RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001725-19.2021.4.03.6325
RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: MARIA APARECIDA DA SILVA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) RECORRENTE: ADAHILTON DE OLIVEIRA PINHO - SP152305-A
Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A
RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MARIA APARECIDA DA SILVA
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogados do(a) RECORRIDO: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ADAHILTON DE OLIVEIRA PINHO - SP152305-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001725-19.2021.4.03.6325 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: MARIA APARECIDA DA SILVA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRENTE: ADAHILTON DE OLIVEIRA PINHO - SP152305-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MARIA APARECIDA DA SILVA Advogados do(a) RECORRIDO: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) RECORRIDO: ADAHILTON DE OLIVEIRA PINHO - SP152305-A
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001725-19.2021.4.03.6325 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: MARIA APARECIDA DA SILVA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRENTE: ADAHILTON DE OLIVEIRA PINHO - SP152305-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MARIA APARECIDA DA SILVA Advogados do(a) RECORRIDO: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) RECORRIDO: ADAHILTON DE OLIVEIRA PINHO - SP152305-A
DECLARAÇÃO DE VOTO
Mantenho a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, destacando o fato de que o laudo pericial atestou ser necessária a desocupação do imóvel pelo prazo estimado de 10 dias.
MAÍRA LOURENÇO
JUÍZA FEDERAL
E M E N T A
VOTO-EMENTA
CÍVEL. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. DANO MATERIAL E MORAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DA CEF E DA PARTE AUTORA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA. DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA CEF.
1. Pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios de construção do imóvel da parte autora.
2. Conforme consignado na sentença:
“1. RELATÓRIO
Trata-se de demanda proposta por Maria Aparecida da Silva, já qualificada nos autos, em face da Caixa Econômica Federal.
Nesta sede procedimental, a parte autora almeja a emissão de provimento jurisdicional que compila a ré à reparação civil em pecúnia dos danos materiais e morais decorrentes de vícios construtivos de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa, Minha Vida - Faixa I - Recursos FAR.
A causa de pedir consiste na alegação de que a Caixa Econômica Federal é solidariamente responsável pela solidez e segurança do imóvel, em razão da sua condição de gestora de fundo criado por lei para a execução de política pública habitacional a pessoas de baixíssima renda.
A petição inicial veio instruída com procuração e documentos.
Em contestação, a Caixa Econômica Federal arguiu as preliminares de ilegitimidade passiva, necessidade da formação de litisconsórcio passivo necessário com a construtora do empreendimento e falta de interesse processual da parte autora ante a ausência de requerimento administrativo visando a prestação de assistência técnica/reparos no imóvel (Programa De Olho na Qualidade). No mérito, sustentou a superveniência da prescrição quinquenal da pretensão reparatória, ausência de responsabilidade da instituição financeira e do Fundo Garantidor de Habitação Popular - FGHab pela reparação do imóvel por vício construtivo, ausência de responsabilidade em relação aos danos decorrentes de desgaste natural e falta de manutenção, inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a inocorrência de dano moral. Ao final, pugnou pela improcedência do pedido.
Houve a elaboração de perícia técnica por profissional de confiança do juízo, a qual revelou os vícios construtivos existentes e as reformas necessárias para o reparo do imóvel frangalhado.
É o relatório.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DA AÇÃO
Estão presentes os pressupostos processuais. Com efeito, o juízo é competente, o magistrado sentenciante é imparcial, a inicial é apta, as partes são capazes e possuem representação processual, e não se constatam os óbices da litispendência ou da coisa julgada. Idêntica assertiva prospera em relação às condições da ação, sendo notórios o interesse de agir e a legitimidade das partes.
A propósito da pertinência subjetiva do processo, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça (v.g. REsp 897.045/RS, 4ªT. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 09/10/2012, v.u., DJe 15/04/2013) inclina-se no sentido de que a Caixa Econômica Federal está legitimada para figurar no polo passivo da demanda quando atua como executora de programa de moradia para a população de baixa renda, pelo qual se responsabiliza pela construção, entrega e financiamento dos imóveis (PMCMV - Faixa I).
Com efeito, na forma dos arts. 618, 622 e 942 do Código Civil, do art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 10.188/2001 e do art. 2º da Lei nº 11.977/2009, a Caixa Econômica Federal também é responsável pela solidez e pelos danos decorrentes de vícios construtivos, uma vez que o imóvel da parte autora foi comprovadamente erigido com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), dentro do “Programa Minha Casa, Minha Vida”, atuando a instituição financeira como verdadeira promotora de programa habitacional voltado à população de baixíssima renda (“Faixa I”), desde a seleção do projeto, a escolha da empresa construtora do empreendimento e até a fiscalização da execução das obras de construção civil (v.g. STJ, REsp 738.071/SC, 4ªT., Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 09/08/2011, v.u., DJe 09/12/2011).
Há de ser afastado o propalado caráter unitário ou indivisível da relação material subjacente ao processo, elementar à configuração do litisconsórcio passivo necessário (art. 114, I, do Código de Processo Civil), em razão da dualidade de vínculos jurídicos substancialmente diferentes em suas naturezas [de um lado, o contrato de financiamento/arrendamento imobiliário (vínculo obrigacional submisso à legislação do Programa Minha Casa, Minha Vida) celebrado entre a instituição financeira integrante da Administração Indireta federal e o mutuário, ora demandante; de outro está um contrato administrativo ou convênio (ajuste de direito público, ainda que sujeito a derrogações de direito privado) firmado entre a entidade federal atuante na política estatal e a construtora do empreendimento, esta última convencionalmente responsável pela construção do conjunto habitacional], restando assim desnecessária a integração da construtora do empreendimento a esta relação jurídica processual.
Aliás, considerando que o “Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV” é uma política pública habitacional gestada e desenvolvida pela União, por intermédio da Caixa Econômica Federal, seu status corresponde ao de uma entidade administrativa que, a despeito de ostentar personalidade jurídica de direito privado e ordinariamente se subordinar ao regime aplicável aos agentes econômicos em operação no mercado (art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal), funciona como longa manus do Poder Público, com vinculação ao respectivo regime de prerrogativas e sujeições.
Esse o quadro, e considerando que foram observados os cânones do devido processo legal em sentido formal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), passo a examinar o mérito da controvérsia.
2.2. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO
A peculiar condição jurídica da Caixa Econômica Federal a submete aos rigores do direito público que, por sua vez, sujeita as pretensões reparatórias desencadeadas por comportamentos administrativos comissivos ou omissivos ao prazo prescricional de cinco anos a que aludem o art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 e o art. 1º-C da Lei nº 9.494/1997.
O conteúdo normativo do art. 618 do Código Civil não altera o panorama dantes apresentado. Isso porque esse dispositivo codificado contempla prazo de garantia legal oponível ao construtor e, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, flui desde logo, a partir da entrega do imóvel ao prejudicado (v.g. REsp 1.290.383/SE, 3ªT., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 11/02/2014, v.u., DJe 24/02/2014).
Portanto, o prazo prescricional da pretensão à reparação de danos materiais ou morais experimentados pelo proprietário ou arrendatário do imóvel - pretensão jurídica essa concretamente deduzida em face de entidade administrativa executora de política pública habitacional - desfruta de autonomia jurídica, e o respectivo termo inicial sobrevém ao exaurimento daquele lustro (prazo de garantia da obra).
Em outras palavras, o evento danoso deve obrigatoriamente se apresentar dentro do prazo de cinco anos previstos no art. 618 do Código Civil e, uma vez caracterizada tal hipótese, o construtor (ou, no caso, o executor da política pública habitacional) poderá ser acionado no prazo prescricional de cinco anos de que trata o art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 e o art. 1º-C da Lei nº 9.494/1997, a contar do término da garantia legal do construtor.
Disso, resulta a conclusão de que a pretensão reparatória manifestada pela parte autora não está fulminada pela prescrição.
2.3. VÍCIOS CONSTRUTIVOS
2.3.1. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E MODALIDADE DA RESPONSABILIDADE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
É inaplicável ao caso concreto o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), pois ao atuar como agente operador do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), dentro do “Programa Minha Casa, Minha Vida - Faixa I”, voltado para pessoas de baixíssima renda (arts. 9, 16 e 79-A, da Lei nº 11.977/2009), a Caixa Econômica Federal está prestando serviço público, submetendo-se, destarte, à disciplina normativa da responsabilidade civil do Estado, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição Federal e do art. 43 do Código Civil, ambos a enunciar que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Cuida-se de responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo (cf. STF, 2ªT., RE 217.389/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 02/04/2002, v.u., DJ 24/05/2002), para cuja configuração prescinde-se do elemento subjetivo (culpa lato sensu), exigindo-se do lesado tão-somente a demonstração dos seguintes requisitos:
a) as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa;
b) a obrigação de reparar danos patrimoniais decorre de responsabilidade civil objetiva. Se o Estado, por suas pessoas jurídicas de direito público ou pelas de direito privado prestadoras de serviços públicos, causar danos ou prejuízos aos indivíduos, deve reparar esses danos, indenizando-os, independentemente de ter agido com dolo ou culpa;
c) os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são: ocorrência do dano; nexo causal entre o eventus dammi e a ação ou omissão do agente público ou do prestador de serviço público; a oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado e;
d) no direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, com base no risco administrativo, que ao contrário de risco integral, admite abrandamentos. Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior, caso fortuito, ou ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vítima.
Segundo a doutrina (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 994-1002) e a jurisprudência prevalecentes (STJ, 2ªT., REsp 721.439/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 21/08/2007, v.u., DJ 31/08/2007), a responsabilidade civil do Estado assume contornos de subjetividade apenas nas hipóteses de omissão, em que o dano não é consequência direta e imediata do agir estatal (tal como pressuposto pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que expressamente alude a um dano emergente de ação administrativa), mas sim de uma abstenção verificada em situação na qual o ente público possuía o dever legal de agir; e mais: concretamente, podia atuar para obviar a consumação do evento danoso.
Entretanto, cumpre assinalar não se trata de responsabilidade subjetiva por culpa lato sensu de uma pessoa natural específica e determinada - no caso, do agente público que, por imposição legal, devia ter executado a atividade administrativa cuja ausência ou imperfeição ensejou o dano indenizável -, mas de responsabilidade subjetiva por culpa anônima do serviço público (faute du service), que se caracteriza sempre que o serviço público não funciona, funciona mal ou tardiamente.
A ausência do dever legal de agir desnatura o dever estatal de indenizar os danos relacionados à omissão. Do mesmo modo a atuação escorreita - segundo os padrões normais de exigência - porém infrutífera, em que o insucesso da ação estatal é imputável à excepcionalidade do caso concreto.
Nas hipóteses de responsabilidade do Estado por comportamentos administrativos omissivos, opera-se uma presunção juris tantum de culpa do serviço público (que se subentende ausente, defeituoso ou imperfeito) e, consequentemente, a inversão do ônus da prova em desfavor do Estado, que, para se eximir do dever de indenizar, deve comprovar a ausência de dolo ou culpa. Sim, pois de nada adiantaria ao ordenamento admitir a existência de responsabilidade estatal por omissão e não fornecer os expedientes técnicos necessários para a sua concretização em juízo.
Porém, uma ressalva se faz necessária.
Não é qualquer omissão estatal que legitima o afastamento da regra de responsabilização objetiva, contemplada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Como adverte Sérgio Cavalhieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Ed. Atlas, 2014, p. 268-269), temperamento tal somente é viável diante de omissão genérica, assim entendida aquela que se verifica quando “não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua omissão concorre para o resultado”.
Em casos tais (de omissão genérica), a responsabilidade é subjetiva porque há uma concorrência de causas, a saber, a omissão estatal genérica e o fato da vítima ou de terceiro ou, ainda, uma causa natural qualquer (caso fortuito ou força maior).
Porém, se o Estado estiver na condição de garante ou guardião da não-ocorrência do resultado e, por omissão sua, for criada situação propícia para a ocorrência do evento danoso, ter-se-á omissão específica e, portanto, hipótese de responsabilidade extracontratual objetiva do Poder Público. É que, nesses específicos casos (comuns em hipóteses de guarda de coisas ou pessoas perigosas), a omissão estatal será a causa direta e exclusiva o resultado danoso (v.g. STF, 2ªT., AgR no RE 607.771, Rel. Min. Eros Grau, j. 20/04/2010, v.u., DJe 13/05/2010).
2.3.2. CASO CONCRETO
O laudo do exame técnico pericial elaborado por profissional da engenharia de confiança do juízo e equidistante das partes atestou que a edificação examinada apresentava inconformidades nas instalações elétricas, pontos de infiltrações nos pisos das áreas molhadas e nas esquadrias/caixilhos em razão da falta de impermeabilização, que os revestimentos cerâmicos estavam parcialmente desplacados do contrapiso, que as paredes possuem fissuras em razão de falhas de projeto / erro de execução / inobservância das normas técnicas vigentes na data da construção do empreendimento / uso de materiais de baixa qualidade e mão de obra desqualificadas, que não há danos estruturais que sugiram a futura ocorrência de desabamento total ou parcial de elementos estruturais ou a presença de riscos iminentes de tais eventos, bem como estimou os custos para a realização dos reparos e asseverou a necessidade de desocupação do imóvel residencial pelo prazo de 10 dias.
2.3.3. DANO MATERIAL
Por se tratar de responsabilidade contratual quanto à perfeição da obra, sua solidez, segurança e à responsabilidade por danos a vizinhos e terceiros, incluindo-se as sanções civis e penais previstas na Lei nº 5.194/1966 (Código de Ética que regula a profissão de engenheiro, arquiteto e agrônomo), no Código Penal (que prevê o crime de desabamento ou desmoronamento, em seu art. 256) e na Lei de Contravenções Penais (que prevê as contravenções de desabamento e perigo de desabamento, nos arts. 29 e 30), a Caixa Econômica Federal, na qualidade de entidade executora do programa governamental de moradia popular e responsável por todas as etapas da obra (escolha da empreiteira, aprovação dos projetos construtivos, fiscalização da execução das obras de construção civil, regularização da documentação perante o município e cartório de registro de imóveis competente, entrega e financiamento dos imóveis às famílias de baixa renda beneficiárias), deverá prestar à parte autora a garantia legal de que tratam os arts. 618, 622 e 942, do Código Civil.
Como consequência e atento à especificidade do pedido de tutela jurisdicional deduzido na petição inicial, a Caixa Econômica Federal deverá pagar à parte autora os danos emergentes quantificados pelo perito de confiança do juízo, à luz do disposto nos arts. 389 e 927, caput, do Código Civil.
2.3.4. DANO MORAL
O art. 944 do Código Civil estabelece que “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
Atentas à natureza dúplice dos danos morais - preordenados a compensar o abalo moral sofrido pela vítima e, também, a punir o comportamento do ofensor (danos morais punitivos) -, doutrina e jurisprudência preconizam que o estabelecimento do montante indenizatório deve levar em consideração a “reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 125), dentro de parâmetros de razoabilidade.
Tarifações previstas na Lei de Imprensa e na Convenção de Varsóvia são expressamente repelidas pela jurisprudência. A primeira, porque não recepcionada pela Constituição Federal de 1988 (ADPF 130/DF e Súmula nº 281 do Superior Tribunal de Justiça). A segunda, porque restrita às hipóteses de indenização por danos materiais (cf. STF, 2ªT., RE 172.720/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 06/02/1996, v.u., DJ 21/02/1997).
A orientação atualmente predominante no Superior Tribunal de Justiça inclina-se no sentido de que o dano moral decorrente de vícios construtivos não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, 3ªT., Rel. Min Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 12/11/2018, v.u., DJe 16/11/2018; AgInt no AREsp 1.459.749/GO, 4ªT., Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 26/11/2019, v.u., DJe 06/12/2019).
O dano moral passível de compensação está plenamente caracterizado nos autos, na medida em que os vícios construtivos atingem a quase totalidade da área privativa da edificação (descolamento dos pisos de todos os cômodos, infiltrações decorrentes da má impermeabilização dos pisos, azulejos e caixilhos, danos à pintura das paredes, etc.), prejudicando sobremaneira a sua habitabilidade e o uso para o qual se destina, impingindo desse modo à parte autora evidente incômodo, frustração, irritação e abalo psíquico para muito além do razoável, inclusive por conta da necessária desocupação temporária do imóvel durante a realização das reformas a cargo da Caixa Econômica Federal.
Passo à fixação do quantum compensatório, atento às balizas propostas por Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. VII): a) evitar indenização simbólica e enriquecimento sem justa causa, ilícito ou injusto da vítima. A indenização não poderá ser ínfima, nem ter valor superior ao dano, nem deverá subordinar-se à situação de penúria do lesado; nem poderá conceder a uma vítima rica uma indenização inferior ao prejuízo sofrido, alegando que sua fortuna permitiria suportar o excedente do menoscabo; b) não aceitar tarifação, porque este requer despersonalização e desumanização, e evitar porcentagem do dano patrimonial; c) diferenciar o montante indenizatório segundo a gravidade, a extensão e a natureza da lesão; d) verificar a repercussão pública provocada pelo fato lesivo e as circunstâncias fáticas; e) atender às peculiaridades do caso e ao caráter antissocial da conduta lesiva; f) averiguar não só os benefícios obtidos pelo lesante com o ilícito, mas também a sua atitude ulterior e situação econômica; g) apurar o real valor do prejuízo sofrido pela vítima e do lucro cessante fazendo uso do juízo de probabilidade para averiguar se houve perda de chance ou de oportunidade, ou frustração de uma expectativa. Indeniza-se a chance e não o ganho perdido. A perda da chance deve ser avaliada pelo magistrado segundo o maior ou menor grau de probabilidade de sua existência; h) levar em conta o contexto econômico do país. No Brasil não haverá lugar para fixação de indenizações de grande porte, como as vistas nos Estados Unidos; i) verificar não só o nível cultural e a intensidade do dolo ou o grau da culpa do lesante em caso de responsabilidade civil subjetiva, e, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poder-se-á reduzir, de modo equitativo, a indenização (art. 944, do Código Civil), como também as posses econômicas do ofensor para que não haja descumprimento da reparação, nem se lhe imponha pena tão elevada que possa arruiná-lo; j) basear-se em prova firme e convincente do dano; k) analisar a pessoa do lesado, considerando os efeitos psicológicos causados pelo dano, a intensidade do seu sofrimento, seus princípios religiosos sua posição social ou política, sua condição profissional e seu grau de educação e cultura; l) procurar a harmonização das reparações em casos semelhantes; m) aplicar o critério do justum ante as circunstâncias particulares do caso sub judice (art. 5º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), buscando sempre, com cautela e prudência objetiva, a equidade e, ainda, procurando demonstrar à sociedade que a conduta lesiva é condenável, devendo, por isso, o lesante sofrer a pena.
Ainda, tenho em perspectiva os seguintes pontos: a) as circunstâncias e peculiaridades da situação fática, especialmente a dimensão dos defeitos, a ponto de prejudicarem ou não o funcionamento de partes ou itens do imóvel de imprescindível utilização diária; b) a variedade das irregularidades constatadas a fim de averiguar se os problemas são comuns a todos os cômodos ou se estão restritos a uma parte específica da habitação; c) se os vícios tornaram o imóvel inabitável; e d) se é necessária a desocupação do imóvel para a reparação dos defeitos encontrados e o custo médio para o custeio de aluguel durante o período.
Nessa linha de intelecção, concluo que a parte autora tem direito a R$ 5.000,00 a título de compensação pecuniária pelos ataques a seus direitos de personalidade e a necessidade de custeio de aluguel durante a reforma do imóvel frangalhado.
3. DISPOSITIVO
Em face do exposto, afasto a preliminar processual de ilegitimidade passiva e a preliminar de mérito concernente à prescrição e, quanto ao mais, julgo parcialmente procedentes os pedidos deduzidos pela parte autora para condenar a Caixa Econômica Federal a indenizar os danos materiais quantificados pelo perito judicial em R$ 2.428,68 (Id. 304508824) e a compensar os danos morais ora fixados em R$ 5.000,00.
Em conformidade com as Súmulas nºs 43 e 362 do Superior Tribunal de Justiça e o art. 405 do Código Civil, as quantias devidas à parte autora serão corrigidas monetariamente desde a sua quantificação por meio de perícia judicial (dano material) e da prolação desta sentença (dano moral), segundo o IPCA-E, e juros de mora a partir da citação, à taxa de 1% ao mês.
A Caixa Econômica Federal também deverá reembolsar o Erário dos honorários periciais antecipados pela Justiça Federal, atualizando-os monetariamente segundo o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente na data do trânsito em julgado, nos termos do art. 12, § 1º, da Lei nº 10.259/2001, do art. 32, § 2º, da Resolução CJF nº 305/2014 e da Orientação DFJEF-GACO nº 1/2006.
Sem condenação em custas processuais ou honorários advocatícios nesta instância judicial, nos termos do art. 55, caput, da Lei nº 9.099/1995, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001.
Defiro a gratuidade judiciária à parte autora.
Nada mais havendo a prover, declaro extinto o processo, com resolução de mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.”
3. Recurso da parte autora: requer o conhecimento e provimento do recurso com a reforma da sentença Recorrida para que, nos termos da argumentação supra, além dos prejuízos já constantes da decisão, sejam reconhecidos: A. a correta indenização pelo revestimento cerâmico no valor de R$ 2.179,38 B. a majoração do dano moral ao patamar de R$10.000,00. C. a consequente condenação da Caixa Econômica Federal ao pagamento do montante referente à integralidade dos pedidos.
4. Recurso da CEF: sustenta, em síntese, sua ilegitimidade passiva, a prescrição, a falta de interesse de agir, a necessidade de litisconsórcio com a construtora e a incompetência material do Juizado Especial Federal. No mérito, pleiteia a improcedência da demanda, ante a inexistência de danos morais e materiais. Pleiteia, ainda, a compensação de eventual valor devido à parte autora.
5. Com relação às preliminares suscitadas pela CEF, mantenho a sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. Comprovado, ainda, o interesse de agir, ante a reclamação anexada aos autos. Ademais, afasto a alegação de incompetência do JEF em razão da complexidade da causa. Deveras, o artigo 3º, caput, da Lei n. 10.259/01 preceitua que compete ao Juizado Especial Federal processar, conciliar e julgar causas da competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, sendo referida competência de natureza absoluta. As causas de natureza complexa, já pré-definidas pelo legislador, são apenas aquelas arroladas no art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.259/2001. Portanto, a eventual complexidade da causa, por si só, não modifica a competência fixada, assim como a eventual necessidade de produção de prova pericial não é incompatível com o rito da Lei nº 10.259/01
6. DANO MATERIAL: realizada perícia judicial, restaram apurados e quantificados os danos relacionados aos vícios construtivos verificados no imóvel da parte autora, não tendo as partes comprovado eventual irregularidade na perícia e/ou nos valores apurados. Consigne-se que o perito nomeado possui capacitação técnico-científica para a realização da perícia, sendo qualificado, compromissado, de confiança do Juízo e equidistante das partes. O laudo encontra-se fundamentado e baseado na avaliação realizada no imóvel da parte autora, não se verificando qualquer irregularidade, nulidade, necessidade de nova perícia ou de esclarecimentos. Com efeito, não há elementos que tornem a prova pericial imprestável, havendo apenas discordância das partes com sua conclusão, o que, porém, não enseja a realização de nova perícia. Anote-se que o perito elaborou laudo minucioso, com várias fotos e esclarecimentos sobre os danos. Assim, faz jus a parte autora à indenização pretendida, nos limites apontados na perícia. Logo, não assiste razão aos recorrentes neste ponto.
7. DANO MORAL: registre-se que a parte autora não especificou nenhum fato em concreto para a sua caracterização. Os argumentos utilizados na inicial foram genéricos. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o dano moral para as hipóteses de vícios na construção deve ser comprovado, devendo ser extraordinário e suplantar o mero descumprimento contratual. Com feito, segundo a interpretação do Superior Tribunal de Justiça “o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel” (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 16/11/2018), devendo ser afastado, se “a fundamentação para a condenação em danos morais teve como justificativa somente a existência de vícios de construção no imóvel, sem motivação adicional, a justificar a angústia ou abalo psicológico configuradores de dano moral” (AgInt no REsp 1955291/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 02/03/2022). Posto isso, no caso em tela, não restou comprovada, nestes autos, circunstância excepcional que caracterize violação a direito de personalidade da parte autora, salvo no que tange aos aborrecimentos decorrentes e inerentes aos próprios vícios construtivos, motivo pelo qual os danos morais não são devidos.
8. Por fim, reputo prejudicado pedido recursal da CEF para eventual compensação, posto que não restou comprovada a alegada dívida que a parte autora supostamente possua junto à CAIXA/FAR. Ademais, ainda que assim não fosse, a questão acerca de eventual débito da parte autora com a CEF não é objeto desta ação, devendo, se o caso, ser discutido em demanda diversa e, portanto, não caracteriza óbice ao recebimento da indenização ora reconhecida nestes autos.
9. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA E DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA CEF para reformar em parte a sentença e julgar improcedente o pedido de indenização por danos morais. Mantenho, no mais, a sentença.
10. Parte autora-recorrente condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98, § 3º do CPC.