Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008138-68.2017.4.03.6105

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE: INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
 

ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: CHRISTIAN TARIK PRINTES - SP316680-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008138-68.2017.4.03.6105

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

 

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE: INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
 

ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: CHRISTIAN TARIK PRINTES - SP316680-A

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF em face da UNIÃO FEDERAL.

 

Argumenta o Parquet em sua inicial que a requerida vem se apropriando indevidamente de verbas depositadas no Fundo Federal de Direitos Difusos – FDD, valendo-se de artifícios orçamentários para impedir a aplicação desses recursos na finalidade a que se destinam.

Traz considerações sobre o histórico do Fundo, sua previsão pela Lei nº 7.347/1985 e as regulamentações trazidas pelos Decretos nº 92.302/1986, nº 96.617/1988, nº 407/1991 e nº 1.306/1994 e, posteriormente, pela Medida Provisória nº 913/1995, convertida na Lei nº 9.008/1995, criticando a forma de composição do Conselho Federal Gestor do Fundo, vez que entende que o maior número de cadeiras conferido a representantes do Governo Federal prejudicou uma maior participação popular no órgão.

Argumenta que as receitas do FDD não podem ser caracterizadas como tributos e que, de todas as normas citadas - inclusive o Regimento Interno do CFDD, publicado no Diário Oficial da União de 18/8/2008 como anexo da Portaria nº 1.488 do Ministério da Justiça, de 15 de agosto de 2008 -, não há nenhuma referência a outra destinação para os recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, senão a aplicação em projetos e ações voltadas à proteção de direitos metaindividuais.

Sustenta que, ao arrepio da lei e das normas infralegais, a União, em vez de aplicar os recursos do FDD em projetos e ações de defesa de direitos e interesses metaindividuais, utiliza-se do Fundo como mecanismo de arrecadação primária, assim considerado qualquer crédito auferido pelo ente político federal em ações judiciais, ou ainda recursos de origem tributária, e que isso foi constatado no bojo do Inquérito Civil Público nº 1.34.004.000625/2015-92, consoante diversos fatos que especifica.

 

Formula os seguintes pedidos:

 

“(...)

Portanto, demonstrada a satisfação dos requisitos supramencionados, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a concessão de tutela de urgência, após a oitiva do representante judicial da UNIÃO, nos termos dos artigos 300 e seguintes do Código de Processo Civil, cumulado com o art. 12 da Lei n. 7.347/1985, para determinar à UNIÃO:

a) Obrigação de fazer, no sentido de que, doravante e até o trânsito em julgado da sentença prolatada nesta Ação Civil Pública, passe a apresentar, na proposta de Lei Orçamentária anual, disposição no sentido de destinar a integralidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos aos fins a que foram arrecadados, quais sejam, a reparação de direitos transindividuais lesados, na forma das normas de regência. A obrigação ora requerida se aplica já na proposta orçamentária para o exercício de 2019, a ser apresentada pela UNIÃO, por meio do Governo Federal, no ano de 2018; e

b) Obrigação de não fazer, no sentido de não promover novos contingenciamentos dos recursos do FDD, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo sejam orçados e disponibilizados para aplicação no exercício subsequente ao que foram arrecadados;

c) Obrigação de fazer no sentido de criar conta corrente específica para segregar financeiramente os recursos destinados ao FDD, de modo a impedir que eles continuem compondo reserva financeira da UNIÃO e passem a atender a finalidade para a qual se destinam.

4. PEDIDO E SUAS ESPECIFICAÇÕES.

Por todo o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:

I) O recebimento e autuação eletrônica desta petição inicial, pelo sistema PJ-e, acompanhado de cópia digitalizada do Inquérito Civil Público n. 1.34.004.000625/2015-92, do 5º Ofício da Procuradoria da República em Campinas, naquilo que foi considerado relevante;

II) seja deferida a tutela jurisdicional de urgência, na forma requerida no tópico 3, supra;

III) a citação da UNIÃO, por intermédio de sua Procuradoria-Seccional em Campinas, para, querendo, apresentar contestação;

IV) seja reconhecida, como matéria prejudicial à análise do mérito, a existência de precedente obrigatório do STF aplicável à espécie, na forma do art. 927, I, do Código de Processo Civil de 2015, ante a decisão proferida na medida cautelar em ADPF n. 347/DF, conforme sustentado no tópico 2.3.3, supra;

V) no mérito, que sejam confirmados os termos da liminar pleiteada, de modo que a UNIÃO seja condenada em: 

V. a) Obrigação de fazer, no sentido de que, a partir da decisão de mérito desta Ação, passe a apresentar, na proposta de Lei Orçamentária anual, disposição que destine a integralidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos aos fins a que foram arrecadados, quais sejam, a reparação de direitos transindividuais lesados, na forma das normas de regência; 

V. b) Obrigação de não fazer, no sentido de não promover novos contingenciamentos dos recursos do FDD, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo sejam orçados e disponibilizados para aplicação no exercício subsequente ao que foram arrecadados, abstendo-se de adotar qualquer conduta que impeça tal aproveitamento;

V.c) Obrigação de fazer no sentido de criar conta corrente específica para receber os recursos destinados ao FDD mantendo-os em plena segregação dos recursos orçamentários da UNIÃO;

V.d) Obrigação de fazer no sentido de apresentar e implementar cronograma de aplicação dos recursos financeiros que compõem o saldo contábil do FDD, ou seja, que não foram aplicados nos anos anteriores, para que sejam utilizados em prazo não superior a 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado da decisão;

VI) a dispensa do MPF do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto no art. 4º, inciso III, da Lei n. 9.289/1996), bem como do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 e art. 87 do Código de Defesa do Consumidor.

VII) por fim, a produção de todas as provas que se fizerem necessárias ao deslinde do feito, a serem oportunamente especificadas ao cabo da fase postulatória.

Na ausência de benefício econômico direto pretendido nesta Ação Civil Pública, que visa a adequada utilização dos recursos do FDD, atribui-se à causa, apenas para efeitos fiscais, o montante total recebido pelo Fundo no ano de 2016, no importe equivalente a R$ 775.034.487,75 (setecentos e setenta e cinco milhões, trinta e quatro mil, quatrocentos e oitenta e sete reais e setenta e cinco centavos).

Informa o MPF, ainda, em atenção ao que dispõe o inciso VII do art. 319 do Código de Processo Civil, e em observância aos princípios da boa-fé e cooperação processual, que opta pela realização de audiência inicial de tentativa de conciliação, a fim de franquear à UNIÃO a possibilidade de manifestar-se, previamente à contestação, acerca de eventual aquiescência voluntária com os pedidos formulados nesta Ação Civil Pública (...)” (ID 282465362).

 

O Juízo deixou de designar audiência de conciliação com fundamento no §4º, inciso II, do art. 334 do CPC/2015, ante a ausência de autorização do ente público para a autocomposição (ID 282465372).

 

Contestação pela requerida (ID 282465375).

 

O MPF reiterou seu pedido de tutela de urgência (ID 282465376).

 

Reconsiderada a decisão anterior, foi realizada audiência de tentativa de conciliação em 27/04/2018, que restou infrutífera, com reiteração do pedido de tutela antecipada pelo autor (ID 282465378 e 282465378).

 

O IDEC - INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR requereu seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae (ID 282465389).

 

Concedida a tutela de urgência, nos seguintes termos:

 

“(...)

Assim, concedo a tutela de urgência requerida, determinando:

a) obrigação de fazer, no sentido de que, doravante e até o trânsito em julgado da sentença prolatada nesta Ação Civil Pública, passe a apresentar, na proposta de Lei Orçamentária anual, disposição no sentido de destinar a integralidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) aos fins a que foram arrecadados, quais sejam, a reparação de direitos transindividuais lesados, na forma das normas de regência, o que se aplica já na proposta orçamentária para o exercício de 2019, a ser apresentada pela UNIÃO, por meio do Governo Federal, no ano de 2018;

b) obrigação de não fazer, no sentido de não promover novos contingenciamentos dos recursos do FDD, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo sejam orçados e disponibilizados para aplicação no exercício subsequente ao que foram arrecadados;

c) obrigação de fazer no sentido de criar conta-corrente específica para segregar financeiramente os recursos destinados ao FDD, de modo a impedir que eles continuem compondo reserva financeira da UNIÃO e passem a atender a finalidade para a qual se destinam.

No mais, na qualidade de autor da presente ação civil pública, manifeste-se o MPF, no prazo de 15 dias, sobre o pedido do IDEC, de admissão ao presente feito na qualidade de amicus curiae, nos termos do artigo 138 do Código de Processo Civil, inclusive sobre os poderes processuais que seriam a ele deferidos (§ 2º).

Deixo para analisar por ocasião da sentença o pedido de reconhecimento como matéria prejudicial à análise do mérito, a existência de precedente obrigatório do STF aplicável à espécie, na forma do art. 927, I, do Código de Processo Civil, ante a decisão proferida na medida cautelar em ADPF n. 347/DF, devendo ser analisado posteriormente se se aplica ou não, na espécie, a técnica da distinção.

(...)” (ID 282465396).

 

Manifestações pelo MPF e pela União (ID 282465399 e 282465400).

 

Admitido o ingresso do IDEC como amicus curiae (ID 282465403).

 

A União interpôs agravo de instrumento, no bojo do qual a então Relatora, Desembargadora Federal Marli Ferreira, indeferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo e, ante o pedido de desistência, deixou de conhecer do recurso (AI nº 5018837-66.2018.4.03.0000 - ID 282465404 e 282465413).

 

O MPF requereu a intimação da União para que comprovasse o cumprimento da medida de urgência, sob pena de fixação de multa cominatória (ID 282465412).

 

Intimada, a União disse não haver medida a ser cumprida em razão de decisão proferida na Suspensão de Liminar nº 5021251-37.2018.4.03.0000 (ID 282465414 e 282465417).

 

Juntado aos autos o acórdão prolatado pelo Órgão Especial deste Tribunal nos autos do processo nº 5021251-37.2018.4.03.0000 (ID 282465429):

 

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL. DETERMINAÇÃO PARA QUE OS VALORES DE FUNDO PÚBLICO FOSSEM INTEGRALMENTE DESTINADOS NO CORRENTE ANO, SEGREGANDO-SE OS SEUS RECURSOS DO ORÇAMENTO DA UNIÃO. TUTELA PROVISÓRIA APTA A GERAR CENÁRIO CAÓTICO NA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DO PAÍS. COMPROVADA OFENSA À ECONOMIA E ORDEM PÚBLICAS. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.

– Preliminar de ausência de interesse na continuidade do feito, considerando-se que a parte desistiu de agravo de instrumento interposto contra a decisão cujos efeitos foram suspensos. Inexistência de óbice ao julgamento de agravo interno em suspensão de liminar.

– Superveniente perda de objeto não caracterizada, porquanto a suspensão de liminar e a via jurisdicional ordinária são, via de regra, tutelas independentes entre si, ausentes circunstâncias que permitam identificar, no caso concreto, liame de prejudicialidade entre uma e outra.

– A suspensão da eficácia de provimentos jurisdicionais por ato da Presidência do respectivo Tribunal é “prerrogativa legalmente disponibilizada ao Poder Público, dentre outros legitimados, em defesa do interesse público, toda vez que se vislumbre, concretamente, perigo de grave lesão objetivando aos valores atinentes à ordem, à economia, à saúde ou à segurança públicas”, objetivando “a suspensão da eficácia das liminares e das sentenças proferidas contra entidades públicas e privadas que desempenham de alguma forma função pública” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 35).

– Sob análise, determinação proferida em Ação Civil Pública que ordenou a imediata destinação dos valores do Fundo de Defesa de Direitos Difusos aos fins para os quais arrecadadas, via inclusão na proposta orçamentária do exercício de 2019; a abstenção, por parte da União Federal, do contingenciamento do numerário do Fundo; e a criação de conta-corrente específica apta a segregar os recursos destinados ao FDD.

– Cumprimento da tutela provisória que se traduziria em significativos riscos à economia e à ordem públicas, porquanto a decisão judicial, ao conferir caráter obrigatório à execução orçamentária dos valores do FDD – estimados em 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais) – restringe sensivelmente a capacidade de dispêndio discricionário do Poder Executivo, comprometendo não só eventuais contingenciamentos de despesas, necessários na hipótese de frustração de receitas, mas também a implementação de políticas públicas que dependam de tais recursos.

– Cenário de afetação das ordens pública e econômica que é complementado, ainda, pela exigência de que vultosa quantia fosse executada em espaço exíguo de tempo, ensejando esterilização orçamentária e, por consequência, dificuldade na alocação dos recursos públicos, perspectiva agravada pelo cenário restritivo vivenciado no país. 

– Decisão que, ao determinar a segregação dos valores do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, implicou, ainda, em violação ao princípio da unicidade de caixa, extraído do que dispõe os artigos 164, § 3.º, da Constituição Federal e 56 da Lei nº 4.320/1964.

– Ao Poder Judiciário não cabe a confecção de políticas, mas a tutela de direitos, o que significa que não é de sua alçada determinar as formas de atuação estatal, em específico como executar o orçamento, sobretudo se, ao assim dispor, são desconsideradas as balizas postas na legislação constitucional e ordinária, em particular no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias vigentes.

– Argumentos do agravante que se rejeitam, uma vez que a decisão impugnada não analisou o mérito da demanda, mas se cingiu aos limites da suspensão de liminar, ponderando os impactos do decidido para os bens jurídicos legislativamente tutelados, tendo, em particular consideração, não a correição da decisão do juízo de primeiro grau, mas o modo pelo qual resolveu conferir-lhe efetividade.

– Distinção que se faz entre a situação dos autos e o precedente fixado pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 347, uma vez que a liberação dos recursos do FUNPEN é contextualizada, na decisão paradigma, com a situação emergencial de sistemática violação de direitos humanos que constantemente ocorre nos presídios do país, linha condutora que permeia todo o precedente e que o particulariza, tornando inviáveis interpretações que tomem referida deliberação sem o pertinente contexto que a circundou.

– Ofensas à economia e ordem pública caracterizadas. Necessidade de manutenção da suspensão anteriormente deferida, em sede monocrática, que se depreende dos autos. 

– Agravo conhecido e desprovido”.

 

O Juízo da 6ª Vara Federal de Campinas/SP declinou da competência e determinou a remessa dos autos à Subseção Judiciária de São Paulo/SP (ID 282465562).

 

O Juízo da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP ratificou todos os atos processuais, inclusive os decisórios (ID 282465581).

 

Em sentença proferida em 14/07/2023, o Juízo de Origem julgou improcedente o pedido. Sem honorários de sucumbência (ID 282465588).

 

O MPF apela pleiteando o acolhimento integral dos pedidos formulados na inicial (ID 282465595).

 

Contrarrazões pela União (ID 282465608).

 

Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do apelo (ID 284995847).

 

Juntado aos autos acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no Agravo Interno no Recurso Especial nº 2.008.964/SP, com trânsito em julgado em 28/02/2024 (ID 286967350):

 

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE CONFIRMA DECISÃO CONCESSIVA DE LIMINAR EM SEDE DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. NÃO CABIMENTO DO APELO NOBRE. PRECEDENTES.

1. É pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual "não é cabível recurso especial de decisões no âmbito do pedido de suspensão de segurança, pois o apelo nobre visa combater fundamentos que digam respeito ao exame de legalidade, 'ao passo que o pedido de suspensão ostenta juízo político'" (AgRg na MC 20.508/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10/4/2013)" (AgInt nos EDcl no REsp 1.625.577/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 10/10/2018). Nesse mesmo sentido: AgInt no AREsp 915.805/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe 26/6/2017.

2. Agravo interno não provido”.

 

É o relatório.

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
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V O T O

 

Do reexame necessário

Conheço do reexame necessário por força do art. 19 da Lei n° 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), de aplicação analógica às ações civis públicas (STJ, AgInt no REsp 1547569/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/06/2019, DJe 27/06/2019).

Do mérito recursal

 

Assim restou fundamentada a sentença de improcedência do pedido:

 

“(...)

Da Prejudicial De Mérito Suscitada Pelo Ministério Público Federal- MPF.

O MPF requer seja reconhecida “a existência de precedente obrigatório do STF aplicável à espécie, na forma do art. 927, I, do Código de Processo Civil de 2015, ante a decisão proferida na medida cautelar em ADPF n. 347/DF”.

Destaca que “em relação ao objeto desta Ação Civil Pública – e configura precedente da Suprema Corte brasileira – são as razões que levaram o STF a deferir um ponto específico do pedido cautelar formulado pela agremiação partidária autora: o descontingenciamento das verbas do FUNPEN (Fundo Penitenciário Nacional), e efetiva aplicação dos recursos constantes de seu saldo contábil aos fins a que se destinou a arrecadação, qual seja, a melhoria do sistema penitenciário”.

Defende que “em ambos os fundos especiais, os recursos são utilizados ilegalmente para formação de Reserva de Contingência, em prejuízo aos fins a que foram criados”. Fazendo tal paralelo, defende que “o Pleno do STF decidiu por determinar à UNIÃO o descontingenciamento dos recursos do FUNPEN. E as razões que levaram a Suprema Corte a essa decisão são perfeitamente aplicáveis ao caso desta Ação Civil Pública”.

Em que pese as alegações do AUTOR, considero que o paralelo atribuído pelo AUTOR não encontra sustentação.

Na ADPF 347, ainda sem trânsito em julgado, foi deferida parcialmente medida cautelar para, entre outras determinações, determinar à União que liberasse o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado – qual seja, proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e os programas de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário nacional[1]-, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.

Ocorre que, em momento algum, houve repercussão geral definida naquela ação o que, por si só, já afasta a obrigatoriedade de aplicação daquela sobre o caso concreto desta ação.

Em um segundo raciocínio, naquela ADPF, visava-se assegurar preceito [constitucional] fundamental da dignidade humana em relação aos custodiados do Estado; inclusive, em cumprimento a tratados internacionais assinados pelo Estado Brasileiro, como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e fixado no Tema 220 do STF (RE 592581), este sim com repercussão geral declarada, cito:

Tema 220 - Competência do Poder Judiciário para determinar ao Poder Executivo a realização de obras em estabelecimentos prisionais com o objetivo de assegurar a observância de direitos fundamentais dos presos.

Verifica-se, portanto, que o contingenciamento naquela hipótese fere não só o direito constitucional da dignidade humana como punha em risco o direito à vida dos custodiados o que, evidentemente, não se verifica no caso destes autos.

Tanto demonstrada a excepcionalidade da situação fática, que se manifestou o Egrégio Supremo Tribunal Federal. Cito:

(...)

Assim, afastado o paralelo e não tendo sido atribuída repercussão geral no âmbito da ADPF 347, rejeito a prejudicial de mérito suscitada pelo MPF.

Do Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD.

Em sua inicial o Ministério Público Federal discorre de forma primorosa sobre a origem e a importância do Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD, criado pela Lei nº 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto nº 1.306/94, o qual, em brevíssima síntese, tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.

Ainda de acordo com a Lei nº 7.347/85, Lei nº 9.008/1995 e Decreto nº 1.306/94, a origem e a destinação do recurso que compõe o FDD estão criteriosamente fixadas de forma taxativa, ficando a gestão do Fundo a cargo do Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais. Cito:

(...)

A controvérsia dos autos, no entanto, não reside no debate quanto a competência pela gestão do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos ou, menos ainda, quanto à destinação vinculada das verbas arrecadadas, mas na suposta utilização irregular dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos pela UNIÃO.

Segundo o MPF, “O Fundo, embora por expressa disposição legal tenha sim natureza vinculada, é tratado pela ré UNIÃO como de natureza contábil, e é utilizado para ‘fazer economia e reduzir a dívida líquida e equilibrar as contas públicas’ nos termos da manifestação já destacada do ex-presidente do CFDD. [...]”. E conclui: “Ou seja: a UNIÃO, de forma deliberada, determina aos órgãos da Administração o contingenciamento de verbas, inclusive despesas vinculadas, para diminuição do “espaço fiscal”, com vistas à geração – ainda que artificial e aparente – de um quadro superavitário. Todos esses fatos demonstram que a UNIÃO aplica de forma ilegal as verbas arrecadadas pelo FDD. O objeto desta Ação Civil Pública, portanto, e de forma sucinta, é no sentido de buscar a condenação da UNIÃO, a fim de que compelida seja a aplicar os recursos do FDD aos fins a que o Fundo foi criado.”

Para comprovar suas alegações o AUTOR junta aos autos cópias de Inquérito Civil onde fora apurado o contingenciamento no valor total de R$ 775.034.487,75 (setecentos e setenta e cinco milhões, trinta e quatro mil, quatrocentos e oitenta e sete reais e setenta e cinco centavos) entre os anos de 2011 e 2016, destacando que “a Lei Orçamentária Anual não destina, no ano subsequente, valor equivalente ao arrecadado no ano anterior. Disso decorre que o fundo passa a ter um “saldo” que não pode ser aplicado porque não é orçado”.

Sobre a controvérsia, ressalvando juízo diverso, considero que nos documentos que instruem a inicial, bem como nos argumentos declinados pelo MPF, não se vislumbra o alegado desvio de finalidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

Em verdade, a inicial baseia toda sua argumentação nas informações constantes dos Ofício 132/2015/CDD/GAB SENACON/SENACON-MJ, Ofício nº 38/2017/CDD/GAB SENACON/SENACON/MJ e email de setembro/2017, encaminhado à então Conselheira Mariane Mello, pelo Sr. Carlos Chagas Ferreira de Souza, da Secretaria Executiva do CFFDD (vide ids 3889497, 388952, 3889526).

Todavia, não há nos referidos documentos qualquer prova do alegado desvio de finalidade. Há, sim, informações – quase direcionadas, diga-se - quanto às limitações orçamentárias em razão e em cumprimento das Leis de Diretrizes Orçamentárias dos referidos anos. Ora! até aí, não se vislumbra qualquer ilegalidade.

Nesse ponto, socorre-se aos ensinamentos do Professor Dr. James Giacomoni, em seu livro Orçamento Público, Parte V – Processo Orçamentário – 11 Sistema e Processo Orçamentário, que magistralmente ensina sobre a complexidade do orçamento público. Transcrevo: 

(...)

No subtítulo seguinte (12- Elaboração da Proposta Orçamentária), acrescenta o nobre Professor:

(...)

Insta salientar que, além daquelas diretrizes especificadas na CF-88, o conteúdo e elaboração da LDO encontra suporte, a partir de 2000, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000); o mesmo ocorre com a LOA.

Destaco da obra ‘Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada’ do Ilmo. Professor Marcus Abraham as seguintes pontuações[3]:

(...)

Acerca dos objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, acrescenta o nobre autor:

(...)

Dentre as muitas diretrizes, destaca-se - por se aplicar ao debate trazido nos autos - o necessário equilíbrio entre receitas e despesas.

Nesse ponto, tem-se da Lei Complementar nº 101/2000 o seguinte:

(...)

Veja-se que foi grande a preocupação do legislador com o equilíbrio das finanças públicas, não havendo qualquer ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da referida norma – o que também não logrou demonstrar o autor.

Por sua vez, quanto ao questionamento do contingenciamento dos recursos do FDD, destaca-se da Lei de Responsabilidade Fiscal:

(...)

Veja-se, novamente, que o contingenciamento executado pelo Ministério da Justiça- UNIÃO-RÉ, e ao qual está vinculado o Fundo Federal de Direitos Difusos – FDD, em nada se transveste de ilegalidade.

A um, porque a possibilidade de contingenciamento como sistemática orçamentária do equilíbrio das finanças públicas encontra respaldo tanto na Carta Maior de 1988 quanto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), conforme apontado acima.

Segundo, porque o MPF não se desincumbiu de comprovar que o contingenciamento ocorrido no período de 2011 a 2016 – apontado na inicial- tenha sido excepcionado pelas Leis Orçamentárias Anuais aplicáveis àquele período. Portanto, a priori, não esteve automaticamente na exceção trazido no §2º do art. 9, da LC nº 101/2000- ônus da prova este que competia ao autor.

Terceiro, mas não menos importante, o Ministério Público Federal falha em demonstrar qualquer desvio de finalidade no contingenciamento dos recursos vinculado ao FDD. Tanto não restou demonstrada hipótese de desvio efetivo do recurso como o próprio MPF aponta que houve redução [destaco] do percentual de utilização do recurso do Fundo, mas sua suspensão absoluta a ponto de desfigurar por completo a existência legal do FUNDO – o que poderia, prima facie, configurar desvio de finalidade.

Outrossim, como deve ser de conhecimento do autor, a limitação orçamentária sofrida pelo Fundo Federal de Direitos Difusos- vinculado ao Poder Executivo-, foi uma sobrecarga suportada [e, ainda, suportada] por todos os demais Poderes Legislativo, Judiciário e, inclusive, Ministério Público uma vez que o equilíbrio fiscal do tesouro nacional (lato sensu) é uma responsabilidade de todos os entes.

Em síntese, portanto, o AUTOR não comprova qualquer desvio de finalidade do recurso vinculado ao Fundo Federal de Direitos Difusos.

Passando ao pedido específico para determinar a criação de conta corrente específica para receber os recursos destinados ao FDD plenamente segregada dos recursos orçamentários da UNIÃO melhor sorte não socorre o AUTOR.

Dispõe expressamente a Lei n. 4.320/64 em seu Título VII:

(...)

Segundo Heraldo da Costa Reis, citado por Silvio A. Crepaldi e Guilherme S. Crepaldi em seu livro Orçamento Público – Planejamento, elaboração e controle:

(...)

Um fundo especial é a determinação de uma parte do orçamento, com receitas e despesas, dentro do orçamento geral da entidade a que se vincula. Em outras palavras, e um orçamento próprio, com normas especiais de gestão, controle e avaliação.”(CREPALDI, Guilherme S.; CREPALDI, Sílvio A. Orçamento público: planejamento, elaboração e controle - 1ª edição. [São Paulo]: Editora Saraiva, 2013. E-book. ISBN 9788502201927. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502201927/. Acesso em: 10 jul. 2023).

Essa é a hipótese do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD que, não dotado personalidade jurídica, está sob a égide do Ministério da Justiça integrando o sistema orçamentário e financeiro da UNIÃO, o que não o torna imune às limitações de empenho sofrida por todos os demais entes.

Se não fosse suficiente para afastar o pedido em comento do MPF, tem-se no Decreto n. 1.306/1994, que Regulamenta o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, constou expressamente em seu artigo 10 que “Os recursos destinados ao fundo serão centralizados em conta especial mantida no Banco do Brasil S.A., em Brasília, DF, denominada “Ministério da Justiça - CFDD – Fundo”. No parágrafo único do referido artigo consta, ainda, a observação de que “os recursos destinados ao fundo provenientes de condenações judiciais de aplicação de multas administrativas deverão ser identificados segundo a natureza da infração ou do dano causado, de modo a permitir o cumprimento do disposto no art. 7º deste Decreto”

Nesse passo, o pedido do MPF não só é ilegal como vazio de efetividade, posto que o Decreto n. 1.306/1994 já determina a centralização do recurso destinado ao FUNDO em conta especial vinculada ao Ministério da Justiça.

Em suma, incabível o referido pedido inicial.

Do Princípio da Separação dos Poderes

No caso dos autos, o AUTOR propôs a presente ação civil pública com o objetivo único e exclusivo de obter a intervenção do Poder Judiciário sobre as diretrizes orçamentárias adotadas pelo Poder Executivo, em especial, no que tange à liberação/utilização dos recursos Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD, que está sob a égide do Ministério da Justiça.

Como já discorrido acima, embora de destinação vinculada, o descontingenciamento em si dos recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD está sob a responsabilidade exclusiva do Poder Executivo, a ser validado pelo Poder Legislativo, quando da elaboração e aprovação de todo um sistema orçamentário concretizado no Plano Plurianual (PPA), Lei do Orçamento Anual (LOA) e Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estão previstos constitucionalmente e na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Na mesma senda, restou exaustivamente consignado que o AUTOR, em momento algum, comprovou desvio de finalidade na utilização do recurso do FDD.

Portanto, o que o MPF pretende de forma cristalina é a direta e afrontosa ofensa ao princípio constitucional da separação harmônica dos Poderes, base do Estado Brasileiro insculpido no art. 2° da Constituição Brasileira de 1988. Cito:

(...)

Sobre a harmonia dos Poderes, o Supremo Tribunal Federal, mutatis mutandis, tem se manifestado de forma reiterada. Cito a título de exemplo - com grifos:

(...)

Nesse ponto, por oportuno, reitera-se a inaplicabilidade da preliminar suscitada pelo MPF quanto à aplicabilidade dos fundamentos da decisão proferida no âmbito da ADPF 347. Novamente, não há paralelo possível entre as hipóteses.

Por fim, diante das ponderações trazida até aqui, ressalvado juízo diverso, considero que o pedido inicial formulado pelo Ministério Público Federal deve ser julgado improcedente.

Dos honorários de sucumbência.

Dispõe o art. 18 da Lei nº 7.347/1985 que, na Ação Civil Pública, “não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)”.

Para além do fixado da citada norma, as cortes Superiores firmaram entendimento, em atenção à simetria, que descabe a condenação em honorários, inclusive, descabem honorários da parte requerida e nas ações em que o MPF for vencedor ou parte vencida, salvo quando existente má-fé. Cito:

(...)

DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial e extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Custas ex lege.

Sem honorários de sucumbência em cumprimento do art. 18, da Lei nº 7.347/1985.

 (...)” (ID 282465588 - destaquei).

 

Inicialmente, rejeito a alegação recursal de que seria obrigatória a observância do quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 347, seja porque ainda não houve trânsito em julgado, seja porque não é possível afirmar que a discussão posta naqueles autos (contingenciamento de recursos do Fundo Penitenciário) seja semelhante à matéria discutida neste feito.

 

Dito isso, verifico que a destinação dos recursos destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) está assim prevista pela Lei nº 7.347/85:

 

“Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados (Regulamento)  (Regulamento)   (Regulamento)

§ 1º. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.  (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.288, de 2010)

§ 2º  Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1º desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)  (Vigência)” (destaquei).

 

Atualmente, há a seguinte previsão na Lei nº 9.008/1995:

 

“Art. 1º Fica criado, no âmbito da estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD).

§ 1º O Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.

(...)

§ 3º Os recursos arrecadados pelo FDD serão aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas no § 1º deste artigo.

(...)” (destaquei).

 

Veja-se que a atual legislação é expressa ao prever que a destinação dos recursos arrecadados pelo FDD é vinculada, sem autorizar que a União Federal se aproprie destes valores e/ou lhes dê destinação diversa.

 

Sendo assim, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal também garante que a utilização destes recursos deverá observar a vinculação legalmente definida, in verbis:

 

“Seção IV

Da Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas

Art. 8° Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4º, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.         (Vide Decreto nº 4.959, de 2004)            (Vide Decreto nº 5.356, de 2005)

Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

Art. 9º Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

(...)

§ 2º  Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias.   (Redação dada pela Lei Complementar nº 177, de 2021)

(...)” (destaquei).

 

Não prospera, portanto, a alegação defensiva de que apenas não seriam objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias, conforme previsto no § 2º do art. 9º da LRF.

 

A regra aplicável ao caso concreto é a do parágrafo único do art. 8º da LRF, que trata especificamente de receita legalmente vinculada.

 

Também a tese defensiva de que os recursos do FDD seriam receitas orçamentárias e, por isso, se sujeitariam a contingenciamento não pode prevalecer.

 

Confira-se o consagrado conceito de receitas públicas trazido por Aliomar Baleeiro, reproduzido no voto da Ministra Rosa Weber no julgamento do Recurso Extraordinário nº 606.107/RS:

 

“Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”.

 

Evidentemente, os recursos do FDD não ostentam a qualidade de definitividade, já que são arrecadados com finalidade específica, previamente prevista em lei.

 

Daí porque não se sustenta o fundamento adotado em sentença, no sentido de que o Fundo integraria o sistema orçamentário e financeiro da União e, por isso, não estaria imune às limitações de empenho sofridas por todos os entes.

 

Na verdade, o tão só fato de que tais valores são destinados a um Fundo não altera a sua vinculação legal, como visto até aqui.

 

Mais especificamente, o FDD tem natureza de fundo especial, assim regido pela Lei nº 4.320/64:

 

“TÍTULO VII

Dos Fundos Especiais

Artigo 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.

Artigo 72. A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais.

Artigo 73. Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo.

Artigo 74. A lei que instituir fundo especial poderá determinar normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem, de qualquer modo, elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

(...)” (destaquei).

 

Tal regramento é harmônico com o já mencionado parágrafo único do art. 8º da LRF e vem a reforçar a vinculação destes recursos.

 

Naturalmente, o art. 72 da Lei nº 4.320/64 não autoriza o desvirtuamento dessa vinculação, mas apenas prevê que a aplicação dos recursos será precedida de dotação orçamentária - que, a toda evidência, estará relacionada à sua vinculação legal.

 

Dito de outro modo, a prévia dotação orçamentária é mecanismo para viabilizar o emprego dos recursos do FDD de acordo com a destinação legal destes valores, e não da forma como a União entender mais adequado.

 

É igualmente insubsistente o fundamento adotado em sentença de que não teria havido prova do alegado desvio de finalidade.

 

Quanto a isso, registro que o contingenciamento de recursos é fato incontroverso, tanto que é defendido pela União em sua contestação, in verbis (ID 282465375):

 

“(...)

IV. DO MÉRITO

De início, cumpre salientar que o tema é afeto ao regime jurídico da execução orçamentária e do cumprimento de metas, disciplinado entre outras normativas, na Lei de Responsabilidade Fiscal. E, em suma, pela natureza dos pedidos contidos na exordial, nota-se que o Ministério Público Federal questiona a legalidade do contingenciamento realizado nos recursos que integram o FDD, que se funda, em suma, pela disposição do art. 9º da Lei Complementar 101/00

(...)

Nesse momento, considerando a identificação da necessidade de adequação, importante consignar que cabe ao Presidente da República, após a análise e o assessoramento dos órgãos técnicos do Poder Executivo, incialmente decidir quais despesas deverão ser objeto de contingenciamento, dentro de um universo de serviços públicos da mais alta relevância e da notória limitação de recursos para atender a todos.

Dessa forma, nota-se que a decisão de contingenciamento é atividade eminentemente político-administrativa, e, por tal natureza, não possui lastro permissivo para que o Poder Judiciário interfira, sob pena de violar o princípio da separação dos Poderes. Nesse viés, leciona HARRISON LEITE:

(...)

Por certo, a existência dos fundos públicos se justifica precisamente pela intenção de segregar recursos para o alcance de determinados objetivos. Isso, contudo, não significa que a execução financeira dos recursos dos fundos públicos seja sempre obrigatória. Pode ser ou não, a depender da decisão do legislador em estabelecer tal obrigatoriedade na lei de criação do fundo. Caso exista norma legal que obrigue a execução financeira do orçamento do fundo público, os seus recursos não poderão ser contingenciados. Por outro lado, se a lei de criação não a prevê, os recursos do fundo poderão ser contingenciados, salvo se a lei de diretrizes orçamentárias prescrever o contrário.

(...)” (destaquei).

 

Diga-se uma vez mais que é equivocada a interpretação que a União pretende dar à LRF, já que ignora a expressa previsão de que os recursos serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação (art. 8º, parágrafo único).

 

De todo modo, se entendesse necessária a produção de prova sobre o contingenciamento, o Juízo poderia ter invertido o ônus probatório com base no art. 373, § 1º, do CPC/2015, já que a União Federal tem muito mais condições de demonstrar esse fato do que o MPF.

 

Desta forma, não há dúvidas de que os recursos arrecadados pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) são de destinação vinculada, conforme expressamente previsto no art. 13, caput, da Lei nº 7.347/85 e no art. 1º, § 3º da Lei nº 9.008/1995, sendo ilegal o contingenciamento destes valores pela União Federal, por violação ao art. 8º, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal e aos artigos 71 a 74 da Lei nº 4.320/64.

 

Acolhida a tese de direito autoral, passo à análise específica dos pedidos deduzidos pelo MPF.

 

V. a) Obrigação de fazer, no sentido de que, a partir da decisão de mérito desta Ação, passe a apresentar, na proposta de Lei Orçamentária anual, disposição que destine a integralidade dos recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos aos fins a que foram arrecadados, quais sejam, a reparação de direitos transindividuais lesados, na forma das normas de regência;

 

Com efeito, a forma de aplicação destes recursos é matéria a ser apreciada pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD), conforme prevê o art. 3º da Lei nº 9.008/1995.

 

Dito isso, verifico que o pedido não tem previsão legal, já que, como visto até aqui, o art. 8º, parágrafo único, da LRF autoriza a utilização dos recursos vinculados em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

 

É certo que a legislação vincula a destinação dos recursos, mas não há previsão específica de que a utilização se dê em determinado exercício.

 

Sem prejuízo, o MPF pode provocar o Judiciário caso se verifique uma omissão injustificada na aplicação dos recursos, o que haverá de ser analisado pontualmente.

 

V. b) Obrigação de não fazer, no sentido de não promover novos contingenciamentos dos recursos do FDD, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo sejam orçados e disponibilizados para aplicação no exercício subsequente ao que foram arrecadados, abstendo-se de adotar qualquer conduta que impeça tal aproveitamento;

 

O pedido merece parcial acolhimento quanto à obrigação de não fazer, dada a ilegalidade do contingenciamento promovido pela União, como exaustivamente fundamentei até aqui.

Registro que, muito recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo não contingenciamento dos recursos destinados ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, em decisão da lavra do Ministro Flávio Dino na ADPF n° 944/MC, in verbis:

“DECISÃO:

Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela Confederação Nacional da Indústria tendo como pedido principal: ‘No mérito, em decisão com eficácia contra todos e efeito vinculante, seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação adotada em decisões da Justiça do Trabalho que violam o preceito constitucional fundamental da separação de Poderes, na forma em que positivado na Constituição e nesta ação demonstrado, declarando-se também, mais especificamente, a inconstitucionalidade das decisões, sentenças e acórdãos proferidos pela Justiça do Trabalho em ações civis públicas, nos quais, ao invés de se determinar o recolhimento de condenações em dinheiro para fundos públicos constituídos por lei, é ordenada a constituição de fundações privadas com dotações patrimoniais específicas e/ou a realização de doações diretas, com valor determinado, para entidades públicas e/ou privadas e/ou a destinação de condenações coletivas a quaisquer órgãos e/ou fim que não o FDDD ou o FAT.’

(...)

O artigo 13 da Lei nº 7347/85 tem a seguinte redação:

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Cabe enfatizar a parte final do referido artigo:

“sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.”

É fato notório que tanto o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) quanto o FDD (Fundo dos Direitos Difusos) têm sofrido reiterados contingenciamentos, há muitos anos, o que impede a reconstituição dos bens lesados.

Essa anomalia precisa ser corrigida, uma vez que, se assim não for feito, a aplicação do preceito continuará inadequada e incompleta, além de ser evidente a violação de uma proteção constitucional eficaz aos direitos sociais, em confronto com o princípio da proporcionalidade inerente à Constituição.

É fundamental garantir a transparência, a rastreabilidade e a efetividade de todos os valores decorrentes de acordos ou condenações trabalhistas que forem destinados para o FDD ou FAT. Esses recursos, conforme a legislação e a lógica de todo o direito de reparação, precisam ser aplicados em programas relacionados à implementação ou restauração de direitos sociais. É a diretriz que emana do art.13 da Lei nº 7347/85, bem como do art. 944 do Código Civil (“A indenização mede-se pela extensão do dano”). Assim, se deve buscar prioritariamente a reparação mais específica quanto possível.

Com efeito, existe um dever constitucional de materialização dos direitos sociais. O simples envio de recursos para um fundo público, sem garantias efetivas de sua utilização na implementação de direitos fundamentais, significa um descumprimento do referido dever.

(...)

Inegável a existência atual, no ordenamento jurídico, de mais de uma opção legítima, para a destinação de bens decorrentes de condenação em ação civil pública, e que não são incompatíveis. O juiz, no caso concreto, tem o dever-poder de determinar a destinação que melhor atender aos direitos debatidos na causa, sempre de modo público e fundamentado.

Anoto que, caso a opção seja, conforme requerido nesta ADPF, pela destinação ao FDD ou ao FAT, tais recursos não podem ser contingenciados, por força da afetação a uma finalidade específica e indisponível ao administrador, qual seja, a reparação por danos coletivos e difusos em desfavor de direitos dos trabalhadores. Tem-se situação similar a que o STF adotou acerca do FUNPEN, no julgamento da ADPF 347, bem como na ADPF 708, quanto ao Fundo Clima.

Não há sentido em alimentar os fundos públicos com recursos e eles estarem sujeitos a contingenciamentos, bloqueios ou qualquer forma de impedimento à execução. Essa verba tem uma natureza peculiar, uma vez que é eventual e incerta no que se refere à sua periodicidade e ao seu valor (já que depende de uma condenação ou acordo trabalhista). Logo, não há sentido em imputar nenhuma política de perene contingenciamento. Essa blindagem é necessária, uma vez que a história de não utilização plena do fundo contribuiu decisivamente para a proliferação de decisões judiciais dando destinação diversa aos valores de condenações ou acordos, na seara trabalhista. 

Ante o exposto, decido conceder, em parte, a medida liminar, nos seguintes termos:

A) As condenações em ações civis públicas trabalhistas, por danos transindividuais, devem ser direcionadas para: I) o FDD (Fundo dos Direitos Difusos) ou para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador); ou II) Alternativamente, devem observar os procedimentos e medidas, inclusive de transparência na prestação de contas, regulados na Resolução Conjunta nº 10 do CNJ e do CNMP. Esta determinação também se aplica aos acordos em ações ou inquéritos civis públicos relacionados a direitos trabalhistas;

B) Os fundos mencionados devem individualizar (com transparência e rastreabilidade) os valores recebidos a partir de decisões em ações civis públicas trabalhistas (ou em acordos) e esses valores devem ser aplicados exclusivamente em programas e projetos relacionados à proteção de direitos dos trabalhadores;

C) Todos os recursos atualmente existentes no FDD (Fundo dos Direitos Difusos) ou no FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que tenham tido a origem concernente ao objeto desta ADPF, ou os futuros aportes, não poderão ser alvo de qualquer espécie de contingenciamento, tendo esta decisão efeito ex tunc;

D) Os Conselhos dos Fundos citados devem, obrigatoriamente, quando da aplicação dos recursos objeto da presente ADPF, ouvir o Tribunal Superior do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego e a Procuradoria Geral do Trabalho.

(...)

Publique-se.

Brasília, 22 de agosto de 2024.

Ministro FLÁVIO DINO

Relator

(...)” (destaquei).

Contudo, não é possível impor à União a obrigação de aplicação integral dos recursos no exercício subsequente ao da arrecadação, como fundamentei no item anterior.

 

V. c) Obrigação de fazer no sentido de criar conta corrente específica para receber os recursos destinados ao FDD, mantendo-os em plena segregação dos recursos orçamentários da UNIÃO;

 

O pedido encontra amparo no Decreto nº 1.306/1994:

 

“Art. 10. Os recursos destinados ao fundo serão centralizados em conta especial mantida no Banco do Brasil S.A., em Brasília, DF, denominada “Ministério da Justiça - CFDD – Fundo”.

Parágrafo único. Nos termos do Regimento Interno do CFDD, os recursos destinados ao fundo provenientes de condenações judiciais de aplicação de multas administrativas deverão ser identificados segundo a natureza da infração ou do dano causado, de modo a permitir o cumprimento do disposto no art. 7º deste Decreto.

(...)” (destaquei).

 

Embora a União alegue que isso violaria o Princípio Orçamentário da Unidade de Caixa ou da Unidade de Tesouraria, extraído do que dispõem os arts. 164, §3º, da CRFB/88 e 56 da Lei nº 4.320/1964, tais dispositivos referem-se expressamente a receitas da União, in verbis:

 

Constituição Federal de 1988

Art. 164. A competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo banco central.

(...)

§ 3º As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei” (destaquei).

 

Lei nº 4.320/1964

TÍTULO VI

Da Execução do Orçamento

(...)

CAPÍTULO II

Da Receita

(...)

Art. 56. O recolhimento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.

(...)” (destaquei).

 

Como exaustivamente visto até aqui, os recursos do FDD constituem um fundo especial, de destinação vinculada, e não se enquadram no conceito de receitas públicas.

 

Registre-se que não há qualquer ilegalidade no quanto previsto pelo art. 10 do Decreto nº 1.306/1994, que apenas prevê um dever instrumental, consistente no modo pelo qual tais recursos serão geridos.

 

V. d) Obrigação de fazer no sentido de apresentar e implementar cronograma de aplicação dos recursos financeiros que compõem o saldo contábil do FDD, ou seja, que não foram aplicados nos anos anteriores, para que sejam utilizados em prazo não superior a 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado da decisão;

 

Como visto até aqui, a forma de aplicação destes recursos é matéria a ser apreciada pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD), conforme prevê o art. 3º da Lei nº 9.008/1995, não havendo previsão legal de utilização dos recursos em determinado prazo, tampouco de que seja elaborado cronograma de aplicação dos recursos que compõem o seu saldo contábil.

 

Contudo, e para que não haja dúvidas, consigno que a União ficará proibida de promover novos contingenciamentos a partir do trânsito em julgado deste acórdão, sendo certo que, depois disso, o saldo contábil remanescente também deverá ser destinado às finalidades específicas do FDD.

 

Registro que, com isso, está observada a regra do art. 21 da LINDB, já que a União tem ciência desta ação desde quando ofertou sua contestação, em fevereiro de 2018, e ainda terá algum tempo para se adequar às determinações aqui proferidas (ID 282465375). 

 

Por fim, faço constar que eventuais alegações de cunho consequencialista, segundo as quais a presente decisão importaria em grandes prejuízos à União, não autorizam a manutenção do atual estado de coisas, em que o ente público tem se apropriado ilegalmente de recursos de destinação legalmente vinculada.

 

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário para condenar a União Federal em obrigação de não fazer, consistente em não promover novos contingenciamentos dos recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos - FDD a partir do trânsito em julgado deste acórdão, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo estejam disponíveis para aplicação na forma prevista no art. 13, caput, da Lei nº 7.347/85 e no art. 1º, § 3º da Lei nº 9.008/1995, abstendo-se de adotar qualquer conduta que impeça tal aproveitamento, e em obrigação de fazer, consistente na criação de conta corrente específica para receber os recursos destinados ao FDD, mantendo-os em plena segregação dos recursos orçamentários da União Federal, na forma prevista no art. 10 do Decreto nº 1.306/1994.

 

É como voto.



E M E N T A

DIREITO CONSTITUCIONAL, FINANCEIRO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FUNDO DE DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS - FDD. RECURSOS DE DESTINAÇÃO VINCULADA E QUE NÃO INTEGRAM O ORÇAMENTO DA UNIÃO. CONTINGENCIAMENTO PELA UNIÃO: ILEGALIDADE.

1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal - MPF em face da União Federal com pedidos destinados a garantir o não contingenciamento de recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos - FDD.

2. Os recursos arrecadados pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) são de destinação vinculada, conforme expressamente previsto no art. 13, caput, da Lei nº 7.347/85 e no art. 1º, § 3º da Lei nº 9.008/1995, sendo ilegal o contingenciamento destes valores pela União Federal, por violação ao art. 8º, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal e aos artigos 71 a 74 da Lei nº 4.320/64.

3. A forma de aplicação dos recursos do FDD é matéria a ser apreciada pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD), conforme prevê o art. 3º da Lei nº 9.008/1995, não havendo previsão legal que ampare os pedidos de condenação da União Federal (i) a passar a apresentar, nas propostas de Lei Orçamentária Anual, disposição que destine a integralidade destes recursos aos fins a que foram arrecadados e (ii) a apresentar e implementar cronograma de aplicação dos recursos financeiros que compõem o saldo contábil do FDD para que sejam utilizados em prazo não superior a 5 (cinco) anos.

4. O pedido de condenação da União a não promover novos contingenciamentos dos recursos do FDD deve ser acolhido, ante a ilegalidade desta conduta. Contudo, não é possível a imposição de obrigação de aplicação integral dos recursos no exercício subsequente ao da arrecadação, por ausência de previsão legal.

5. A União deverá centralizar os recursos do FDD em conta bancária especial a ser aberta na forma do art. 10 do Decreto nº 1.306/1994, uma vez que os recursos do FDD constituem um fundo especial, de destinação vinculada, não se enquadram no conceito de receitas públicas e não estão sujeitos ao Princípio Orçamentário da Unidade de Caixa ou da Unidade de Tesouraria, previsto nos arts. 164, §3º, da CRFB/88 e 56 da Lei nº 4.320/1964, sendo certo que tais dispositivos referem-se expressamente a receitas da União.

6. Apelação e reexame necessário parcialmente providos para condenar a União Federal em obrigação de não fazer, consistente em não promover novos contingenciamentos dos recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos - FDD a partir do trânsito em julgado deste acórdão, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo estejam disponíveis para aplicação na forma prevista no art. 13, caput, da Lei nº 7.347/85 e no art. 1º, § 3º da Lei nº 9.008/1995, abstendo-se de adotar qualquer conduta que impeça tal aproveitamento, e em obrigação de fazer, consistente na criação de conta corrente específica para receber os recursos destinados ao FDD, mantendo-os em plena segregação dos recursos orçamentários da União Federal, na forma prevista no art. 10 do Decreto nº 1.306/1994.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário para condenar a União Federal em obrigação de não fazer, consistente em não promover novos contingenciamentos dos recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos - FDD a partir do trânsito em julgado deste acórdão, de modo que todos os valores arrecadados pelo Fundo estejam disponíveis para aplicação na forma prevista no art. 13, caput, da Lei nº 7.347/85 e no art. 1º, § 3º da Lei nº 9.008/1995, abstendo-se de adotar qualquer conduta que impeça tal aproveitamento, e em obrigação de fazer, consistente na criação de conta corrente específica para receber os recursos destinados ao FDD, mantendo-os em plena segregação dos recursos orçamentários da União Federal, na forma prevista no art. 10 do Decreto nº 1.306/1994, nos termos do voto do Des. Fed. WILSON ZAUHY (Relator), com quem votaram a Des. Fed. LEILA PAIVA e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. Ausentes, justificadamente, em virtude de compensação, a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, e, por motivo de férias, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
WILSON ZAUHY
DESEMBARGADOR FEDERAL