fins de gestão de resíduos e de realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, sob pena de subversão da prioridade constitucional concedida ao meio ambiente em relação aos demais bens jurídicos envolvidos nos dispositivos respectivos; Conclusão : (i) interpretação conforme à Constituição aos incisos VIII e IX do artigo 3º da Lei n. 12.651/2012, de modo a se condicionar a intervenção excepcional em APP, por interesse social ou utilidade pública, à inexistência de alternativa técnica e/ou locacional à atividade proposta, e (ii) declaração de inconstitucionalidade das expressões gestão de resíduos e instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais , do artigo 3º, VIII, b , da Lei n. 12.651/2012; (b) Art. 3º, XVII, e art. 4º, IV ( Exclusão das nascentes e dos olhos dágua intermitentes das áreas de preservação permanente): Interpretações diversas surgem da análise sistemática dos incisos I e IV do artigo 4º da Lei n. 12.651/2017. Embora o artigo 4º, inciso IV, apenas tenha protegido o entorno de nascentes e olhos dágua perenes , o art. 4º, inciso I, protege, como áreas de preservação permanente, as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente , excluídos os efêmeros (grifo nosso). In casu , a polissemia abrange duas interpretações: a primeira inclui as nascentes e os olhos dágua intermitentes como APPs; a segunda os exclui. Assim, cabe ao STF selecionar a interpretação que melhor maximize a eficácia das normas constitucionais. Considerando que o art. 225, §1º, da Constituição Federal, determina que incumbe ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas , a interpretação mais protetiva deve ser selecionada. O Projeto de Lei n. 350/2015 (Autoria do Dep. Fed. Sarney Filho), em trâmite perante a Câmara Federal, prevê alteração nesse sentido no novo Código Florestal. A proteção das nascentes e olhos dágua é essencial para a existência dos cursos dágua que deles se originam, especialmente quanto aos rios intermitentes, muito presentes em áreas de seca e de estiagem; Conclusão : interpretação conforme ao artigo 4º, inciso IV, da Lei n. 12.651/2017, com vistas a reconhecer que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram área de preservação permanente (APP); (c) Art. 3º, XIX (Alteração do conceito de leito regular): A legislação em vigor tão somente modificou o marco para a medição da área de preservação ambiental ao longo de rios e cursos dágua, passando a ser o leito regular respectivo, e não mais o seu nível mais alto. O legislador possui discricionariedade para modificar a metragem de áreas de preservação ambiental, na medida em que o art. 225, § 1º, III, da Constituição, expressamente permite que a lei altere ou suprima espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos ; Conclusão : declaração de constitucionalidade do art. 3º, XIX, do novo Código Florestal; (d) Art. 3º, parágrafo único (Extensão do tratamento dispensado à pequena propriedade ou posse rural familiar aos imóveis com até 4 módulos fiscais): O tamanho da propriedade em módulos fiscais é critério legítimo para a incidência das normas especiais sobre Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal previstas nos artigos 52 e seguintes do novo Código Florestal, quanto mais quando em concurso com outras formalidades, como a inscrição no cadastro ambiental rural (CAR) e o controle e a fiscalização dos órgãos ambientais competentes. Ademais, o módulo fiscal não consiste em unidade de medida baseada apenas no tamanho da propriedade imobiliária, uma vez que reúne uma série de outros critérios socioeconômicos que, uma vez conjugados, atendem às noções de razoabilidade e de equidade atinentes às especificidades da agricultura familiar. Por outro lado, a exigência de demarcação de terras indígenas e da titulação das áreas de povos e comunidades tradicionais, como pressuposto para a aplicação do aludido regime especial, viola o art. 231 da CF e o art. 68 da ADCT. A demarcação e a titulação de territórios têm caráter meramente declaratório e não constitutivo , pelo que o reconhecimento dos direitos respectivos, inclusive a aplicação de regimes ambientais diferenciados, não pode depender de formalidades que nem a própria Constituição determinou, sob pena de violação da isonomia e da razoabilidade; Conclusão : Declaração de inconstitucionalidade das expressões demarcadas e tituladas , do art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 12.651/2012; (e) Art. 4º, inciso III e §§ 1º e 4º (Áreas de preservação permanente no entorno de reservatórios artificiais que não decorram de barramento de cursos dágua naturais e de reservatórios naturais ou artificiais com superfície de até um hectare): As alegações dos requerentes sugerem a falsa ideia de que o novo Código Florestal teria extinto as APPs no entorno dos reservatórios dágua artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos dágua naturais. No entanto, esses espaços especialmente protegidos continuam a existir, tendo a lei delegado ao órgão que promover a licença ambiental do empreendimento a tarefa de definir a extensão da APP, consoante as especificidades do caso concreto. Essa opção legal evita os inconvenientes da solução one size fits all e permite a adequação da norma protetiva ao caso concreto. Por sua vez, a pretensão de constitucionalização da metragem de Área de Proteção Permanente estabelecida na lei revogada ofende o princípio democrático e a faculdade conferida ao legislador pelo art. 225, § 1º, III, da Constituição, segundo o qual compete à lei alterar, ou até mesmo suprimir, espaços territoriais especialmente protegidos. Pensamento diverso transferiria ao Judiciário o poder de formular políticas públicas no campo ambiental. Conclusão : Declaração de constitucionalidade do art. 4º, III e §§ 1º e 4º, do novo Código Florestal; (f) Art. 4º, § 5º (Uso agrícola de várzeas em pequenas propriedades ou posses rurais familiares): O dispositivo em referência admite o uso agrícola de várzeas na pequena propriedade ou posse rural familiar, assim entendida aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326/2006. Não cabe ao Judiciário criar requisitos extras para a permissão legal já estabelecida, limitando os sujeitos beneficiados a comunidades tradicionais ou até mesmo proibindo a utilização de agrotóxicos. A possibilidade excepcional do uso agrícola de várzeas é compatível com a otimização da produtividade sustentável em consonância com realidade dos pequenos produtores do país, sendo a definição de requisitos gerais e abstratos tarefa a ser exercida, por excelência, pelo Poder Legislativo; Conclusão : Declaração da constitucionalidade do art. 4º, §5º, do novo Código Florestal; (g) Art. 4º, incisos I, II, e §6º (Permissão do uso de APPs à margem de rios e no entorno de lagos e lagoas naturais para implantar atividades de aquicultura: O uso de áreas de preservação permanente à margem de rios (art. 4º, I) e no entorno de lagos e lagoas naturais (art. 4º, II) para atividades de aquicultura não encontra óbice constitucional. O legislador estabeleceu rígidos critérios para a admissão da referida atividade, a serem perquiridos em concreto pelo órgão ambiental competente. Havendo autorização legal restrita a pequenas e médias propriedades, proibição a novas supressões de vegetação nativa, necessidade de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigência de compatibilidade com os respectivos planos de bacia ou planos de gestão de recursos hídricos, bem como imposição de práticas sustentáveis de manejo de solo e água e de recursos hídricos, é de concluir-se pela plena legitimidade do regime jurídico criado pelo novo Código Florestal, à luz do preceito constitucional que consagra a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (art. 186, II, da CRFB); Conclusão : Declaração de constitucionalidade do art. 4º, § 6º, do novo Código Florestal; (h) Artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62 (Redução da largura mínima da APP no entorno de reservatórios dágua artificiais implantados para abastecimento público e geração de energia): O estabelecimento legal de metragem máxima para áreas de proteção permanente no entorno de reservatórios dágua artificiais constitui legítima opção de política pública ante a necessidade de compatibilizar a proteção ambiental com a produtividade das propriedades contíguas, em atenção a imperativos de desenvolvimento nacional e eventualmente da própria prestação do serviço público de abastecimento ou geração de energia (art. 175 da CF). Por sua vez, a definição de dimensões diferenciadas da APP em relação a reservatórios registrados ou contratados no período anterior à MP nº 2166-67/2001 se enquadra na liberdade do legislador para adaptar a necessidade de proteção ambiental às particularidades de cada situação, em atenção ao poder que lhe confere a Constituição para alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III). Trata-se da fixação de uma referência cronológica básica que serve de parâmetro para estabilizar expectativas quanto ao cumprimento das obrigações ambientais exigíveis em consonância com o tempo de implantação do empreendimento; Conclusão: Declaração de constitucionalidade dos artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62, do novo Código Florestal; (i) Artigos 7º, § 3º, e 17, caput e § 3º (Desnecessidade de reparação de danos ambientais anteriores a 22.08.2008 para a obtenção de novas autorizações para suprimir vegetação em APPs e para a continuidade de atividades econômicas em RLs): o legislador tem o dever de promover transições razoáveis e estabilizar situações jurídicas consolidadas pela ação do tempo ao edificar novos marcos legislativos, tendo em vista que a Constituição da República consagra como direito fundamental a segurança jurídica (art. 5º, caput). O novo Código Florestal levou em consideração a salvaguarda da segurança jurídica e do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) ao estabelecer uma espécie de marco zero na gestão ambiental do país, sendo, consectariamente, constitucional a fixação da data de 22 de julho de 2008 como marco para a incidência das regras de intervenção em Área de Preservação Permanente ou de Reserva Legal; Conclusão : Declaração de constitucionalidade do art. 7º, § 3º, e do art. 17, caput e § 3º, da Lei n. 12.651/2012 ( vencido o Relator ); (j) Art. 8º, § 2º (Possibilidade de intervenção em restingas e manguezais para a execução de obras habitacionais e de urbanização em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda): Ao possibilitar a intervenção em restingas e manguezais para a execução de obras habitacionais e de urbanização em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda, o legislador promoveu louvável compatibilização entre a proteção ambiental e os vetores constitucionais de erradicação da pobreza e da marginalização, e redução das desigualdades sociais (art. 3º, IV, da CRFB); de promoção do direito à moradia (art. 6º da CRFB); de promover a construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, IX, da CRFB); de combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (art. 23, X, da CRFB); e de estabelecer política de desenvolvimento urbano para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182 da CRFB). Ademais, os empreendimentos respectivos devem sempre vir acompanhados de estudos de impacto ambiental e medidas compensatórias, além das medidas de fiscalização administrativa, consoante a determinação constitucional. Ante a previsão legal desses requisitos estritos e plenamente razoáveis, considerados os interesses em jogo, exige-se do Judiciário uma postura de autocontenção, em homenagem à função constitucionalmente garantida ao Legislativo para resolver conflitos de valores na formulação de políticas públicas. Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 8º, § 2º, do novo Código Florestal; (k) Art. 11 (Possibilidade de manejo florestal sustentável para o exercício de atividades agrossilvipastoris em áreas de inclinação entre 25 e 45 graus): A admissão do manejo florestal sustentável e do exercício de atividades agrossilvipastoris em áreas de inclinação entre 25° e 45° se insere na margem de discricionariedade do legislador, máxime quando estabelecidos critérios para a autorização dessas práticas, exigindo dos órgãos ambientais a fiscalização da observância de boas práticas agronômicas, bem como vedando a conversão de novas áreas para as atividades mencionadas. Além disso, a legislação anterior já admitia atividades extrativas nessas áreas de inclinação, estabelecendo como restrição apenas a cláusula aberta da utilização racional. Nesse particular, as atividades agrossilvipastoris, em aperfeiçoamento das práticas agrícolas ortodoxas, são destinadas à otimização das vocações produtivas e ambientais na atividade agrícola; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 11 do novo Código Florestal; (l) Art. 12, §§ 4º e 5º (Possibilidade de redução da Reserva Legal para até 50% da área total do imóvel em face da existência, superior a determinada extensão do Município ou Estado, de unidades de conservação da natureza de domínio público e de terras indígenas homologadas): A redução excepcional e facultativa da área de Reserva Legal em face de existência de unidades de conservação da natureza de domínio público e terras indígenas homologadas acomoda o atendimento de diversos interesses igualmente salvaguardados pela Carta Magna, como a proteção do meio ambiente (art. 225), o reconhecimento dos direitos dos índios (art. 231), o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a redução das desigualdades regionais (art. 3º, III) e a preservação dos entes federativos menores (art. 18). O Judiciário não é órgão dotado de expertise ou legitimidade democrática para definir percentuais de espaços territoriais especialmente protegidos, à medida que o próprio art. 225, § 1º, III, da Constituição atribui essa definição ao Executivo e ao Legislativo. A redução da área de Reserva Legal ocorre em graduação deveras razoável: de 80% (oitenta por cento) para até 50% (cinquenta por cento). Quando o poder público estadual optar pela redução, deverá ouvir o Conselho Estadual de Meio Ambiente, órgão estadual responsável pela análise da viabilidade ecológica dessa iniciativa, e possuir Zoneamento Ecológico-Econômico aprovado. Relativamente aos Municípios, as normas impugnadas visam a possibilitar uma alternativa institucional de manutenção da viabilidade e autonomia da municipalidade que tenha sua área sensivelmente afetada por iniciativa dos Estados (mediante a criação de unidades de conservação estadual), ou da União (seja pela instituição de unidades federais de proteção ambiental, seja pela homologação de terras indígenas). Trata-se, a rigor, de uma cláusula legal que protege o ente municipal de indevida intervenção estadual para além das cláusulas taxativas do art. 35 do texto constitucional; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 12, §§ 4º e 5º, do novo Código Florestal; (m) Art. 12, §§ 6º, 7º e 8º (Dispensa de reserva legal para exploração de potencial de energia hidráulica e construção ou ampliação de rodovias e ferrovias): Na hipótese, a dispensa de reserva legal resulta de opção do legislador amparada pelos benefícios gerados quanto à satisfação dos objetivos constitucionais de prestação de serviços de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água (art. 21, XII, b, da CRFB), de exploração dos potenciais de energia hidráulica (art. 176 da CRFB), de atendimento do direito ao transporte (art. 6º da CRFB) e de integração das regiões do país (art. 43, § 1º, I). Ademais, o novo Código Florestal não afastou a exigência de licenciamento ambiental, com estudo prévio de impacto, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV, da Constituição); Conclusão : Declaração da constitucionalidade do artigo 12, §§ 6º, 7º e 8º, do novo Código Florestal; (n) Art. 68 (Dispensa de os proprietários que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais da legislação revogada se adaptarem às regras mais restritivas do novo Código Florestal): A aplicação da norma sob a regra tempus regit actum para fins de definição do percentual de área de Reserva Legal encarta regra de transição com vistas à preservação da segurança jurídica (art. 5º, caput , da Constituição). O benefício legal para possuidores e proprietários que preservaram a vegetação de seus imóveis em percentuais superiores ao exigido pela legislação anterior, consistente na possibilidade de constituir servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental e outros instrumentos congêneres, traduz formato de política pública inserido na esfera de discricionariedade do legislador; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 68 do Código Florestal; (o) Art. 13, § 1º (Possibilidade de redução da reserva legal para até 50% da área total do imóvel rural): A redução ou aumento da Reserva Legal pelo poder público federal, por indicação do Zoneamento Ecológico-Econômico estadual, para fins de regularização em imóveis com área rural consolidada na Amazônia Legal, valoriza as particularidades das áreas, com o intuito de fixar alternativas de uso e gestão que oportunizam as vantagens competitivas do território, contempladas variadas atividades de preservação e desenvolvimento em níveis nacional, regional e local; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 13, § 1º, do novo Código Florestal; (p) Art. 15 (Possibilidade de se computar as Áreas de Preservação Permanente para cômputo do percentual da Reserva Legal, em hipóteses legais específicas): As Áreas de Preservação Permanente são zonas específicas nas quais se exige a manutenção da vegetação, como restingas, manguezais e margens de cursos dágua. Por sua vez, a Reserva Legal é um percentual de vegetação nativa a ser mantido no imóvel, que pode chegar a 80% (oitenta por cento) deste, conforme localização definida pelo órgão estadual integrante do Sisnama à luz dos critérios previstos no art. 14 do novo Código Florestal, dentre eles a maior importância para a conservação da biodiversidade e a maior fragilidade ambiental. Em regra, consoante o caput do art. 12 do novo Código Florestal, a fixação da Reserva Legal é realizada sem prejuízo das áreas de preservação permanente. Entretanto, a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente a sua utilização produtiva. O cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB). Da mesma forma, impedir o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos; Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal; (q) Art. 28 (Proibição de conversão de vegetação nativa para uso alternativo do solo no imóvel rural que possuir área abandonada): A ausência de vedação específica à conversão para uso alternativo do solo em áreas subutilizadas ou mal utilizadas não ofende a Constituição, mercê de o legislador ter transferido ao órgão ambiental competente a tarefa de apreciar a forma de utilização do imóvel ao decidir sobre o requerimento de autorização para a referida conversão ; Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 28 do novo Código Florestal; (r) Arts. 44; 48, § 2º; e 66, §§ 5º e 6º (Cota de Reserva Ambiental CRA): A Cota de Reserva Ambiental (CRA) consiste em mecanismo de incentivos em busca da proteção ambiental, não se limitando às tradicionais e recorrentemente pouco efetivas regras de imposições e proibições ( command-and-control ), por meio da criação de ativos correspondentes à preservação dos recursos ecológicos, de modo que qualquer tipo de degradação da natureza passa também a ser uma agressão ao próprio patrimônio. As soluções de mercado ( market-based ) para questões ambientais são amplamente utilizadas no Direito Comparado e com sucesso, a exemplo do sistema de permissões negociáveis de emissão de carbono ( European Union Permission Trading System ETS ). Um grande caso de sucesso é o comércio internacional de emissões de carbono, estruturado em cumprimento aos limites de emissões fixados pelo Protocolo de Kyoto. A União Europeia, por exemplo, estabeleceu em 2005 um sistema de permissões negociáveis de emissão de carbono, especificando os limites que cada poluidor deve atender, os quais são reduzidos periodicamente ( European Union Permission Trading System ETS ). Ao final de cada ano, as companhias devem possuir permissões suficientes para atender às toneladas de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa emitidos, sob pena de pesadas multas. Dessa forma, a possibilidade de negociação ( cap-and-trade ) incentiva a redução de emissões como um todo e, ao mesmo tempo, possibilita que os cortes sejam feitos em setores nos quais isso ocorra com o menor custo. Nesse sentido, além de atender aos ditames do art. 225 da Constituição, no que se refere à proteção do meio ambiente, esse instrumento introduzido pelo novo Código Florestal também satisfaz o princípio da eficiência, plasmado no art. 37, caput , da Carta Magna. Por fim, a necessidade de compensação entre áreas pertencentes ao mesmo bioma, bem como a possibilidade de compensação da Reserva Legal mediante arrendamento da área sob regime de servidão ambiental ou Reserva Legal, ou, ainda, por doação de área no interior de unidade de conservação, são preceitos legais compatíveis com a Carta Magna, decorrendo de escolha razoável do legislador em consonância com o art. 5º, caput e XXIV, da Constituição; Conclusão : Declaração de constitucionalidade dos artigos 44, e 66, §§ 5º e 6º, do novo Código Florestal; Interpretação conforme a Constituição ao art. 48, §2º, para permitir compensação apenas entre áreas com identidade ideológica ( vencido o relator ); (s) Arts. 59 e 60 (Programas de Regularização Ambiental - PRAs): Os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) promovem transição razoável entre sistemas legislativos, revelando técnica de estabilização e de regularização das situações jurídicas já utilizada em outras searas do Direito brasileiro que igualmente envolvem a proteção de bens jurídicos igualmente indisponíveis. Eventual mora dos entes federados na regulamentação dos PRAs deverá ser combatida pelas vias próprias, não fulminando de inconstitucionalidade a previsão do novo Código Florestal. Necessidade de resguardar a interrupção da prescrição punitiva durante a execução do PRA, mediante interpretação conforme dos dispositivos questionados. Conclusão: Interpretação conforme do artigo 59, §§4º e 5º, de modo a afastar, no decurso da atuação de compromissos subscritos nos Programas de Regularização Ambiental, o risco de decadência ou prescrição, seja dos ilícitos ambientais praticados antes de 22.07.2008, seja das sanções dele decorrentes, aplicando-se extensivamente o disposto no §1º do art. 60 da Lei 12.651/2012 ( vencido o relator ); Declaração de constitucionalidade do artigo 60 da Lei n. 12.651/2012 ( vencido o relator ); (t) Art. 66, § 3º (Possibilidade de plantio intercalado de espécies nativas e exóticas para recomposição de área de Reserva Legal): Não existem elementos empíricos que permitam ao Judiciário afirmar, com grau de certeza, que a introdução de espécies exóticas compromete a integridade dos atributos de áreas de Reserva Legal. Tampouco há provas científicas de que utilização de espécies exóticas para o reflorestamento de biomas sempre prejudica as espécies nativas ou causa desequilíbrio no habitat. A autorização legal para a recomposição de áreas de Reserva Legal com plantio intercalado de espécies pode ser justificada em diversas razões de primeira e de segunda ordem: pode ser que o conhecimento da composição original da floresta nativa seja de difícil apuração; a espécie exótica pode apresentar crescimento mais rápido, acelerando a recuperação da floresta; a literatura científica pode conferir mais certeza sobre as características da espécie exótica, como a sua interação com outras espécies ou resposta a pragas, em contraposição ao possível desconhecimento do comportamento da espécie nativa etc . Todos esses elementos devem ser considerados pelo órgão competente do Sisnama ao estabelecer os critérios para a recomposição da Reserva Legal, consoante o cronograma estabelecido pelo art. 66, § 2º, do novo Código Florestal. É defeso ao Judiciário, sob pena de nociva incursão em tarefa regulatória especializada, impor ao Administrador espécies de plantas a serem aplicadas em atividades de reflorestamento. Conclusão : Declaração de constitucionalidade do artigo 66, § 3º, do Código Florestal; (u) Arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 (Regime das áreas rurais consolidadas até 22.07.2008): O Poder Legislativo dispõe de legitimidade constitucional para a criação legal de regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica (art. 5º, caput , da CRFB) e de política legislativa (artigos 21, XVII, e 48, VIII, da CRFB). Os artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 da Lei n. 12.651/2012 estabelecem critérios para a recomposição das Áreas de Preservação Permanente, de acordo com o tamanho do imóvel. O tamanho do imóvel é critério legítimo para definição da extensão da recomposição das Áreas de Preservação Permanente, mercê da legitimidade do legislador para estabelecer os elementos norteadores da política pública de proteção ambiental, especialmente à luz da necessidade de assegurar minimamente o conteúdo econômico da propriedade, em obediência aos artigos 5º, XXII, e 170, II, da Carta Magna, por meio da adaptação da área a ser recomposta conforme o tamanho do imóvel rural. Além disso, a própria lei prevê mecanismos para que os órgãos ambientais competentes realizem a adequação dos critérios de recomposição para a realidade de cada nicho ecológico; Conclusão : Declaração de constitucionalidade dos artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 do Código Florestal; (v) Art. 78-A (Condicionamento legal da inscrição no Cadastro Ambiental Rural CAR para a concessão de crédito agrícola): O condicionamento legal da inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para a concessão de crédito agrícola é um incentivo para que proprietários e possuidores de imóveis rurais forneçam informações ambientais de suas propriedades, a fim de compor base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento. Não há norma constitucional que proíba a concessão de crédito para agricultores sem inscrição em cadastro de cunho ambiental, enquadrando-se a implementação do aludido condicionamento em zona de discricionariedade legislativa; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 78-A do Código Florestal. 23. Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4901, 4902, 4903 e 4937 e Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42 julgadas parcialmente procedentes. (STF, ADC 42/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.02.2018, DJe 13.08.2019) – destaque inexistente no original. Com o julgamento definitivo pelo STF, tornou-se incontroversa a constitucionalidade do art. 62 da Lei 12.651/2012. Nesse sentido, como não poderia deixar de ser, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NOS JULGAMENTOS DAS ADC 42, ADI 4.901, ADI 4.902, ADI 4.903 e ADI 4.937. ATO IMPUGNADO QUE AFASTOU A EFICÁCIA DO ARTIGO 4º, I, E DO ARTIGO 61-A DA LEI 12.651/2012 AO FUNDAMENTO DE QUE EM MATÉRIA AMBIENTAL DEVE PREVALECER O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. INEXISTÊNCIA DE QUESTÃO LEGAL OU INFRACONSTITUCIONAL DE CONFLITO DE LEIS NO TEMPO. RECUSA FORMAL DE APLICAÇÃO DE NORMA RECONHECIDAMENTE CONSTITUCIONAL PELA SUPREMA CORTE. AFRONTA CONFIGURADA. AGRAVO QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O ato impugnado desrespeitou o decidido no controle concentrado de constitucionalidade pela CORTE, ao afastar a incidência da Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal), sob o fundamento de que em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental (doc. 23). 2. Esta eficácia retroativa da Lei 12.651/2012, que permitiu, por força geral dos arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67, o reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais a partir de suas novas disposições, e não a partir da legislação vigente na data dos ilícitos ambientais, é justamente um dos pontos declarados constitucionais no julgamentos das ADIs e da ADC indicadas como paradigma contrariado. 3. A fixação pela lei de um fato passado como objeto da norma com eficácia futura, como no caso dos arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 do Código Florestal, apesar da especialidade e importância da temática ambiental, foi reconhecida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não se justifica seu afastamento, ainda que sob as vestes de questão de direito intertemporal de natureza infraconstitucional. 4. Recurso de Agravo a que se nega provimento." (Rcl 42889 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 29-03-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 08-04-2021 PUBLIC 09-04-2021) O mesmo entendimento foi firmado em julgamentos pretéritos realizados no âmbito desta E. Corte, consoante arestos abaixo colacionados: PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVATÓRIO ARTIFICIAL DE ÁGUA DESTINADO À GERAÇÃO DE ENERGIA. CONCESSÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA MP 2.166-67/2001. OBSERVÂNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 62 DA LEI 12.651/2012 (CÓDIGO FLORESTAL ATUAL). NECESSIDADE. PRECEDENTE FIRMADO PELO STF NO JULGAMENTO DA ADC 42/DF E DAS ADIs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF. INEXISTÊNCIA DE INTERVENÇÃO ANTRÓPICA NA FAIXA DA APP. LAUDO TÉCNICO. INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. HONORÁRIOS PERICIAIS. REEMBOLSO PELA UNIÃO FEDERAL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES DO MPF, DA UNIÃO FEDERAL E DO IBAMA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1 - Ao se examinar detidamente o laudo pericial, verifica-se que ele foi confeccionado com base no critério de cálculo da faixa da APP estabelecido no artigo 62 do Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) (ID 270334006), em estrito cumprimento aos termos da decisão saneadora prolatada pelo Juízo 'a quo' (ID 270333925). 2 - Alguns quesitos efetuados pelo IBAMA (ID 270333928), no entanto, ignoraram essa premissa, buscando obter o pronunciamento do vistor oficial sobre assuntos que não guardam relação com o objetivo da perícia. Em outros, insistiu-se na utilização de forma de cálculo da faixa da APP que foi expressa e fundamentadamente afastada pela decisão do Juízo 'a quo'. 3 - Diante da impertinência de tais questionamentos em relação ao propósito do laudo pericial - que não é o de desenvolver discussões jurídicas -, não há violação ao direito de defesa a ser pronunciada nesta fase processual. Precedente. 4 - Não se pode olvidar que o destinatário da prova é o juiz, que, por sua vez, sentiu-se suficientemente esclarecido sobre o tema. Não é direito subjetivo da parte, a pretexto de supostos esclarecimentos, a formulação de indagações outras, tão só porque a conclusão pericial lhe foi desfavorável. 5 - No mais, a impugnação da decisão saneadora e, consequentemente, a arguição de nulidade do laudo pericial, tão somente por ter determinado a observância do critério previsto no artigo 62 do Novo Código Florestal, confunde-se com o mérito. 6 - A controvérsia diz respeito à responsabilização por danos ambientais em Área de Preservação Permanente. 7 - O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 reconheceu, como direito fundamental, a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois este constitui condição imprescindível para uma existência digna, já que viabiliza a fruição de uma vida mais saudável, mediante a proteção dos espaços, bem como dos recursos naturais e biológicos necessários à perpetuação da convivência humana. Dada a relevância dos bens ambientais para as presentes e as futuras gerações, foram incumbidos de sua proteção e preservação não só o Poder Público, mas também toda a coletividade. 8 - A fim de atingir esse propósito, entre outras providências, conferiu-se ao Estado a possibilidade de delimitar espaços territoriais que devam ser especialmente protegidos, de modo a impedir que sua utilização indevida comprometa a integridade do ecossistema, nos termos do artigo 225, §1º, III, da Carta Magna. Não é outra a razão pela qual o legislador regulamentou a criação e o regime jurídico das chamadas Áreas de Preservação Permanente - APPs. Esses espaços encontram-se atualmente disciplinados pelo Novo Código Florestal - NCF (Lei n. 12.651 de 25/06/2012). 9 - Os territórios nos arredores dos reservatórios artificiais de água foram reconhecidos como áreas de preservação permanente em razão da norma prevista no artigo 2, alínea 'b' , do antigo Código Florestal (Lei n. 4.771/65). 10 - O preceito normativo supramencionado, conquanto tenha assegurado especial proteção estatal em torno desses empreendimentos, não estipulou qualquer critério para delimitação da abrangência da APP. 11 - A fim de suprir a referida omissão e no exercício de sua competência para formular diretrizes para a implementação da Política Nacional de Meio Ambiente, o CONAMA editou a Resolução n. 04/1985, que estabelecia inicialmente o critério para definição da abrangência desses territórios. 12 - Entretanto, questionava-se a validade da referida Resolução, sobretudo, considerando que a Lei n. 4.771/65 não delegava ao Poder Executivo o poder de regulamentar a forma de cálculo da faixa da APP. 13 - Justamente para encerrar a discussão em torno desse tema, preenchendo a alegada lacuna legislativa, foi editada a Medida Provisória n. 2.166-67, que incluiu o parágrafo 6º no artigo 4º do antigo Código Florestal (Lei n. 4.771/65). A referida Medida Provisória foi sendo reeditada inúmeras vezes até sua perenidade ser assegurada na ordem jurídica pela promulgação da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, a qual estabeleceu em seu artigo 2º que "as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional". 14 - Com esteio nesta delegação legislativa, o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA confeccionou a Resolução n. 302, em 20 de março de 2002, regulamentando o artigo 2º, alínea 'b', da Lei n. 4.771/65, a fim de estabelecer novo critério de cálculo da faixa da APP no entorno de reservatórios artificiais de água. 15 - Com a entrada em vigor do Novo Código Florestal - NCF (Lei n. 12.651/2012), buscou-se compatibilizar a tutela do direito fundamental a um ambiente ecologicamente equilibrado com a necessidade de resolução dos conflitos de interesses que permeiam a disputa pela terra no país, inclusive mediante a positivação de medidas que visavam possibilitar eventual regularização fundiária de edificações que, embora construídas indevidamente, em regiões que gozavam de especial tutela estatal, já possuíam seu uso consolidado pelo decurso do tempo. 16 - É com esse espírito que veio a lume o artigo 62 do NCF, que inovou ao estabelecer critério objetivo de delimitação da Área de Preservação Permanente no entorno dos reservatórios artificiais de águas destinados à geração de energia ou ao abastecimento público, cujos contratos de concessão ou autorização foram assinados antes da vigência da Medida Provisória n. 2.166-67. 17 - Substitui-se, portanto, a prévia determinação legal de limites rígidos para a faixa da APP, em prol de um critério técnico variável de acordo com as características particulares do empreendimento. 18 - A aplicação da referida regra de transição foi objeto de intensa controvérsia jurisprudencial, sobretudo no que tange à rediscussão da validade do dimensionamento das Áreas de Preservação Permanente feitas segundo os parâmetros fixados na Resolução n. 302/2002. Neste sentido, impugnava-se a supressão dos limites mínimos para delimitação da APP, tendo em vista o impacto que isso poderia representar para o equilíbrio dos ecossistemas. 19 - Diante desse contexto, o C. Superior Tribunal de Justiça manteve sua orientação de prestigiar a observância dos princípios tempus regit actum e da vedação ao retrocesso ambiental ao analisar recursos que objetivavam o redimensionamento das faixas de APP segundo a Lei n. 12.651/2012. Precedente. 20 - Entretanto, ao julgar a ADC n. 42 e as ADIs n. 4901, 4902, 4903 e 4937, a Suprema Corte concluiu pela constitucionalidade da regra de transição prevista no artigo 62 do Novo Código Florestal. 21 - Reconhecida a constitucionalidade do referido preceito legal, em sede de controle concentrado, inviável desconsiderar sua incidência no caso concreto sob a justificativa de observância dos princípios tempus regit actum e da vedação ao retrocesso ambiental. Precedentes. 22 - Este Egrégio Tribunal, por sua vez, também começou a realinhar sua jurisprudência para reconhecer a incidência imediata do artigo 62 do Novo Código Florestal nos processos em curso. Neste sentido, é paradigmático o precedente firmado pela 2ª Seção na Ação Rescisória n. 5020192-48.2017.4.03.0000, sob a relatoria do Des. Fed. Antonio Carlos Cedenho. Precedentes. 23 - Segundo os autores, o suposto dano ambiental seria causado por intervenções antrópicas ocorridas no loteamento "Jacema II", pertencente aos corréus LEOVALDE SANGALETO, MÁRIO LOURENÇO, ACÁCIO DIAS LOPES, MARIA IZABEL LOURENÇO SANGALETO, ARMINDA MARTINS LOPES e ADELAIDE DA SILVA, dentro da Área de Preservação Permanente no entorno da UHE de Ilha Solteira. 24 - O referido empreendimento teve sua concessão deferida à CESP por meio do Decreto n. 67.066, de 17/08/1970, consoante informações constantes no Parecer do IBAMA acostado aos autos (ID 270333905). Posteriormente, o Ministério de Minas e Energia editou a Portaria n. 289, de 11 de novembro de 2004, prorrogando a concessão por 20 (vinte) anos, com efeitos retroativos a 08/07/1995. 25 - É incontroverso, portanto, que a concessão da UHE de Ilha Solteira ocorreu antes de 24 de agosto de 2001, razão pela qual a faixa da APP no seu entorno deve ser calculada nos termos do artigo 62 do Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), conforme estabelecido na decisão saneadora. 26 - Neste sentido, foi realizada perícia judicial no período de 28/01/2022 a 17/02/2022, com o auxílio de equipamentos topográficos, geodésicos e aerofotogramétricos, por Engenheiro e Professor Doutor da UNESP (ID 270334006), na qual se consignou que "o reservatório da UHE de Ilha Solteira apresenta como níveis de armazenamento (acima do nível do mar) as cotas, NMO - Nível Máximo Operativo Normal igual a 328,00 metros e CMM - Cota Máxima Maximorum igual a 329,00 metros. A cota de desapropriação apresenta valores entre 330,00 metros e 335,00 metros. A APP do reservatório da UHE de Ilha Solteira, considerando o Art. 62 do Código Florestal em vigor (Lei 12.651/2012) apresenta, sua área definida entre esses dois níveis NMO e a CMM, ou seja, na faixa entre 328,00 metros e 329,00 metros, portanto, dentro da faixa de desapropriação". 27 - Feitas as devidas averiguações e estabelecida a delimitação da APP, o experto do Juízo concluiu que "não foram encontradas intervenções humanas que impeçam a regeneração natural no local". 28 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 479 do CPC e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010. 29 - Por conseguinte, à míngua da demonstração de intervenção antrópica dentro da faixa da APP que obste a regeneração natural da vegetação, inviável reconhecer a responsabilidade dos réus pela reparação de dano ambiental no caso vertente, devendo ser mantida a sentença de 1º grau neste aspecto. Precedentes. 30 - No que tange aos honorários periciais, igualmente não merece reparos o r. decisum, já que os valores que foram antecipados a este título devem ser reembolsados pela União Federal, por aplicação analógica da Súmula 232 do C. STJ: "A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito ". Precedentes. 31 - Remessa necessária e apelações interpostas pelo MPF, pela União Federal e pelo IBAMA desprovidas. Sentença mantida. Ação julgada improcedente. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0001694-62.2008.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 20/05/2024, DJEN DATA: 23/05/2024) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. INCIDÊNCIA DE DISPOSIÇÕES DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA APP A TEOR DO ARTIGO 62 DA LEI Nº 12.651/2012 MANTIDA. APP EM ÁREA CONSOLIDADA. INEXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL. HONORÁRIOS PERICIAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CONFIRMADA. PRELIMINAR AFASTADA. REEXAME NECESSÁRIO E RECURSOS DAS PARTES DESPROVIDOS. 1. Pretensão em apurar responsabilidades decorrentes de ocupação indevida em área de proteção permanente no entorno da UHE (usina hidrelétrica de Ilha Solteira). 2. Ajuizamento à luz do Código Florestal pretérito, Lei nº 4.771/65, e Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA nº 4/1985 e 302/2002, os quais definiram e delimitaram as áreas de preservação permanente, em reservatórios artificiais e uso do entorno, correspondente a 100 (cem) metros desde o nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal. 3. Superveniência do Novo Código Florestal, Lei nº 12.651/2012, com vigência retroativa, efeito vinculante e cogente, como reconhecido no julgamento da Reclamação nº 38.764 pelo C.STF. 4. Reconhecimento de constitucionalidade do 62 do novo Código Florestal (ADC nº 42 e Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4901, 4902, 4903 e 4937 do C. STF). 5. Perícia técnica e apreciação de quesitos delimitada nos termos do disposto no artigo 62 do Lei nº 12.651/2012, para verificação da existência de intervenção humana que impedisse a regeneração da vegetação nativa. Ausência de cerceamento de direito de defesa. 6. Construção da usina hidrelétrica de Ilha Solteira ocorrida em 1970. Exploração concedida à CESP e sucedida à Rio Paraná S.A. Concessão que antecedeu a edição da Medida Provisória nº 2.166-67/2001, referida no artigo 62 da Lei nº 12.651/2012, razão pela qual a faixa da área de preservação permanente para o reservatório consiste na distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. 7. A prova pericial concluiu pela inexistência de intervenção antrópica na APP delimitada, à luz do art. 62 da Lei nº 12.651/11. 8. Pretensão de extensão do marco temporal, 22/07/2008, correspondente à entrada em vigor do Decreto nº 6.514, às hipóteses específicas elencadas no art. 62 do Código Florestal relativas aos reservatórios de água artificial para geração de energia elétrica. Impossibilidade. Opção legítima de política pública. 9. Mantida a condenação da UNIÃO FEDERAL ao ressarcimento dos honorários periciais adiantados pelos corréus, nos termos da tese fixada pelo C. STJ, no Tema 510. Ademais, a Primeira Seção do STJ, sob o rito dos recursos dos recursos repetitivos, firmou a tese no sentido de que os valores dos honorários periciais devem ser suportados pela Fazenda Pública à qual se ache vinculada a parte autora da ação civil pública, em aplicação analógica da Súmula 232/STJ. 10. Matéria preliminar rejeitada. Recursos de apelação interpostos por União Federal, IBAMA, Ministério Público Federal e remessa oficial desprovidos. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0001592-40.2008.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal SAMUEL DE CASTRO BARBOSA MELO, julgado em 10/05/2024, DJEN DATA: 24/05/2024) No caso concreto, o alegado dano ambiental seria decorrente de edificação em propriedade pertencente a JOSÉ DO AMARAL RIBEIRO e ARLETE MIRIAN SALIMON RIBEIRO, situada no Loteamento “Dr. Vasco”, localizado no município de Santa Fé do Sul, na margem do Rio Paraná, em área que confronta com o Reservatório da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira e se encontraria em área de preservação permanente – APP. Em agosto de 1970, por meio do Decreto nº 67.066, outorgou-se à CESP concessão para o aproveitamento progressivo da energia hidráulica no Rio Paraná, no trecho na divisa dos Estados de São Paulo e Mato Grosso, compreendido entre a Ponte Francisco Sá, da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e a confluência dos seus formadores principais, rios Paranaíba e Grande. Anos depois, o Ministério das Minas e Energia editou a Portaria nº 289/2004 e prorrogou pelo prazo de 20 (vinte) anos, contados a partir de 08.07.1995, as concessões para a exploração das Usinas Hidrelétricas (UHE) de Ilha Solteira e de Jupiá. Tem-se, por conseguinte, como incontestável que a concessão da UHE de Ilha Solteira ocorreu antes da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, razão pela qual incide, como já mencionado, o estatuído no art. 62 do Código Florestal. Desse modo, apresenta-se escorreita a decisão saneadora que indicou os parâmetros legais para o trabalho pericial. Ao realizar a vistoria do local, o experiente expert consignou em análise preliminar que “O reservatório da UHE de Ilha Solteira apresenta como níveis de armazenamento (acima do nível do mar) as cotas, NMO - Nível Máximo Operativo Normal igual a 328,00 metros e CMM – Cota Máxima Maximorum igual a 329,00 metros. A cota de desapropriação apresenta valores entre 330,00 metros e 335,00 metros. A APP do reservatório da UHE de Ilha Solteira, considerando o Art. 62 do Código Florestal em vigor (Lei 12.651/2012) apresenta, sua área definida entre esses dois níveis NMO e a CMM, ou seja, na faixa entre 328,00 metros e 329,00 metros, portanto, dentro da faixa de desapropriação”. E após minuciosa análise, que se valeu da utilização de equipamentos topográficos, geodésicos e aerofotogramétricos, concluiu que “Após a implantação dos pontos delimitadores da APP, realizou-se vistoria nos limites e não foram encontradas intervenções humanas que impeçam a regeneração natural no local do auto da infração, conforme demonstrado no Anexo 4” – id 280725999. Assim, tendo em conta o novo regramento do Código Florestal, forçoso reconhecer que não há intervenção humana no local que impeça a regeneração natural da vegetação, sendo descabida a atribuição de obrigação de fazer a qualquer um dos réus. Dos honorários periciais. A UNIÃO interpôs apelação com o objetivo de ser afastada a sua condenação no ressarcimento dos honorários periciais, sob a alegação de que não agiu com má-fé. Em caráter subsidiário, defende que a despesa deveria ser objeto de rateio entre todos aqueles que figuraram como litisconsortes no polo ativo. O Superior Tribunal de Justiça decidiu, sob a sistemática dos recursos repetitivos, que a isenção prevista no art. 18 da Lei nº 7.347/85 não pode obrigar que o perito exerça o seu ofício gratuitamente, de modo que compete à Fazenda Pública ao qual o Ministério Público estiver vinculado o pagamento de tal verba. Neste sentido o Tema 510 do STJ: Tese 510: Não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a referida isenção conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de financiar ações contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior ('A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito'), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas. Portanto, cabível a condenação ao reembolso dos honorários periciais. Todavia, merece guarida o pleito subsidiário, haja vista que além do Ministério Público Federal, o IBAMA optou por atuar no polo ativo. Com efeito, em que pese ter sido indicado como réu na demanda, o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS pleiteou ao juízo (fls. 93/95 do id 280995813) a sua transposição para o polo ativo. O pedido foi atendido pelo juízo, nos termos do despacho de fls. 96 (id 280725876). Dessa forma, o polo ativo da presente ação contou com três autores: o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a UNIÃO e o IBAMA. Tratando-se de três autores sucumbentes, a solução mais adequada seria a de que cada parte custeasse 1/3 (um terço) dos honorários do perito. Considerando que o Ministério Público Federal é isento do pagamento, consoante Tema 510 e súmula 232, ambos do STJ, a solução que se apresenta para situação é a de que a UNIÃO deve se responsabilizar pelo ressarcimento de 2/3 (dois terços), equivalentes à parte própria e à do MPF, e o IBAMA com o terço faltante. Por se tratar de autarquia criada pela Lei nº 7.735/89, o IBAMA goza de autonomia administrativa e financeira, o que lhe confere aptidão e capacidade para arcar com o ônus processual ora imposto. Dispositivo. Ante o exposto, REJEITO as preliminares e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação do IBAMA e do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, e DOU PARCIAL PROVIMENTO à remessa oficial e à apelação da UNIÃO, apenas para determinar a repartição da responsabilidade pelo ressarcimento dos honorários periciais. É como voto.
APELADO: CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, ESPÓLIO DE JOSE DO AMARAL RIBEIRO - CPF: 141.930.008-34, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
REPRESENTANTE: JOSE DO AMARAL RIBEIRO FILHO, MIRIAM REGINA SALIMON RIBEIRO, FERNANDO SALIMON RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO ASSUNCAO DE LIMA - SP209868-A,
Advogados do(a) ESPOLIO: EDUARDO ASSUNCAO DE LIMA - SP209868-A,
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. PROCESSO CIVIL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVATÓRIO ARTIFICIAL DE ÁGUAS PARA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. PERÍCIA JUDICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. QUESTIONAMENTOS FORMULADOS PELA PARTE QUE EXTRAPOLAM O OBJETO DA PERÍCIA. DECISÃO SANEADORA. NULIDADE INVOCADA QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. CÓDIGO FLORESTAL DE 2012. APLICABILIDADE.
- O IBAMA acusa de nulo o laudo pericial que não respondeu a todos os questionamentos que apresentou. Afirma que suas indagações visavam esclarecer se as intervenções constatadas na área de preservação permanente - APP eram preexistentes ou posteriores a 22.07.2008 ou à entrada em vigor da Lei 12.651/2012.
- Caso em que o laudo pericial foi elaborado de acordo com os aspectos definidos pelo juízo, que definiu em decisão saneadora que a controvérsia persistia em avaliar se as benfeitorias e edificações mencionadas nos autos encontravam-se, ou não, em área de preservação permanente – APP. Os questionamentos formulados pelo IBAMA, por fugirem ao escopo da perícia, mostraram-se impertinentes e desnecessários, não havendo que se falar em cerceamento de defesa, vez que o magistrado é o destinatário da prova (art. 371, CPC). Precedentes desta Corte.
- A questão relacionada à suposta nulidade da decisão saneadora, que definiu que o trabalho do expert deveria observar o estatuído no art. 62 do Código Florestal (Lei 12.651/2012) confunde-se com o mérito.
- O legislador constituinte erigiu o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e incumbiu o Poder Público de promover a sua defesa. Relegou à lei que definisse, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e componentes a serem especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III, CF).
- Os espaços territoriais a serem especialmente protegidos foram denominados Áreas de Preservação Permanente – APP.
- A Lei nº 4.771/65 considerava como APPs aquelas nela previstas, coberta ou não por vegetação nativa, com funções ambientais de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade e o fluxo gênico da fauna e da flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar da população humana.
- Aduzida lei trazia em seu artigo 2º especificações a respeito das APPs ao longo de rios, lagoas lagos ou reservatórios d’água, naturais ou artificiais. Face a importância que o meio ambiente tem para a preservação das espécies, os limites inicialmente previstos pela lei promulgada em 1965 foram alterados pelas Leis 7.511/86 e 7.803/89.
- Não estabeleceu, o Código Florestal, limites ao entorno dos reservatórios a serem considerados como APP. Para sanar a omissão legislativa, o CONAMA, por meio da Resolução 04/85, trouxe critérios objetivos delimitadores da área de proteção especial.
- Face os questionamentos surgidos a respeito da legalidade do ato normativo, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 2.166-67/2001, que acrescentou o § 6º ao art. 4º ao Código Florestal então vigente (de 1965), permitindo ao CONAMA definir os parâmetros para a definição das áreas de preservação permanente ao redor dos reservatórios. A MP foi reeditada diversas vezes e acabou integrada ao ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 32/2001.
- Com esteio nesta delegação legislativa, o CONAMA editou a Resolução 302/2002 e estabeleceu novos critérios de cálculo da faixa da APP no entorno de reservatórios artificiais de água.
- Em 2012 foi promulgada a Lei nº 12.651/2012 que instituiu o Código Florestal atualmente em vigor. A partir de sua vigência, a lei, e não mais a resolução administrativa, passou a definir os parâmetros para a medição da área de preservação permanente, vez que em seu art. 5º constou: “Na implantação de reservatório d’água artificial destinado a geração de energia ou abastecimento público, é obrigatória a aquisição, desapropriação ou instituição de servidão administrativa pelo empreendedor das Áreas de Preservação Permanente criadas em seu entorno, conforme estabelecido no licenciamento ambiental, observando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de 15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em área urbana”.
- No entanto, buscando compatibilizar a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado com a necessidade de solucionar conflitos de interesses envolvendo disputas territoriais em situações consolidadas no tempo, o Código Florestal trouxe uma norma transitória. Neste sentido, o art. 62 consignou: “Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum”.
- Portanto, para situações preexistentes, ocorridas antes de agosto/2001, substituiu-se a prévia determinação legal de limites rígidos para a faixa da APP, em prol de um critério técnico variável, de acordo com as características particulares do empreendimento.
- Houve intenso debate a respeito da legalidade e constitucionalidade do art. 62 do atual Código Florestal. Mas o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC nº 42 e das ADIs nºs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937, declarou a sua constitucionalidade, situação que não pode ser ignorada pelo julgador.
- Nesse sentido já houve pronunciamento no âmbito deste E. TRF3: ApelRemNec nº 0001694-62.2008.4.03.6124, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Carlos Delgado, DJEN 23.05.2024; ApelRemNec nº 0001592-40.2008.4.03.6124, Des. Federal Samuel de Castro Barbosa Melo, DJEN 24.05.2024
- Estabelecida a aplicação do art. 62 da Lei 12.651/2012 no caso concreto, o laudo pericial apontou que não foram encontradas intervenções humanas que impeçam a regeneração natural no local do auto de infração.
- À míngua de elementos técnicos que afastem a assertividade da conclusão do trabalho do expert, deve-se prestigiá-lo e, por conseguinte, reconhecer a improcedência da ação.
- Honorários periciais. O Superior Tribunal de Justiça decidiu, sob a sistemática dos recursos repetitivos, que a isenção prevista no art. 18 da Lei nº 7.347/85 não pode obrigar que o perito exerça o seu ofício gratuitamente, de modo que compete à Fazenda Pública ao qual o Ministério Público estiver vinculado o pagamento de tal verba (Tema 510).
- Caso em que, além do Ministério Público Federal, figurou na lide, como autor, o IBAMA e a UNIÃO. Observando-se a sucumbência e o quanto decidido pelo STJ referente ao Tema 510, tem-se que a solução, para a questão dos honorários periciais, é o pagamento, pela União, de 2/3 (dois terços) da verba devida, sendo 1/3 próprio e outro pela atuação do MPF, e o terço restante devido pelo IBAMA.
- Apelação do IBAMA e do MPF desprovidas; parcial provimento da remessa oficial e da apelação da UNIÃO.