Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000822-76.2010.4.03.6124

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, RIO PARANÁ ENERGIA S.A

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A

APELADO: ADELINA MARZOCHI BIANI, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA ALBERTINA, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: SILMARA PORTO PENARIOL - SP190786-A
Advogados do(a) APELADO: JOSELINA MAIONI BELMONTE PICOLI - SP146626-N, OSMAIR APARECIDO PICOLI - SP49211-A, PATRICIA BELMONTE DEMETRIO DOMINGOS - SP203283-A
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A, LAURA FANUCCHI - SP374979-A
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000822-76.2010.4.03.6124

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, RIO PARANÁ ENERGIA S.A

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A

APELADO: ADELINA MARZOCHI BIANI, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA ALBERTINA, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: SILMARA PORTO PENARIOL - SP190786-A
Advogados do(a) APELADO: JOSELINA MAIONI BELMONTE PICOLI - SP146626-N, OSMAIR APARECIDO PICOLI - SP49211-A, PATRICIA BELMONTE DEMETRIO DOMINGOS - SP203283-A
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A, LAURA FANUCCHI - SP374979-A
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que reformou parcialmente a sentença, com a seguinte ementa:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA. PRELIMINARES REJEITADAS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
I - A determinação contida no art. 55, § 3º do CPC deve ser interpretada à luz dos princípios que norteiam o processo civil e de todas as demais normas que compõem o referido códex. 
A existência de cerca de 500 ações civis públicas, tramitando em diferentes varas federais, tratando de imóveis em diversos municípios, construídos em condições múltiplas, com vários réus e advogados distintos indicam a inconveniência de uma reunião total das ações. Ainda assim, o juízo a quo envidou esforços para reunir as ações que se encontravam em condições similares. Não suficiente, os julgamentos realizados pelas cortes superiores com efeito erga omnes, com repercussão geral ou pelo ritos dos recursos repetitivos, tem sido suficientes para padronizar os entendimentos e garantir a isonomia entre as partes. (STJ, AgInt nos EDcl no CC n. 167.981/PR).
II -
O ônus da prova foi invertido e dirigido aos proprietários do imóvel, considerados os poluidores diretamente responsáveis pelo dano ambiental. Foi determinado o adiantamento dos honorários periciais, sob pena de preclusão e julgamento antecipado do mérito. Contra essa decisão as partes não apresentaram impugnação, e a inércia dos proprietários provocou a preclusão. As concessionárias igualmente não recorreram da decisão que seria impugnável nos termos do art. 1.015, XI do CPC.
III - A ação foi precedida por auto de infração que indicava a existência de dano nos termos da legislação de regência à época de seu ajuizamento. A superveniência do novo código florestal fez com a controvérsia nos autos ficasse adstrita essencialmente à definição da área da APP. Não há qualquer nulidade na sentença proferida pelo juízo que optou por delimitar a área da APP e a obrigação das partes, relegando à fase de liquidação a delimitação exata das construções a serem demolidas e da área a ser recuperada, nos termos do art. 509 e 510 do CPC. A sentença não estabeleceu condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 128, § 5º, II, "a" da CF, enquanto a sua anulação apenas provocaria tumulto processo e atraso na prestação jurisdicional. Cerceamento de defesa não configurado.
IV - O Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), cuja vigência teve início no curso da ação, define Área de Preservação Permanente (APP) em seu art. 3º, II, Lei 12.651/2012.
Para efeitos da presente ação destaca-se o teor do art. 62 do Novo Código Florestal, segundo o qual, para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.
V - As profundas mudanças legais empreendidas pelo Novo Código Florestal provocaram o ajuizamento das ADI’s 4.937/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e da ADC 42/DF, julgadas pelo STF que, em linhas gerais e com poucas adaptações, confirmou a constitucionalidade do Novo Código Florestal. Destaca-se que a constitucionalidade do art. 62 da Lei 12.651/2012, objeto da maior controvérsia na presente ação, foi reconhecida por unanimidade pela Corte Suprema o que provocou, em um momento posterior, inclusive a necessidade de adaptação de julgados desta Sexta Turma que adotavam entendimento que restringia a aplicação do dispositivo. Por esta razão, não há como prevalecer o entendimento adotado pelo MPF de que a aplicação do artigo em questão ofenderia o teor do art. 5º, XXXVI da CEF e art. 6º, caput, §§ 1º e 3º da LINDB.
VI - Também por este motivo, não restam dúvidas de que a APP no entorno do Reservatório da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira enquadra-se na hipótese do art. 62 da Lei 12.651/2012, que não faz menção às áreas consolidadas referidas em seus artigos anteriores ou à natureza das atividades nelas desenvolvidas. Ao limitar a extensão da APP no entorno dos reservatórios de água artificiais destinados à geração de energia, a lei acaba por regularizar a situação dos imóveis que se encontravam na área definida pelas Resoluções Conama, mas fora das novas dimensões definidas pela Lei 12.651/2012. Tal alteração, no entanto, não tem o condão de provocar a perda superveniente do interesse de agir do MPF, já que a nova lei não extinguiu a APP, mas apenas alterou seus parâmetros, o que exige verificação concreta se os imóveis encontram-se, ou não, e em que proporções, fora dos limites da APP.
VII - A esse respeito, cumpre mencionar que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região editou súmulas padronizando a interpretação do novo ordenamento ambiental, entre as quais se destaca a Súmula 56, segundo a qual o art. 62 do Novo Código Florestal é aplicável aos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou ao abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória 2.166/1967, de 24/08/2001, tão somente para evitar demolições, sem, no entanto, ter o condão de possibilitar novas edificações, ainda que seja além da cota máxima maximorum.
VIII - O art. 3º, IV, da Lei 6.938/81,
o art. 14, § 1º da Lei 6.938/81, o art. 7º da Lei 12.651/2012 e o art. 7º, §§ 1º e 2º da Lei 12.651/2012 estabelecem a responsabilidade objetiva, o dever de reparação integral, a natureza propter rem do dano ambiental, bem como a solidariedade da obrigação dele decorrente sem, no entanto, deixar de diferenciar poluidores diretos e indiretos.
IX - A decisão judicial que estabelece que o rancheiro, enquanto poluidor direto, é o primeiro que deve ser executado para fins de reparação do dano ambiental, sem prejuízo, após a inércia por exíguo prazo daquele que detém o imóvel, da execução dos demais poluidores indiretos, não parece ofender a natureza solidária da obrigação.
Para que não reste qualquer dúvida, no entanto, é de rigor repisar o reconhecimento da natureza solidária das obrigações.
X - Não se cogita, sob qualquer ótica, que a alteração da concessão relativa à usina hidrelétrica possa eximir as concessionárias de responsabilidade, quer se trate de alegação mobilizada pela antiga concessionária, quer seja a nova concessionária a formular o pedido. A responsabilidade das concessionárias se torna mais evidente ao se considerar a longa inércia relativa ao longo período de concessão da CESP, bem como as iniciativas em curso adotadas pela RPESA, que demonstram o reconhecimento da obrigação, ou até a existência de boa-fé e intuito de colaboração, sem, contudo, alterar em nada a fixação das obrigações. Ainda que assim não fosse, a simples definição da natureza real das obrigações solapa todo o esforço de argumentação fundado na autoria do dano. Entendimento reforçado pelo teor da Súmulas 613 e 623 do STJ.
XI - Precedentes desta Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3,
0001553-09.2009.4.03.6124,  DES. FED. JOHONSOM DI SALVO,  Publicado Acórdão em 15/06/2022; TRF3, APELAÇÃO CÍVEL, ApCiv 0001898-09.2008.4.03.6124, Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, 6ª Turma, Intimação via sistema DATA: 16/08/2023; TRF3, 0001476-97.2009.4.03.6124,  DES. FED. MAIRAN MAIA, 6ª Turma,  Publicado Acórdão em 23/01/2023)
XII - Rejeitadas as matérias preliminares. Apelações do MPF e do IBAMA parcialmente providas para reconhecer a natureza solidária da obrigação
dos réus à recomposição ambiental das áreas degradas abrangidas pela APP. Apelações da CESP, da RPESA e da União improvidas.

O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública pedindo a delimitação de APP – Área de Preservação Permanente no bem imóvel objeto da lide; a recuperação da APP, mediante a retirada de edificações e impermeabilizações eventualmente existentes, para fins de subsequente reflorestamento; a constituição de obrigação de fiscalização sobre a APP delimitada; a condenação dos proprietários ao pagamento de indenização por danos morais coletivos; e a rescisão do contrato de concessão para exploração da Usina Hidrelétrica – UHE de Ilha Solteira. Como causa de pedir, o MPF se fundamentou na pretensa inconstitucionalidade da legislação municipal aplicável à situação fática, em conjunto com a inobservância do dever de conservação da APP (pelos proprietários) e do dever de fiscalização sobre a APP (pelos órgãos públicos e pela empresa concessionária).

Houve decisão deferindo parcialmente a tutela de urgência, para interditar a realização de novas atividades na APP do imóvel e para determinar a vistoria e a fiscalização sobre o imóvel.

Houve a citação e a contestação pelas partes requeridas. Houve a intervenção no feito de nova empresa concessionária para exploração da UHE Ilha Solteira. Houve réplica pelo MPF. De modo superveniente entrou em vigência o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012).

Houve a suspensão do feito por conta do ajuizamento das ADI’s 4.937/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e da ADC 42/DF, que vieram a ser julgadas pelo STF – Supremo Tribunal Federal, confirmando a constitucionalidade do novo Código Florestal. Com a retomada do processo, a partir daquele julgamento pelo STF, o Juízo se valeu então da técnica de “processo piloto” (em função da repercussão multitudinária de processos similares), com a fixação do processo 0001653-95.2008.4.03.6124 nesse papel. Em meados de 2020 este Juízo proferiu nova decisão saneadora, abandonando a técnica de “processo piloto”, por não ter atingido a finalidade processual esperada e: (I) afastando as questões preliminares pendentes; (II) fixando como marco normativo, para instrução do feito, o artigo 62 do novo Código Florestal, caracterizando a extensão da APP no imóvel objeto da lide como a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota “maxima maximorum”; (III) determinando a produção de prova pericial; (IV) determinando a inversão do ônus da prova, para impor aos proprietários do imóvel o dever de custear a prova pericial; (V) nomeando o perito e estabelecendo os procedimentos para produção da prova pericial; (VI) determinando a conclusão para sentença assim que encerrada a instrução, pela produção da prova pericial e apresentação das razões finais; ou assim que preclusa a oportunidade para produção da prova pericial.

Houve a intimação das partes quanto à decisão saneadora. Transcorreu “in albis” o prazo para recolhimento dos honorários periciais, com a certificação pela Secretaria.

Foi proferida sentença que JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, com resolução do mérito, nos termos do CPC, 487, I, para: (I) DECLARAR que a APP no imóvel objeto desta lide, no que tange ao entorno da UHE de Ilha Solteira, é a área correspondente à distância entre o nível máximo operativo normal e a cota “maxima maximorum”; (II) DETERMINAR a destruição e remoção de qualquer intervenção antrópica existente dentro da APP do imóvel objeto desta lide, para fins de recuperação natural da vegetação nativa degradada; (III) CONSTITUIR A OBRIGAÇÃO SUBSIDIÁRIA EXIGÍVEL contra o Município, a CESP e a RIOPARANÁ de que, em caso de omissão pelos proprietários, procedam às suas próprias custas (assegurado o direito de regresso contra os proprietários) à destruição e remoção de qualquer intervenção antrópica existente dentro da APP; (IV) DECLARAR PREJUDICADO o pedido indenizatório a título de danos morais coletivos; (V) DECLARAR IMPROCEDENTES os demais pedidos. Reputou existente o fumus boni juris, em função da própria declaração do direito pelo Juízo. Igualmente presente o periculum in mora, em função da necessidade de preservação ambiental decorrente da Responsabilidade Objetiva Integral incidente no caso. Assim, FIXOU o prazo de 60 (sessenta) dias para o início do cumprimento das obrigações descritas no item “ii”, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, contada a partir do 61º (sexagésimo primeiro) dia após a intimação dos proprietários quanto ao teor desta sentença. CONDENOU todas as partes requeridas, pro rata, ao pagamento das custas e despesas processuais. Sem honorários advocatícios, por se tratar de ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (CF, 128, § 5º, II, "a"). Precedente: STJ, EAREsp 962.250/SP.

A decisão foi complementada ao ser proferido julgamento para DAR PARCIAL PROVIMENTO aos embargos de declaração, apenas e tão somente para, sanando os vícios apontados: a) DETERMINAR que o início do cumprimento da obrigação a cargo dos responsáveis subsidiários (CESP, RIO PARANÁ S/A e o Município no qual localizado o imóvel) deverá ocorrer no prazo de 60 (sessenta) dias, que somente será computado a partir de específica intimação acerca da inércia dos obrigados em caráter principal ao cumprimento de suas obrigações, nos termos do art. 231, § 3º, do CPC; b) CONDENAR os proprietários/possuidores (“rancheiros”) a franquear livre acesso dos responsáveis subsidiários à APP atinente ao imóvel para o cumprimento da obrigação subsidiária, bem assim para determinar que se abstenham de praticar quaisquer atos que obstem o cumprimento da obrigação subsidiária relativa à recuperação da área degradada, cientes de que poderá, sendo o caso, ser acionada força policial para o cumprimento da ordem.

Em razões de apelação, o IBAMA sustenta, em síntese, que foi inicialmente indicado como réu, contudo, a Autarquia requereu no curso da ação o seu ingresso no polo ativo, o que foi acatado pelo Juízo Federal. Relata que o próprio juízo a quo reconheceu que existem mais de 500 ações civis públicas que versam sobre a demolição de construções e recuperação de Área de Preservação Permanente no entorno da UHE de Ilha Solteira apenas na 1ª Vara Federal de Jales, todas possuindo como um dos principais pontos controvertidos a interpretação do artigo 62 da Lei nº 12.651/12 (Código Florestal), discussão ainda não existente à época da propositura da ação. Aponta que existem também ações que tratam do mesmo tema tramitando em Comarcas próximas, como a de Andradina, o que corrobora ainda mais a possibilidade de decisões conflitantes, razão pela qual requer que os processos sejam reunidos para julgamento conjunto, nos termos do art. 55, § 3º do CPC. Adverte que, em que pese o art. 62 da Lei 12.651/12 seja aplicável ao caso sub judice, o juízo a quo se equivocou ao desconsiderar que o mencionado dispositivo legal somente tem incidência nos casos de ocupação antrópica (área consolidada) ocorrida até 22/07/2008. Defende que tal interpretação não destoa do quanto definido pelo STF no julgamento das ADIs nº 4.937/DF, nº 4.902/DF e nº 4.903/DF e ADC nº 42/DF que declarou constitucional o dispositivo em análise. Assenta ser legítimo e constitucional esse marco temporal suscitado para a consolidação da faixa de APP em reservatório artificial, o qual tem por referência a data em que entrou em vigor o Decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, que dispõe sobre infrações ambientais e suas correspondentes sanções administrativas, data eleita como “marco zero” na gestão da política ambiental pátria, conforme atestado pelo STF. Alternativamente, em caso de não acolhimento da tese do marco temporal de 22/07/2008 - o que se admite apenas por amor à argumentação - há que se adotar como marco a data de entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012, sob pena de se permitir uma consolidação ad eternum das áreas de preservação permanente no entorno dos reservatórios artificiais que não foram efetivamente suprimidas. Requer, em suma, que, no caso específico de ocupação antrópica até 22 de julho de 2008, seja aplicado o artigo 62 do Código Florestal, ou seja, nessas áreas ocupadas, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. Onde, por sua vez, não tiver ocorrido ocupação antrópica até a data de consolidação (22.07.2008), adote-se o entendimento de que a APP para a UHE Ilha Solteira foi definida no licenciamento como a área compreendida entre a cota máxima normal de operação (320 m) e o limite da área desapropriada para formação do empreendimento, totalizando 208,44 km2 de área com largura variável. Assevera, por fim, que a responsabilidade por danos ambientais é de natureza solidária e não subsidiária, a teor do art. 3º, IV, art. 14, § 1º da Lei 6.938/81 e art. 7º, §§ 1º, 2º e 3º do Novo Código Florestal, além do art. 275 do CC.

Em razões de apelação, o MPF sustenta, em síntese, que a nova delimitação das APPs não se aplica a ações que já estavam em trâmite quando da entrada em vigor da nova lei de regência. Assenta que apesar do entendimento do STF, aplica-se ao caso a norma mais favorável ao meio ambiente vigente no momento da intervenção antrópica, sob pena de retrocesso ambiental incompatível com os ditames do art. 225 da CF. Refere que quando da propositura das ações, a legislação que permeava o tema e fundamentou os pedidos iniciais era o art. 2º, "b" da Lei 4.771/65, e a art. 3º, I da Resolução CONAMA 04/1985, que delimitavam a APP ao largo de reservatórios em 100m em áreas rurais. Refere que o teor do art. 62 da Lei 12.651/2012 não se aplica ao caso em prestígio ao teor do art. 5º, XXXVI e art. 6º, caput, §§ 1º e 3º da LINDB, que definem que a irretroatividade da lei nova é a regra no direito brasileiro, elencando jurisprudência do STJ e deste TRF3 nesse sentido, mesmo após o julgamento do STF. Assevera que o juízo a quo deixou de condenar os réus solidariamente à obrigação de recomposição da área afetada mediante o reflorestamento e práticas de adequação ambiental devidamente definidos em projeto/plano de recuperação a ser apresentado pelo(s) proprietário(s) do imóvel e aprovado pelos órgão ambientais. Afirma que a medida é imprescindível para a recuperação total da área de preservação permanente degradada. Insiste que as condenações estabelecidas devem ser solidárias, e não subsidiárias, por força do art. 3º, IV e art. 14, § 1º da Lei 6.938/81.

Em razões de apelação, a CESP sustenta, em síntese, que pleiteou pela prova pericial, diante da inércia dos rancheiros, seria necessário o direcionamento do ônus para  as concessionárias (art. 95 do CPC), o que foi feito nos casos análogos na Subseção. Sem essa medida houve condenação sem comprovação de dano, também consistindo em prejuízo ao contraditório e ampla defesa. Relata que não é titular da UHE Ilha Solteira desde 2016, sendo certo que a RPSA assumiu toda a gestão das APPs, tanto perante o Poder Concedente (vide edital e contratos), assim como no âmbito do licenciamento ambiental no IBAMA. Destaca que esse entendimento se ratificou após liberação em julho de 2021, pelo IBAMA à CESP, de acesso ao processo de licenciamento da UHE Ilha Solteira (sob a titularidade da RPSA desde a transferência da concessão), pelo que a Apelante verificou RPSA tem adotado todas as medidas para delimitação das áreas e as comprovado perante o órgão ambiental licenciador, fato que até então era omitido pela RPSA nestes autos, em conduta contraditória. Argumenta que, considerando o teor do art. 7º, § 1º da Lei 12.651/2012 e o entendimento da jurisprudência, inclusive em casos desse Tribunal, as obrigações ambientais propter rem recaem sobre o titular do direito real, independentemente de quem o seja e de qual atividade exerça ou tenha exercido, ou se manteve ou não, em momento anterior, relação com o bem. Logo, com a transferência da concessão para a RPSA, não há que se falar em condenação solidária da CESP. Adicionalmente, a exclusão da CESP justifica-se pelos princípios da economia e celeridade processuais, evitando novo acionamento do Judiciário para ação de regresso da CESP contra a RPSA por esta última não ter honrado as obrigações que decidiu assumir voluntária e economicamente ao concorrer para a concessão da UHE Ilha Solteira. Protesta, por fim, que não há omissão da CESP na gestão das APPs do entorno do reservatório, inexistindo nexo causal com quaisquer danos que porventura existam (sequer provados).

Em razões de apelação, a RPESA sustenta, em síntese, que sua inclusão da no polo passivo da lide é incompatível com o princípio da estabilização da demanda (art. 240 e art. 329, II, do CPC), e com os requisitos legais para uma sucessão (art. 108, art. 109 e art. 110 do CPC). Entende que sua inclusão como Ré contraria a Súmula 623 do STJ, invocada pelo juízo a quo para justificá-la, porque tal enunciado consolida o entendimento de que “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor” e, na espécie, a referida escolha foi feita pelo MPF com a inclusão da CESP e não da RPESA no polo passivo. Protesta que a escolha do MPF já tinha se estabilizado, quando a CESP reclamou a inclusão da RPESA, momento processual no qual já não era mais possível a alteração subjetiva, não restando presentes os requisitos legais para que se pudesse falar em sucessão. Assevera que a RPESA sequer existia à época dos fatos narrados na inicial e mesmo da distribuição da ação, não havendo sequer imputação de conduta, nem tampouco de nexo de causalidade entre os danos alegados pelo MPF e qualquer atuação da RPESA. Argumenta que a narrativa apresentada pelo MPF na inicial diz respeito exclusivamente à CESP, com a indicação de ações e omissões específicas, determinadas no tempo e espaço, todas desvinculadas da RPESA. Prossegue aduzindo que os danos alegados pelo MPF partem de premissa de direito afastada pelo STF e pela sentença, e não havendo prova de que as edificações apontadas na inicial estão na APP. Aponta que a tese central do MPF encontra-se na contramão de decisão proferida pelo STF em controle concentrado e vinculante de constitucionalidade do Código Florestal, reafirmada pela mencionada Corte em sucessivos pronunciamentos proferidos em Reclamações. Por outro lado, entende que o ônus probatório em relação aos danos alegados na inicial, ao menos em relação à RPESA, permaneceu com o Parquet que não se desincumbiu dele. Argui que há prova nos autos de que não há intervenções em APP e, de todo modo, o provimento reclamado pelo MPF é desnecessário, considerando a existência de programa ambiental correlato. Aduz que a Licença de Operação nº 1300/15, expedida pelo IBAMA, foi delimitada a APP do entorno do reservatório UHE Ilha Solteira como a faixa compreendida entre a cota máxima normal de operação e a cota de desapropriação, não havendo mais discussão quanto ao tema. Assere que em vistoria realizada na faixa de APP delimitada no licenciamento, foi constatado que não há intervenções em APP. Relata que o juízo a quo inverteu o ônus da prova no particular em desfavor dos rancheiros e apenas deles. Diante do panorama acima, o que se verifica é que as concessionárias (RPESA e CESP) desincumbiram-se do ônus da prova que o art. 373, II, do CPC lhes atribuía, ficando demonstrado que as intervenções realizadas na faixa de APP delimitada no licenciamento já haviam sido removidas. Conclui que o MPF não se desincumbiu do ônus de comprovar a existência e permanência de intervenções, benfeitorias e/ou edificações, na extensão da APP delimitada na forma do art. 62 da Lei nº 12.651/12”, enquanto a a inércia do rancheiro não pode gerar presunções em desfavor da ora Apelante, sob pena de grave violação dos princípios constitucionais à ampla defesa, contraditório e devido processo legal e correlata ofensa aos art. 7º, art. 9º, art. 10, art. 369, art. 370, art. 373, I e II, e § 1º, do CPC.

Em razões de apelação, a União sustenta, em síntese, que a aplicação do art. 62 da Lei 12.651/12 limita-se aos casos de ocupação antrópica considerada área consolidada até 22/07/2008, mantendo-se, contudo, intacta a faixa de APP não objeto dessa consolidação. Para estes casos, a faixa de APP a ser considerada é aquela definida no licenciamento do empreendimento, nos termos do art. 4º, III, e 5º da Lei nº 12.651/12, não se aplicando o disposto no art. 62.

Contrarrazões da CESP. Contrarrazões do MPF. Contrarrazões da RPESA. Contrarrazões do IBAMA. A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pelo parcial provimento dos recursos do MPF e do IBAMA e pelo desprovimento dos demais recursos.

Foi proferido o acórdão ora impugnado.

Em embargos de declaração (ID 287667107), a CESP sustenta, em síntese, que o acórdão embargado afastou o argumento de ilegitimidade passiva da CESP pelos seguintes motivos: (i) a alteração de titularidade da concessão não exime a responsabilidade da CESP, em razão da longa inércia relativa ao seu período de concessão; (ii) e que os deveres associados à APP têm natureza propter rem. Aponta (i) contradição, pois o acórdão embargado, apesar fundamentar suas razões nos termos Súmula 623 do STJ, deixou de observar que o entendimento desta Súmula somente é aplicável aos proprietários e possuidores da área com dano ambiental, sendo que a CESP não se enquadra em nenhum dos dois; (ii) omissão quanto ao fato novo (art. 493 do CPC) suscitado pela Embargante em seu recurso de apelação, consistente no fato de a RPESA já estar conduzindo a recuperação no âmbito do processo de licenciamento ambiental, conforme determina o art. 2º, § 2º c/c art. 7º, § 2º do Código Florestal. Destaca que, em dezembro/19, foi emitido novo Parecer pelo IBAMA aprovando a Programa de Recuperação de APP (ID 21178476) e; em novembro/20, a RPESA apresentou ao IBAMA o Relatório Anual do Programa de Recuperação da APP e estudo de caracterização das APPs e ações de recuperação (ID 211784772).  No que tange à ilegitimidade da CESP, esta 6ª Turma no julgamento AI 5015614-08.2018.4.03.0000, confirmou a legalidade da sucessão processual da CESP pela RPESA na obrigação de reparação da APP (ofensa ao art. 489, VI, § 1º, do CPC), o que não foi ponderado neste julgamento. Aponta ainda que (i) não havia interesse recursal da CESP que justificasse irresignação recursal, na medida em que custeio não foi lhe foi atribuído; (ii) não era cabível agravo de instrumento contra a decisão sobre ônus financeiro e, portanto, (iii) a questão não está coberta pela preclusão e deve ser apreciada no bojo do recurso de apelação, conforme estabelece o art. 1.009, § 1º, do CPC. Assevera que o próprio MPF, na condição de custos legis em Apelação de caso análogo, concordou com a imprescindibilidade da prova, tendo opinado pela conversão do julgamento em diligência com o retorno dos autos à primeira instância para a produção da prova, nos termos do § 3º do art. 938 do CPC. Assevera, ainda, que o acórdão incide: i) em contradição, pois, ao mesmo tempo que considera que “não restam dúvidas de que a APP no entorno do Reservatório da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira enquadra-se na hipótese do art. 62 da Lei 12.651/2012”, confirma a ocorrência de dano ambiental em razão de Auto de Infração lavrado com base na legislação revogada; (ii) em contradição, pois, confirma que há necessidade de “verificação concreta se os imóveis encontram-se, ou não, e em que proporções, fora dos limites da APP”, porém, não reconhece o cerceamento de defesa apontado pela Embargante; (iii) em omissão, ao deixar de reconhecer que o suposto dano ambiental constatado no AI nº 64111-D foi lavrado em 2005, e, portanto, elaborado com base nas antigas regras de delimitação de APP - afastadas pelo próprio acórdão ao aplicar o vigente Código Florestal; (iv) em omissão quanto a informação de que em 2012, a CESP apresentou a situação atualizada da área e a demonstração sobre a inexistência de estruturas previstas na APP (211779329 - Pág. 6), comprovando que a realidade fática apurada em 2005 não mais subsiste; e (v) em ações análogas a presente, julgadas por esta Turma e nas quais a perícia foi realizada, foi confirmada a improcedência da ACP, comprovando que os autos de infração que embasara a propositura da ação não são suficientes para a comprovação do dano.

Em embargos de declaração (ID 287700996), o IBAMA reitera que o art. 62 do Novo Código Florestal não pode ser utilizado para definir, de forma permanente, a faixa de APP dos imóveis situados em margem de reservatório, já que tal definição está expressamente prevista no artigo 4º, III, da mesma lei, correspondendo à faixa definida na licença ambiental do empreendimento. Defende que a aplicação do referido dispositivo destina-se apenas a regularizar (consolidar) construções antigas em tais áreas, o que pressupõe a definição de uma data, um marco temporal, a partir do qual não poderá haver mais consolidação. Como tese principal, o IBAMA pleiteou em seu recurso a definição do dia 22/07/2008 (início da vigência do Decreto nº 6.514/08) como data limite para consolidação e, subsidiariamente, 28/05/2012 (início da vigência da Lei nº 12.651/12). Requer que, para além da menção à Súmula 56 do TRF1, seja fixado um marco temporal nos termos anteriormente referidos.

Em embargos de declaração (ID 287791911), a RPESA sustenta, em síntese, a existência de omissão no julgado uma vez que não houve análise do caso também à luz do princípio da estabilização subjetiva da lide e da inadequação da hipótese de sucessão processual, para afastar a inclusão da RPESA no polo passivo da lide. Refere que o acórdão não indica quais seriam “as iniciativas em curso adotadas pela RPESA, que demonstram o reconhecimento da obrigação”. Pondera que “a natureza real das obrigações” dizem respeito a imóveis rurais (cf. art. 2º, § 2º, 7º, § 2º, e 66, § 1º, da Lei 12.651/12), enquanto o imóvel envolvido nesta ACP encontra-se em área declarada pelo Município como de “expansão urbana” (cf. Lei Municipal 1.116/75), tanto que sujeito à incidência de IPTU. A respeito do teor da Súmula 623/STJ, afirma que esta dispõe sobre a possibilidade de “escolha do credor”, e tal “escolha” foi feita na petição inicial da ACP que está na origem deste recurso, tendo o MP (a) apontado a CESP para figurar no polo passivo e (b) imputado conduta somente à citada Empresa, e (c) formulado pedidos exclusivamente em face dela. Ainda sobre a súmula, refere que o enunciado trata de “obrigações ambientais” e da possibilidade de cobrança delas “do proprietário ou possuidor atual q/ou dos anteriores” – quando a RPESA não é a proprietária, nem exerce (ou  exerceu) a posse no imóvel, inclusive por força de liminar concedida no início do feito de origem. Assenta que ficou consolidado pelo STJ no Tema Repetitivo 467 ser defeso atribuir a responsabilidade por ato ilícito a empresa prestadora de serviços públicos se o evento danoso foi praticado por empresa diversa e não existia relação de sucessão empresarial entre uma e outra. Assevera que, ao citar a Súmula 613/STJ, o acórdão não explica sua relação com a causa ou a questão decidida, destacando que, dentre os precedentes que ensejaram a edição da Súmula 613/STJ, destaca-se o AgRg no RESP 1.494.681/MS em que se reconheceu que, apesar de não ser possível aplicar a “teoria do fato consumado em matéria ambiental”, “as exceções legais a esse entendimento encontram-se previstas nos arts. 61-A a 65 do Código Florestal”. Reitera a ausência de legitimidade e interesse da RPESA (cf. art. 996, caput, do CPC) em recorrer da decisão de saneamento que ordenou a inversão do ônus em desfavor de um terceiro (e não dela). Argumenta que a ação foi precedida por auto de infração, mas que tal auto de infração tornou-se imprestável para indicar “a existência de dano”, pois foi lavrado com base em legislação revogada no curso da ação (art. 2º da Lei 4.771/65), que considerava como APP área diversa daquela definida pelo art. 62 do atual Código Florestal. Salienta que a CESP apresentou relatório dando conta de que o imóvel dos RANCHEIROS se encontra FORA da APP definida pelo art. 62 do Código Florestal, tendo a CESP e a RPESA produzido provas na forma que lhes competia (art. 373, II, do CPC). Finaliza afirmando que o MPF NÃO fez prova, especialmente após a definição da legislação aplicável, de que as ocupações identificadas pelo IBAMA no auto de constatação foram  construídas em inobservância ao limite imposto pelo art. 62 do atual Código Florestal.

Contrarrazões do MPF aos embargos da CESP, do IBAMA e da RPESA (ID 287747018, ID 287787222, ID 288165587)

Contrarrazões da CESP (ID 287997789).

Contrarrazões do IBAMA (ID 288209294, ID 288691017).

Contrarrazões da RPESA (ID 288214009).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000822-76.2010.4.03.6124

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, RIO PARANÁ ENERGIA S.A

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A

APELADO: ADELINA MARZOCHI BIANI, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA ALBERTINA, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: SILMARA PORTO PENARIOL - SP190786-A
Advogados do(a) APELADO: JOSELINA MAIONI BELMONTE PICOLI - SP146626-N, OSMAIR APARECIDO PICOLI - SP49211-A, PATRICIA BELMONTE DEMETRIO DOMINGOS - SP203283-A
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A, LAURA FANUCCHI - SP374979-A
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A, LARA PORTUGAL DA ROCHA - SP296822-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Os embargos de declaração são cabíveis para corrigir eventual erro material, contradição, obscuridade ou omissão do acórdão (artigo 1022 do Código de Processo Civil).

Com efeito, não houve qualquer vício sanável na via dos embargos declaratórios.

Não se cogita de cerceamento de defesa, uma vez que o juízo a quo deu oportunidade para as corrés produzirem prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II do CPC) que, por sua vez, apresentou prova para amparar sua pretensão ao ajuizar a ação.

O fato do juízo a quo atribuir ao corréu poluidor direito o ônus relativo aos custos de realização de perícia, não exime as concessionárias de, no momento oportuno, se desincumbir do ônus de produzir a prova contrária para defender seus interesses, sob pena de preclusão.

No caso dos autos, a alusão a casos análogos, em que não foram identificados danos ambientais nos moldes definidos pelo Novo Código Florestal, não impede o reconhecimento da parcial procedência do pedido, condicionando o cumprimento da decisão à prévia liquidação de sentença. Na hipótese de se confirmar a inexistência de danos ambientais pelos parâmetros da nova legislação, a execução restará esvaziada, sem prejuízo às partes.

Ao contrário, anular a sentença para produção de prova pericial, considerando a fase em que se encontra o processo e as centenas de ações ajuizadas sob os mesmos moldes, provocaria verdadeiro tumulto processual e atentaria contra os imperativos de duração razoável do processo, do dever de boa-fé e cooperação entre as partes e de eficiência na prestação jurisdicional.

Não merecem acolhida as alegações da CESP e RPESA, o dano ambiental rege-se pela teoria do risco integral, e pelos princípios do poluidor pagador, da reparação integral e da proteção ao vulnerável. Por essa razão, o dano ambiental tem disciplina própria e mais rigorosa, não podendo ser julgado à luz de danos civis comuns.

As responsabilidades solidárias e objetivas da CESP e da RPESA por danos ambientais não se encerram com o término do período de concessão de uma empresa, em um caso, nem eximem a nova concessionária de lidar com as consequências dos danos ocorridos anteriormente ao início de sua concessão em outro.

As obrigações das empresas concessionárias tem, em primeiro lugar e por óbvio, natureza administrativa, mas como derivação de seu dever de zelo sobre toda a área abrangida pela concessão, aplica-se às concessionárias a disciplina das obrigações propter rem de natureza civil.

Não suficiente, o acórdão impugnado faz menção à natureza constitucional da obrigação, uma vez que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, sendo dever do Poder Público e toda a coletividade defendê-lo e preservá-lo (art. 225, caput da CF).

Inclui-se no conceito de coletividade, por suposto, as empresas concessionárias responsáveis por danos ocorridos sobre o objeto de sua concessão, quer tenham atuado como poluidor direito ou como poluidor indireto, seja por negligência em zelar pelo bem, seja pela recusa à recuperação de áreas degradadas.

Nestas condições, não se cogita de ofensa ao princípio da estabilização subjetiva da lide que permita concluir pela ilegitimidade passiva da Rio Paraná S/A, tampouco ofensa ao contraditório deduzido pela CESP, sem prejuízo de que as empresas possam exercer eventualmente direito de regresso contra os poluidores diretos.

O acórdão pronunciou-se a respeito do pedido de reconhecimento de marco temporal formulado pelo IBAMA, apontando que os danos discutidos nos autos são todos anteriores ao início da vigência do novo código florestal, não havendo prova da construção novas edificações que justifiquem a fixação da data requerida, nos seguintes termos:

A esse respeito, cumpre mencionar que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região editou súmulas padronizando a interpretação do novo ordenamento ambiental, entre as quais se destaca a Súmula 56:

O art. 62 do Novo Código Florestal é aplicável aos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou ao abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória 2.166/1967, de 24/08/2001, tão somente para evitar demolições, sem, no entanto, ter o condão de possibilitar novas edificações, ainda que seja além da cota máxima maximorum.
(Súmula nº 56, TRF1)

Independentemente do acerto ou não da tese, verifica-se que a hipótese dos autos trata de imóveis construídos antes do início da vigência da Lei 12.651/2012, cabendo aos órgãos fiscalizadores o dever de identificar eventuais novas construções e tomar as medidas necessárias, caso adotem o entendimento supra referido.

Por certo tem a parte o direito de ter seus pontos de argumentação apreciados pelo julgador. Não tem o direito, entretanto, de ter este rebate feito como requerido. Falta razão ao se pretender que se aprecie questão que já se mostra de pronto afastada com a adoção de posicionamento que se antagoniza logicamente com aquele deduzido em recurso.

A exigência do art. 93, IX, da CF, não impõe que o julgador manifeste-se, explicitamente, acerca de todos os argumentos e artigos, constitucionais e infraconstitucionais, arguidos pela parte. Tendo o julgado decidido, de forma fundamentada, a controvérsia posta nos autos, não há como tachá-lo de omisso ou contraditório ou obscuro.

Aliás, está pacificado o entendimento de que o julgador, tendo encontrado motivação suficiente para decidir desta ou daquela maneira, não está obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos apresentados pela parte para decidir a demanda.

Nesse sentido, a jurisprudência:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. CRUZADOS NOVOS. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. REJEIÇÃO.
1. Os embargos de declaração são cabíveis, tão-somente, em face de obscuridade, contradição e omissão.
2. O princípio da exigibilidade da fundamentação das decisões não impõe que o julgador se manifeste sobre todas as razões apresentadas pelas partes, se apenas uma delas for suficiente ao deslinde da controvérsia.
3. O prequestionamento prescinde de referência expressa no acórdão guerreado ao número e à letra de norma legal (Precedentes do Pleno do STF e da Corte Especial do STJ)."
(TRF - 3ª Região, 3ª Turma, EDAMS 125637/SP, Rel. Juiz Baptista Pereira, j. 24/04/2002, rejeitados os embargos , v.u., DJU 26/06/2002, p. 446);

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - VÍCIOS - AUSENTES - PREQUESTIONAMENTO.
1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, não merecem ser conhecidos os embargos de declaração.
2. Inadmissível a modificação do julgado por meio de embargos de declaração, atribuindo-se-lhes indevidamente, efeitos infringentes.
3. Não é obrigatório o pronunciamento do magistrado sobre todos os tópicos alegados, mas sim que a decisão esteja devida e suficientemente fundamentada, como no caso.
4. Embargos de declaração não conhecidos."
(TRF - 3ª Região, 6ª Turma, EDAMS 91422/SP, Rel. Juiz Mairan Maia, j. 05/12/2001, não conhecidos os embargos, v.u., DJU 15/01/2002, p. 842);

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA PURAMENTE DE DIREITO. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 34 DO CTN. INAPLICABILIDADE DAS SÚMULAS 07 E 05 DO STJ. DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO ACERCA DE TODOS OS ARGUMENTOS LEVANTADOS EM CONTRARRAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO. REJULGAMENTO DA CAUSA. INVIÁVEL ATRAVÉS DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NULIDADE DO JULGAMENTO. ADIAMENTO. NOVA INCLUSÃO EM PAUTA. DESNECESSIDADE. RECURSO JULGADO NAS SESSÕES SUBSEQUENTES.
1. A matéria constante dos autos é puramente de direito, restrita à interpretação do artigo 34 do CTN, pelo que não há falar em aplicação das Súmulas 07 e 05 do STJ.
2. O magistrado não está obrigado a se manifestar acerca de todos os argumentos esposados nas contrarrazões do recurso especial, quando já encontrou fundamento suficiente para resolver a controvérsia.
3. Ausência de omissão no julgado embargado. Na verdade, a pretensão dos aclaratórios é o rejulgamento do feito, contudo inviável diante da via eleita.
4. Não é nulo o julgamento que, tendo sido incluído em pauta, foi apreciado na segunda sessão subseqüente, mormente quando o pedido de adiamento foi feito pela parte que ora embarga. Despicienda nova inclusão em pauta já que o processo não foi dela retirado. Precedentes: (EDcl na Rcl 1785 DF, Ministro Teori Albino Zavascki, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 28/11/2005; Resp. 996.117/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJ 01/06/2009 EDcl no REsp 774161/SC; Ministro Castro Meira, DJ 28.4.2006; EDcl no REsp 324.361/BA, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJ 6.3.2006; EDcl no REsp 331.503/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 1/9/03; REsp 703429/MS, Ministro Nilson Naves, DJ 25/06/2007; EDcl no REsp 618169/SC, Ministra Laurita Vaz, DJ 14/08/2006).
5. Embargos rejeitados."
(STJ, 1ª Seção, EDcl no REsp 1111202/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 21/08/09).

Ademais, não cabe acolher os embargos de declaração, quando nítido, como no caso vertente, que foram opostos com caráter infringente, objetivando o reexame da causa, com invasão e supressão da competência que, para tal efeito, foi reservada às instâncias superiores, pela via recursal própria e específica, nos termos da pacífica jurisprudência da Suprema Corte, do Superior Tribunal de Justiça, deste Tribunal Federal e desta Turma (v.g. - EDRE nº 255.121, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 28.03.03, p. 75; EDRE nº 267.817, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJU de 25.04.03, p. 64; EDACC nº 35.006, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJU de 06.10.02, p. 200; RESP nº 474.204, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJU de 04.08.03, p. 316; EDAMS nº 92.03.066937-0, Rel. Des. Fed. MAIRAN MAIA, DJU de 15.01.02, p. 842; e EDAC nº 1999.03.99069900-0, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, DJU de 10.10.01, p. 674).

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.

É o voto.



E M E N T A

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO EM  AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA. PRELIMINARES REJEITADAS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. AUSENTES AS HIPÓTESES DE CABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
I - Não houve qualquer vício sanável na via dos embargos declaratórios.
II - Não se cogita de cerceamento de defesa, uma vez que o juízo a quo deu oportunidade para as corrés produzirem prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II do CPC) que, por sua vez, apresentou prova para amparar sua pretensão ao ajuizar a ação.
III - O fato do juízo a quo atribuir ao corréu poluidor direito o ônus relativo aos custos de realização de perícia, não exime as concessionárias de, no momento oportuno, se desincumbir do ônus de produzir a prova contrária para defender seus interesses, sob pena de preclusão.
IV - No caso dos autos, a alusão a casos análogos, em que não foram identificados danos ambientais nos moldes definidos pelo Novo Código Florestal, não impede o reconhecimento da parcial procedência do pedido, condicionando o cumprimento da decisão à prévia liquidação de sentença. Na hipótese de se confirmar a inexistência de danos ambientais pelos parâmetros da nova legislação, a execução restará esvaziada, sem prejuízo às partes.
V - Ao contrário, anular a sentença para produção de prova pericial, considerando a fase em que se encontra o processo e as centenas de ações ajuizadas sob os mesmos moldes, provocaria verdadeiro tumulto processual e atentaria contra os imperativos de duração razoável do processo, do dever de boa-fé e cooperação entre as partes e de eficiência na prestação jurisdicional.
VI - Não merecem acolhida as alegações da CESP e RPESA, o dano ambiental rege-se pela teoria do risco integral, e pelos princípios do poluidor pagador, da reparação integral e da proteção ao vulnerável. Por essa razão, o dano ambiental tem disciplina própria e mais rigorosa, não podendo ser julgado à luz de danos civis comuns.
VII - As responsabilidades solidárias e objetivas da CESP e da RPESA por danos ambientais não se encerram com o término do período de concessão de uma empresa, em um caso, nem eximem a nova concessionária de lidar com as consequências dos danos ocorridos anteriormente ao início de sua concessão em outro.
VIII - As obrigações das empresas concessionárias tem, em primeiro lugar e por óbvio, natureza administrativa, mas como derivação de seu dever de zelo sobre toda a área abrangida pela concessão, aplica-se às concessionárias a disciplina das obrigações propter rem de natureza civil.
IX - Não suficiente, o acórdão impugnado faz menção à natureza constitucional da obrigação, uma vez que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, sendo dever do Poder Público e toda a coletividade defendê-lo e preservá-lo (art. 225, caput da CF).
X - Inclui-se no conceito de coletividade, por suposto, as empresas concessionárias responsáveis por danos ocorridos sobre o objeto de sua concessão, quer tenham atuado como poluidor direito ou como poluidor indireto, seja por negligência em zelar pelo bem, seja pela recusa à recuperação de áreas degradadas.
XI - Nestas condições, não se cogita de ofensa ao princípio da estabilização subjetiva da lide que permita concluir pela ilegitimidade passiva da Rio Paraná S/A, tampouco ofensa ao contraditório deduzido pela CESP, sem prejuízo de que as empresas possam exercer eventualmente direito de regresso contra os poluidores diretos.
XII - O acórdão pronunciou-se a respeito do pedido de reconhecimento de marco temporal formulado pelo IBAMA, apontando que os danos discutidos nos autos são todos anteriores ao início da vigência do novo código florestal, não havendo prova da construção novas edificações que justifiquem a fixação da data requerida.
XIII - A matéria objeto dos presentes embargos de declaração traz questão que foi apreciada de forma clara com o mérito da causa, não apresentando o acórdão embargado, obscuridade, contradição ou omissão.
XIV - Hipótese em que os embargos declaratórios são opostos com nítido caráter infringente.
XV - Embargos de declaração rejeitados.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

NOEMI MARTINS DE OLIVEIRA
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA