Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001135-73.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO

APELANTE: JOSE EDMILSON DOS SANTOS
SUCEDIDO: FRANCISCO SILVA DOS SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: CARMO JOVINO PIMENTEL JUNIOR - MS21299-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001135-73.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO

APELANTE: JOSE EDMILSON DOS SANTOS
SUCEDIDO: FRANCISCO SILVA DOS SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: CARMO JOVINO PIMENTEL JUNIOR - MS21299-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO:

Trata-se de ação ordinária movida pelo Sr. FRANCISCO SILVA DOS SANTOS (beneficiário), sucedido pelo Sr. JOSE EDMILSON DOS SANTOS, objetivando a inexigibilidade de débito previdenciário de R$ 66.202,72 referente a Benefício Assistencial a Pessoa com Deficiência – LOAS (NB 87/118.378.668-6), em que se pleiteia (i) a cessação dos descontos no benefício da parte autora, (ii) o pagamento do período cessado indevidamente (01/11/2015 a 14/07/2016), (iii) o pagamento de danos morais no montante de R$ 10.000,00, e (iv) honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa.

O juízo a quo julgou parcialmente procedente os pedidos, determinando a cessação dos descontos indevidos em face da parte autora, bem como determinando a restituição dos descontos a título de consignação no benefício NB 702.428.976-8 (BPC/LOAS – Pessoa com deficiência).

Irresignado, o INSS apela da decisão (págs. 266-282), sustentando a ausência dos requisitos exigidos para a concessão do benefício assistencial, a superação da renda per capita familiar, o enriquecimento ilícito da parte beneficiária e a repetibilidade dos valores independentemente de boa-fé.

Apelação da parte autora (ID 290284055), pugnando pela reforma da sentença, declarando o direito ao pagamento dos meses que o benefício foi cessado (11/2015 a 07/2016), e condenação em danos morais pela cobrança efetuada pelo INSS.

Com contrarrazões (ID 290284055 – págs. 25-30), vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001135-73.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO

APELANTE: JOSE EDMILSON DOS SANTOS
SUCEDIDO: FRANCISCO SILVA DOS SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: CARMO JOVINO PIMENTEL JUNIOR - MS21299-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO:

Os recursos de apelação preenchem os requisitos de admissibilidade (art. 1.011, CPC) e merecem ser conhecidos.          

Do Benefício Assistencial

A Constituição Federal instituiu, no art. 203, caput, e em seu inciso V, "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".

Tal garantia foi regulamentada pelo art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), alterada pela Lei 9.720/98. Posteriormente, a redação do mencionado art. 20 foi novamente alterada pelas Leis nºs 12.435/2011 e 12.470/2011, passando a apresentar a seguinte redação:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de deficiente ou idoso (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

Precedentes jurisprudenciais resultaram por conformar o cálculo da renda familiar per capita, da qual deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima. Neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. SOBRESTAMENTO DO FEITO EM RAZÃO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DESNECESSIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PERCEBIDO POR IDOSO OU DEFICIENTE.
1. Esta Corte Superior já firmou entendimento no sentido da inaplicabilidade do disposto no art. 543-C do CPC nesta instância, em relação ao julgamento dos recursos que tratam sobre a mesma matéria afetada à observância do rito previsto no citado dispositivo.
2. No cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por pessoa idosa a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, este último por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/03.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1117833/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 02/10/2013)

PERCEBIDO POR MAIOR DE 65 ANOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI N. 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA.MÍNIMO VALOR DE BENEFÍCIO DE EXCLUSÃOPREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.

- O mandado de segurança é remédio constitucional (art. 5º, LXIX, CF/88) destinado à proteção de direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo perpetrado por autoridade pública.

- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

- Possibilidade de exclusão, do cálculo da renda familiar, dos benefícios assistenciais recebidos por idosos e por deficientes e também dos benefícios previdenciários concedidos ao idoso, no valor de até um salário mínimo.- Remessa oficial desprovida. (RemNecCiv - REMESSA NECESSáRIA CíVEL / SP 5019639-63.2019.4.03.6100 , Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO , 9ª Turma, 15/10/2020).

Também deverá ser desconsiderado o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade, como vem sendo decidido desde longa data por esta Eg. 9ª Turma.

Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.

Não podem ser incluídos no cálculo da renda familiar os rendimentos auferidos por irmãos ou filhos maiores de 21 anos e não inválidos, bem assim por avós, tios, sobrinhos, primos e outros parentes não relacionados no art. 16 da Lei de Benefícios, conforme disposto no art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, na redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30-11-1998, ao entender como família, para efeito de concessão do benefício assistencial, o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, elencadas no art. 16 da Lei de Benefícios - entre as quais não se encontram aquelas antes referidas.

O egrégio Supremo Tribunal Federal tem assentado, por decisões monocráticas de seus Ministros, que decisões que excluem do cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos por pessoas não relacionadas no art. 16 da Lei de Benefícios não divergem da orientação traçada no julgamento da ADI 1.232-1, como se constata, v. g., de decisões proferidas pelos Ministros GILMAR MENDES (AI 557297/SC - DJU de 13-02-2006) e CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005).

Porém, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas ("Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.").

O Superior Tribunal de Justiça corrobora tal orientação, como demonstram os seguintes arestos:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA. CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal. II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n.
8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: "[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto".
IV - Portanto, entende-se que "são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica" (REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017.) Ainda nesse sentido: REsp n. 1.247.571/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 13/12/2012.
V - Assim, deve ser afastado o entendimento da Corte de origem que fez somar a renda do cunhado e do sobrinho. Ainda que vivam sob o mesmo teto do requerente do benefício, seus rendimentos não devem ser considerados para fins de apuração da hipossuficiência econômica a autorizar a concessão de benefício assistencial, pois não se enquadram conceito de família previsto no § 1º do art. 20 da Lei n.
8.742/93.
VI - Recursos especiais providos.
(REsp 1727922/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 2º, I E V, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 16 DA LEI N. 8.213/1991. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. ART. 20 DA LEI N. 8.213/1991.
CONCEITO DE RENDA FAMILIAR. PESSOAS QUE VIVAM SOB O MESMO TETO DO VULNERÁVEL SOCIAL E QUE SEJAM LEGALMENTE RESPONSÁVEIS PELA SUA MANUTENÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA.
1. Os recursos interpostos com fulcro no CPC/1973 sujeitam-se aos requisitos de admissibilidade nele previstos, conforme diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ.
2. O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência).
3. São excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica.
4. No caso, o fato de a autora, ora recorrente, passar o dia em companhia de outra família não amplia o seu núcleo familiar para fins de aferição do seu estado de incapacidade socioeconômica.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(REsp 1538828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)

No que se refere à renda mínima, o Superior Tribunal de Justiça, assentou que essa renda não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família. Em síntese, a renda per capita inferior a 1/4 de salário-mínimo implica presunção de miserabilidade a ensejar o deferimento do benefício, mas não impede o julgador de, mediante as demais provas dos autos, concluir pela caracterização da condição de miserabilidade da parte e de sua família.

Do caso dos autos

A parte autora teve concedido o benefício assistencial em 27/08/2003 (NB 118.378.668-6). O benefício foi revisado pela autarquia, e após o devido processo administrativo, foi cessado por ter constado a superação da condição de miserabilidade.

Da análise das páginas 63-75 do processo administrativo (ID 290284047), verifica-se que o motivo que levou à cessação do benefício se deu em virtude de rendimentos decorrentes de trabalho pelo núcleo familiar:

Com efeito, foi constatado que desde 01/04/2007 os membros do núcleo familiar da parte autora, passaram a auferir rendimentos decorrentes de trabalho, que excedem o requisito de miserabilidade exigido para concessão do benefício assistencial.

Com base nas evidências apresentadas, concluiu-se que o requerente não preencheu os requisitos para o benefício pleiteado (durante o período de 2007 a 2015), destinado a pessoas em situação de miserabilidade (extrema pobreza) e não apenas de pobreza.

No entanto, não é a hipótese de devolução da quantia pretendida pelo INSS.

Restituição de valores recebidos indevidamente

A possibilidade do INSS rever e anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais (buscando ou não a devolução de valores percebidos indevidamente) é consagrada nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, passando posteriormente a contar com previsão legal expressa (artigo 53 da Lei nº 9.784/99 e art. 103-A, da Lei nº 8.213/91, introduzido pela Lei nº 10.839/04).

Entretanto, a simples má aplicação de norma jurídica, a interpretação equivocada e o erro da administração, por parte da Autarquia, não autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados/beneficiários.

Sobre o assunto, recentemente, o STJ julgou o REsp 1381734/RN, sob a sistemática dos recursos repetitivos, sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, o qual restou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.

1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.

2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.

3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.

4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.

5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).

6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.

8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.

9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.

A tese fixada no Tema 979/STJ foi a seguinte:

Os pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

Ou seja, é cabível a devolução de valores quando os pagamentos forem feitos ao segurado por erro administrativo, não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração. No entanto, exceção à regra ocorre quando o segurado comprovar a sua boa-fé objetiva, demonstrando que não tinha como constatar que o pagamento era incorreto.

No caso dos autos, não é a hipótese de devolução da quantia pretendida pelo INSS, pois não se vislumbra conduta lesiva do autor à obtenção e à manutenção do benefício.

Com efeito, à míngua de prova da ocorrência de má-fé, o C. STJ definiu no precedente obrigatório contido no Tema 979/STJ que é de rigor a aplicação do princípio da irrepetibilidade do benefício, em função da presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração.

Nesse sentido:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. ÓBITO DO SEGURADO EM 2016. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO CÔNJUGE, A TÍTULO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DESCONTOS LEVADOS A EFEITO NA PENSÃO POR MORTE. ART. 115 DA LEI DE BENEFÍCIOS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão da percepção indevida do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."

- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).

- Em razão do falecimento do cônjuge, Luiz Augusto Chinelli, ocorrido em 13/09/2016, à parte autora foi deferida administrativamente a pensão por morte (NB 21/179115355-8), com pagamento efetuado a partir da data do requerimento, apresentado em 13/02/2017.

- A agência do INSS em Araras - SP emitiu ofício à parte autora, em 14/03/2017, comunicando-lhe acerca do recebimento indevido das parcelas de aposentadoria por tempo de contribuição do qual o cônjuge era titular (NB 42/108.212.494-7), no interregno compreendido entre 01/09/2016 e 31/01/2017, apurando o complemento negativo de R$ 9.096,39.

- Na situação retratada nos autos, não se verifica qualquer evidência de que a autora tivesse concorrido para a continuidade do pagamento da aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/108.212.494-7) do qual o cônjuge era titular, mesmo após seu falecimento.

- Isso fica evidente no fato de a autora ter procrastinado o requerimento da pensão por morte, no intervalo em que recebeu as parcelas da aposentadoria da qual o falecido cônjuge era titular, vale dizer, não houve no período o pagamento cumulativo de pensão e da referida aposentadoria.

- Enquanto a boa-fé se presuma, a má-fé precisa necessariamente comprovada, o que se não verificou na espécie em apreço. Precedente desta Egrégia Corte.

- Por se tratar de demanda aforada no Estado de São Paulo, o INSS é isento de custas e despesas processuais, com respaldo na Lei Estadual nº 11.608/03.

- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.

- Apelação do INSS provida parcialmente.

(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5066433-22.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 18/06/2021, DJEN DATA: 24/06/2021)

 

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO DE NÃO RETRATAÇÃO.  OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE AMPARO SOCIAL CESSADO ADMINISTRATIVAMENTE PELA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE. ENTENDIMENTO DO C. STF. 

I - A questão posta nos autos não se amolda ao Tema n. 692 do E. STJ, que se refere à necessidade de devolução dos valores recebidos pelo litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), em virtude de decisão judicial liminar que venha a ser posteriormente revogada.  

II - A controvérsia, na presente demanda, cinge-se à possibilidade de devolução de parcelas recebidas a título de benefício de amparo social ao idoso, cessado administrativamente pela autarquia previdenciária, em decorrência de constatação de irregularidade na sua manutenção.

III - Sobre a questão versada nos autos, o acórdão embargado consignou expressamente que a restituição pretendida pelo INSS é indevida, porquanto as quantias auferidas pela demandante possuem natureza alimentar, não restando caracterizada a má-fé da segurada.

IV- A 1ª Seção do E. STJ, no julgamento do Tema 979 (REsp. n. 1.381.734), sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."

V - No caso em apreço, não comprovada a má-fé da segurada, é inexigível a devolução dos valores recebidos a título de amparo social ao idoso.

VI - Possibilidade de retratação afastada. Determinada a remessa dos autos remetidos à Vice-Presidência.

(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0008840-57.2017.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 08/06/2021, Intimação via sistema DATA: 11/06/2021)

À luz dos elementos colhidos nos autos, não se afigura plausível deduzir que a parte autora sabia sobre critérios técnicos, até porque simplesmente pleiteou o benefício administrativamente.

Reconhecida, portanto, a inexigibilidade da dívida, o recurso não comporta provimento quanto ao ponto.

Do pagamento do período em que foi cessado o benefício

No que tange ao pleito da parte autora referente ao pagamento dos valores relativos ao período em que o benefício foi cessado, considero que não há fundamentos para seu acolhimento.

O direito da Administração Pública de revisar a concessão dos benefícios está inserido dentro dos limites de conformação do Poder Executivo, fundamentado em seu poder de autotutela, conforme estabelecido nas Súmulas nº 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

O simples fato da concessão do benefício em data posterior, no ano de 2016, não implica necessariamente na existência de direito ao benefício em período anterior. Conforme mencionado anteriormente, foi comprovado que o trabalho remunerado dos familiares ocorreu de 2007 a 2015.

Com a constatação e comprovação administrativa de que a concessão do benefício foi irregular e de que houve recebimento indevido, e tendo sido observados todos os trâmites legais administrativos, torna-se evidente a legalidade dos atos de cessação do benefício.

Diante disso, não se pode justificar o pagamento de benefício quando é de conhecimento do beneficiário que não atende aos requisitos necessários para a sua concessão.

Da inexistência de direito à repetição dos descontos e pagamento de danos morais

A indenização por danos morais prevista no art. 5º, V, da Constituição Federal, visa compensar lesão causada à imagem, à honra ou à estética da pessoa que sofreu o dano, mediante pagamento de um valor estimado em pecúnia. Deste modo, deve ser analisado o caso concreto para aferir se houve a ocorrência de algum ato ilícito, e esse ato causou dano, e, ainda, se há nexo causal entre o ato e o dano, que implicaria responsabilidade do INSS em reparar os prejuízos resultantes do procedimento em sua atuação administrativa.

Observa-se que, em regra, os atos administrativos relativos à concessão, manutenção e revisão de benefícios previdenciários não ensejam, por si só, direito à indenização por danos morais, uma vez que se trata de regular atuação da Administração, podendo conceder, indeferir, revisar e cessar os benefícios concedidos.

O indeferimento, cessação ou cobrança de valores de benefício concedido gera, sem dúvida, transtorno ou aborrecimento, que não se confundem, no entanto, com violência ou dano à esfera subjetiva do segurado, quando não há demonstração de que a Administração, por ato de seus prepostos, tenha desbordado dos limites legais de atuação.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
- A mera contrariedade acarretada pela decisão administrativa de negar benefícios previdenciários não pode ser alçada à categoria de danomoral, já que não está patenteada conduta despropositada e de má-fé da autarquia previdenciária, encarregada de zelar pelo dinheiro público.
- A dor, o sofrimento, a humilhação e o constrangimento, caracterizadores dos
danos morais, devem ser suficientemente provados, sob pena da inviabilidade de ser albergada a pretendida indenização. Daí que a condenação a pagar indenização por danomoral deve ser reservada a casos pontuais, em que a parte comprova a existência de má-fé da Administração pública - situação não ocorrida neste caso.
- Julgado procedente o pedido de concessão de benefício e improcedente o pedido de condenação por
danos morais, forçoso concluir que ambos os litigantes foram vencidos em parte. Portanto, à luz do artigo 86 do Código de Processo Civil (CPC), as despesas devem ser proporcionalmente divididas entre eles.
- Condenação de ambos os litigantes ao pagamento de honorários ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a incidir sobre as prestações vencidas até a data da sentença, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC.
- Apelação parcialmente provida. (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000745-87.2020.4.03.6105, Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, 9ª Turma, 31/05/2023).

No caso em análise, ainda que seja compreensível o dissabor derivado da cobrança/descontos no valor do benefício, para fins de ressarcimento do erário, entendo que não se justifica a concessão de indenização por danos morais, eis que a condenação do INSS ao pagamento de indenização por danos morais deve ser reservada a casos pontuais, em que demonstrado de maneira inconteste a atuação do agente público em afronta aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, ou seja, a existência de má-fé da Administração, situação não demonstrada neste caso.

É notório que a Administração Pública tem o poder-dever de revisar os atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:


"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

Ademais, a 9ª Turma desta Colenda Corte tem adotado o entendimento segundo o qual, o mero indeferimento do pedido na via administrativa, ou ainda a sua cessação indevida, não é suficiente à demonstração do alegado dano à esfera extrapatrimonial, devendo restar devidamente comprovado nos autos a atuação do agente público em afronta aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.

Com efeito, a teor do entendimento jurisprudencial deste Tribunal traduzido nos precedentes citados, inexiste no caso concreto fundamento para o reconhecimento da ocorrência de dano moral, pois a conduta da administração não desbordou dos limites de sua atuação, ainda que em juízo tenha sido reformado o mérito da decisão administrativa.

Portanto, deixo de acolher o pedido da parte em relação à condenação por danos morais.

Com efeito, é indevida a restituição dos valores descontados, pois seu acolhimento equivaleria à determinação do pagamento de verba que se sabe indevida.

Da mesma forma que a manutenção errônea do benefício gerou direito ao seu recebimento até decisão em contrário, a restituição levada a efeito na esfera administrativa deve seguir o mesmo princípio, ou seja, produzir efeitos até que seja cessada, no caso, por ordem judicial.

Isso se dá em razão da presunção de legalidade e da executoriedade dos atos administrativos. E, ao fim, determinar-se o pagamento das verbas que não são devidas na origem importará em enriquecimento sem causa.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. INEXEGIBILIDADE DA RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. 1.Não há que se falar na incompetência da Justiça Estadual para apreciar a questão relativa à necessidade de devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, em virtude da competência federal delegada prevista no Art. 109, § 3º, da Constituição Federal. 2. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE 587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno). 3. Pelo princípio da autotutela, a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (Súmula nº 473/STF). 4. Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores, compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas. 5. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas nos §§ 2º, 3º, I, e 4º, do Art. 85, e no Art. 86, do CPC. 6. Apelação provida em parte. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 6088312-34.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, julgado em 28/9/2021, DJEN DATA: 6/10/2021)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS A MAIOR AO BENEFICIÁRIO. DESNECESSIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS JÁ DESCONTADAS PELO INSS. IMPOSSIBILIDADE, RESSALVADAS AQUELAS DESCONTADAS APÓS A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. CONSECTÁRIOS LEGAIS FIXADOS DE OFÍCIO. 1. A parte autora é beneficiária da pensão por morte nº 21/154.166.024-0, concedida a partir de 04/07/2010, em razão do falecimento do seu ex-marido Antônio Bernardo da Silva. 2. No entanto, devido à concessão do benefício à corré (na condição de companheira do segurado falecido), a pensão por morte foi desdobrada, e, por ter pago o benefício a maior à parte autora durante certo período, a autarquia procedeu à cobrança desses valores. 3. Contudo, não é possível a cobrança dos valores pagos equivocadamente à parte autora, pois, conforme pacificado pelo E. Supremo Tribunal Federal, os valores indevidamente recebidos somente devem ser devolvidos quando demonstrada a má-fé do beneficiário, tendo em vista tratar-se de verbas de caráter alimentar. 4. Entretanto, não há que se falar em restituição dos valores já descontados pela autarquia, tendo em vista que realizados nos termos da Súmula 473 do STF, no exercício do poder-dever do INSS de apuração dos atos ilegais, não se mostrando razoável impor à Administração o pagamento de algo que, de fato, não deve. 5. Cumpre ressaltar, porém, que tal entendimento não abrange a parte dos descontos realizada posteriormente à concessão da tutela antecipada, sendo de rigor a restituição à parte autora do montante indevidamente descontado após à referida decisão judicial. 6. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17. 7. Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único). 8. Apelação do INSS parcialmente provida. Fixados, de ofício, os consectários legais. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000507-26.2014.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 18/12/2019, Intimação via sistema DATA: 10/1/2020)

 

Assim, é impositiva a reforma da sentença, para afastar a obrigação da autarquia de restituir os valores já descontados (repetição de indébito), mantendo-se a inexigibilidade da cobrança dos valores a título de benefício assistencial.

Dispositivo

Nesses termos, dou parcial provimento ao apelo do INSS, para reformar parcialmente a r. sentença e afastar a restituição dos valores descontados, e nego provimento à apelação da parte autora.

É como voto.

 

 

 

 

 

/gabmc/gdsouza

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LOAS. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. CESSAÇÃO INDEVIDA DE DESCONTOS. RESTITUIÇÃO DE VALORES. DANOS MORAIS. PARCIAL PROVIMENTO DOS RECURSOS.

I. CASO EM EXAME

  1. Ação ordinária movida contra o INSS, objetivando a inexigibilidade de débito previdenciário de R$ 66.202,72, referente a Benefício Assistencial a Pessoa com Deficiência, com pedidos de (i) cessação dos descontos no benefício, (ii) pagamento retroativo dos valores cessados indevidamente entre 01/11/2015 a 14/07/2016, (iii) indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 e (iv) honorários advocatícios. O juízo de origem julgou parcialmente procedente o pedido, determinando a cessação dos descontos e a restituição dos valores indevidamente descontados.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

  1. Há três questões em discussão: (i) verificar a legalidade da cobrança de valores pelo INSS com base na superação dos critérios de miserabilidade; (ii) determinar o direito ao pagamento retroativo dos meses em que o benefício foi cessado; e (iii) analisar o pedido de indenização por danos morais decorrente da cobrança indevida pelo INSS.

III. RAZÕES DE DECIDIR

  1. O benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 8.742/93, exige dois requisitos: (i) condição de deficiência ou idade superior a 65 anos e (ii) comprovação de miserabilidade, ou seja, incapacidade de prover a própria manutenção ou tê-la provida pela família.

  2. Precedentes do STF e STJ firmam que, para o cálculo da renda familiar per capita, deve-se excluir o valor recebido por pessoa idosa a título de benefício assistencial ou previdenciário de renda mínima, conforme a aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, excluindo o benefício de idosos ou deficientes do cálculo da renda familiar.

  3. Quanto à devolução de valores, o STJ, no REsp 1381734/RN (Tema 979), firmou a tese de que a devolução de valores pagos indevidamente somente é cabível em casos de má-fé comprovada, o que não se verifica no presente caso, devendo prevalecer o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

  4. O pedido de pagamento retroativo dos valores relativos ao período de cessação do benefício (11/2015 a 07/2016) é indeferido, visto que a cessação foi regular, tendo em vista a superação dos critérios de miserabilidade conforme processo administrativo regular.

  5. O pedido de indenização por danos morais não prospera, pois, embora tenha havido transtorno decorrente dos descontos no benefício, não houve conduta abusiva ou ilícita por parte da Administração, e, portanto, não há demonstração de violação a direitos da personalidade da parte autora.

IV. DISPOSITIVO E TESE

  1. Recurso do INSS parcialmente provido.

  2. Recurso da parte autora desprovido.

Tese de julgamento:

  1. A devolução de valores recebidos a título de benefício assistencial é incabível quando comprovada a boa-fé do beneficiário, salvo em situações de erro administrativo evidente e constatável.

  2. No cálculo da renda familiar per capita para concessão de benefício assistencial, deve ser excluído o valor de benefícios previdenciários de renda mínima recebidos por idosos ou deficientes.

  3. O mero indeferimento ou cessação de benefício assistencial pelo INSS não enseja, por si só, indenização por danos morais, salvo comprovação de má-fé ou conduta abusiva por parte da Administração.

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 203, V; Lei nº 8.742/1993 (LOAS), art. 20, § 1º; Lei nº 9.784/1999, art. 53; Decreto nº 3.048/1999, art. 154, § 3º; Lei nº 8.213/1991, art. 115, II.

Jurisprudência relevante citada:

  • STJ, AgRg no REsp 1117833/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 24.09.2013, DJe 02.10.2013.

  • TRF 3ª Região, RemNecCiv  5019639-63.2019.4.03.6100 , Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO , 9ª Turma, 15/10/2020

  • STJ, REsp 1727922/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 19.03.2019, DJe 26.03.2019.

  • STJ, REsp 1538828/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 17.10.2017, DJe 27.10.2017.

  • STJ, REsp 1381734/RN (Tema 979), Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 110.03.2021, DJe 23.04.2021.

  • TRF 3ª Região, ApCiv 5066433-22.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, 9ª Turma, julgado em 18.06.2021, DJEN 24.06.2021.

  • TRF 3ª Região, ApCiv 0008840-57.2017.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal Sergio Do Nascimento, 10ª Turma, julgado em 08.06.2021, DJEN 11.06.2021.

  • TRF 3ª Região, ApCiv  5000745-87.2020.4.03.6105, Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, 9ª Turma, 31.05.2023

  • TRF 3ª Região, ApCiv 6088312-34.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal Paulo Octavio Baptista Pereira, 10ª Turma, julgado em 28.09.2021, DJEN 06.10.2021.

  • TRF 3ª Região, ApCiv 0000507-26.2014.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal Nelson De Freitas Porfirio Junior, 10ª Turma, julgado em 18.12.2019, Intimação via sistema 10.01.2020.

  • STF, AI 557297/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 13.02.2006.

  • STF, Reclamação 3891/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 09.12.2005.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma decidiu, por unanimidade (a Desembargadora Federal Daldice Santana acompanhou a Relatora pela conclusão), dar parcial provimento ao apelo do INSS e negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

CRISTINA MELO
DESEMBARGADORA FEDERAL