
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009407-55.2020.4.03.6100
RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE
APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO
Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A
APELADO: GABRIELA CAVALLINI WAFAE
Advogados do(a) APELADO: GABRIELA CIARLINI DE AZEVEDO - RJ160305-A, LEONARDO VASCONCELOS GUAURINO DE OLIVEIRA - RJ150762-A, SAULO GUAPYASSU VIANNA - RJ165441-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009407-55.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, PAULA VESPOLI GODOY - SP168432-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A APELADO: GABRIELA CAVALLINI WAFAE Advogados do(a) APELADO: GABRIELA CIARLINI DE AZEVEDO - RJ160305-A, LEONARDO VASCONCELOS GUAURINO DE OLIVEIRA - RJ150762-A, SAULO GUAPYASSU VIANNA - RJ165441-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de embargos de declaração oposto por GABRIELA CAVALLINI WAFAE, em face de acórdão que, por unanimidade dos votos, deu provimento à apelação. Alega a embargante, em síntese, que o acórdão é omisso quanto a análise da nulidade da Resolução CFM nº 2007/2013 e; quando a aplicação da norma expressa via Portaria DSST nº 11/1993 – Norma Regulamentadora nº 4, ao caso. Requer o acolhimento dos embargos com efeitos infringentes. A parte embargada apresentou resposta. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009407-55.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, PAULA VESPOLI GODOY - SP168432-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A APELADO: GABRIELA CAVALLINI WAFAE Advogados do(a) APELADO: GABRIELA CIARLINI DE AZEVEDO - RJ160305-A, LEONARDO VASCONCELOS GUAURINO DE OLIVEIRA - RJ150762-A, SAULO GUAPYASSU VIANNA - RJ165441-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Os embargos de declaração, a teor do disposto no art. 1.022 do CPC, somente têm cabimento nos casos de obscuridade ou contradição (inc. I), de omissão (inc. II) ou erro material (inc. III). Razão assiste à embargante. De fato o acórdão deixou de se manifestar acerca da alegação de nulidade da Resolução CFM nº 2007/2013 e da aplicação da Portaria DSST nº 11/1990. Pois bem. A questão processual do presente caso cinge-se a aplicação de leis e atos normativos no tempo e, consequentemente, a verificação de garantias como o direito adquirido e o legítimo exercício de poder regulamentar pelo Conselho de Classe, ora embargado, para limitar o direito da apelante em relação ao exercício das atribuições na área de Medicina do Trabalho. A pós-graduação da embargante, nos termos do diploma juntado aos autos principais ID 32867466, se deu em Especialização em Medicina do Trabalho, na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, expedido em 2015. À época da obtenção do título acima referido, a legislação vigente (art. 162 da CLT, Norma Regulamentadora nº 04, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, aprovada pela Portaria 3.214/1978 e Portaria DSST nº 11/1990) determinava que “para o exercício da atividade de Médico do Trabalho em Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT havia apenas a exigência, em relação aos cursos de especialização (não residência médica), de o profissional ser portador de certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação, ministrado por Universidades ou Faculdades que mantivessem curso de graduação em Medicina”. Tal exigência restou cumprida pela embargante, conforme demonstra o certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, realizado no período de 04.02.2013 a 04.01.2014. Outrossim, a Portaria MTE 2018/2014, a qual alterou a Norma Regulamentadora nº 4 (NR4) - SESMT - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho, foi publicada via DOU em 24.12.2014; após o prazo de conclusão do curso de especialização da embargante tendo, portando, efeitos prospectivos. Em relação as resoluções citadas pelo embargada, para legitimar os atos limitativos do exercício profissional, conforme acertadamente fundamentado na sentença recorrida (ID nº 38811716, dos autos originários) “dessume-se, pois, que as normas infralegais editadas pelo CFM restringiram o campo de atuação do médico que atua na medicina do trabalho, isso sem amparo na lei. Vale dizer, as resoluções extrapolam a competência conferida por lei, o que as torna, no ponto, eivadas de ilegalidade”. De acordo om o arts. 17, 18 e 20 da Lei nº 3.268/1957 (dispõe sobre os Conselhos de Medicina), as atividades/atribuições da medicina, são privativas daqueles que possuem títulos, diplomas e/ou certificados devidamente registrados pelo Ministério da Educação e Cultura e com inscrição no conselho profissional. No mesmo sentido é a determinação contida nos arts. 5º e 6º da Lei 12.842/2013 (dispõe sobre o exercício da Medicina). Nas referidas leis, que dispõem sobre o exercício da medicina, não há nenhuma restrição ao exercício da medicina do trabalho e a assunção da responsabilidade técnica, direção ou supervisão. Assim, “a coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, são atividades privativas do médico”. Não é legítimo a limitação do exercício profissional na seara da Medicina do Trabalho por meio de exigências como a obrigatoriedade a titulação em especialidade médica, ser registrada no Conselho Regional de Medicina (Resolução nº 2.007/2013) ou registro de qualificação da especialidade como diretor técnico responsável pelo estabelecimento em saúde (Resolução nº 2.147/2016). Nesse sentido, é o entendimento desse E. Tribunal: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO Nº 2007/2013 DO CFM. EXIGÊNCIA DE TITULAÇÃO DE ESPECIALIZAÇÃO MÉDICA PARA OCUPAÇÃO DE FUNÇÃO DE DIRETOR TÉCNICO/CLÍNICO. IMPOSSIBILIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. I - Rejeito a preliminar de ocorrência da decadência argüida pelo apelante. Nas informações prestadas pelos impetrados foi consignado que a Resolução CFM Nº 2007/2013 foi publicada em 08.02.2013. O presente mandamus foi interposto após 120 (cento e vinte) dias do ato impugnado em 07.01.2016 - fl. 02. Porém, o ato coator é contínuo, renovando-se diariamente com a negativa das autoridades coatoras em permitir que o cargo de Chefe/Coordenador/Diretor Técnico/Clínico do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT possa ser exercido por um dos médicos regularmente inscrito no CRM. II - A preliminar arguida referente à ausência de direito líquido e certo também não merece prosperar. O ato coator se encontra fundamentado em ato regulamentar, sob o qual se insurge a impetrante. Quanto à preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, deve ser rejeitada, uma vez que, contrariamente do asseverado, a Prefeitura Municipal de Piracicaba é parte legítima para figurar no pólo ativo do presente mandado de segurança, considerando que a Municipalidade tem necessidade de renovar o credenciamento de suas unidades médicas e de seus serviços especializados anualmente junto ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP). III - Assim sendo, restam rejeitadas todas as preliminares arguidas. IV - No mérito, pertine salientar que o cerne da questão consiste em verificar se a Resolução nº 2007/2013 do Conselho Federal de Medicina poderia estabelecer a necessidade de titulação de especialização médica para ocupação de função de Diretor Técnico/Clínico. Pela Resolução do CFM n. 2007/2013: o título de especialista é obrigatório para ocupar cargo de diretor técnico de serviços médicos de uma única especialidade. No entanto, a Lei 3.268/1957 afirma em seu art. 17 que "os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade." V- Trata-se da chamada "permissão legal" que os médicos possuem para o exercício da medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades. No mesmo sentido, assim já se posicionou o próprio CFM em diversas oportunidades. VI - Se a Lei 3.268/1957 e o próprio CFM entendem que qualquer médico devidamente registrado em seu CRM está apto para o exercício da medicina em qualquer de seus ramos ou especialidades, não há razão para proibi-lo do exercício da direção técnica. A competência de alterar uma lei é do poder legislativo, e não dos conselhos profissionais. O art. 17 da Lei 3268/57, dispõe que qualquer médico (ainda que não tenha título de especialista) poder ser um diretor técnico de um serviço médico. VII - Quando a resolução afronta a lei não há como considerá-la, uma vez que é uma norma inferior (resolução) querendo contrariar uma norma superior (lei). VIII - Preliminares rejeitadas. Apelação e remessa oficial não providas. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 370678 - 0000004-62.2016.4.03.6109, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 18/04/2es018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/04/2018). Grifo meu. Vale o registro que o exercício hermenêutico do presente caso se pauta através de métodos de hierarquia normativa e integrativo. Ademais, de acordo com as normas expressas no art. 2º, parágrafo único, inciso XIII e art. 54, ambos da Lei nº 9.784/1999 e com o enunciado nº 473 da súmula da jurisprudência do STF, à Administração Pública é imposto o dever de "interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento ao fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa de nova interpretação", respeitando, assim, os direitos adquiridos dos administrados. Diante de tais circunstâncias e, a partir da correção do vício de omissão apontado, o caso é de manutenção da sentença inicialmente recorrida, a qual determinou ao CREMESP que se abstenha de impedir que a embargante ocupe cargo de coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às atividades privativas de médico (Lei 12.842/2013, art. 5.º, II), bem como para que SEJA RECONHECIDA como médica especialista em Medicina do Trabalho. Outrossim, considerando o efeito infringente do presente recurso, observa-se a sucumbência recursal da parte embargada, até então, apelante, devendo incidir a norma expressa no art. 85, do CPC, para majorar a verba honorária no percentual de 1%. Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, com efeitos infringentes, para negar provimento ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009407-55.2020.4.03.6100
RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE
APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO
Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, PAULA VESPOLI GODOY - SP168432-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A
APELADO: GABRIELA CAVALLINI WAFAE
Advogados do(a) APELADO: GABRIELA CIARLINI DE AZEVEDO - RJ160305-A, LEONARDO VASCONCELOS GUAURINO DE OLIVEIRA - RJ150762-A, SAULO GUAPYASSU VIANNA - RJ165441-A
OUTROS PARTICIPANTES:
DECLARAÇÃO DE VOTO - DES. FED. MARCELO SARAIVA
Adoto, em sua integralidade, o relatório apresentado pela ilustre Desembargadora Federal Relatora MONICA NOBRE.
Trata-se de recurso de embargos de declaração opostos por GABRIELA CAVALLINI WAFAE, em face de acórdão que, por unanimidade dos votos, deu provimento à apelação.
Alega a embargante, em síntese, que o acórdão é omisso quanto a análise da nulidade da Resolução CFM nº 2007/2013 e da necessária aplicação da Portaria DSST nº 11/1990 – Norma Regulamentadora nº 4 ao caso.
A eminente Relatora votou por acolher os embargos de declaração, com efeitos infringentes, para negar provimento ao recurso de apelação.
Com a devida vênia, ouso divergir da ilustre Relatora para sanar a omissão apontada, mas sem os almejados efeitos infringentes.
Trata-se de apelação interposta pelo CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO – CREMESP em face da r. sentença, retificada em sede de embargos de declaração, que julgou procedente o pedido formulado com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para determinar que o CREMESP se abstenha de impedir que a autora ocupe cargo de coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às atividades privativas de médico (Lei 12.842/2013, art. 5.º, II), bem como para que seja reconhecida como médica especialista em Medicina do Trabalho.
In casu, a autora, ora apelada, ajuizou ação sob o rito comum objetivando obter provimento jurisdicional para assegurar o seu livre exercício da Medicina do Trabalho, inclusive nos cargos de coordenação e supervisão técnica em ambulatórios de saúde do trabalho, por meio de registro oficial junto ao Conselho-réu.
Alega a apelada que é médica pós-graduada em Medicina do Trabalho, de acordo com os requisitos objetivos previstos na Portaria DSST nº 11 de 17 de setembro de 1990, em vigor quando da conclusão da respectiva pós-graduação, todavia, desde 25/12/2018, está impedida de atuar como coordenadora, diretora ou responsável técnico de ambulatórios de assistência à saúde do trabalho.
Aduz a apelada, que em razão da revogação da Portaria DSST nº 11, de 17 de setembro de 1990 (Norma Regulamentadora nº 4) deixou de ser reconhecida como médica do trabalho e que o apelante se negou a registrar o título de especialista invocando duas resoluções desarrazoadas e sem qualquer fundamentação jurídica consistente, quais sejam, a Resolução CFM n° 1.799/2006 e a Resolução CFM n° 2.219/2018.
Pois bem. Conforme a documentação trazida aos autos a apelada exerce a profissão de médica nos termos do art. 6º, da Lei 12.842/2013 c/c art. 18, da Lei 3.268/1957, e está registrada no Conselho desde 07/09/2009. A Resolução CFM 2007/2013 dispõe o seguinte:
"Art. 1º Para o médico exercer o cargo de diretor técnico ou de supervisão, coordenação, chefia ou responsabilidade médica pelos serviços assistenciais especializados é obrigatória a titulação em especialidade médica, registrada no Conselho Regional de Medicina (CRM), conforme os parâmetros instituídos pela Resolução CFM nº 2.005/2012
§1º Em instituições que prestam serviços médicos em uma única especialidade, o diretor técnico deverá ser possuidor do título de especialista registrado no CRM na respectiva área de atividade em que os serviços são prestados. (Redação aprovada pela Resolução CFM nº2114/2014)
§2º O supervisor, coordenador, chefe ou responsável pelos serviços assistenciais especializados de que fala o caput deste artigo somente pode assumir a responsabilidade técnica pelo serviço especializado se possuir título de especialista na especialidade oferecida pelo serviço médico, com o devido registro do título junto ao CRM. (Redação aprovada pela Resolução CFM nº 2114/2014)."
O inciso XIII do artigo 5° da Constituição Federal assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais exigidas por lei:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
(...)
De rigor observar que o mencionado inciso condiciona o exercício desse direito ao atendimento das qualificações que a lei estabelecer, portanto, o direito ao trabalho depende do preenchimento dos requisitos legais para o exercício da profissão.
A Lei nº 3.268/57, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, estabelece o seguinte:
"Art. 1º O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina, instituídos pelo Decreto-lei nº 7.955, de 13 de setembro de 1945, passam a constituir em seu conjunto uma autarquia, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira.
Art. 2º O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.
(...)
Art. 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade."
Como se vê, compete ao Conselho Federal e aos Conselhos Regionais de Medicina fiscalizar e disciplinar o exercício da medicina, destacando o disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 4.113/42, verbis:
Art. 1º É proibido aos médicos anunciar:
I - cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento próprio, segundo os atuais conhecimentos científicos;
II - tratamento para evitar a gravidez, ou interromper a gestação, claramente ou em termos que induzam a estes fins;
III - exercício de mais de duas especialidades, sendo facultada a enumeração de doenças, órgãos ou sistemas compreendidos na especialização;
IV - consultas por meio de correspondência, pela imprensa, caixa postal, rádio ou processos análogos;
V - especialidade ainda não admitida pelo ensino médico, ou que não tenha tido a sanção das sociedades médicas;
VI - prestação de serviços gratuitos, em consultórios particulares;
VII - sistematicamente, agradecimentos manifestados por clientes e que atentem contra a ética médica;
VIII - com alusões detratoras a escolas médicas e a processos terapêuticos admitidos pela legislação do país;
IX - com referências a métodos de tratamento e diagnóstico não consagrados na prática corrente ou que não tenham tido a sanção das sociedades médicas;
X - atestados de cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento estabelecido, por meio de preparados farmacêuticos.
Nesse sentido, o c. Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou ao analisar questão análoga à presente, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA CONSELHO DE MEDICINA REGISTRO DE ESPECIALIDADE MÉDICA "MEDICINA ESTÉTICA" PODER REGULAMENTAR E FISCALIZATÓRIO.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. O Conselho de Medicina funciona como órgão delegado do Poder Público para tratar das questões envolvendo a saúde pública e as atividades dos profissionais médicos. Precedente do STF.
3. A simples existência de um curso de pós-graduação, ainda que reconhecido pelo MEC, não é capaz de qualificar-se, no universo científico, como nova especialidade médica.
4. As especialidades sujeitam-se aos processos dinâmicos da medicina, não podendo, por isso mesmo, ter caráter permanente ou imutável, dependendo das circunstâncias e necessidades, sofrendo mudanças de nomes, fusões ou extinções.
5. Hipótese em que o Conselho Federal de Medicina não reconheceu a "Medicina Estética" como especialidade médica negando, em consequência, o título de especialista ao profissional que concluiu curso de pós-graduação lato sensu.
6. Não pode o Poder Judiciário invadir a competência dos Conselhos de Medicina, para obrigá-los a conferir o título de especialista, em ramo científico ainda não reconhecido como especialidade médica.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1038260/ES, RECURSO ESPECIAL 2008/0052647-3, Relatora Ministra ELIANA CALMON, T2 - SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento 17/12/2009, DJe 10/02/2010, RSTJ vol. 218 p. 20.
No caso concreto, a apelada pretende a continuação de suas atividades na área médica do trabalho sem o registro de especialidade (Registro de Qualificação de Especialista – RQE), com a produção de documento que a autorize à prática de medicina do trabalho.
O documento oficial que autoriza a prática de medicina do trabalho é somente o RQE e, a apelada não indicou causa de pedir e nem pedido referente a expedição de RQE.
A autora alegou que atuava como médica anteriormente à edição das Resoluções nº 2.007/2013 e 2.183/2018 do Conselho Federal de Medicina.
Ocorre que a mera inscrição da autora no CRM não a torna especializada em medicina do trabalho e não são somente as normas mencionadas pela autora que se constituem como óbice à sua pretensão.
Ademais, ao contrário do alegado pela apelada, sua conclusão na aventada pós-graduação ocorreu em 02/04/2015, nos termos do certificado expedido pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (ID 152773096).
Nos termos do artigo 5º da Resolução nº 1/2007 do MEC, a pós-graduação é um curso de apenas 360 horas. Já nos termos da Portaria CME nº 1/2016, os cursos de formação credenciados pelas Sociedades de Especialidades da AMB — para que sejam aptos a viabilizar a participação de seus alunos na prova de título de especialidade — devem obedecer a uma carga horária mínima de 2.880 horas anuais. Por fim, a residência médica prevista no Decreto nº 80.281 de 05/09/1977, alterado pelo Decreto nº 91.364/85, prevê, em seu art. 1º, §2º, um total mínimo de 1800 horas de atividade.
Nesse sentido, o Decreto nº 80.281/1977 instituiu a residência médica que concede o título de especialista aos médicos interessados nas diferentes especializações da medicina, senão vejamos:
Art. 1º A Residência em Medicina constitui modalidade do ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, em regime de dedicação exclusiva, funcionando em Instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional.
§ 1º Os programas de Residência serão desenvolvidos, preferencialmente, em uma das seguintes áreas: Clínica Médica; Cirurgia Geral; Pediatria; Obstetrícia e Ginecologia; e Medicina Preventiva ou Social.
§ 2º Os programas de Residência terão a duração mínima de 1 (um) ano, corresponderão ao mínimo de 1.800 (hum mil e oitocentas) horas de atividade.
§ 3º Além do treinamento em serviço, os programas de Residência compreenderão um mínimo de quatro horas semanais de atividades sob a forma de sessões de atualização, seminários, correlações clínico-patológicas ou outras sempre com a participação ativa dos alunos.
Nessa esteira, colaciono julgados desta Quarta Turma, verbis:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. ESPECIALISTA EM MEDICINA DO TRABALHO. REQUISITOS. DECRETO Nº 80.281/1977. SEGURANÇA DENEGADA.
- A discussão, ora posta em exame, cinge-se à legalidade da negativa do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo-CREMESP, em averbar o curso de Extensão Universitária na modalidade Especialização em Medicina do Trabalho.
- Ainda que os cursos de pós-graduação lato sensu sejam reconhecidos pelo MEC, para a carreira médica o Decreto nº 80.281/1977 instituiu a residência médica que concede o título de especialista aos médicos interessados nas diferentes especializações da medicina.
- Por sua vez, a residência médica requer aprovação pelo Conselho Nacional de Residência Médica, tendo ainda o Conselho Federal de Medicina firmado convênio com a Associação Médica Brasileira-AMB, através do qual se estabeleceu que os Conselhos Regionais de Medicina somente passariam a registrar os títulos fornecidos pelas sociedades científicas vinculadas à AMB.
- Deste modo, não há direito líquido e certo a ser amparado por mandado de segurança, nos termos em que requerido.
- Apelação improvida."
(TRF 3ª/R, ApCiv 5016780-74.2019.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MONICA NOBRE, Quarta Turma, Julg.: 17/11/2020, Intimação via sistema DATA: 18/11/2020).
"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. TÍTULO DE PÓS-GRADUAÇÃO. INSUFICIENTE. RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. LEGALIDADE. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO PROVIDAS.
1. Nos termos da Lei nº 3268/57, os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas do Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.
2. É bem de ver, que o fato da apelada ter cursado 1920 horas em curso de Pós-Graduação, reconhecido pelo MEC, de per si, não é suficiente para obter o tal registro na especialidade pretendida, tal qual reconhecido nos artigos 1º e 2º da Resolução nº 1799/2006, que dispõe sobre a não-obrigatoriedade de registro de certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, pelo Conselho Federal e Conselhos Regionais de Medicina
3. Para se reconhecer a especialidade médica, o conselho pode, legitimamente, ser mais exigente do que o MEC, ao regulamentar requisitos mínimos, vez que tais exigências visam a proteção à própria saúde.
4. Remessa necessária e apelação providas. Pedido de tutela de urgência prejudicado."
(TRF 3ª/R, ApelRemNec 5026654-20.2018.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, Quarta Turma, Julg.: 15/03/2021, Intimação via sistema DATA: 09/04/2021).
A residência médica requer aprovação pelo Conselho Nacional de Residência Médica, tendo ainda o Conselho Federal de Medicina firmado convênio com a Associação Médica Brasileira-AMB, através do qual se estabeleceu que os Conselhos Regionais de Medicina somente passariam a registrar os títulos fornecidos pelas sociedades científicas vinculadas à AMB.
Por fim, a Resolução CFM nº 1.799/2006, assim dispõe:
"Art. 1° Não compete aos Conselhos Regionais de Medicina registrarem o certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação, definido na 1ª parte, alínea “b” do item 4.4.1 da NR-4, haja vista este certificado não conferir ao médico o título de especialista em Medicina do Trabalho."
"Art. 2° Os médicos que atenderem as normas do Convênio AMB/CFM/CNRM terão seus títulos de especialista em Medicina do Trabalho registrados nos Conselhos Regionais de Medicina."
A exigência de conhecimento específico de medicina do trabalho é condição essencial para as complexas atividades médicas relacionadas a essa especialidade.
Oportuno rememorar que, para se reconhecer a especialidade médica, o Conselho-réu pode, legitimamente, ser mais exigente do que o MEC, ao regulamentar requisitos mínimos, vez que tais exigências visam a proteção à própria saúde, assim não há que se falar em ilegalidade nas Resoluções expedidas pelo Conselho Federal de Medicina.
Por fim, forçoso salientar que a autora não está proibida de exercer a Medicina em qualquer área, tão somente não pode ser responsável técnica, coordenadora de serviço médico em Medicina do Trabalho, nem anunciar especialidade que não possui, nos exatos termos da Lei nº 3268/57.
Diante do exposto, acolho os embargos de declaração apenas para sanar a omissão apontada, sem feitos infringentes, nos termos da fundamentação.
É como voto.
MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. EMBARGOS ACOLHIDOS.
- Os embargos de declaração, a teor do disposto no art. 1.022 do CPC, somente têm cabimento nos casos de obscuridade ou contradição (inc. I), de omissão (inc. II) ou erro material (inc. III).
- A questão processual do presente caso cinge-se a aplicação de leis e atos normativos no tempo e, consequentemente, a verificação de garantias como o direito adquirido e o legítimo exercício de poder regulamentar pelo Conselho de Classe, ora embargado, para limitar o direito da apelante em relação ao exercício das atribuições na área de Medicina do Trabalho.
- De acordo om o arts. 17, 18 e 20 da Lei nº 3.268/1957 (dispõe sobre os Conselhos de Medicina), as atividades/atribuições da medicina, são privativas daqueles que possuem títulos, diplomas e/ou certificados devidamente registrados pelo Ministério da Educação e Cultura e com inscrição no conselho profissional.
- No mesmo sentido é a determinação contida nos arts. 5º e 6º da Lei 12.842/2013 (dispõe sobre o exercício da Medicina).
- Nas referidas leis, que dispõem sobre o exercício da medicina, não há nenhuma restrição ao exercício da medicina do trabalho e a assunção da responsabilidade técnica, direção ou supervisão.
- Não é legítimo a limitação do exercício profissional na seara da Medicina do Trabalho por meio de exigências como a obrigatoriedade a titulação em especialidade médica, ser registrada no Conselho Regional de Medicina (Resolução nº 2.007/2013) ou registro de qualificação da especialidade como diretor técnico responsável pelo estabelecimento em saúde (Resolução nº 2.147/2016).
- À época da obtenção do título da parte embargante, a legislação vigente (art. 162 da CLT, Norma Regulamentadora nº 04, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, aprovada pela Portaria 3.214/1978 e Portaria DSST nº 11/1990) determinava que “para o exercício da atividade de Médico do Trabalho em Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT havia apenas a exigência, em relação aos cursos de especialização (não residência médica), de o profissional ser portador de certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação, ministrado por Universidades ou Faculdades que mantivessem curso de graduação em Medicina”.
- Tal exigência restou cumprida pela agravada, conforme demonstra o certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho.
- Recurso acolhido com efeitos infringentes.