Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002356-85.2020.4.03.6134

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANO ATHALA DE OLIVEIRA SHCAIRA - SP140055-A, DIEGO MONTEIRO BAPTISTA - RJ153999-A

APELADO: MARCELO SALES

Advogado do(a) APELADO: CIRCE MARIA BAPTISTA RODRIGUES - SP211008-B

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002356-85.2020.4.03.6134

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANO ATHALA DE OLIVEIRA SHCAIRA - SP140055-A, DIEGO MONTEIRO BAPTISTA - RJ153999-A

APELADO: MARCELO SALES

Advogado do(a) APELADO: CIRCE MARIA BAPTISTA RODRIGUES - SP211008-B

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R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de ação ordinária ajuizada por Marcelo Sales em face da Caixa Econômica Federal (CEF) e de Engecorp Incorporações e Empreendimentos Ltda., objetivando a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, em razão de atraso na entrega da obra, com pedido de tutela antecipada.

Deferido parcialmente o pedido de tutela antecipada, para determinar que a CEF pague à parte autora, mensalmente, o valor de R$ 1.224,45 a título de indenização pela privação do uso do bem adquirido, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada. Em face de tal decisão, a CEF interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento.

Citada, Engecorp Incorporações e Empreendimentos não apresentou contestação.

A r. sentença julgou procedente o pedido, para condenar as rés, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos materiais, na modalidade lucros cessantes, durante o período de atraso na disponibilização do imóvel comprado, contado desde maio de 2017, até a efetiva entrega das chaves, em 22/11/2022, no valor de R$ 1.224,45 por mês, descontadas as quantias pagas no curso da presente ação. Incidem correção monetária e juros de mora desde o vencimento de cada parcela, conforme índices do vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal; condenar as rés, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10.000,00 ao autor. Incidem correção monetária desde o arbitramento (data da sentença), e juros de mora desde o vencimento de cada parcela, conforme índices do vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Irresignada, a CEF apresentou apelação, alegando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. No mérito, aduz que atuou apenas como agente financeiro, não podendo responder por questões decorrentes da compra e venda celebrada com a construtora; a responsabilidade pelo atraso na entrega da obra é exclusiva da construtora/incorporadora; pede o afastamento da condenação ao pagamento de indenização por danos morais e que o valor da indenização seja fixado de modo a evitar o enriquecimento sem causa.

Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.

É o breve relatório. Passo a decidir.

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002356-85.2020.4.03.6134

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANO ATHALA DE OLIVEIRA SHCAIRA - SP140055-A, DIEGO MONTEIRO BAPTISTA - RJ153999-A

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V O T O

 

 

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida.

Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado.

Escorado pelo art. 3º e pelo art. 6º, ambos da Constituição Federal, o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) foi instituído pela Lei nº 11.977/2009 (conversão da MP nº 459/2009), posteriormente reestruturado pela Lei nº 12.424/2011, chegando a uma nova face com a Lei nº 14.620/2023 (resultante da MP nº 1.162/2023). Em sua essência, o PMCMV é política pública de incentivo para produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais para famílias com baixa renda, bem como para promover o direito à cidade o desenvolvimento urbano, econômico, social e cultural, sustentabilidade, redução de vulnerabilidades e prevenção de riscos de desastres, geração de trabalho e de renda e elevação dos padrões de habitabilidade, de segurança socioambiental e de qualidade de vida da população.

O PMCMV compreende os seguintes subprogramas: Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU) e Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR). Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal poderão fixar outros critérios de seleção de beneficiários do PMCMV, previamente aprovados pelos respectivos conselhos locais de habitação, quando existentes, e em conformidade com as respectivas políticas habitacionais e as regras estabelecidas pelo Poder Executivo federal.

De acordo com o art. 5º, da Lei nº 14.620/2023, o PMCMV é escalonado por níveis de renda familiar: residentes em áreas urbanas podem ter renda bruta familiar mensal até R$ 8.000,00; e residentes em áreas rurais com renda bruta familiar anual de até R$ 96.000,00. O nível de renda familiar urbana é subdivido em: a) Faixa Urbano 1 - renda bruta familiar mensal até R$ 2.640,00; b) Faixa Urbano 2 - renda bruta familiar mensal de R$ 2.640,01 até R$ 4.400,00; c) Faixa Urbano 3 - renda bruta familiar mensal de R$ 4.400,01 até R$ 8.000,00. Já o nível de nível de renda rural tem: a) Faixa Rural 1 - renda bruta familiar anual até R$ 31.680,00; b) Faixa Rural 2 - renda bruta familiar anual de R$ 31.680,01 até R$ 52.800,00; c) Faixa Rural 3 - renda bruta familiar anual de R$ 52.800,01 até R$ 96.000,00. Os parâmetros das faixas urbanas e rurais são equivalentes, embora computados por padrões de tempo distintos.

A fim de integrar o PMCMV, o empreendimento também deverá obedecer a critérios legais (art. 5º-A da Lei nº 11.977/2009), especialmente localização do terreno, adequação ambiental do projeto, infraestrutura básica e equipamentos relacionados a educação, saúde, lazer e transporte público.

O art. 6º, da Lei nº 14.620/2023, prevê que o PMCMV será constituído pelos seguintes recursos financeiros: dotações orçamentárias da União; Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS); Fundo de Arrendamento Residencial (FAR); Fundo de Desenvolvimento Social (FDS); Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHab); emendas parlamentares; operações de crédito de iniciativa da União firmadas com organismos multilaterais de crédito e destinadas à implementação do Programa; contrapartidas financeiras, físicas ou de serviços de origem pública ou privada; doações públicas ou privadas destinadas aos fundos; outros recursos destinados à implementação do Programa oriundos de fontes nacionais e internacionais; doações ou alienação gratuita ou onerosa de bens imóveis da União, observada legislação pertinente; recursos do Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap).

Com relação à responsabilidade da CEF no que tange a eventuais vícios de construção ou atraso na entrega da obra relacionados a imóveis financiados segundo as regras do Sistema Financeiro de Habitação, há que se distinguir entre duas situações: 1ª) nas hipóteses em opera como gestora de recursos e executora de políticas públicas federais para a promoção de moradia a pessoas de baixa renda (como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida), atuando na elaboração do projeto ou na fiscalização das obras, a CEF é parte legítima e pode responder por danos (materiais e/ou morais); 2ª) nos casos em que atua apenas como agente financeiro (financiando a aquisição de imóvel), essa instituição financeira não pode ser responsabilizada por vícios de construção e é parte ilegítima para compor lides a esse respeito. Esse é o entendimento consolidado no e.STJ (p. ex., AgInt no REsp 1609473/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2019, DJe 13/02/2019; AgInt no REsp 1700199/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2020, DJe 03/03/2020; AgInt no AREsp 1555150/SE, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2020, DJe 20/05/2020), e também neste e.TRF (p. ex., 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000712-29.2017.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal RENATA ANDRADE LOTUFO, julgado em 18/03/2024, DJEN DATA: 20/03/2024; 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5009428-90.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 06/09/2023, DJEN DATA: 14/09/2023; 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000572-80.2019.4.03.6143, Rel. Desembargador Federal HERBERT CORNELIO PIETER DE BRUYN JUNIOR, julgado em 14/03/2024, DJEN DATA: 20/03/2024).

No âmbito do PMCMV, quando o contrato está relacionado à Faixa 1, a CEF atua como verdadeira gestora de políticas públicas, subsidiando a aquisição de moradias para a população de baixa renda, por meio de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Nas demais faixas de renda do PMCMV, também se configura a responsabilidade da CEF (e, consequentemente, sua legitimidade processual), pois a atuação da instituição financeira vai além da análise de risco de crédito, efetivamente fiscalizando e gerenciando a obra, além de verificar se o imóvel e o devedor cumprem os requisitos legais para enquadramento no Programa.

Ao examinar as cláusulas padrões desses contratos de adesão, observa-se que é permitido à CEF, p. ex., autorizar a prorrogação do prazo para conclusão da obra, substituir a construtora em casos de modificação do projeto, não conclusão da obra dentro do prazo contratual, retardamento ou paralisação da obra, dentre outras hipóteses. Ademais, como mencionado acima, o PMCMV é política pública habitacional (urbana e rural) destinada a garantir à população de baixa renda (Faixas 1, 2 e 3) o direito fundamental à moradia, que conta com subvenção econômica estatal e privada (p. ex., FNHIS, FAR, FGTS, FGHab e Funcap), cuja gestão operacional é realizada pela CEF, mediante pagamento de remuneração específica, conforme disposição expressa do art. 9º e parágrafo único, da Lei nº 11.977/2009, bem como do art. 6º, §20, da Lei nº 14.620/2023. Daí decorre a legitimidade processual da CEF em se tratando de PMCMV.

No caso dos autos, a parte autora celebrou, em 28/04/2015, contrato de compra e venda de terreno e mútuo para construção de unidade vinculada a empreendimento, alienação fiduciária em garantia e outras obrigações – Recursos SBPE, tendo por objeto a futura unidade autônoma apartamento nº 33, localizado no 3º pavimento e sua vaga de garagem nº 46, integrantes do empreendimento denominado Edifício Mirante São Francisco, situado na Rua Ana Rocha Avelino, nº 87, Jardim Bela Vista, no Município de Santa Bárbara d’Oeste/SP.

Consta, no referido contrato, que o Condomínio que integra a unidade habitacional teve sua construção autorizada pela Prefeitura local, com recursos através da Caixa Econômica Federal (CEF); referido empreendimento integra o Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU, Imóvel na Planta Associativo, Minha Casa Minha Vida – MCMV, cuja característica fundamental consiste na arregimentação de proponentes pessoas físicas, enquadrados nas normas do programa, para construção da unidade habitacional vinculada ao empreendimento.

Portanto, a atuação da CEF no caso concreto não se restringe à de agente financeiro, vez que financia a construção de um empreendimento habitacional que se enquadra nas regras de programa de habitação popular, com poderes para verificar os requisitos legais concernentes ao imóvel, à construtora e ao adquirente/beneficiário, além de fiscalizar o andamento da obra, atuando como executora de políticas públicas.

Logo, a CEF é parte legítima e solidariamente responsável pelo atraso na entrega da obra e pelas indenizações dele decorrentes, não tendo atuado como mero agente financeiro no caso concreto.

Prosseguindo, o C. STJ, em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos (Tema 996), firmou as seguintes teses, para casos de atraso na entrega da obra relacionados a imóveis no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida:

 

RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ART. 1.036 DO CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM. RECURSOS DESPROVIDOS.

1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes:

1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

2. Recursos especiais desprovidos.

(REsp n. 1.729.593/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/9/2019, DJe 27/9/2019).

 

A jurisprudência deste E.TRF da 3ª Região tem acompanhado os entendimentos do C. STJ, como se pode observar das seguintes decisões: ApCiv 0001991-98.2014.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy Filho, Primeira Turma, julgado em 09/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/06/2020; ApCiv 5001882-91.2017.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal Luiz Paulo Cotrim Guimarães, Segunda Turma, julgado em 13/05/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/05/2020; ,  ApCiv 5006089-75.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal Helio Egydio de Matos Nogueira, Primeira Turma, julgado em 14/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/02/2020; AI 5016162-62.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Luiz Paulo Cotrim Guimarães, Segunda Turma, julgado em 15/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/10/2020; AI 5015754-08.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Valdeci dos Santos, Primeira Turma, julgado em 10/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/09/2020.

Verifica-se da cláusula décima sexta do contrato celebrado entre as partes que o prazo para o término da construção e legalização da unidade habitacional vinculada ao empreendimento é aquele constante na letra “C6” deste contrato (ou seja, 19 meses), que somente poderá ser prorrogado até o limite máximo de 36 (trinta e seis) meses quando restar comprovado caso fortuito ou força maior, mediante análise técnica e autorização da Caixa, consubstanciada na regulamentação vigente.

A parte autora instruiu a inicial com extrato emitido pela CEF informando que a obra se encontrava 97,45% concluída em 24/08/2020 (id 278683758).

Em contestação, a CEF informou que: o empreendimento teve as obras paralisadas em 05/2017 pela construtora Engecorp e retomadas em 28/06/2019 com a assinatura de contrato entre a seguradora e a construtora substituta. Foram suspensas as cobranças dos encargos no período de atraso, desde a paralisação, havendo reprogramação do cronograma, com anuência do mutuário. Em 03/2020, a construtora substituta solicitou prorrogação do prazo de conclusão por mais 6 meses, proposta que está em análise.

Dessarte, o atraso na entrega da obra é inconteste, de modo que ambas as rés deram causa aos infortúnios pelos quais passou a parte autora, descumprindo o prazo estipulado no contrato para que o imóvel adquirido lhe fosse entregue, sendo devida a reparação.

No tocante ao pedido de lucros cessantes, conforme tese fixada no Tema 996 do C. STJ, em caso de atraso na entrega da obra, o prejuízo da parte autora é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma, devendo ser mantida a sentença quanto a tal pedido.

Quanto aos danos morais, primeiramente é necessário situar o problema posto nos autos no contexto de responsabilidade civil por danos, para o que se faz necessário lembrar que os bens e direitos de pessoas físicas ou jurídicas (Súmula 227 do E.STJ), assim como de universalidades e entes despersonalizados, abrangem itens de diversas naturezas e conteúdos, os quais, em linhas gerais, podem ser divididos em materiais e morais. Nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal, a proteção a esses bens e direitos tem atributos de garantia fundamental, de tal modo que o titular da prerrogativa indevidamente violada tem a faculdade de exigir o dever fundamental de reparação apropriada em face do responsável, sendo certa a possibilidade de cumulação da reparação da lesão material com o dano moral.

O objeto do dano material correspondente à lesão sofrida em bens tangíveis, intangíveis, móveis, imóveis, fungíveis e infungíveis, de modo que o ressarcimento é mensurado, em moeda, pela extensão do prejuízo (normalmente aferido pelo preço de mercado dos bens e direitos afetados), com o objetivo de recompor a perda sofrida. Já o objeto do dano moral (ou extrapatrimonial) diz respeito à lesão no âmbito da integridade psíquica, da intimidade, da privacidade, da imagem ou da personalidade (p. ex., dor, honra, tranquilidade, afetividade, solidariedade, prestígio, boa reputação e crenças religiosas), causada por um ato ou fato ou por seus desdobramentos, de modo que sua extensão é a proporção do injusto sofrimento, aborrecimento ou constrangimento; embora a lesão moral possa ser reparada por diversos meios (p. ex., nos moldes do art. 5º, V, da Constituição), a indenização financeira tem sido utilizada com o objetivo dúplice de repor o dano sofrido e de submeter (ordinária e sistematicamente) o responsável aos deveres fundamentais do Estado de Direito.

Ao mesmo tempo em que os sujeitos de direito são dotados de liberdade de escolha, todos devem responder por seus atos ou omissões quando violarem limites determinados pelo ordenamento jurídico, gerando responsabilidades de diversas espécies (dentre elas as criminais). Para o que importa a este feito, a atribuição da responsabilidade civil pode ser imputada a todo aquele que causar lesão, por fato ou ato praticado (in committendo), por omissão (in ommittendo), por pessoa que o representante (in vigilando), por empregado, funcionário ou mandatário (in eligendo) e por coisa inanimada ou por animal (in custodiendo).

É pela correta delimitação jurídica da responsabilidade civil que se torna possível estabelecer os parâmetros para avaliação do caso sub judice, motivo pelo qual é necessário também consignar que, quanto ao fato gerador, há a responsabilidade contratual (relacionada a negócio jurídico não cumprido, no todo ou em parte, nos termos do art. 389 e seguintes do Código Civil) e responsabilidade extracontratual ou aquiliana (casos de violação à lei e a primados de Direito, independentemente de negócio jurídico, conforme art. 186 e seguintes, também do Código Civil); acerca do fundamento, há a responsabilidade subjetiva (baseada em culpa) e a responsabilidade objetiva (baseada no risco, não exigindo culpa); e, considerando o agente, há a responsabilidade direta ou simples (se oriunda de ato da própria pessoa imputada) e responsabilidade indireta ou complexa (resultante de ato ou fato de terceiro, animal ou coisa inanimada vinculada ao imputado).

Friso que a culpa ou o dolo podem aparecer como causa da lesão, mas não são imprescindíveis para atribuição de responsabilidade civil (embora tenham utilidade no caso de fixação de reparação). Nessa linha, não se deve confundir a teoria objetiva da culpa (formulada em contraposição à teoria da culpa subjetiva), com a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou da culpa presumida).

Para a teoria da culpa objetiva, a culpa é apreciada in abstracto, nos moldes das pessoas comuns, sem considerar as condições subjetivas do agente ou seu estado de consciência (vale dizer, afastando elementos pessoais ou íntimos do agente causador do ato danoso), o que, por consequência, permite responsabilizar incapazes e dementes; já a teoria da culpa subjetiva se serve de abstrações, porém, em menor grau, pois verifica a intenção íntima e pessoal do agente para conferir a responsabilidade civil e o dever de reparar o injusto dano causado a outrem, vale dizer, culpa in concreto. 

Por sua vez, a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou culpa presumida) vê o dever de reparar independentemente de dolo ou culpa do causador da lesão (excluída apenas se o prejuízo for exclusivamente gerado por ato ou omissão do lesado), opondo-se à responsabilidade subjetiva (baseada no elemento subjetivo de culpabilidade do causador do dano, observando também o nexo causal entre a conduta do agente e o dano a ser ressarcido). A responsabilidade objetiva gera o dever de indenizar por parte daquele que interagiu (direta ou indiretamente) com o lesado, ou com o meio no qual está inserido, e se baseia na injustiça do dano por circunstância que não pode ser imputada ao titular do bem ou direito prejudicado; por não depender de dolo ou culpa, a responsabilidade civil decorre do risco gerado por determinada atividade, bastando o ato ou fato, o dano e a relação de causalidade ente ambos.

Ademais, a narrativa acima demonstra que a falha na prestação do serviço, pelas rés, ultrapassou o mero dissabor, impondo-se reparação, notadamente em razão do atraso na entrega da obra que perdurou por vários anos sem solução, causando apreensão e angústia à parte autora, especialmente quanto à incerteza de vir a residir no imóvel adquirido. Assim, entendo devida a indenização por dano moral.

Por fim, a indenização financeira por dano moral deve traduzir montante que sirva para a reparação da lesão (considerada a intensidade para o ofendido e a eventual caracterização de dolo ou grau da culpa do responsável) e também ônus ao responsável para submetê-lo aos deveres fundamentais do Estado de Direito, incluindo o desestímulo de condutas lesivas ao consumidor, devendo ser ponderada para não ensejar enriquecimento sem causa do lesado, mas também para não ser insignificante ou excessiva para o infrator. Esse dúplice escopo deve ser aferido por comedida avaliação judicial à luz do caso concreto, dialogando ainda com diversas outras matérias que reclamam indenização por dano moral, denotando coerência interdisciplinar na apreciação do magistrado.

Assim, considerando as circunstâncias do caso concreto, a partir dos parâmetros de arbitramento adotados pela jurisprudência desta E. Segunda Turma em casos análogos, observo que o quantum indenizatório fixado na sentença (R$ 10.000,00) obedece a tais critérios, devendo ser mantido. O pagamento caberá às rés, solidariamente.

Esse montante deverá ser acrescido nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, com juros moratórios contados do evento danoso por se tratar de responsabilidade extracontratual (Súmula 54, do E.STJ).

Em vista do trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017).

Pelas razões expostas, REJEITO A PRELIMINAR arguida e NEGO PROVIMENTO à apelação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 


DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Trata-se de ação proposta por adquirente de imóvel na planta e mutuário, na qual se atribuiu à Caixa Econômica Federal a culpa pelo atraso da obra e/ou sua solidez.

A parte autora requer:

 

i. A condenação das Requeridas à pagarem, solidariamente, o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) pelo abalo moral ocasionado ao planejamento de vida do Requerente, adicionados de juros desde a citação e correção monetária do arbitramento; ii. A condenação das Requeridas no pagamento dos lucros cessantes no valor correspondente à 0,5%/mês sobre o valor do imóvel atualizado, contados a partir do atraso até o início da fase de amortização do financiamento, valor que será apurado em liquidação de sentença; 

d)           condenar as Requeridas, solidariamente, a indenizar as perdas e danos causados em desfavor da Autora, em quantia a ser calculada sobre o período do atraso de entrega do imóvel, tendo como base a data da primeira previsão de entrega do imóvel, qual seja, MAIO/2012; ou, no mínimo, a menor data de entrega prevista em contrato, FEVEREIRO/2013 ou AGOSTO/2013, devendo tais valores serem apurados em fase de liquidação de sentença, levando-se em conta o preço médio de locação de imóveis com a mesma estrutura e padrão, localizados na mesma região do imóvel adquirido; ou em outro montante e forma de calculo a ser arbitrado por este D. juízo;

 

O e. Relator votou no sentido de atribuir responsabilidade à Caixa Econômica Federal, mantendo sua condenação no pagamento de danos morais e materiais.

 

Contudo, com a devida vênia, entendo que a Caixa Econômica Federal não pode ser responsabilizada pelo atraso na entrega do imóvel, pois, em nenhum momento agiu como gestora de política pública ou executora da obra de construção do imóvel financiado. 

 

Primeiramente, destaco que o caso dos autos não se trata de financiamento celebrado pelas regras do Programa Minha Casa Minha Vida, como afirmado no voto proferido pelo e. Relator.

 Como se vê do contrato ID 278683703, se tratada contrato de financiamento ordinário, com recursos do FGTS – Apoio à Produção de Habitações no SFH.

 

Tenho que a CEF agiu, meramente, como agente financeiro, emprestando dinheiro necessário ao adquirente do imóvel a fim de viabilizar a construção.

 

Para que ela pudesse ser responsabilizada pela demora na entrada, ela precisaria ter agido como gestora de políticas públicas ou ter se responsabilizado pela execução da obra. Confira-se, a respeito, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, com destaques meus:

 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA (PMCMV). ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 5, 7 E 83 DO STJ.

1. O acórdão recorrido analisou as questões necessárias ao deslinde da controvérsia, não se configurando omissão, contradição ou negativa de prestação jurisdicional.

2. Alterar a conclusão do acórdão recorrido de que, no caso concreto, a Caixa Econômica Federal atuou exclusivamente na qualidade de mero agente financeiro demandaria reexaminar matéria fático-probatória e a interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas 5 e 7/STJ).

3. "A jurisprudência do STJ é firme no sentido de reconhecer a ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal - CEF para responder à ação por vício de construção de imóvel quando atuar como mero agente financeiro" (AgInt no CC 180.829/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 23/2/2022, DJe 3/3/2022).

Incidência da Súmula 83 do STJ.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp n. 2.041.551/AL, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 10/10/2022, DJe de 17/10/2022.)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. DESFAZIMENTO CONTRATUAL MOTIVADO PELA MORA DOS VENDEDORES. INCLUSÃO DO AGENTE FINANCEIRO NO PO LO PASSIVO DA DEMANDA. QUESTÃO SOLUCIONADA COM BASE NA INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E NO EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N.os 5 E 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo n.º 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016)

serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. Consoante o entendimento desta Corte, a eventual legitimidade passiva da CEF está relacionada à natureza da sua atuação no contrato firmado: é responsável se atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, quando tiver escolhido a construtora ou tiver qualquer responsabilidade relativa ao projeto; não o é se atuar meramente como agente financeiro. Precedentes.

3. No caso em apreço, o Tribunal estadual concluiu que a empresa pública agiu apenas como agente financeiro do empreendimento imobiliário, ou seja, como mera credora fiduciária, no contrato de financiamento para a realização da obra firmado com o ora recorrente. Desse modo, a revisão do julgado encontra óbice nas Súmulas n.ºs 5 e 7 do STJ.

4. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo interno não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.

5. Agravo interno não provido.

(AgInt no AgInt no AREsp n. 1.941.838/RJ, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 15/8/2022, DJe de 17/8/2022.)

 

A eventual fiscalização da obra exercida por ela se destinou, meramente, a possibilitar a correta disponibilização do valor mutuado, conforme expressamente consta do contrato, mormente porque o bem que está sendo construído servirá como garantia da dívida (cláusula 17ª e  27ª, § 3º,  do contrato).  Nada mais.

Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça:

 

RECURSOS ESPECIAIS. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. VÍCIO NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL.

1. A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação de indenização por vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do SFH (1) meramente como agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda.

2. Nas hipóteses em que atua na condição de agente financeiro em sentido estrito, não ostenta a CEF legitimidade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra financiada. Sua responsabilidade contratual diz respeito apenas ao cumprimento do contrato de financiamento, ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à cobrança dos encargos estipulados no contrato. A previsão contratual e regulamentar da fiscalização da obra pelo agente financeiro justifica-se em função de seu interesse em que o empréstimo seja utilizado para os fins descritos no contrato de mútuo, sendo de se ressaltar que o imóvel lhe é dado em garantia hipotecária. Precedente da 4ª Turma no REsp. 1.102.539/PE.

3. Hipótese em que não se afirma, na inicial, tenha a CEF assumido qualquer outra obrigação contratual, exceto a liberação de recursos para a construção. Não integra a causa de pedir a alegação de que a CEF tenha atuado como agente promotor da obra, escolhido a construtora, o terreno a ser edificado ou tido qualquer responsabilidade em relação ao projeto.

4. O acórdão recorrido, analisando as cláusulas do contrato em questão, destacou constar de sua cláusula terceira, parágrafo décimo, expressamente que "a CEF designará um fiscal, a quem caberá vistoriar e proceder a medição das etapas efetivamente executadas, para fins de liberação de parcelas. Fica entendido que a vistoria será feita exclusivamente para efeito de aplicação do empréstimo, sem qualquer responsabilidade da CEF pela construção da obra." Essa previsão contratual descaracteriza o dissídio jurisprudencial alegado, não havendo possibilidade, ademais, de revisão de interpretação de cláusula contratual no âmbito do recurso especial (Súmulas 5 e 7).

5. Recurso especial da CAIXA SEGURADORA S/A não conhecido e recurso especial do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO RESIDENCIAL DA PRAÇA E OUTROS não provido.

(REsp n. 897.045/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 9/10/2012, DJe de 15/4/2013.) – destaquei

 

 

Como se vê, a CEF, em momento algum, assumiu qualquer responsabilidade perante os mutuários pela execução da obra ou sua solidez e qualidade.

A prevalecer o entendimento de que somente no caso de financiamento de imóveis já edificados é que a CEF deixa de ter qualquer responsabilidade pela construção, é de se imaginar que os custos decorrentes do empréstimos de dinheiro para tais casos serão, certamente, majorados, fato que deverá dificultar o acesso das classes menos favorecidas da população aos recursos necessários à  aquisição de moradia.

Forçoso, pois, acolher o pedido de reconhecimento de sua ilegitimidade passiva no que toca à responsabilidade pela construção (sua execução, solidez e qualidade), afastando-se, assim, sua responsabilidade de pelo pagamento de indenizações por danos morais e materiais.

Ante o exposto, dou provimento à apelação da Caixa Econômica Federal para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido em relação a ela. Consequentemente, inverto o ônus da sucumbência, condenando a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios, em favor da CEF,  os quais fixo em dez por cento do valor da causa, atualizado em conformidade com o Manual de Cálculos da Justiça Federal.

É como voto.

 

AUDREY GASPARINI

DESEMBARGADORA FEDERAL

 


E M E N T A

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. PMCMV. FAIXAS DE RENDA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. DANOS MATERIAIS E MORAIS.

- No âmbito do PMCMV, quando o contrato está relacionado à Faixa 1, a CEF atua como verdadeira gestora de políticas públicas, subsidiando a aquisição de moradias para a população de baixa renda, por meio de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Nas demais faixas de renda do PMCMV, também se configura a responsabilidade da CEF (e, consequentemente, sua legitimidade processual), pois a atuação da instituição financeira vai além da análise de risco de crédito, efetivamente fiscalizando e gerenciando a obra, além de verificar se o imóvel e o devedor cumprem os requisitos legais para enquadramento no Programa.

- Ao examinar as cláusulas padrões desses contratos de adesão, observa-se que é permitido à CEF, p. ex., autorizar a prorrogação do prazo para conclusão da obra, substituir a construtora em casos de modificação do projeto, não conclusão da obra dentro do prazo contratual, retardamento ou paralisação da obra, dentre outras hipóteses. Ademais, o PMCMV é política pública habitacional (urbana e rural) destinada a garantir à população de baixa renda (Faixas 1, 2 e 3) o direito fundamental à moradia, que conta com subvenção econômica estatal e privada (p. ex., FNHIS, FAR, FGTS, FGHab e Funcap), cuja gestão operacional é realizada pela CEF, mediante pagamento de remuneração específica, conforme disposição expressa do art. 9º e parágrafo único, da Lei nº 11.977/2009, bem como do art. 6º, §20, da Lei nº 14.620/2023. Daí decorre a legitimidade processual da CEF em se tratando de PMCMV.

- A atuação da CEF no caso concreto não se restringe à de agente financeiro, vez que financia a construção de um empreendimento habitacional que se enquadra nas regras de programa de habitação popular, com poderes para verificar os requisitos legais concernentes ao imóvel, à construtora e ao adquirente/beneficiário, além de fiscalizar o andamento da obra, atuando como executora de políticas públicas.

- A CEF é parte legítima e solidariamente responsável pelo atraso na entrega da obra e pelas indenizações dele decorrentes, não tendo atuado como mero agente financeiro no caso concreto. O atraso na entrega da obra é inconteste e admitido pela ré.

- “No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma” (Tema 996 do C. STJ).

- A narrativa acima demonstra que a falha na prestação do serviço, pelas rés, ultrapassou o mero dissabor, impondo-se reparação, notadamente em razão do atraso na entrega da obra, causando apreensão e angústia à parte autora, especialmente quanto à incerteza de vir a residir no imóvel adquirido. Assim, é devida a indenização por dano moral.

- Considerando as circunstâncias do caso concreto, a partir dos parâmetros de arbitramento adotados pela jurisprudência desta E. Segunda Turma em casos análogos, observa-se que o quantum indenizatório fixado na sentença (R$ 10.000,00) obedece a tais critérios, devendo ser mantido.

- Preliminar rejeitada. Apelação não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Segunda Turma decidiu, por maioria, rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal Carlos Francisco (relator), acompanhado pelos votos dos senhores Desembargadores Federais Renata Lotufo, Alessandro Diaferia e Renato Becho; vencida a senhora Desembargadora Federal Audrey Gasparini, que lhe dava provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
DESEMBARGADOR FEDERAL