Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000391-53.2020.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME

Advogados do(a) APELANTE: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, ALEX LIBONATI - SP159402-A

APELADO: PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME, M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S - EPP, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO PUCHARELLI - SP139886-A
Advogados do(a) APELADO: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, ALEX LIBONATI - SP159402-A

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: IRMA PAULUCCI MADDI (ESPÓLIO)
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ANDRE LUIZ BIEN DE ABREU - SP184586-A
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: LUIZ BOSCO JUNIOR - SP95451-A

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000391-53.2020.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME

Advogados do(a) APELANTE: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, ALEX LIBONATI - SP159402-A

APELADO: PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME, M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S - EPP, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO PUCHARELLI - SP139886-A
Advogados do(a) APELADO: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, ALEX LIBONATI - SP159402-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Cuida-se de embargos de declaração interpostos em face de acórdão proferido pela C. 2ª Turma desta Corte, encontrando-se assim ementado:

APELAÇÃO. RECURSO ADESIVO. MATÉRIA PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. CONGRUÊNCIA. CONTRATO "BUILT TO SUIT". CONTRATO DE LOCAÇÃO. DISTINÇÕES. PRAZO DE VIGÊNCIA DO CONTRATO. RECUPERAÇÃO DO INVESTIMENTO. PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMÓVEL INDIVISÍVEL. LAUDO PERICIAL. COMPROVAÇÃO.

- Definir se o contrato foi celebrado na modalidade “built to suit”, se o prédio construído era indivisível ou poderia ser fracionado em duas construções autônomas, ou mesmo se havia unicidade ou dualidade de contratos entre as partes, todas essas eram questões que precisavam ser definidas pelo MM Juízo “a quo”, a fim de que pudesse, na sequência, julgar procedentes ou improcedentes a ação principal (de consignação em pagamento) e a reconvenção. A análise desses pleitos está abarcada pela congruência do que foi requerido pelas partes.

- O recurso adesivo, interposto com fundamento no art. 997, §§ 1º e 2º do CPC, mostra-se cabível no caso concreto, em que pese tanto a ação principal quanto a reconvenção tenham sido julgadas inteiramente improcedentes (inexistente, em princípio, o requisito da sucumbência recíproca).

- Entende-se por contrato “built to suit” a locação de imóvel urbano não residencial a adquirir, a construir ou a reformar. Por esse negócio jurídico, uma parte contrata terceiro que fará a aquisição, ou construção, ou reforma de imóvel, para que, posteriormente, possa alugá-lo do proprietário, preestabelecendo a finalidade do uso do bem e as exigências previamente combinadas. Na linguagem coloquial, é contrato de locação por encomenda, tendo de um lado um investidor (inicialmente construtor e depois locador) e de outro lado o interessado (empreendimento contratante e futuro locatário). O contrato “built to suit” não é um contrato puramente de locação de imóvel, sendo esta apenas uma de suas faces, porquanto também apresenta elementos próprios aos contratos de construção, de empreitada, de financiamento e de incorporação, além de outras características próprias.

- Mesmo antes do art. 54-A e parágrafos à Lei nº 8.245/1991, pela Lei nº 12.744/2012 (DOU de 20/12/2012, a partir de quando passou a ser uma espécie de contrato típico (assim entendido como aquele regulado especificamente em lei), não havia qualquer vedação à celebração de contratos do tipo “built to suit”, visto que não há proibição a que as partes celebrem os chamados contratos atípicos, ou seja, aqueles que resultam do acordo de vontades, não tendo, porém, as suas características e requisitos definidos e regulados na lei. Irrelevante, igualmente, a existência de menção expressa ao temo “built to suit” no corpo do contrato, desde que, através da sua análise, seja possível extrair dele essa natureza jurídica. Tanto essa afirmação é correta, que a jurisprudência já se debruçava sobre os contratos “built to suit” anteriormente à edição da Lei nº 12.744/2012.

- No caso dos autos, o exame das provas produzidas revela o caráter “built to suit” das avenças entabuladas entre as partes. Ocorre, entretanto, que já se esgotou o prazo de vigência contratual livremente ajustado entre as partes (60 meses) exaurido em 2016, de sorte que se encontram derrogadas todas as prerrogativas conferidas à locadora pela natureza “built to suit” da contratação, inclusive aquelas relativas à recuperação dos valores investidos na construção do imóvel. Há que se presumir que a parte locadora entendeu que 60 meses eram suficientes para recuperar a quantia investida na edificação do prédio, inclusive porque não se está diante de um contrato de adesão, de modo que era perfeitamente legítimo o ajuste de um prazo mais dilatado ou o pagamento de uma quantia mais elevada, a fim de obter o retorno do valor investido.

- Vale a pena registrar, neste ponto, que o contrato “built to suit” envolve riscos consideráveis, em vista dos valores da contratação “sob medida”. Nesse sentido, caberia ao empreendedor munir-se de todas as garantias contratuais possíveis, de modo a que tivesse razoável segurança jurídica de que conseguiria obter o retorno de seu investimento ao longo do tempo.

- As partes celebraram o prazo de duração do contrato (60 meses) e até mesmo a possibilidade de rescisão antecipada do pacto, avenças que não podem ser alteradas pelo Poder Judiciário a pretexto de que não houve o retorno financeiro do valor investido. A empresa PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME sabia da existência da cláusula de limitação do prazo de duração do contrato desde o princípio das negociações, e com ela acabou anuindo. A revisão judicial dos contratos deve ocorrer somente de forma excepcional e limitada (art. 421-A do CC) e a anulação de cláusulas contratuais, por sua vez, depende de conteúdo ilícito (art. 166, II do CC), circunstância não verificada na espécie.

- À luz do exposto, descabida a alegação de que o MM Juízo “a quo”, ao sanear o processo, teria impedido a instrução probatória com o intuito de demonstrar a ilegalidade e a inconstitucionalidade cometida ao fixar-se em 60 meses (5 anos) a duração do contrato, pois, repita-se, trata-se de cláusula contratual livremente pactuada entre as partes, no pleno exercício da autonomia da vontade.

- Não há nulidade a ser declarada, sendo o caso, ao reverso, de se prestigiar a vontade das partes livremente manifestada, afastando-se a aplicação do art. 473, parágrafo único, do Código Civil. Encontra plena incidência, na espécie, a obrigatoriedade dos contratos, representativo da força vinculante das convenções, no sentido de que, uma vez celebrada a avença, esta deve ser cumprida pelas partes (“pacta sunt servanda”). Cabia à parte-ré, ora apelante, ter analisado a situação negocial posta e aferir qual o valor e prazo seriam suficientes para seu retorno financeiro; todavia, ao fixar o prazo de 60 (sessenta) meses de locação, a partir de 2011, fica inteiramente superada a questão.

- Impertinente a invocação à legislação que rege as parcerias público-privadas, na medida em que era vedada, à época, a celebração desse tipo de contrato cujo valor fosse inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) ou que tivesse como objeto único o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública (art. 2º, § 4º, da Lei nº 11.079/2004).

- Os imóveis, em que pese a existência de contratos locatícios diversos, não foram projetados para o funcionamento em separado, o que obsta a devolução de um deles e a manutenção do outro contrato. Depreende-se que a clara intenção das partes foi a de celebrar um contrato (atípico àquela altura) na modalidade “built to suit”, daí decorrendo a natureza de indivisibilidade do imóvel objeto da avença, construído com o escopo de atender às específicas necessidades da instituição bancária.

- Decorre do disposto no art. 112 do CC que a parte essencial do negócio jurídico é a manifestação de vontade, sendo que, ao interpretá-la, cumpre ao intérprete atender mais à intenção nela consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Não se trata, aqui, de alterar a vontade das partes contratantes ou mesmo de atribuir interpretação extensiva às disposições contratuais, mas sim de investigar a real intenção dos contratantes, a qual, no caso sob exame, foi conceber um prédio “monousuário”, assim entendido como aquele utilizado por única empresa que necessita de amplo espaço para a realização de suas atividades comerciais, sendo que, na espécie dos autos, esse prédio foi desenvolvido sob medida para a atividade bancária, mostrando-se inviável a devolução ao proprietário de apenas parte dele.

- Não procede, a tese no sentido de que se está diante de dois meros contratos de locação pelo período de 60 meses, de forma que seria possível que a instituição financeira prorrogasse um deles e rescindisse o outro. O acolhimento de pretensão nesse sentido, aliás, implicaria violação ao princípio da boa-fé, consagrado nos arts. 113 e 422 do CC, e que impõe o dever de ambas as partes contratantes de agir de forma a não fraudar a confiança da outra parte. Trata-se, aqui, da noção de boa-fé objetiva, que deve estar presente não só quando da conclusão da avença, mas também na sua execução e mesmo na fase pós-contratual.

- Com o reconhecimento da exigibilidade dos alugueis correspondentes à parte do imóvel em relação à qual a Caixa não teria mais interesse, e a consequente destinação dos valores depositados em favor da parte autora, resta prejudicado o agravo interno interposto pela instituição financeira.

- Agravo interno prejudicado. Matéria preliminar rejeitada. Apelação e recurso adesivo não providos.

Alega a embargante M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S – EPP a existência de omissão quanto à aplicação do art. 85, § 11, do CPC.

Já a embargante PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA – ME aduz a existência de erro material quanto ao destinatário dos depósitos. No mais, sustenta que “Em face de que a embargante obteve sucesso em 100% dos direitos econômicos, seja a sucumbência fixada em 20% em favor desta”. Pugna, ainda, para que “Seja determinado que a embargada exiba os comprovantes de depósitos de alugueres”.

Por fim, a CEF alega “(...) omissão no constante do laudo pericial, alegado na apelação da CAIXA, que conclui que os imóveis podem ter uso independentes (...)” e “Requer-se supressão de omissão no tocante à alegação da CAIXA em apelação de que havia entradas independentes, bem como que o início das atividades se deu concomitante por causa da data da conclusão do prédio, haja vista a vigência de ambos os contratos ser do período de “25/10/2011 a 24/10/2016”. Menciona, ainda, que “Também é de se destacar que os valores consignados pela CAIXA dizem respeito apenas ao imóvel desocupado em relação ao qual se fez a denúncia vazia. A outra parte, que comporta a Ag. Centenário/SP, tem seu aluguel pago regularmente à Locadora PTX”. Entende cabível a denúncia vazia no caso concreto, bem como ser impossível a concessão de tutela de urgência em favor da parte contrária. Pugna pelo acolhimento dos embargos, inclusive para fins de prequestionamento.

Foram oferecidas contrarrazões.

É o relatório. Passo a decidir.

 

 

 

 

 

 

 

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000391-53.2020.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante.

Por força do art. 1.026, §§2º e 3º, do CPC/2015, se os embargos forem manifestamente protelatórios, o embargante deve ser condenado a pagar ao embargado multa não excedente a 2% sobre o valor atualizado da causa (elevada a até 10% no caso de reiteração), e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa (à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final). E a celeridade e a lealdade impõem a inadmissibilidade de novos embargos de declaração se os 2 anteriores forem considerados protelatórios.

No caso dos autos, tenho assistir razão à embargante M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S – EPP quanto à existência de omissão na aplicação do art. 85, § 11, do CPC. Dessa forma, integro o julgado para que conste o seguinte parágrafo:

Em vista trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição favoravelmente à M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S – EPP deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017).

Também tenho assistir razão à embargante PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA – ME quando aduz a existência de erro material quanto ao destinatário dos depósitos. De fato, constou do julgado embargado que "(...) com o reconhecimento da exigibilidade dos alugueis correspondentes à parte do imóvel em relação à qual a Caixa não teria mais interesse, a parte autora terá direito ao levantamento integral dos depósitos realizados nos autos pela Caixa (...). Entretanto, uma vez que a autora da ação consignatória é a CEF, tem-se que com o reconhecimento da exigibilidade dos alugueis correspondentes à parte do imóvel em relação à qual a Caixa não teria mais interesse, são as rés que terão direito ao levantamento integral dos depósitos realizados nos autos pela Caixa. 

No mais, entendo que os embargos declaratórios não prosperam.

De fato, o exame dos embargos de declaração deixa claro o intuito dos embargantes de rediscutir a matéria de mérito recursal, notadamente a existência de um contrato "built to suit". Em relação às alegações da CEF, o acórdão, embasado nas provas dos autos, consignou explicitamente que:

(...)

Em razão de todas as considerações até aqui expostas, conclui-se que a única questão controvertida nos autos se restringe à indivisibilidade (ou não) dos imóveis mencionados e, como consequência, se é possível (ou não) a devolução de apenas um deles, como pretende a parte consignante, ou seja, a CEF.

 E, nesse diapasão, após exame dos elementos de convicção existentes nos autos, tenho que a sentença merece ser confirmada, pois os imóveis, em que pese a existência de contratos locatícios diversos, não foram projetados para o funcionamento em separado, o que obsta a devolução de um deles e a manutenção do outro contrato.

(...)

Aos fundamentos acima colacionados acrescento, a fim de corroborar a tese da indivisibilidade do imóvel, que:

- o alvará de construção (ID 32371604) autoriza a construção de um único prédio comercial;

- a anotação de responsabilidade técnica – ART – (ID 32371607), por consequência, também se refere a um único prédio comercial;

-  construtivo foi realizado quanto a totalidade do imóvel, o que se reflete, do mesmo modo, na ART da construção (ID 32371607);

-  a ligação da entrada de água potável, fornecida pela concessionária local, D.A.E. Departamento de Água e Esgoto de Bauru, bem como o relógio de medição (hidrômetro), serve a totalidade do imóvel (laudo pericial – ID 43800238, fls. 20);

- as caixas d´água servem o imóvel como um todo, sendo que há um único acesso possível a elas, pela Rua Presidente Kennedy 1-81, endereço das salas desocupadas (ID 43800238, fls. 14).

- a rede de ligação de energia elétrica e a cabine de medição que estão instalados do lado de fora da edificação, abastecem a integralidade do prédio (laudo pericial – ID 43800238, fls. 18);

- existe uma única matrícula junto ao Segundo Oficial de Registro de Imóveis de Bauru, embora da matrícula constem dois endereços (laudo pericial – ID 43800238, fls. 21);

- o laudo pericial informa que “a edificação possui acessos com rampa e com escada, ambos os acessos permitem a entrada para os dois endereços” (ID 43800238, fls. 03);

- sobre o hall de entrada da edificação, consta do laudo pericial que “não possui acesso ao outro endereço ao lado, ocupado pelo Banco”, porém, examinando as fotografias que instruem essa modalidade de prova, percebe-se que há apenas uma mera divisória de vidro separando o hall da área ocupada pela agência, instalada apenas como recurso de isolamento das áreas, sendo de fácil remoção (ID 43800238, fls. 06/08);

- a edificação possui acessos com rampa e com escada, sendo que ambos os acessos permitem a entrada para os dois endereços (ID 43800238, fls. 03);

- ao responder aos quesitos oferecidos pela reconvinte-recorrente adesiva PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA, o perito judicial confirmou que sim, o prédio foi edificado no modelo “built to suit”, isto é, foi edificado de acordo com especificações definidas pela empresa/cliente que iria ocupá-lo (ID 43799992, fls. 03);

- ao responder aos quesitos oferecidos pela reconvinte-recorrente adesiva PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA, o perito judicial informou que no “Habite-se” expedido pela prefeitura local consta um único prédio e um endereço (ID 43799992, fls. 04).

Das considerações acima depreende-se que a clara intenção das partes foi a de celebrar um contrato (atípico àquela altura) na modalidade “built to suit”, daí decorrendo a natureza de indivisibilidade do imóvel objeto da avença, construído com o escopo de atender às específicas necessidades da CEF.

À esta altura, cumpre recordar que são indivisíveis os bens que não se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam (art. 87 do CC, em sentido contrário). Esta é, justamente, a situação verificada nestes autos, pois ainda que a CEF alegue a presença de entradas independentes dos imóveis, estacionamentos externos diferentes e que o contrato relativo ao segundo imóvel tenha ocorrido mais de 1 ano após a celebração da avença relativa ao primeiro imóvel, a tese da não existência de 2 imóveis independentes não encontra respaldo na prova colhida, tal como acima demonstrado.

Não se nega, é certo, a possibilidade de divisão do prédio objeto desta lide (como, de resto, de quaisquer prédios), sobretudo porque se está diante de lajes corporativas. Ocorre, porém, que a CEF não pode impor essa divisão do imóvel à outra parte contratante, permanecendo com parcela dele e relegando aos proprietários a incumbência de destinar a outra, uma vez que não foi essa a manifesta intenção do negócio jurídico celebrado, qual seja, a edificação, em duas etapas, de um imóvel com destinação única de servir aos propósitos da instituição bancária e por isso construído conforme suas especificações.

Sob esse ponto de vista, decorre do disposto no art. 112 do CC que a parte essencial do negócio jurídico é a manifestação de vontade, sendo que, ao interpretá-la, cumpre ao intérprete atender mais à intenção nela consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Não se trata, aqui, de alterar a vontade das partes contratantes ou mesmo de atribuir interpretação extensiva às disposições contratuais, mas sim de investigar a real intenção dos contratantes, a qual, no caso sob exame, foi conceber um prédio “monousuário”, assim entendido como aquele utilizado por única empresa que necessita de amplo espaço para a realização de suas atividades comerciais, sendo que, na espécie dos autos, esse prédio foi desenvolvido sob medida para a atividade bancária da CEF, mostrando-se inviável a devolução ao proprietário de apenas parte dele.

Não procede, portanto, a tese defendida pela CEF, no sentido de que se está diante de dois meros contratos de locação pelo período de 60 meses, de forma que seria possível que a instituição financeira prorrogasse um deles e rescindisse o outro. O acolhimento de pretensão nesse sentido, aliás, implicaria violação ao princípio da boa-fé, consagrado nos arts. 113 e 422 do CC, e que impõe o dever de ambas as partes contratantes de agir de forma a não fraudar a confiança da outra parte.

Assim, em razão das considerações até aqui expostas, tenho que não procede a apelação da CEF, tendo em vista que o contrato deve ser mantido até que essa instituição financeira desocupe a integralidade do imóvel, visto que a intenção dos contratantes foi conceber um prédio “monousuário”, contratualmente indivisível. Mas, igualmente, também não procede o recurso adesivo da empresa PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME, visto que as partes celebraram um contrato na modalidade “built to suit”, de modo que no momento da elaboração das cláusulas, o empreendedor deveria dimensionar prazo e valor a serem pagos para que houvesse o retorno integral do seu investimento. Vencido o contrato, também se venceu o prazo para recuperação do investimento realizado na construção do imóvel.

 

Percebe-se, portanto, que o acórdão examinou as alegações da CEF de forma expressa e fundamentada, na legislação de regência, na jurisprudência e nas provas dos autos, não havendo que se falar em omissão. Em relação à alegação de impossibilidade de concessão de tutela de urgência, tendo em vista a irreversibilidade da medida, cumpre notar que o acórdão embargado representa tutela de mérito, embasada em cognição exauriente, igualmente não havendo que se falar de omissão.

Devem ser rejeitados, outrossim, os embargos declaratórios interpostos pela PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME , no que respeita à alegação de que “Em face de que a embargante obteve sucesso em 100% dos direitos econômicos, seja a sucumbência fixada em 20% em favor desta”, haja vista que, conforme decidiu a sentença apelada, mantida por esta Corte, a sucumbência foi recíproca. Descabida, ainda, a pretensão de que “Seja determinado que a embargada exiba os comprovantes de depósitos de alugueres”, por não representar omissão, obscuridade ou contradição passível de correção por embargos declaratórios, além de trata-se de medida a ser tomada quando do cumprimento do julgado.

Verifica-se, ainda, que segundo entendimento do C. STJ, os "Embargos Declaratórios não constituem instrumento adequado para a rediscussão da matéria de mérito, nem ao prequestionamento de dispositivos constitucionais com vistas à interposição de Recurso Extraordinário" (EDcl no AgInt nos EDcl nos EAREsp 1.202.915/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 13/08/2019, DJe 28/08/2019).

A bem da verdade, percebe-se que os embargantes estão manifestando mero inconformismo com os critérios adotados pelo julgado, que reconheceu a celebração de um contrato "built to suit". Contudo, isso não é caso de embargos de declaração, uma vez que esta modalidade recursal, via de regra, não é dotada de efeitos infringentes.

Em vista disso, constato que o acórdão recorrido tem fundamentação completa e regular para a lide posta nos autos. Ademais, o órgão julgador deve solucionar as questões relevantes e imprescindíveis para a resolução da controvérsia, não sendo obrigado a rebater (um a um) todos os argumentos trazidos pelas partes quando abrangidos pelas razões adotadas no pronunciamento judicial. A esse respeito, exemplifico com os seguintes julgados do E.STJ: AgInt nos EDcl no AREsp 1.290.119/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 30/08/2019; AgInt no REsp 1.675.749/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 23/08/2019; REsp 1.817.010/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/08/2019; AgInt no AREsp 1.227.864/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 20/11/2018; e AREsp 1535259/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019. Se a parte embargante discorda das conclusões do julgado, ou entende que o mesmo violou a legislação aplicável à matéria ou a prova dos autos, deverá valer-se dos recursos aptos à sua alteração, mas não dos embargos declaratórios, os quais não se prestam à rediscussão do tema.

Consigne-se que mesmo para fins de prequestionamento é imprescindível, para que sejam acolhidos os embargos de declaração, a existência de algum dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil/2015, o que não se verifica na espécie, relativamente à matéria de mérito. Nessa linha, julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO QUANTO A ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. PRECEDENTES. PAGAMENTO DOS EFEITOS RETROATIVOS DA CONCESSÃO DE ANISTIA. INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER ÓBICES. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Os embargos de declaração, até mesmo para fins de prequestionamento de dispositivos constitucionais, somente são cabíveis quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, consoante o que dispõe o art. 535, I e II, do CPC, bem como para sanar a ocorrência de erro material, o que não se verifica na espécie.

2. embargos de declaração da União Federal rejeitados.

(EDcl no AgRg nos EDcl no MS 12.614/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 08.04.2015, DJe 10.04.2015)

Ante o exposto, ACOLHO os embargos de declaração de M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S – EPP para suprir a omissão quanto à aplicação do art. 85, § 11, do CPC; ACOLHO EM PARTE os embargos de declaração de PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA – ME apenas para corrigir o erro material quanto ao destinatário dos depósitos, que são as rés; e REJEITO os embargos declaratórios da CEF. 

É como voto.

 



E M E N T A

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO. RECURSO ADESIVO. MATÉRIA PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. CONGRUÊNCIA. CONTRATO "BUILT TO SUIT". CONTRATO DE LOCAÇÃO. DISTINÇÕES. PRAZO DE VIGÊNCIA DO CONTRATO. RECUPERAÇÃO DO INVESTIMENTO. PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMÓVEL INDIVISÍVEL. LAUDO PERICIAL. COMPROVAÇÃO.

- Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

- Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante.

- Assiste razão à embargante M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S – EPP quanto à existência de omissão na aplicação do art. 85, § 11, do CPC.

- Também assiste razão à embargante PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA – ME quando aduz a existência de erro material quanto ao destinatário dos depósitos.

- No mais, o acórdão recorrido tem fundamentação completa e regular para a lide posta nos autos. Ademais, o órgão julgador deve solucionar as questões relevantes e imprescindíveis para a resolução da controvérsia, não sendo obrigado a rebater (um a um) todos os argumentos trazidos pelas partes quando abrangidos pelas razões adotadas no pronunciamento judicial. Precedentes.

- Embargos de declaração de M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S – EPP acolhidos. Embargos de declaração de PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA – ME parcialmente acolhidos. Embargos declaratórios da CEF rejeitados.

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, acolher os embargos de declaração de M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S - EPP para suprir a omissão quanto à aplicação do art. 85, § 11, do CPC; acolher em parte os embargos de declaração de PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME apenas para corrigir o erro material quanto ao destinatário dos depósitos, que são as rés; e rejeitar os embargos declaratórios da CEF, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

CARLOS FRANCISCO
DESEMBARGADOR FEDERAL