Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000660-15.2017.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: GUSTAVO DE LUCA ALVES, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: MARIA RUBINEIA DE CAMPOS - SP256745-A

APELADO: GUSTAVO DE LUCA ALVES, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: MARIA RUBINEIA DE CAMPOS - SP256745-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000660-15.2017.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: GUSTAVO DE LUCA ALVES, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: MARIA RUBINEIA DE CAMPOS - SP256745-A

APELADO: GUSTAVO DE LUCA ALVES, UNIÃO FEDERAL

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R E L A T Ó R I O

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de embargos de declaração opostos por GUSTAVO DE LUCA ALVES em face de acórdão deste colegiado.

Em síntese, a parte embargante afirma que o julgado incidiu em omissão. Por isso, pede que seja sanado o problema que indica.

Apresentadas contrarrazões, os autos vieram conclusos.

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000660-15.2017.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: GUSTAVO DE LUCA ALVES, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: MARIA RUBINEIA DE CAMPOS - SP256745-A

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V O T O

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante. 

Por força do art. 1.026, §§2º e 3º, do CPC/2015, se os embargos forem manifestamente protelatórios, o embargante deve ser condenado a pagar ao embargado multa não excedente a 2% sobre o valor atualizado da causa (elevada a até 10% no caso de reiteração), e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa (à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final). E a celeridade e a lealdade impõem a inadmissibilidade de novos embargos de declaração se os 2 anteriores forem considerados protelatórios.

No caso dos autos, a parte embargante sustenta que o acórdão incorreu em omissão, ao se considerar que deixou de considerar as condições de saúde do embargante, tendo em vista que a alienação mental é causa de incapacidade definitiva. Afirma que o acórdão não considerou o julgamento da ação civil pública nº 2001.71.00.001310-6/RS. Pugna pelo provimento do recurso.

A decisão recorrida tem o seguinte conteúdo:

O art. 142, da Constituição de 1988, prevê que as Forças Armadas (constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinando-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Nos moldes desse art. 142 § 3º, X, da ordem de 1988 (na redação dada pela Emenda nº 18/1998), os membros das Forças Armadas são denominados militares, sendo que “a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.”.

O art. 142, §3º, X, da Constituição, delimitou o âmbito da reserva absoluta de lei (ou estrita legalidade) e recepcionou vários diplomas normativos, dentre eles a Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), e a Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército), com os correspondentes regulamentos. A solução jurídica do problema posto nos autos deve se dar pelos atos normativos vigentes à época da ocorrência do objeto litigioso, razão pela qual não são aplicáveis as disposições da posterior Lei nº 13.954/2019 (DOU de 17/12/2019).

Em vista do art. 3º da Lei nº 6.830/1980, os membros das Forças Armadas compreendem servidores na ativa ou na inatividade. Os militares da ativa são: a) de carreira; b) temporários, incorporados ou matriculados para prestação de serviço militar (obrigatório ou voluntário) durante os prazos previstos na legislação e suas eventuais prorrogações; c) componentes da reserva, quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados; d) alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e) em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas. Por sua vez, os militares em inatividade abrangem: a) os da reserva remunerada, quando pertençam à reserva das Forças Armadas e percebam remuneração da União, porém sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização; b) os reformados, quando, tendo passado por uma das situações anteriores e estejam dispensados, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União; c) os da reserva remunerada e, excepcionalmente, os reformados, que estejam executando tarefa por tempo certo, segundo regulamentação para cada Força Armada.  

O art. 3º da Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército) complementa as disposições do art. 3º da Lei 6.880/1980 no que tange ao pessoal da ativa, mencionando que o militar de carreira é aquele cujo vínculo com o serviço público (sempre voluntário) é permanente, ao passo em que o militar temporário tem vínculo (voluntário ou obrigatório) por prazo determinado para complementação de pessoal em várias áreas militares:

Art. 3º O Pessoal Militar da Ativa pode ser de Carreira ou Temporário.

I - O Militar de Carreira é aquele que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar, tem vitaliciedade assegurada ou presumida.

II - O Militar Temporário é aquele que presta o serviço militar por prazo determinado e destina-se a completar as Armas e os Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de praças, conforme for regulamentado pelo Poder Executivo.

O militar de carreira ingressa no serviço público mediante concurso (nos termos do art. 37, II, e seguintes da Constituição) e tem vitaliciedade (assegurada ou presumida) ou estabilidade (adquirida nos termos do art. 50 da Lei nº 6.880/1980), das quais decorrem certas prorrogativas. Já o ingresso no serviço militar temporário não é feito por concurso público, mas observa regramentos próprios em vista do caráter obrigatório ou voluntário (como oficial, sargento ou praça), respeitadas a escusa de consciência e seu serviço alternativo (Lei nº 8.239/1991 e demais aplicáveis), bem como mulheres e eclesiásticos em tempo de paz (conforme previsão específica do art. 143 da ordem de 1988).

Regido basicamente pela Lei nº 4.375/1964, o serviço temporário e obrigatório pode ser exigido de todos os brasileiros com 18 anos de idade (denominado “serviço militar inicial”), e também de pessoas qualificadas como médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que não tenham prestado o serviço inicial obrigatório no momento da convocação de sua classe (por adiamento ou dispensa de incorporação), as quais deverão prestar o serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização de programa de residência médica ou pós-graduação. Já o serviço militar temporário e voluntário é prestado por qualquer pessoa (reservista ou não) que tenha documento comprobatório de situação militar, homens e mulheres, que não se enquadram como “caráter obrigatório”, observados demais requisitos regulamentares do Comando de cada uma das Forças Armadas; nessa situação estão oficiais ou praças, incluindo médicos, farmacêuticos, dentistas, veterinários e demais profissionais com reconhecida competência técnico-profissional ou notório saber científico.

Em geral, o ingresso no serviço militar temporário tem várias fases. No recrutamento para o serviço militar obrigatório inicial, conforme a Lei nº 4.375/1964 e disposições regulamentares, há: convocação (ato pelo qual os brasileiros são chamados para a prestação do serviço); alistamento (ato prévio e obrigatório, à seleção, no ano em que o brasileiro completa 18 anos de idade); seleção (dentre os conscritos, são escolhidos os que melhor atendam às necessidades das Forças Armadas); distribuição (baseada nas necessidades das Organizações Militares); designação (ato pelo qual o conscrito toma conhecimento oficial da sua distribuição, se designado para determinada Organização Militar ou incluído no excesso de contingente); e incorporação (inclusão do convocado ou voluntário em uma Organização Militar da Ativa) ou matrícula (inclusão a certos Órgãos de Formação da Reserva, após uma seleção complementar). Os refratários (aquele que não se apresentar durante a época de seleção do contingente de sua classe ou que se ausentar sem a ter completado) e os insubmissos (aquele que, convocado selecionado e designado para incorporação ou matrícula, que não se apresentar à Organização Militar dentro do prazo marcado ou que se ausentar antes do ato oficial de incorporação ou matrícula) estão sujeitos às penalidades previstas na Lei nº 4.375/1964 e no Código Penal Militar. Já para serviço militar temporário voluntário (como oficial ou praça), reservistas ou não, o ingresso no serviço ativo está submetido a processo seletivo simplificado para comprovação de habilitação e especialização exigidas para os cargos a desempenhar.

O militar temporário (obrigatório ou voluntário) atende a vários propósitos de racionalização do serviço público, dentre eles a interação entre a sociedade civil e o ambiente militar, a qualificação de cidadãos para eventual mobilização e também a economicidade (por ser notório o maior custo se mantido o efetivo sempre com militar de carreira). 

Quanto à duração, o serviço do militar de carreira é permanente, de modo que cessará nas hipóteses descritas na Lei nº 6.880/1980 (dentre elas a reforma). No que concerne ao serviço militar temporário obrigatório inicial, a Lei nº 4.375/1964 estabeleceu o prazo de 12 meses como regra geral em tempo de paz (contados do momento da incorporação), podendo ser reduzido ou ampliado por atos normativos regulamentares da administração militar competente (vale dizer, não se de matéria subordinada à reserva absoluta mas sim à reserva relativa de lei):

Art. 5º A obrigação para com o Serviço Militar, em tempo de paz, começa no 1º dia de janeiro do ano em que o cidadão completar 18 (dezoito) anos de idade e subsistirá até 31 de dezembro do ano em que completar 45 (quarenta e cinco) anos.

§ 1º Em tempo de guerra, êsse período poderá ser ampliado, de acôrdo com os interêsses da defesa nacional.

§ 2º Será permitida a prestação do Serviço Militar como voluntário, a partir dos 17 (dezessete) anos de idade.

Art. 6º O Serviço Militar inicial dos incorporados terá a duração normal de 12 (doze) meses.

§ 1º Os Ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica poderão reduzir até 2 (dois) meses ou dilatar até 6 (seis) meses a duração do tempo do Serviço Militar inicial dos cidadãos incorporados às respectivas Fôrças Armadas.

§ 2º Mediante autorização do Presidente da República, a duração do tempo do Serviço Militar inicial poderá:

a) ser dilatada por prazo superior a 18 (dezoito) meses, em caso de interêsse nacional;

b) ser reduzida de período superior a 2 (dois) meses desde que solicitada, justificadamente, pelo Ministério Militar interessado.

§ 3º Durante o período de dilação do tempo de Serviço Militar, prevista nos parágrafos anteriores, as praças por ela abrangidas serão consideradas engajadas.

Art. 7º O Serviço Militar dos matriculados em Órgãos de Formação de Reserva terá a duração prevista nos respectivos regulamentos.

Art. 8º A contagem de tempo de Serviço Militar terá início no dia da incorporarão (sic – incorporação).

Parágrafo único. Não será computado como tempo de serviço o período que o incorporado levar no cumprimento de sentença passada em julgado.

(...)

Já a duração do serviço militar temporário voluntário depende dos fundamentos normativos e administrativos da correspondente autorização de ingresso (note-se que o art. 27, §3º, da Lei 4.375/1964, incluído pela Lei nº 13.964/2019, explicitou prazo mínimo e máximo). O período de duração do serviço militar temporário obrigatório e do voluntário pode ser prorrogado, conforme previsto no art. 33 dessa Lei nº 4.375/1964: 

Art. 33 Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação dêsse tempo, uma ou mais vêzes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Fôrça Armada interessada.

Parágrafo único. Os prazos e condições de engajamento ou reengajamento serão fixados em Regulamentos, baixados pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica.

Assim, o militar temporário integra o efetivo das Forças Armadas em caráter transitório e se submete aos ditames da Lei 4.375/1964, da Lei nº 6.880/1980 e demais aplicáveis, sem estabilidade na carreira; após concluir o tempo a que estiver obrigado, poderá pedir prorrogação (uma ou mais vezes), daí permanecendo como engajados ou reengajados. A concessão da prorrogação do tempo de serviço além do previsto está submetida à discricionariedade da autoridade militar competente, cujos limites estão na Constituição, na legislação ordinária e também em atos normativos hierárquicos da administração militar (especialmente do Comando de cada uma das Forças Armadas), respeitados os âmbitos próprios da reserva absoluta (estrita legalidade) ou da reserva relativa de lei (legalidade).

Já a exclusão do serviço ativo das Forças Armadas (com consequente desligamento e inatividade) pode se dar por vários motivos, elencados no art. 94 da Lei 6.880/1980: transferência para a reserva remunerada (art. 96 e seguintes, podendo ser suspensa na vigência do estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência ou em caso de mobilização); reforma (art. 104 e seguintes, marcando o desligamento definitivo); demissão de oficiais (art. 115 e seguintes, com ou sem indenização das despesas efetuadas pela União com a sua preparação, formação ou adaptação); perda de posto e patente (art. 118 e seguintes, em casos de o oficial ser declarado indigno ou incompatível ao oficialato); licenciamento (art. 121 e seguintes, para militares de carreira, da reserva ou temporários, após concluído o tempo de serviço, por conveniência do serviço, ou também a bem da disciplina e outras hipóteses legais); anulação de incorporação ou desincorporação da praça (art. 124, em casos de interrupção do serviço militar ativo previstas na legislação); exclusão da praça a bem da disciplina (art. 125 e seguintes, mesmo que o militar tenha estabilidade assegurada, em caso de infrações descritas na legislação); deserção (art. 128, atrelada à tipificação criminal correspondente); falecimento (art. 129); e extravio (art. 130, em casos de desaparecimento do militar). O marco temporal do desligamento é a publicação do ato oficial correspondente em Diário Oficial, em Boletim ou em Ordem de Serviço de sua organização militar, e não poderá exceder 45 dias da data da primeira publicação oficial; ultrapassado o prazo, o militar será considerado desligado da organização a que estiver vinculado, deixando de contar tempo de serviço, para fins de transferência para a inatividade.

O problema posto nos autos cuida de militar temporário licenciado, matéria regida pelo art. 121 da Lei nº 6.880/1980:

Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua:

I - a pedido; e

II - ex officio.

(...)

§ 3º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada:

a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio;

b) por conveniência do serviço; e

c) a bem da disciplina.

§ 4º O militar licenciado não tem direito a qualquer remuneração e, exceto o licenciado ex officio a bem da disciplina, deve ser incluído ou reincluído na reserva.

§ 5° O licenciado ex officio a bem da disciplina receberá o certificado de isenção do serviço militar, previsto na legislação que trata do serviço militar.

O art. 34 da Lei nº 4.375/1964 também cuida do licenciamento no caso de serviço temporário obrigatório, bem como de casos de engajamentos e reengajamentos decorrentes de prorrogações no tempo da atividade militar.

A estabilidade no serviço militar somente é alcançada após 10 anos de efetivo serviço para praças, conforme previsto no art. 50, IV, “a” da Lei nº 6.880/1980 (note-se que a referência à praça de carreira somente foi prevista com as alterações promovidas pela Lei nº 13.954/2019):

Art. 50. São direitos dos militares:

(...)

IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas:

a) a estabilidade, quando praça com 10 (dez) ou mais anos de tempo de efetivo serviço.

(...)

Inexistindo direito subjetivo ao engajamento ou reengajamento, o militar temporário passa para a reserva não remunerada desde o licenciamento, para o que a motivação do ato administrativo corresponderá à sua causa determinante (p. ex., decurso do prazo do serviço temporário ou conveniência da administração). Processos administrativos disciplinares são necessários apenas se o licenciamento se der a bem da disciplina, por revelar sanção disciplinar para o que é imprescindível contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição).

O Poder Judiciário não pode impor prorrogações além das previstas para o serviço militar temporário, e o controle judicial do mérito de atos discricionários da administração pública (incluindo decisões em processos disciplinares) somente é possível em casos de manifesta, objetiva ou inequívoca violação de seus limites ou das garantias do devido processo legal (quando exigíveis).

A esse respeito, a jurisprudência está consolidada, como se pode notar pelos seguintes julgados do E.STF, do E.STJ  e deste E.TRF:

Direito Administrativo. Agravo Interno em Ação Rescisória. Licenciamento de Militar Temporário. Inexistência de direito à estabilidade. Decisão Alinhada à jurisprudência desta Corte.

1. Agravo interno interposto contra decisão que negou seguimento à ação rescisória devido à ausência dos pressupostos de rescindibilidade.

2. Não há violação a literal disposição de lei (art. 485, V, CPC/1973), tendo em vista que não há amparo legal para a permanência de militares temporários em exercício após o cumprimento do prazo de incorporação previsto na legislação específica.

3. O acórdão rescindendo está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, tratando-se de militares do quadro de temporários, admitidos por prazo limitado, não há que se falar em direito de permanência ou em estabilidade após cumprido o prazo de incorporação. Precedentes.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(STF, AR 1562 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 06/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 16-12-2019 PUBLIC 17-12-2019)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÕES. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO. PRAZO DE REENGAJAMENTO. VENCIDO. PRORROGAÇÃO. NEGATIVA DO PEDIDO. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/1973. AFASTAMENTO.

(...)

2. Os militares temporários, se não adquirida a estabilidade no serviço, em regra, podem ser licenciados independentemente de motivação quando superado o prazo de engajamento. Precedentes.

3. No caso, foi vencido o prazo de reengajamento. Assim, impossível impor-se à administração militar a pretendida prorrogação, bem como a abertura do processo administrativo para exame do pedido, porque o ato é discricionário e descabe a incursão no mérito administrativo para aferir-se o grau de conveniência e oportunidade.

4. Conclusão pela ocorrência de desvio de finalidade do ato administrativo exigiria o reexame dos fatos e provas constantes dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.

(...)

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido para afastar a penalidade aplicada com base no art. 538, parágrafo único, do CPC/1973.

(STJ, REsp 1424184/MT, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 22/05/2019)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO.

1. O STJ, ao julgar caso análogo ao dos autos, já se manifestou no sentido de que, não alcançada a estabilidade, advinda da permanência nas Forças Armadas por mais de 10 anos, o licenciamento do militar pode ser determinado pela Administração a qualquer tempo, por conveniência e oportunidade. Dentre os precedentes: AgRg no Ag 1428055/RN, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 07/03/2012.

2. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no REsp 1262913/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 13/09/2013)

 

AGRAVO LEGAL. LICENCIAMENTO DO EXERCITO EX OFFICIO. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. LEI 6.880/80. LEI 4.375/64. INDEFERIMENTO. ATO DISCRICIONARIO. AUSÊNCIA DE CONTROLE DO JUDICIÁRIO.

1. A Lei nº 6.880/80 (Estatuto Militar) estabelece que o militar poderá ser licenciado ex officio após a conclusão do tempo de serviço ou do estágio; por conveniência do serviço ou, ainda, a bem da disciplina (art. 121 e § 3º).

2. A Lei nº 4.375/64 (Lei do Serviço militar), em seu artigo 33, estabelece que "Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força Armada interessada."

3. Militar temporário licenciado do serviço quando ainda não tinha completado o prazo de dez anos por razões de conveniência do serviço (artigo 50, IV, "a", da Lei nº 6.880/80.

4. Por se tratar de ato discricionário, o ato de licenciamento não se submete ao controle do Poder Judiciário, salvo para aferição da legalidade, ou em casos quando a Administração indica os motivos do ato, que o torna vinculado, de acordo com a teoria dos motivos determinantes (in Direito Administrativo, 17ª Edição - atualizada com a reforma previdenciária - EC nº 41/03 - Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Editora Atlas).

5. Motivação do ato de indeferimento do reengajamento do servidor. Inexistência de motivação do ato de licenciamento, o que impossibilita a interferência do Poder Judiciário.

6. Agravo Legal não provido.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1367636 - 0005033-49.2005.4.03.6119, Rel. Juiz Federal Convocado HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 06/05/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/05/2014)

Do conjunto normativo da Lei nº 6.880/1980 (e considerando que, no presente caso, não se aplicam as disposições da Lei nº 13.954/2019) tratando-se de militar (de carreira ou temporário), havendo incapacidade não definitiva para os serviços da vida castrense decorrente de acidente ou doença ocorrida durante o período de vínculo com as Forças Armadas, independentemente do nexo causal, não cabe reforma e nem licenciamento, motivo pelo qual o militar deve ser reincorporado aos quadros da organização como adido, para tratamento médico-hospitalar, sendo assegurada a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórias da data do indevido licenciamento até sua recuperação. Destaco precedentes quanto ao tema: STJ, AgInt no REsp 1763436/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 19/08/2019, DJe 22/08/2019; STJ, AgRg no AREsp nº 625.828/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 11/03/2015; STJ, AgRg no AREsp nº 563.375/PE, 2ª Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 04/12/2014.

Já as hipóteses de reforma estão descritas no art. 104 e seguintes da Lei nº 6.880/1980, de tal modo que o militar se desliga definitivamente das Forças Armadas por atingir o limite máximo de idade para permanência na reserva, ou por incapacidade definitiva para o serviço ativo, ou em outras hipóteses descritas na legislação. A reforma pode ser concedida a pedido (tão somente aos membros do magistério militar, nos termos art. 105 da Lei nº 6.880/1980, atualmente revogado pela Lei nº 13.954/2019) ou ex officio, cujas causas encontram-se elencadas no art. 106 da Lei nº 6.880/1980:

Art . 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que:

I - atingir as seguintes idades-limite de permanência na reserva:

a) para Oficial-General, 68 (sessenta e oito) anos;

b) para Oficial Superior, inclusive membros do Magistério Militar, 64 (sessenta e quatro) anos;

c) para Capitão-Tenente, Capitão e oficial subalterno, 60 (sessenta) anos; e

d) para Praças, 56 (cinqüenta e seis) anos.

II - for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas;

III - estiver agregado por mais de 2 (dois) anos por ter sido julgado incapaz, temporariamente, mediante homologação de Junta Superior de Saúde, ainda que se trate de moléstia curável;

IV - for condenado à pena de reforma prevista no Código Penal Militar, por sentença transitada em julgado;

V - sendo oficial, a tiver determinada em julgado do Superior Tribunal Militar, efetuado em conseqüência de Conselho de Justificação a que foi submetido; e

VI - sendo Guarda-Marinha, Aspirante-a-Oficial ou praça com estabilidade assegurada, for para tal indicado, ao Ministro respectivo, em julgamento de Conselho de Disciplina.

(...)

Cuidando da reforma em caso de incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, a Lei nº 6.880/1980 prescreve um conjunto de requisitos que variam em razão: de o militar ser de carreira ou temporário (com ou sem estabilidade); da origem do problema incapacitante (decorrente de campanha, de manutenção da ordem pública, de acidente em serviço, ou se os males têm nexo de causalidade com o serviço militar, ou, mesmo não havendo tal nexo, se consta de lista legal de doenças); e de a incapacidade ser para a vida castrense ou também para a vida civil. Na compreensão sistemática dos preceitos da Lei nº 6.880/1980, é necessário observar preceitos nos quais a expressão “incapacidade definitiva” fica restrita apenas ao serviço ativo castrense (porque remanesce capacidade para atividades laborais civis) ou se também alcança a vida civil (quando aparece o termo “inválido”, p. ex., art. 110, §1º, e art. 111, II).

A conjugação desses requisitos para a reforma repercute também no valor a ser pago ao militar. E, descumpridas as exigências para a reforma, o militar será transferido para a reserva, será licenciado, desincorporado (observado o art. 31, §2º da Lei nº 4.375/1964 e demais aplicáveis) ou receberá outra medida prevista na legislação de regência.

Cuidando da incapacidade para fins de reforma, o art. 108 da Lei nº 6.880/1980 estabelece:

Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:

I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública;

II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;

III - acidente em serviço;

IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;

V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e  

VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço.

(...)

 § 2º Os militares julgados incapazes por um dos motivos constantes do item V deste artigo somente poderão ser reformados após a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de saúde que concluiu pela incapacidade definitiva, obedecida à regulamentação específica de cada Força Singular.

Já o art. 109 da Lei nº 6.880/1990 determina que “o militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior será reformado com qualquer tempo de serviço.”. O art. 110, “caput”, do mesmo diploma legal, por sua vez, afirma que o militar da ativa ou da reserva remunerada julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes nos incisos I e II do art. 108, “será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa”.

Nos termos do art. 110, §1º da Lei nº 6.880/1980, a reforma com remuneração calculada com base no grau hierárquico superior também se aplica aos incisos III, IV e V do art. 108, “quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.”.

E o art. 111, I e II, da Lei nº 6.880/1980, estabelece balizas para a aplicação do inciso VI do mencionado art. 108, de modo que o militar da ativa julgado incapaz definitivamente por acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço será reformado: I - com remuneração proporcional ao tempo de serviço, se oficial ou praça com estabilidade assegurada; e II - com remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, desde que, com qualquer tempo de serviço, seja considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.

No caso dos autos, o autor foi incorporado à FAB como voluntário, mediante processo de seleção de currículos, testes de aptidão física/psicológica (com base na Lei nº5.292/1967) e estágio de adaptação, para a prestação de serviço militar temporário, em 02/02/2009. Ajuizou a presente demanda com o fito de afastar o iminente licenciamento, sob o fundamento de que é portador de moléstia incapacitante (CID 10 F 41.0; F 32; F 43.0), adquirida durante a prestação do serviço militar, devendo ser assegurado o tratamento médico adequado, com a subsequente concessão de reforma. Pugnou ainda, pela condenação da UNIÃO FEDERAL ao pagamento de danos morais em razão do assédio moral sofrido em serviço.

Extrai-se dos autos que, em inspeção de saúde realizada em 03/01/2017, o autor foi considerado incapaz por 45 dias a contar de 26/12/2016, tendo sido concedida licença para tratamento de saúde.  Em 24/03/2017, foi considerado “apto para o fim a que se destina” pela Junta Regular de Saúde, conforme folhas de alterações (id. 254265513). Em 28/03/2017, o autor, ciente de que já havia completado, em 30/01/2017, 08 (oito) anos de permanência no serviço ativo, ajuizou a presente demanda, almejando impedir o iminente licenciamento por conclusão de tempo de serviço – o qual já houvera sido concedido e posteriormente anulado, espontaneamente, pela Administração Militar, por estar o militar ainda em gozo de licença médica. O Juízo de piso concedeu a tutela de urgência, em 31/03/2017, determinando que a ré se abstivesse de licenciar o autor, até a reapreciação da questão em momento posterior, depois de produzida a perícia médica judicial.

A perícia judicial elaborada por médica psiquiatra constatou que o “autor é portador de transtorno de adaptação e transtorno depressivo moderado, em razão do concluiu que possui incapacidade temporária para vida laboral”. Conforme excerto extraído da sentença, “segundo a expert, o início da doença foi em agosto de 2016 e recorrência em janeiro de 2017, com agravamento após stress. Afirmou que o prognóstico é bom e sugeriu afastamento por 08 (oito) meses (id. 254265531). Após vários questionamentos por parte do autor, a perita nomeada pelo Juízo apresentou dois laudos complementares confirmando, de forma minudentemente fundamentada, o parecer e conclusão acima referidos (Id. 254265788 e Id 254265849). Esclareceu a perita “que na data da perícia (14/08/2017), o autor apresentava incapacidade de forma total e temporária (para todas as atividades laborais em caráter temporário), com sugestão de tempo de afastamento para a remissão de sintomas; (...) que essa doença não apresenta sintomas residuais nos períodos em que o autor está fora de ciclo em ciclo a incapacidade é dada pela sintomatologia e não por sintomas residuais ou seja incapacidade nos surtos e capacidade fora dos surtos (...); Mantemos o já infirmado e esclarecemos que fazer tratamento não quer dizer ter incapacidade. A necessidade de tratamento de uma doença não determina a incapacidade ou não de um paciente e é provável que seu tratamento seja necessário a longo prazo (...); Esclarecemos que o autor teve seu diagnóstico e sua primeira consulta em agosto de 2016 ainda no exército e, no nosso entender, já apresentava-se incapacitado e tendo oscilações e piora após quadro de stress em janeiro de 2017.”

Como bem pontuou o Magistrado, “a arguição de agravamento do estado de saúde do autor (sustentada em vários atestados/exames médicos – id. 254265793 e anexos), sob fundamento de que seria decorrente das “pressões em seu ambiente de trabalho” (id. 254265856), não se coaduna com a realidade dos fatos, haja vista que o requerente está há mais de 04 (quatro) anos e meio longe da atividade que desempenhava no DCTA, local onde sequer compareceu para realizar o tratamento médico que, por força da liminar, foi-lhe disponibilizado pela União, tampouco para as inspeções/avaliações de saúde, às quais, como militar (ainda que temporário e “liminarista”), estava obrigado por força da legislação castrense”.

Assim, não se mostra desacertado o entendimento adotado pelo Juízo de piso que autorizou o licenciamento do autor apenas a partir de 06/02/2021, com fundamento no laudo pericial produzido nos autos, no sentido de que restou confirmado que o autor foi acometido, durante a prestação do serviço militar de enfermidade psiquiátrica causadora de incapacidade temporária, verificada no período de 14/08/2017 a 05/02/2021 (termo final fixado por este Juízo, com base no último laudo complementar da perícia judicial).

Desse modo, em que pese o alegado pelas partes apelantes, durante o período em que restou demonstrada a incapacidade total para o labor afigura-se indevida a exclusão do militar. Todavia, uma vez recuperada a capacidade laboral, nada obsta o licenciamento do militar.  Isso porque, em se tratando de militar temporário, se não constatada a incapacidade definitiva para o serviço militar, inexiste direito a manter-se incorporado ou à reforma. Assim, apesar de o autor ter desenvolvido moléstias no período em que exerceu atividades na caserna, não foi constatada incapacidade para o desempenho de suas atividades habituais, conforme documentos colacionados aos autos, especialmente pela conclusão apresentada pela perícia judicial. 

O autor sustenta, ainda, fazer jus a indenização por danos morais decorrentes de conduta abusiva por parte de superiores hierárquicos e de outros militares integrantes do seu setor.

Quanto ao dano moral, observo que os bens jurídicos das pessoas físicas e jurídicas abrangem itens de diversas naturezas, os quais, em linhas gerais, podem ser divididos em patrimoniais e morais. Quando um desses bens é violado indevidamente, ocorre um dano ou desvantagem, atingindo o patrimônio (tangíveis, intangíveis, móveis e imóveis, fungíveis ou infungíveis), corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição etc.. O dano material atinge os bens patrimoniais da pessoa lesada, e pode ser fixado em preço, pois tem correspondência imediata com uma expressão monetária (tangíveis, intangíveis, móveis e imóveis, fungíveis ou infungíveis). Já o dano moral ou extrapatrimonial atinge bens que não têm imediata correspondência monetária através de preço, compreendendo lesões sofridas pela pessoa física ou jurídica, à integridade psíquica ou à personalidade moral, com possível ou efetivo prejuízo à moral (p. ex., dor, honra, tranquilidade, afetividade, solidariedade, prestígio, imagem, boa reputação e crenças religiosas, até mesmo em relações de trabalho), impondo injusto sofrimento, aborrecimento ou constrangimento. O dano moral pode ser direto ou puro (quando afeta direta e exclusivamente algum ou alguns dos elementos que constituem a moral stricto sensu), ao passo que o dano moral indireto apresenta uma situação intermediária entre a lesão causada diretamente a alguém e o dano moral de terceiro (vítima por via reflexa, também chamado de dano moral “por ricochete”). 

No entanto, a lesão à moral deve ser relevante, não se configurando em caso de mero desconforto, pois, nos termos decididos pelo E. STF no RE 387.014-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 25/06/04, “O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem da mulher, não obstante desagradável, não produz dano moral indenizável.” Também não configura dano moral noticiar fatos jornalísticos, conforme decidido pelo E.STF no RE 208.685, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 22/08/2003: “A simples reprodução, pela imprensa, de acusação de mau uso de verbas públicas, prática de nepotismo e tráfico de influência, objeto de representação devidamente formulada perante o TST por federação de sindicatos, não constitui abuso de direito. Dano moral indevido.”

Passando a tratar dos sujeitos da lesão moral, no que concerne ao titular da prerrogativa moral lesada, é pacífico que nessa situação podem estar tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica (note-se a Súmula 227 do E. STJ, segundo a qual “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”), ou ainda coletividades (com ou sem personalidade jurídica). Acerca do causador da lesão moral e da consequente responsabilidade civil, deve-se lembrar que se de um lado o sistema constitucional assegura aos indivíduos um conjunto de prerrogativas indispensáveis à natureza humana e à convivência social (sendo, por isso, assegurados e concedidos pela própria sociedade, pelo Estado Nacional e, subsidiariamente, pela ordem internacional), de outro lado, o mesmo ordenamento constitucional prevê deveres fundamentais inerentes a essas prerrogativas, revelando-se como limites ao exercício dos direitos fundamentais. 

Nesse contexto, as múltiplas formas de manifestação da liberdade individual, assegurada pelo sistema jurídico moderno, vêm acompanhadas de limites em caso de excessos, dentre os quais destacamos o art. 5º, V, da Constituição de 1988, segundo o qual é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, bem como pelo inciso X do mesmo preceito, cujo teor prevê que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 

Considerando que o ser humano é dotado de liberdade de escolha, ele deve responder por seus atos, motivo pelo qual ato ou fato prejudicial a outrem, praticado por um indivíduo, gera responsabilidade civil, da qual decorre o dever de uma pessoa reparar o dano causado a outra pessoa. Os elementos objetivos da responsabilidade civil são fato ou ato ilícito praticado por um indivíduo ou alguém sob seu comando (p. ex., empregador responde pelas ações de seus empregados no exercício funcional), injusto prejuízo ou dano (material ou moral) gerado em patrimônio alheio, e nexo de causalidade entre os dois elementos precedentes (ou seja, relação de causa e efeito). 

A atribuição da responsabilidade civil pode decorrer de fato ou ato injurioso praticado por uma pessoa (in committendo), por omissão (in ommittendo),  por pessoa sob a responsabilidade de representante legal (in vigilando), por empregado, funcionário ou mandatário sob a responsabilidade do empregador ou o mandante (in eligendo) e por coisa inanimada ou por animal (in custodiendo). Afinal, anote-se a Súmula 221 do E.STJ: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”.

Sobre os motivos que levaram à lesão moral e à atribuição de responsabilidade, observo que a culpa ou o dolo podem aparecer como elemento da responsabilidade civil, mas não são imprescindíveis para a identificação do agressor (embora possam ser úteis na fixação dos termos de reparação do prejuízo ou dano causado). Lembro que não se deve confundir a teoria objetiva da culpa (formulada em contraposição à teoria da culpa subjetiva), com a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou da culpa presumida). 

Para a teoria da culpa objetiva, a culpa é apreciada in abstracto, nos moldes das pessoas comuns, sem considerar as condições subjetivas do agente ou seu estado de consciência, vale dizer, afastando elementos pessoais ou íntimos do agente causador do ato danoso, o que, por consequência, permite responsabilizar incapazes e dementes. Por outro lado, a teoria da culpa subjetiva se serve de abstrações, porém, em menor grau, pois verifica a intenção íntima e pessoal do agente para lhe conferir responsabilidade civil e o dever de reparar o injusto dano causado a outrem, vale dizer, culpa in concreto. Afinal, a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou culpa presumida) vê o dever de reparar independentemente de dolo ou culpa, surgindo do dano em si, vale dizer, da injustiça do dano por circunstância que não pode ser imputada ao indivíduo (excluindo-se, assim, a responsabilidade quando o prejuízo é exclusivamente causado pelo lesado), opondo-se à responsabilidade subjetiva (baseada no elemento subjetivo de culpabilidade, observando-se o nexo causal entre a conduta do agente e o dano a ser ressarcido). No caso da responsabilidade objetiva, o dever de indenizar recai sobre aquele que interagiu direta ou indiretamente com o lesado, ou com o meio no qual está inserido, independentemente de dolo ou culpa (pois essa é presumida). Assim, a responsabilidade objetiva decorre do risco gerado por determinada atividade, bastando o ato ou fato, o dano e a relação de causalidade ente ambos. 

Dito isso, acreditamos que ao dano moral aplica-se a teoria da culpa objetiva, pois a culpa deve ser apreciada in abstracto, segundo os padrões das pessoas comuns, afastando ilações acerca de condições subjetivas ou motivações do agente ou de seu estado de consciência. Obviamente, em se tratando de dano causado pelo Poder Público, aplica-se a responsabilidade objetiva do Estado, com eventual direito de regresso em face do servidor responsável. 

No presente caso, foram ouvidas testemunhas arroladas pelas partes quando da audiência de instrução, conforme os relatos descritos na sentença:

A testemunha LUCIANA BRANDÃO DE OLIVEIRA RODRIGUES (arrolada pelo autor) afirmou: que trabalhou com o autor; que lá onde trabalhou existia discriminação entre os oficiais de carreira e os temporários; que não podiam participar de todas as reuniões de trabalho; que sempre tinha gente que arranjava desculpas para não comparecer às escalas de serviço; coincidentemente os temporários tinham mais; que o autor era um dos mais sobrecarregados e a testemunha também. Perguntada sobre conduta abusiva da Capitã Valéria contra o autor, disse: abusiva não, mas não agradável; que presenciou discussão entre eles sobre ter sido incluído de última hora na escala e que ambos alteraram os ânimos; que o último ano do serviço (oitavo ano) para quem gosta é um ano pesado emocionalmente; que o autor comentava com a testemunha sobre os comentários de mau gosto que surgiam quando apresentava os atestados médicos; que chegaram a falar que era quase uma licença-maternidade; que não lembra das pessoas, que era misturado; que ela presenciou a conversa mais acalorada entre o autor e a capitã Valéria e que “não foi legal; que presenciou o comentário da Capitã que não aceitava ponderações sobre a escala e que se o autor continuasse poderia configurar “desacato”. Perguntada se tinha conhecimento de boatos, calúnia ou difamação   sobre a pessoa do autor, disse: que no âmbito de trabalho, existem brincadeiras e comentários que não são legais, mas não consegue dizer que foi calúnia; Sobre boatos a respeito do autor por rede social, não confirmou. Em resposta às perguntas da ré, afirmou: recusar ordem superior não é normal, ponderar sim; que há um respeito diferente para com o escalante, mas tinham acesso para falar com ele, para ver se a escala está certa ou não; não pode dizer que o autor trabalhava mais que os outros; que na especialidade dele sim, atendia mais pacientes; que durante os oito anos sempre teve desproporção no número de pacientes por dia e não na escala; alguns de carreira trabalhavam menos.

A testemunha MÁRCIA SEIXAS DE CARVALHO MARQUES (arrolada pelo autor) disse: que durante licença médica do autor foi solicitado cópias dos atestados médicos contendo cid do autor, foi o escalante, ela disse que não tinha autorização de liberar o atestado com cid, que o chefe da divisão autorizou-a liberar o atestado; que ele voltou antes de tanta pressão que teve em cima do atestado dele; que não viu acontecer o mesmo com outras pessoas. Perguntada se o Capitão Roque divulgava o CID “para os outros”, respondeu: creio que sim. Perguntada se tinha visto humilhação ou coação em público, respondeu que a Tenente Fernanda (mais moderna) gritou com ele na frente dela e outro. Disse: criou-se uma situação ruim em relação ao autor, um major x favorecia os amigos e prejudicava os outros com mais serviço, agenda diferenciada; que ouvia comentários de dentistas sobre a parte profissional; que ouviu comentário sobre de ter apresentado atestado falso (pessoas comentavam na copa, o pessoal do grupo do Major Augusto); que sabe que o autor apresentou representação contra a Capitã Valéria, mas não foi dado seguimento; que a discriminação era em relação ao autor e aos outros que não faziam parte do “grupo” do tal major; que escala de serviço chegava a ela por boatos e não oficialmente; que o autor foi alvo esquemas “corruptos”... autor foi alvo de situações deselegantes e ruins, isso afetou o psicológico dele, aí começou atestado de psiquiatra;

A testemunha MARILIA DE MORAIS PINELLI RACHID (arrolada pelo autor) disse: que foi chefe da recepção; que percebeu que os oficiais de carreira não atendiam o mesmo número que os temporários; que ouviu que a Capitã Maria Valéria o teria humilhado no corredor, na frente de soldados, ouviu a respeito, mas não viu; que a Capitã Valéria fez comentário maldoso em relação a ele (autor) no Facebook; que era grupo de “fofoca”; que a desconfiança de que não estava doente partia de cima e “descia” e ficavam os comentário; que para oficial de carreira, atestado significa está doente, o temporário  “é vagabundo”.

A testemunha LUIZ ROQUE DE ARAÚJO DOS SANTOS (apresentada pela ré para esclarecer fatos novos, ocorridos após a oportunidade para especificação de provas) disse: que o autor foi desligado e reincluído, mas não mais operacional, não atendeu mais a pacientes; que  não compareceu ao hospital às consultas designadas; que a testemunha faz parte da administração do Hospital e da Odonto; que o autor foi notificado, mas que simplesmente não apareceu; que tem conhecimento que o autor frequentou duas ou três sessões psicólogo e não compareceu na psiquiatria; que após a determinação para ele comparecer não foi/ que as inspeções de saúde  a cada seis meses é obrigatório, para os de carreira ou temporário; que se não consegue aqui, pode ir para qualquer outro hospital da Aeronáutica que tenha psiquiatra.; que a escala de serviço – dentista passa 24 horas no quartel atendendo emergências e após é liberado ou fica mais meio expediente e vai para casa; que há reclamações, ninguém gosta; que  foi escalante de 2015-2017; que ele obedecia... foi escalante. Perguntado se sabia se o autor foi alvo de chacota, disse: se ocorreu não sabe; que nunca presenciou transgressão disciplinar.

A testemunha IURY SOARES DE SOUZA (apresentada pela ré para esclarecer fatos novos, ocorridos após a oportunidade para especificação de provas) disse: ele foi licenciado, foi reincluído só para tratamento médico,  ele não é operacional; que ele não está afastado por decisão médica, o tempo dele já esgotou; que a Justiça deu uma liminar e a Administração Pública tinha que cumprir uma parte e o autor outra; que a maneira da FAB de fornecer tratamento médico é por meio dos hospitais da FAB e não externo; que o autor não foi nem ao RH; que receberam as convocações (ele e advogada) e justificaram o motivo para o não comparecimento.

Analisando os relatos transcritos, verifica-se que, em que pese o alegado pelo autor, no sentido de que sofria assédio moral da sua chefia e era importunado por outros militares, bem como que era escalado para plantões de maneira desproporcional, existindo disparidade no tratamento entre militares de carreira e militares temporários, não restou demonstrado nos autos prova inequívoca do dano moral alegado.

Com efeito, denota-se dos relatos colacionados que havia certa desorganização na distribuição de trabalho entre os militares, marcada pela diferença no tratamento dos militares de carreira em detrimento dos militares temporários, situação que gerou atrito entre o autor e seus superiores hierárquicos. Extrai-se, contudo, que não há testemunho seguro a respeito de o autor ter passado por situações humilhantes, mas apenas de situações desagradáveis ocasionadas por desavenças a respeito da escala de trabalho e de possíveis constrangimentos que as testemunhas “ouviram dizer” (boatos).

Por conseguinte, não obstante os diversos aborrecimentos sofridos pelo autor, entendo que não restou comprovado dano capaz de ferir sua honra ou reputação, razão pela qual deve ser mantida a sentença.

Diante do exposto, nego provimento aos recursos.

Com fundamento no art. 85, §11, do CPC, majoro em 10% o percentual da verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição para ambas as partes. Frise-se que o autor é beneficiário da gratuidade de justiça.

Em vista disso, constato que o acórdão recorrido tem fundamentação completa e regular para a lide posta nos autos. Ademais, o órgão julgador deve solucionar as questões relevantes e imprescindíveis para a resolução da controvérsia, não sendo obrigado a rebater (um a um) todos os argumentos trazidos pelas partes quando abrangidos pelas razões adotadas no pronunciamento judicial. A esse respeito, exemplifico com os seguintes julgados do E.STJ: AgInt nos EDcl no AREsp 1.290.119/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 30/08/2019; AgInt no REsp 1.675.749/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 23/08/2019; REsp 1.817.010/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/08/2019; AgInt no AREsp 1.227.864/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 20/11/2018; e AREsp 1535259/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019.

Ante o exposto, rejeito o requerido nos embargos de declaração.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SERVIDOR MILITAR TEMPORÁRIO. ATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. LICENCIAMENTO E REFORMA. INCAPACIDADE DEFINITIVA. INEXISTÊNCIA. DANO MORAL.

 - Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

- Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante. 

- O acórdão recorrido tem fundamentação completa e regular para a lide posta nos autos. Ademais, o órgão julgador deve solucionar as questões relevantes e imprescindíveis para a resolução da controvérsia, não sendo obrigado a rebater (um a um) todos os argumentos trazidos pelas partes quando abrangidos pelas razões adotadas no pronunciamento judicial. Precedentes.

- Embargos de declaração rejeitados.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

CARLOS FRANCISCO
DESEMBARGADOR FEDERAL