APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001976-60.2022.4.03.6112
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO
APELADO: PEDRO RIBEIRO DE CAMARGO, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PARTE RE: PRESIDENTE DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE
Advogado do(a) PARTE RE: ELCIO PEREIRA VALLADAO JUNIOR - MG92377-A
Advogado do(a) APELADO: GIOVANA EVA MATOS FARAH BONILHA - SP368597-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001976-60.2022.4.03.6112 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: UNIÃO FEDERAL, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO APELADO: PEDRO RIBEIRO DE CAMARGO, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) PARTE RE: ELCIO PEREIRA VALLADAO JUNIOR - MG92377-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recursos de apelação e remessa necessária em face de sentença que, em mandado de segurança ajuizado com o objetivo de assegurar o abatimento do saldo devedor do contrato de financiamento estudantil (FIES), concedeu parcialmente a segurança postulada. Em síntese, alega a apelante (União Federal), preliminarmente, que não é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, aduzindo que sua participação no feito se restringia à representação da extinta FUNASA, sendo que jamais fora intimada a apresentar defesa. Assevera, ainda, a impossibilidade de concessão do benefício postulado, uma vez que ausente a regulamentação necessária ao procedimento. Pugna pela concessão de efeito suspensivo ao recurso. De seu turno, apela o FNDE, sustentando, igualmente, sua ilegitimidade passiva para o presente feito. Quanto ao mérito, defende que o autor não preenche os requisitos necessários à obtenção da benesse postulada. Com contrarrazões (id 291905127), vieram os autos a esta Corte. Manifestação do Ministério Público Federal pelo desprovimento das apelações e da remessa necessária (id 292160332). É o breve relatório. Passo a decidir.
PARTE RE: MINISTERIO DA SAUDE, PRESIDENTE DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE
Advogado do(a) APELADO: GIOVANA EVA MATOS FARAH BONILHA - SP368597-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001976-60.2022.4.03.6112 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: UNIÃO FEDERAL, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO APELADO: PEDRO RIBEIRO DE CAMARGO, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) PARTE RE: ELCIO PEREIRA VALLADAO JUNIOR - MG92377-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, de se destacar que o ingresso da União no presente feito decorreu de sua própria manifestação de vontade, nos termos da petição de id 291905053, ocasião em que solicitou “o seu ingresso no feito na qualidade de assistente (...)”. Ademais, conforme bem pontuado pelo juízo de origem (id 291905115) “(...) a permanência da União no polo passivo se deveu não à sucessão da Funasa por força da MP nº 1.156 - que, aliás, não compunha o polo passivo -, mas como representante do Ministério da Saúde que, por fazer a primeira análise do pedido de abatimento apresentado pelos mutuários do Fies, deve necessariamente compor o polo passivo das ações que discutem esse procedimento, em litisconsórcio com o FNDE e a instituição financeira, cada qual devendo proceder às providências de sua competência”. Destarte, de se rechaçar as alegações da União. No que concerne à alegada ilegitimidade passiva, cumpre destacar que na redação originária do art. 3º da Lei nº 10.260/2001, que instituiu o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), constou que sua gestão caberia ao Ministério da Educação e Cultura (MEC, órgão da União Federal), na qualidade de formulador da política de oferta de financiamento e de supervisor da execução das operações do Fundo, cabendo à Caixa Econômica Federal (CEF, empresa pública) atuar como agente operador e administradora dos ativos e passivos, conforme regulamento e normas baixadas pelo CMN. A partir da edição da Lei nº 12.202/2010, que alterou a redação do art. 3º, II, da Lei nº 10.260/2001, a atribuição até então conferida à CEF foi repassada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE, autarquia federal), que passou a atuar na qualidade de agente operador do FIES. A conformação do FIES voltou a sofrer mudanças significativas com a edição da Lei nº 13.530/2007, modificando novamente a dinâmica de sua gestão ao alterar o mencionado art. 3º da Lei nº 10.260/2011, atualmente em vigor, nos seguintes termos: Art. 3º A gestão do Fies caberá: I - ao Ministério da Educação, na qualidade de: a) formulador da política de oferta de vagas e de seleção de estudantes, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies; b) supervisor do cumprimento das normas do programa; c) administrador dos ativos e passivos do Fies, podendo esta atribuição ser delegada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); II - a instituição financeira pública federal, contratada na qualidade de agente operador, na forma a ser regulamentada pelo Ministério da Educação; III - ao Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies), que terá sua composição, sua estrutura e sua competência instituídas e regulamentadas por decreto, na qualidade de: a) formulador da política de oferta de financiamento; b) supervisor da execução das operações do Fies sob coordenação do Ministério da Educação. (...) A partir da Lei nº 13.530/2007, a gestão do FIES passou a ser tripartite entre o Ministério da Educação (com atribuições de natureza normativa, fiscalizatória e administrativa), a instituição financeira pública federal contratada (atuando como agente operador) e o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-FIES, integrado por vários ministérios do Poder Executivo), exercendo, igualmente, funções normativas e fiscalizatórias. Daí decorreram a retomada da condição de agente operador pela instituição financeira pública federal (até então pertencente ao FNDE), e, ainda, a permissão de que a administração dos ativos e passivos do FIES (inicialmente conferida ao Ministério da Educação) pudesse ser por ele delegada ao FNDE (o que de fato aconteceu pela Portaria MEC nº 80/2018). Portanto, a instituição financeira pública federal contratada pelo Ministério da Educação passou a acumular as atribuições de agente operador e de agente financeiro do FIES, condição reforçada pelo art. 3º, §3º, da Lei nº 10.260/2001: Art. 3º (...) § 3º Na modalidade do Fies de que tratam os Capítulos II e II-A desta Lei, as atribuições de agente operador, de agente financeiro do Fies e de gestor do Fundo Garantidor do Fies (FG-Fies), de que trata o art. 6º-G desta Lei, poderão ser exercidas pela mesma instituição financeira pública federal contratada pelo Ministério da Educação, desde que a execução das atribuições seja segregada por departamentos. Para melhor compreensão das competências exercidas pelos entes gestores do FIES, entendo oportuna a transcrição daquelas de maior relevância, elencadas nos arts. 5º, 6º, 9º e 11, da Portaria MEC nº 209/2018, que dispõe detalhadamente sobre o esse fundo a partir do primeiro semestre de 2018: Art. 5º Ao MEC, por meio da Secretaria de Educação Superior - SESu/MEC, competirá: (...) IV - gerir os módulos do Sistema Informatizado do Fies - Sisfies de oferta de vagas e de seleção de estudantes; V - formular, nos termos aprovados pelo CG-Fies, a política de oferta de vagas e de seleção de estudantes; VI - realizar o processo de seleção das vagas e de estudantes a cada processo seletivo do Fies e do P-Fies; (...) X - prestar informações técnicas referentes às demandas judiciais e extrajudiciais relativas aos assuntos de sua competência; e XI - celebrar a contratação do agente operador e dos agentes financeiros do Fies, na condição de contratante. Art. 6º Ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE competirá: (...) IV - efetuar a gestão dos ativos e passivos do Fies, nos termos da Portaria MEC nº 80, de 1º de fevereiro de 2018; (...) VI - celebrar a contratação do agente operador e dos agentes financeiros do Fies, na condição de interveniente; VII - fiscalizar o contrato de prestação de serviços do agente operador e dos agentes financeiros do Fies; VIII - efetuar a transição das atividades ao agente operador da modalidade Fies, especialmente em relação aos contratos de financiamento estudantil firmados até o segundo semestre de 2017; IX - realizar as atividades de agente operador da modalidade Fies até a completa transição das atividades operacionais do Fies; (...) XVI - prestar informações técnicas referentes às demandas judiciais e extrajudiciais relativas aos assuntos de sua competência. Art. 9º Ao agente operador da modalidade Fies competirá: I - acompanhar a atuação dos agentes financeiros do Fies; (...) III - definir as minutas de Termo de Adesão das mantenedoras de IES e de contratos com o estudante; (...) X - realizar a execução financeira e orçamentária da modalidade Fies; XI - realizar o atendimento a demandas judiciais e extrajudiciais no âmbito de sua competência legal; e (...) § 1º Em relação ao atendimento ao público e aos estudantes financiados pela modalidade Fies, competirá ao agente operador: I - atender solicitações da sociedade por meio do Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão - e-SIC; II - desenvolver e manter interface com sistemas governamentais para apuração e consignação de renda; e III - prestar atendimento e orientação ao estudante financiado pela modalidade Fies e àqueles de que trata o art. 6º-B e 6º-F da Lei nº 10.260, de 2001. § 2º Em relação ao atendimento às mantenedoras de IES, competirá ao agente operador: I - prestar atendimento às entidades mantenedoras, às IES e às Comissões Permanentes de Supervisão e Acompanhamento do Fies - CPSAs; II - desenvolver e manter sistema de adesão das mantenedoras, das IES e das CPSAs; III - desenvolver e manter interface com a Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRFB, referente à regularidade fiscal das mantenedoras; e IV - realizar os procedimentos de emissão, custódia, repasse, resgate e recompra dos Certificados Financeiros do Tesouro - Série E - CFT-E. Art. 11. Ao agente financeiro da modalidade Fies competirá: I - controlar a inadimplência; (...) IV - efetuar a arrecadação e repasse à Conta Única da União do valor das amortizações; (...) VII - efetuar a inscrição dos devedores nos cadastros restritivos; (...) IX - formalizar os contratos de financiamento; (...) XIII - prestar atendimento ao estudante financiado; (...) XVI - realizar os aditamentos dos contratos; e (...) Nas disposições gerais e transitórias da Lei nº 10.260/2001, o art. 20-B (incluído pela Lei nº 13.530/2017) incumbiu o Ministério da Educação a regulamentação das condições e do prazo para a transição das atribuições do agente operador (do FNDE para a instituição financeira), tanto para os contratos de financiamento formalizados até o segundo semestre de 2017 quanto para os contratos formalizados a partir do primeiro semestre de 2018, determinando que o FNDE permanecesse com o encargo de agente operador enquanto não houvesse a referida regulamentação, determinação essa reforçada pelo art. 6º, IX, da Portaria MEC nº 209/2018, segundo o qual, compete ao FNDE “realizar as atividades de agente operador da modalidade Fies até a completa transição das atividades operacionais do Fies”. Foi autorizada ainda a contratação da CEF para exercer as atribuições de agente operador e financeiro do FIES e de gestor do Fundo Garantidor do FIES (FG-Fies, art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.260/2001), sendo facultada à União a contratação de outra instituição financeira pública federal para a mesma finalidade (situação na qual emerge o Banco do Brasil). A mesma Portaria MEC nº 209/2018, em seu art. 12, delimitou as competências pertinentes à gestão do FIES no período de transição das atribuições previstas na Lei nº 10.260/2001: Art. 12. Para os fins do disposto nos arts. 3º, inciso II, e 20-B da Lei nº 10.260, de 2001, observadas as competências de que trata a Seção II do Capítulo I desta Portaria, competirá: I - à SESu/MEC instaurar processo administrativo com o objetivo de proceder à contratação da instituição financeira pública federal para: a) desempenhar as atribuições de agente operador e agente financeiro do Fies dos contratos de financiamento da modalidade Fies firmados a partir do primeiro semestre de 2018; b) assumir as atribuições de agente operador dos contratos de financiamento da modalidade Fies firmados até o segundo semestre de 2017, nos termos do disposto no art. 20-B da Lei nº 10.260, de 2001; II - ao FNDE, na qualidade de interveniente, celebrar o instrumento contratual com a instituição financeira pública federal e exercer a fiscalização da execução dos serviços contratados. § 1º A contratação da instituição financeira pública federal referida na alínea "a" do inciso I do caput deste artigo ocorrerá em período anterior às atribuições definidas na alínea "b" do referido inciso. (...) § 3º O FNDE manterá as atribuições de agente operador dos contratos do Fies celebrados até o segundo semestre de 2017 até que sejam regulamentados as condições e o prazo para a transição de suas atribuições de agente operador para a instituição financeira pública federal, referidas na alínea "b" do inciso I do caput deste artigo, nos termos do disposto no art. 20-B da Lei nº 10.260, de 2001. Tratando-se, contudo, de ações que envolvam especificamente os recursos disponibilizados no próprio financiamento, a cobrança em favor do FIES caberá exclusivamente ao agente financeiro, independentemente de o contrato ser anterior ou posterior a 2018. Isso porque, a Resolução nº 36/2019, do Presidente do Comitê Gestor do FIES (CG-FIES), que dispôs sobre a cobrança judicial dos débitos referentes aos financiamentos e encargos concedidos até o 2º semestre de 2017, no âmbito do FIES, disciplinou a matéria nos seguintes termos: Art. 2º A cobrança judicial dos débitos referentes aos financiamentos e encargos concedidos até o 2º semestre de 2017, no âmbito do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) será realizada pela instituição financeira que exerce a atribuição de agente financeiro do contrato do Fies em atraso. (...) Art. 9º É dever do agente financeiro atuar na defesa processual do Fundo e apresentar os recursos e medidas cabíveis, com observância aos prazos judiciais determinados, salvo nas hipóteses de dispensa recursal fundamentada por súmula ou nota jurídica. Embora a Resolução CG-FIES nº 36/2019 se refira apenas aos financiamentos e encargos concedidos até o 2º semestre de 2017, a instituição financeira atuará também nas ações envolvendo contratos posteriores a 2018, já que a partir dessa data, ela passa a acumular as atribuições de agente operador e agente financeiro. Portanto, em conformidade com a legislação de regência (notadamente a Lei nº 10.260/2001 e alterações, a Portaria MEC nº 209/2018 e a Resolução CG-FIES nº 36/2019, o FIES tem gestão tripartite, com atribuições assim distribuídas: a) o Ministério da Educação e o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies) atuam no campo programático-normativo, formulando políticas para implementação e aperfeiçoamento do programa de financiamento, bem como supervisionando sua execução, além de gerir os sistemas informatizados, e realizar o processo seletivo de estudantes, candidatos às vagas do programa, para posterior formalização dos contratos; b) a tarefa de agente operador é confiada ao FNDE (em relação aos contratos firmados até o segundo semestre de 2017, inclusive), e à instituição financeira pública federal (para contratos firmados a partir de 2018, ao menos enquanto não for concluída a transferência das atribuições estabelecida pelo art. 20-B, da Lei nº 10.260/2001, quando a instituição financeira passará a atuar na qualidade de agente operador também para os contratos anteriores a 2018); c) é da CEF ou Banco do Brasil o papel de agente financeiro responsável pela formalização e aditamento dos contratos de financiamento, arrecadação e repasse do valor das amortizações, além do controle da inadimplência. A legitimidade processual passiva deriva da correspondência entre o pedido formulado pelo autor e as atribuições confiadas na gestão tripartite, ao passo em que a legitimidade processual ativa para a cobrança dos financiamentos é do agente financeiro que participa do contrato. No caso dos autos, trata-se de abatimento de 1% por mês do saldo devedor do FIES em função de a parte autora ter atuado como médico no âmbito do SUS durante o período de vigência da emergência sanitária decorrente da pandemia da Covid-19. É certo que o abatimento pretendido está condicionado, preliminarmente, à verificação, pelo Ministério da Saúde, do preenchimento das condições estabelecidas na Portaria MS nº 1.377, de 13 de junho de 2011. Nesse sentido, dispõe o art. 5º, do referido ato normativo (com a redação dada pela Portaria nº 203/2013): Art. 5º-B Para requerer o abatimento de que trata esta Portaria, o profissional médico preencherá solicitação expressa, em sistema informatizado específico disponibilizado pelo Ministério da Saúde, contendo, dentre outras, as seguintes informações: (Acrescido pela PRT GM/MS nº 203 de 08.02.2013) I - nome completo; II - CPF; III - data de nascimento; e IV - e-mail. (...) Feita essa verificação, o Ministério da Saúde comunicará ao FNDE, a relação de médicos considerados aptos para a concessão do abatimento, conforme estabelece o §2º, do mesmo artigo 5º-B. Recebida a relação, o FNDE providenciará então a notificação do agente financeiro responsável. O procedimento descrito, portanto, contempla a atuação tanto do agente operador (FNDE) quanto do agente financeiro na análise e eventual implementação do abatimento do saldo devedor do financiamento. Assim, de rigor o reconhecimento da legitimidade passiva do FNDE. Prosseguindo, cumpre destacar que o art. 6º e o art. 205, ambos da Constituição Federal, definem a educação (aí incluído o ensino, em todos os seus níveis) como direito social fundamental de todos, reconhecido como dever do Estado e da família, a ser promovido e incentivado com a colaboração da sociedade em favor do pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Complementando esses preceitos constitucionais, o art. 45 da Lei nº 9.394/1996 estabelece que a educação superior será ministrada em instituições de ensino superior (públicas ou privadas), com variados graus de abrangência ou especialização (notadamente graduação, mestrado e doutorado). Diante da insuficiência de vagas ofertadas pelas instituições públicas de ensino superior, surgem mecanismos de estímulo ao acesso às instituições privadas, a exemplo do Fundo de Financiamento Estudantil - FIES, criado em 1999, efetivado sob o controle do Ministério da Educação e destinado a financiar a graduação no ensino superior de estudantes que necessitarem, para o que devem estar regularmente matriculados em instituições não gratuitas e terem alcançado avaliação positiva em processos conduzidos por órgãos estatais. O FIES está disciplinado na Lei nº 10.260/2001 (resultante da conversão da MP nº 2.094-27, de 17/05/2001) e em diversos atos normativos da administração pública federal (especialmente do MEC e pelo Conselho Monetário Nacional), com destaque para a Resolução CMN nº 2647/1999. Servindo como instrumento de estímulo ao acesso à educação superior no país nos termos da legislação de regência, o FIES é efetivado mediante contrato (vale dizer, acordo de vontades) entre o estudante interessado e um agente financeiro do programa (atualmente, Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil), na condição de gestor da política pública, figurando ainda como interveniente a instituição de ensino aderente ao programa. Portanto, preenchidos os requisitos para adesão ao FIES, será formalizado um contrato cujo prazo de financiamento não poderá ser superior ao período necessário para a conclusão do curso. Celebrado o contrato com previsão de limite de crédito global, a cada semestre é necessário fazer aditamento visando à renovação do financiamento para o período seguinte, procedimento conduzido pela Comissão Permanente de Supervisão e Acompanhamento (CPSA) da respectiva instituição de ensino. Essa sequência de aditamentos busca a adequação periódica de aspectos pontuais do contrato (como valores, prazos, garantias, suspensões e transferências) e também o controle da regularidade de sua execução (conferindo se situação do aluno permanece regular, especialmente em relação à renovação da matrícula para o período seguinte e à comprovação de seu aproveitamento acadêmico). Nos moldes da redação originária do art. 5º da Lei nº 10.260/201, os contratos de financiamento eram divididos em três fases: 1ª) fase de utilização, da contratação até a conclusão do curso, na qual o estudante pagava apenas os juros sobre o financiamento, usualmente em parcelas trimestrais; 2ª) fase de carência, correspondente ao período de até 18 meses entre a conclusão do curso e o início da amortização do empréstimo, no qual ficavam preservadas as condições da fase de utilização; 3ª) fase de amortização, quando começava o pagamento do saldo devedor, nas condições pactuadas. A MP nº 785/2017, convertida na Lei nº 13.530/2017, suprimiu a fase de carência para contratos celebrados a partir do primeiro semestre de 2018, e introduziu a regra do art. 5º-C, IV, da Lei nº 10.260/2001, pela qual o início do pagamento do financiamento no mês imediatamente subsequente ao da conclusão do curso (sem prejuízo de amortizações voluntárias previstas no §2º desse mesmo preceito legal). Nos termos do art. 6º -B da Lei nº 10.260/2001, na redação dada pela Lei nº 14.024/2022, ficou autorizado o abatimento no saldo devedor do contrato celebrado nos seguintes termos: Art. 6o-B. O Fies poderá abater, na forma do regulamento, mensalmente, 1,00% (um inteiro por cento) do saldo devedor consolidado, incluídos os juros devidos no período e independentemente da data de contratação do financiamento, dos estudantes que exercerem as seguintes profissões: (Incluído pela Lei nº 12.202, de 2010) I - professor em efetivo exercício na rede pública de educação básica com jornada de, no mínimo, 20 (vinte) horas semanais, graduado em licenciatura; e (Incluído pela Lei nº 12.202, de 2010) II - médico integrante de equipe de saúde da família oficialmente cadastrada, com atuação em áreas e regiões com carência e dificuldade de retenção desse profissional, definidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei nº 12.202, de 2010) II - médico integrante de equipe de saúde da família oficialmente cadastrada ou médico militar das Forças Armadas, com atuação em áreas e regiões com carência e dificuldade de retenção desse profissional, definidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde, na forma do regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.366, de 2016) III - médicos que não se enquadrem no disposto no inciso II do caput deste artigo, enfermeiros e demais profissionais da saúde que trabalhem no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) durante o período de vigência da emergência sanitária decorrente da pandemia da Covid-19, conforme o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020) No caso dos autos, o autor celebrou, com a Caixa Econômica Federal, o contrato de financiamento estudantil nº 24.0284.185.0005162-90, com o objetivo de custear os encargos referentes ao curso de medicina (id 291904876). Após a conclusão do curso, a parte autora passou a trabalhar junto ao Consórcio Intermunicipal do Oeste Paulista, sendo expedida declaração pelo referido Consórcio no seguinte sentido (id 291904877): “A quem possa interessar: Declaramos que o Drº. Pedro Ribeiro de Camargo, inscrito no CRM-SP 205.479/SP Credenciado pela empresa MIRANDA & CAMARGO SERVIÇOS MÉDICOS LTDA inscrita sob o número de CNPJ 34.737.223/0001-58 exerce Prestação de Serviço como Médico (a) Plantonista Credenciado pelo Consórcio Intermunicipal do Oeste Paulista (CIOP) desde março de 2020 desempenhando seu labor nas Unidades de Pronto Atendimento, com atendimento a pacientes com quadro de saúde compatíveis ao COVID-19 no município de Presidente Prudente/SP até o presente momento. Presidente Prudente, 08 de junho de 2022.” Por óbvio que a argumentação da União no sentido de que a ausência de regulamentação do procedimento do abatimento pretendido inviabilizaria o acolhimento do pleito não pode prosperar. O impetrante não pode ficar sob o puro arbítrio da Administração Pública, aguardando indefinidamente o adequado exercício da competência normativa por parte das autoridades encarregadas. Assim sendo, a sentença recorrida não comporta reparos. Nesse sentido, já decidiu esta Corte: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FIES. TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA. ABATIMENTO DE 1% NO SALDO DEVEDOR POR MÊS TRABALHADO ININTERRUPTAMENTE EM EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DAS PARCELAS DE AMORTIZAÇÃO DO CONTRATO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O deferimento da tutela provisória de urgência tem como requisitos, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, de um lado, a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e, de outro, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, advindos da não concessão da medida. Ademais, o deferimento da tutela de urgência não pode implicar a irreversibilidade do provimento antecipado, nos termos do § 3º do mesmo dispositivo. 2. Esses requisitos, assim postos, implicam a existência de prova pré-constituída da veracidade do quanto arguido pela parte requerente, na medida em que a antecipação do provimento postulado, nas tutelas de urgência, provoca a postergação do contraditório. 3. No caso dos autos, há fumus boni iuris. Quanto ao requisito do trabalho ininterrupto da requerente pelo período mínimo de 12 meses em equipe de saúde da família, os documentos juntados aos autos o comprovam, tanto quanto se é possível aferir por esta via de cognição estreita do agravo de instrumento. 4. Os documentos juntados aos autos pela requerente demonstram que houve, de sua parte, a tentativa de realização de requerimento administrativo junto ao FIESMED, o qual não pôde ser concluído não por erro no sistema, mas porque o sistema não reconheceu o vínculo da agravante com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES em equipes aceitas pelo programa. 5. Se restou demonstrado o preenchimento do requisito do trabalho ininterrupto pelo período mínimo de 12 meses em equipe de saúde da família, resta observar que a ESF onde atuou a agravante não integra o rol de localidades prioritárias definido pelo Anexo I da Portaria Conjunta nº 3, de 19/02/2013, do Ministério da Saúde. 6. Não obstante o Município de Santo André/SP não constar do rol do Anexo I da Portaria Conjunta nº 3/2013, a agravante poderia requerer o abatimento de 1% do saldo devedor do seu contrato FIES se comprovasse o atendimento das condições impostas pelo artigo 2º, § 2º, inciso II, da mesma Portaria. 7. Referidas condições restaram atendidas, ao menos nesta análise superficial, uma vez que a agravante trabalhou com carga horária de 40 horas semanais, pelo período de maio de 2020 a maio de 2021, na AMA/UBS São Mateus, área considerada carente, de maior vulnerabilidade. 8. Conclui-se que a agravante demonstrou o preenchimento dos requisitos para o abatimento do saldo devedor do seu contrato FIES, na forma do artigo 6º-B da Lei nº 10.260/2001. Não obstante, não houve o recebimento do pedido administrativo de abatimento por questões que escapam à esfera de atuação da requerente. 9. Presentes os requisitos ensejadores da concessão da tutela provisória de urgência, no caso. Precedente. 10. Agravo de instrumento parcialmente provido. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5023802-48.2022.4.03.0000, Rel. Juiz Federal Convocado RENATO LOPES BECHO, julgado em 23/03/2023, DJEN DATA: 14/04/2023) Ante o exposto, nego provimento às apelações e à remessa necessária. É como voto.
PARTE RE: MINISTERIO DA SAUDE, PRESIDENTE DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE
Advogado do(a) APELADO: GIOVANA EVA MATOS FARAH BONILHA - SP368597-A
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES. LEGITIMIDADE. MÉDICO ATUANTE NO ENFRENTAMENTO À PANDEMIA DA COVID-19. ABATIMENTO SALDO DEVEDOR. REQUISITOS PREENCHIDOS.
- Em conformidade com a legislação de regência (notadamente a Lei nº 10.260/2001 e alterações, a Portaria MEC nº 209/2018 e a Resolução CG-FIES nº 36/2019, o FIES tem gestão tripartite, com atribuições assim distribuídas: a) o Ministério da Educação e o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies) atuam no campo programático-normativo e na supervisão da execução dessa política pública, incluindo a administração de sistemas informatizados e realização do processo seletivo de estudantes para posterior formalização dos contratos; b) a tarefa de agente operador é confiada ao FNDE (em relação aos contratos firmados até o segundo semestre de 2017, inclusive), e à instituição financeira pública federal (para contratos firmados a partir de 2018, ao menos enquanto não for concluída a transferência das atribuições estabelecida pelo art. 20-B, da Lei nº 10.260/2001); c) é da CEF ou Banco do Brasil o papel de agente financeiro responsável pela formalização e aditamento dos contratos de financiamento, arrecadação e repasse do valor das amortizações, além do controle da inadimplência. A legitimidade processual passiva deriva da correspondência entre o pedido formulado pelo autor e as atribuições confiadas na gestão tripartite, ao passo em que a legitimidade processual ativa para a cobrança dos financiamentos é do agente financeiro que participa do contrato.
- No caso dos autos, a análise e eventual implementação do pedido de abatimento do saldo devedor passa pela atuação tanto do agente operador (FNDE) quanto do agente financeiro conforme atribuições estabelecidas pelos artigos. 6º, 9º e 11, da Portaria MEC nº 209/2018, razão pela qual de rigor o reconhecimento da legitimidade passiva do FNDE.
- O art. 6º-B da Lei nº. 10.260/2001, autorizou o abatimento do saldo devedor do FIES em função da atuação como médico no âmbito do SUS durante o período de vigência da emergência sanitária decorrente da pandemia da Covid-19, observados os demais requisitos legais.
- No caso dos autos, a parte impetrante comprovou sua atuação como médico no âmbito do SUS durante o período de emergência sanitária da pandemia da Covid-19, fazendo jus ao abatimento pretendido.
- Apelações e remessa necessária desprovidas.