APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002336-16.2023.4.03.6126
RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO
APELANTE: LAILDO ANTONIO DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: RAIMUNDO BESSA JUNIOR - PA11163-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002336-16.2023.4.03.6126 RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO APELANTE: LAILDO ANTONIO DE OLIVEIRA Advogado do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: RAIMUNDO BESSA JUNIOR - PA11163-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Exma. Sra. Desembargadora Federal RENATA LOTUFO (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto por LAILDO ANTONIO DE OLIVEIRA em face da sentença a qual julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. Objetivava-se a revisão do contrato de financiamento habitacional. Em breve síntese, sustenta a parte apelante que houve cobrança de encargos indevidamente capitalizados. Afirma que a hipótese em estudo requer produção de uma prova contábil, elaborada por um expert para levantar os dados controvertidos (juros capitalizados mensalmente x juros capitalizados diariamente). Salienta que a exordial traz pedidos de composição em audiência conciliatória. Por fim, requer o provimento do recurso. Ausente o recolhimento de preparo recursal por ser beneficiária da justiça gratuita. Em contrarrazões, a CEF, preliminarmente, argui a inépcia da inicial. No mérito, postula pelo desprovimento do recurso (ID 289687484). Subiram os autos a esta Eg. Corte para julgamento. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002336-16.2023.4.03.6126 RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO APELANTE: LAILDO ANTONIO DE OLIVEIRA Advogado do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: RAIMUNDO BESSA JUNIOR - PA11163-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Exma. Sra. Desembargadora Federal RENATA LOTUFO (Relatora): I - DA PRELIMINAR: Da inépcia da inicial: A CEF, em sede de contrarrazões, aduz que a petição inicial é inepta, por não restar demonstrada a causa de pedir remota. Afirma que o autor não explica o porquê da sua pretensão e muito menos a quantifica. Quanto ao alegado, cumpre dizer que a petição inicial deverá, em consonância com o inciso III do art. 319, indicar “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”, isto é, as razões que, do ponto de vista fático e jurídico, dão fundamento ao pedido. Nessa linha, a causa de pedir situa-se no elemento fático e em sua qualificação jurídica. Ao fato em si mesmo dá-se a denominação de “causa remota” do pedido; e à sua repercussão jurídica, a de “causa próxima” do pedido. Partindo desse pressuposto, analisando a petição inicial, verifico que a parte autora cumpriu com os ditames do art. 319, especificando pormenorizadamente os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, inclusive juntando laudo contábil para quantificar o direito postulado. Dessa forma, rejeito a preliminar aventada. II - DO MÉRITO: Versa a presente ação sobre pedido de revisão do contrato de financiamento habitacional, por supostas abusividades/ilegalidades contratuais. No caso concreto, a parte autora celebrou, em 22/08/2013, “Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Imóvel Residencial Quitado, Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia, Carta de Crédito com Recursos do SBPE – No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação - SFH” com a Caixa Econômica Federal, financiando o valor de R$ 240.000,00, com prazo de amortização de 420 meses, à taxa de juros nominal de 8,5101 % e efetiva de 8,85 (ID 289687463). Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor: Inicialmente, sabe-se que as disposições do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se as instituições financeiras, sobretudo, aos contratos bancários e de financiamento em geral. Esse entendimento ficou estabelecido na súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, o qual foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n° 2.591/DF. No entanto, para a incidência das normas protetivas ao consumidor é necessário demonstrar de forma concreta a existência de cláusulas contratuais abusivas ou ocorrência de excessiva onerosidade na avença pactuada. Por isso, argumentos genéricos ou a alegação de que o contrato é da modalidade de adesão não são aptos a demonstrar violação das regras consumeristas. Da capitalização de juros: Pois bem, a parte autora afirma haver abusividade no contrato de financiamento por importar em indevida capitalização de juros. Primeiramente, vale dizer que a definição que a legislação adota de juros capitalizados é aquela em se considera os juros devidos e já vencidos que, periodicamente (mensal, semestral ou anualmente), se incorporam ao valor principal. Em resumo, o pressuposto da capitalização é que, vencido o período ajustado (mensal, semestral, anual), os juros não pagos sejam incorporados ao capital e sobre eles passem a incidir novos juros. Cita-se que o art. 4º do Decreto 22.626/33 (“Lei de Usura”) proibia contar juros sobre juros, permitindo-se a capitalização de juros apenas com periodicidade anual, in verbis: Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano Salienta-se que desde 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória 1.963-17/00, admite-se, nos contratos bancários em geral, a pactuação de capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano (a mensal, inclusive), desde que expressamente pactuada. Por outro lado, em relação aos contratos do Sistema Financeiro da Habitação, até a edição da Lei 11.977/2009 somente era permitida a capitalização anual – admitida como regral geral pelo Decreto 22.626/33, com expressa previsão contratual, nos termos do Tema Repetitivo 952/STJ - passando, a partir de então, a ser admitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal. É o que se extrai do art. 15-A da Lei. 4380/64, incluído pela Lei nº 11.977/09: Art. 15-A. É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) O artigo 15-B, § 3º, da mesma lei, dispõe a respeito da livre pactuação dos sistemas de amortização do saldo devedor, sendo obrigatório o oferecimento ao mutuário o sistema SAC e de, no mínimo, outro sistema de amortização, entre eles o sistema SACRE e Price. Confira-se: Art. 15-B. Nas operações de empréstimo ou financiamento realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro da Habitação que prevejam pagamentos por meio de prestações periódicas, os sistemas de amortização do saldo devedor poderão ser livremente pactuados entre as partes. § 1º O valor presente do fluxo futuro das prestações, compostas de amortização do principal e juros, geradas pelas operações de que trata o caput, deve ser calculado com a utilização da taxa de juros pactuada no contrato, não podendo resultar em valor diferente ao do empréstimo ou do financiamento concedido. § 2º No caso de empréstimos e financiamentos com previsão de atualização monetária do saldo devedor ou das prestações, para fins de apuração do valor presente de que trata o § 1º, não serão considerados os efeitos da referida atualização monetária. § 3º Nas operações de empréstimo ou financiamento de que dispõe o caput é obrigatório o oferecimento ao mutuário do Sistema de Amortização Constante - SAC e de, no mínimo, outro sistema de amortização que atenda o disposto nos §§ 1o e 2o, entre eles o Sistema de Amortização Crescente - SACRE e o Sistema Francês de Amortização (Tabela Price). Ressalta-se que o Decreto 22.626/33 (conhecido como "Lei de Usura") não proíbe a técnica de formação de taxa de juros compostos (taxas capitalizadas), a qual não se confunde com capitalização de juros em sentido estrito (incorporação de juros devidos e vencidos ao capital, para efeito de incidência de novos juros, prática vedada conhecida como capitalização ou anatocismo). Frisa-se, ainda, que a mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica, portanto, capitalização de juros, mas tão somente processo de formação da taxa de juros pelo método composto. Por último, ressalto que a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara, bem como a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada, o que, como já dito, são conceitos que não se confundem. Todos esses conceitos até aqui utilizados foram minuciosamente analisados pelo Col. STJ, no REsp n. 973.827/RS, pela Min. Isabel Galotti, relatora para o acórdão, o qual transcrevo a ementa para conferência: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros. 2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos", métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". 4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios. 5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (REsp n. 973.827/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 8/8/2012, DJe de 24/9/2012.) Do Sistema de Amortização Constante (SAC): Quanto ao alegado, ressalta-se que o contrato prevê a utilização do Sistema de Amortização Constante - SAC, o qual faz com que as prestações sejam gradualmente reduzidas com o passar do tempo. É necessário frisar que tal sistema, por si só, não implica em capitalização de juros e consiste num método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados Com efeito, o que se vê é que a intenção da parte autora é reduzir a taxa de juros expressamente pactuada, usando como argumento a confusão entre o conceito legal de “capitalização de juros” e “regime composto de formação da taxa de juros” (taxa capitalizada), visto que Parecer Técnico carreado aos autos (ID 289687464) propõe a substituição do sistema de amortização SAC pelo método Gauss (Sistema Linear), com a consequente redução do valor das prestações. Nota-se que a contratação se deu de forma transparente tendo sido estipulada prestações em valores que vão decrescendo ao longo do tempo, com expressa menção à taxa de juros nominal e efetiva, sendo esta superior ao duodécuplo da taxa nominal mensal, o que se infere a presunção de ciência da formação de taxa de juros compostas (taxa capitalizada). Dessa forma, não merece prosperar qualquer alegação de abusividade no referido contrato pela mera utilização do Sistema SAC como sistema de amortização. Outrossim, vale mencionar que é pacífica a jurisprudência dessa E. Corte ao autorizar a adoção do sistema de amortização pelo SAC: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. REVISÃO CONTRATUAL. SISTEMA SAC. DEPÓSITO DE VALOR INFERIOR. - O contrato prevê a utilização do Sistema de Amortização Constante - SAC, o qual faz com que as prestações sejam gradualmente reduzidas com o passar do tempo. Tal sistema não implica em capitalização de juros e consiste num método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados. - O pagamento da parte incontroversa, por si só, não protege o mutuário contra a execução. Para obter tal proteção, é preciso depositar integralmente a parte controvertida (§ 2º, artigo 50, Lei nº 10.931/2004) ou obter do Judiciário decisão nos termos do § 4º do artigo 50 da referida lei. - Não se mostra juridicamente viável acolher-se, nesta sede de cognição sumária, a pretensão de pagar as prestações no valor que a parte agravante considera correto, o qual é bem inferior ao encargo inicial. - Não constatadas irregularidades no que inicialmente restou pactuado, não se mostra possível o acolhimento da pretensão da parte agravante, devendo ser mantido o contrato em questão, bem como o pagamento das prestações, livremente entabulados pelas partes. - Agravo de instrumento não provido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5031119-97.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 04/05/2023, DJEN DATA: 09/05/2023) AGRAVO DE INSTRUMENTO. MÚTUO E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REVISÃO CONTRATUAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ART. 300 CPC. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES. SISTEMA SAC. PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES VINCENDAS. VALOR MUITO INFERIOR AO ENCARGO INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. A concessão da tutela de urgência é medida de exceção, sendo imprescindível a verificação de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (NCPC, art. 300). 2. O Sistema de Amortização Constante (SAC), assim como o Sistema de Amortização Crescente (SACRE), não implica em capitalização de juros e consiste num método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados. 3. A jurisprudência desta E. Corte já se manifestou pelo descabimento do pedido de autorização para o depósito de prestações, quando inferior ao encargo inicial. 4. A jurisprudência desta E. Corte já se manifestou pelo descabimento do pedido de autorização para o depósito de prestações, quando inferior ao encargo inicial. 5. Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5013284-33.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 27/09/2021, DJEN DATA: 29/09/2021) PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ANATOCISMO. SISTEMAS DE AMORTIZAÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. (...) VII – Não existe vedação legal à utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, estes sistemas de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro no contrato, enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade, cada um deles possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens. Na ausência de nulidade na cláusula contratual que preveja a utilização de qualquer um destes sistemas, na ausência de óbices à prática de juros compostos, não se justifica a revisão do contrato para a adoção do Método Gauss. VIII – No caso em tela, a parte Autora limitou-se a questionar a validade das cláusulas contratadas, as quais são regulares. Ademais, não logrou demonstrar que a CEF deixou de aplicá-las ou que sua aplicação provocou grande desequilíbrio em virtude das alterações das condições fáticas em que foram contratadas, apresentando fundamentação insuficiente para a produção de prova pericial. Em suma, na ausência de comprovação de abuso ou desequilíbrio contratual, não havendo qualquer ilegalidade nas cláusulas contratadas, não há que se falar em compensação dos valores pagos a maior, repetição do indébito, enriquecimento sem causa ou devolução em dobro, não assistindo razão à embargante. IX – Apelação improvida. (TRF 3ª Região, Primeira Turma, ApCiv/SP 5001765-91.2017.4.03.6114, Relator Desembargador Federal Valdeci dos Santos, e – DJF3 14/08/2019) Portanto, descabida a substituição unilateral do sistema de amortização para o Sistema Gauss (linear), devendo prevalecer o princípio da autonomia da vontade. Outrossim, mesmo que tivesse sido comprovada eventual capitalização de juros, nos termos aqui designados, cumpre dizer que a Cláusula 32 (“Impontualidade”) admite de forma expressa e clara a incidência de juros remuneratórios calculados pelo método de juros compostos, com capitalização mensal sobre os valores em atraso. Segue a referida cláusula contratual (ID 289687463, p.3): Dessa forma, não merece prosperar qualquer alegação de abusividade, visto que o contrato foi assinado em 2013, portanto posterior à publicação da Lei nº 11.977/2009 (publicada em 08/07/2009 no DOU). Registro que, em que pese a constatação de eventual capitalização de juros se tratar de matéria de fato (nesse sentido, cita-se os Temas Repetitivos 48/STJ e 572/STJ, bem como o AgInt no AREsp n. 1.153.643/RS e AgInt no REsp 1.810.510/SP), é desnecessária a produção de prova técnica para a sua aferição no caso em apreço, visto se tratar de contrato firmado após a vigência da Lei nº 11.977/09, que acrescentou o art. 15-A à Lei nº 4.380/64, e com previsão expressa, clara e ostensiva no contrato possibilitando a capitalização mensal de juros. Cumpre consignar que a parte trata de maneira genérica a periodicidade da capitalização referindo-se na sua inicial como “capitalização diária/mensal” (ID 289687455, p. 3) e por vezes apenas referindo-se à capitalização mensal (289687455, p. 4). Portanto, não restando comprovada nenhuma irregularidade na celebração do contrato, é de rigor o cumprimento das condições previamente estabelecidas entre as partes. Da audiência de conciliação: Quanto à alegação de que “a exordial traz pedido de fazer composição em audiência conciliatória”, nota-se que, pelo contrário, a própria parte autora expressamente declarou na sua inicial não possuir interesse na sua designação. Portanto, fica prejudicado o pedido nesse ponto. Da majoração dos honorários recursais: Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, em atenção aos parâmetros do art. 85, § 2º, do CPC, especialmente no tocante ao grau de zelo profissional e ao trabalho despendido em grau recursal, majoro em 1% (um por cento) o montante fixado na instância de origem a título de honorários advocatícios, totalizando 11% (onze por cento) sobre o valor da causa. Sua exigibilidade, contudo, deverá ficar suspensa em razão do deferimento de gratuidade da justiça, nos termos do art. 98, § 3º do CPC. Dispositivo: Ante o exposto, REJEITO a preliminar e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. SFH. AÇÃO REVISIONAL. PRELIMINAR. INÉPCIA DA INICIAL. CAUSA DE PEDIR REMOTA. CUMPRIMENTO DO ART. 319 DO CPC. APLICAÇÃO DO CDC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SISTEMA SAC. SUBSTITUIÇÃO PELO MÉTODO GAUSS. DESCABIMENTO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS QUE NÃO SE CONFUNDE COM FORMAÇÃO DE TAXA DE JUROS COMPOSTOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL.
- Quanto à preliminar de inépcia da inicial, cumpre dizer que a petição inicial deverá, em consonância com o inciso III do art. 319, indicar “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”, isto é, as razões que, do ponto de vista fático e jurídico, dão fundamento ao pedido.
- A causa de pedir situa-se no elemento fático e em sua qualificação jurídica. Ao fato em si mesmo dá-se a denominação de “causa remota” do pedido; e à sua repercussão jurídica, a de “causa próxima” do pedido.
- Partindo desse pressuposto, analisando a petição inicial, verifico que a parte autora cumpriu com os ditames do art. 319, especificando pormenorizadamente os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, inclusive juntando laudo contábil para quantificar o direito postulado. Dessa forma, rejeito a preliminar aventada.
- No mérito, para a incidência das normas protetivas ao consumidor é necessário demonstrar de forma concreta a existência de cláusulas contratuais abusivas ou ocorrência de excessiva onerosidade na avença pactuada. Por isso, argumentos genéricos ou a alegação de que o contrato é da modalidade de adesão não são aptos a demonstrar violação das regras consumeristas.
- A definição que legislação adota de juros capitalizados é aquela em se considera os juros devidos e já vencidos que, periodicamente (mensal, semestral ou anualmente), se incorporam ao valor principal.
- Ressalta-se que o Decreto 22.626/33 (conhecido como "Lei de Usura") não proíbe a técnica de formação de taxa de juros compostos (taxas capitalizadas), a qual não se confunde com capitalização de juros em sentido estrito (incorporação de juros devidos e vencidos ao capital, para efeito de incidência de novos juros, prática vedada conhecida como capitalização ou anatocismo). Precedente do STJ.
- Quanto ao sistema de amortização SAC, é necessário frisar que tal sistema, por si só, não implica em capitalização de juros e consiste num método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados
- O que se vê é que a intenção da parte autora é reduzir a taxa de juros expressamente pactuada, usando como argumento a confusão entre o conceito legal de “capitalização de juros” e “regime composto de formação da taxa de juros” (taxa capitalizada), visto que Parecer Técnico carreado aos autos propõe a substituição do sistema de amortização SAC pelo método Gauss (Sistema Linear), com a consequente redução do valor das prestações.
- A contratação se deu de forma transparente, com expressa menção à taxa de juros nominal e efetiva, sendo esta superior ao duodécuplo da taxa nominal mensal, o que se infere a presunção de ciência da formação de taxa de juros pelo método composto (taxa capitalizada).
- Em que pese a constatação de eventual capitalização de juros se tratar de matéria de fato (nesse sentido, cita-se os Temas Repetitivos 48/STJ e 572/STJ, bem como o AgInt no AREsp n. 1.153.643/RS e AgInt no REsp 1.810.510/SP), é desnecessária a produção de prova técnica para a sua aferição no caso em apreço, visto se tratar de contrato firmado após a vigência da Lei nº 11.977/09, que acrescentou o art. 15-A à Lei nº 4.380/64, e com previsão expressa, clara e ostensiva no contrato (Cláusula 32 – “Impontualidade”) possibilitando a capitalização mensal de juros.
- Portanto, não restando comprovada nenhuma irregularidade na celebração do contrato, é de rigor o cumprimento das condições previamente estabelecidas entre as partes.
- Preliminar rejeitada; apelação desprovida.