APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007607-94.2017.4.03.6100
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007607-94.2017.4.03.6100 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de embargos de declaração opostos pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), em face de v. acórdão que, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação e ao reexame necessário para reconhecer a obrigação de fazer do INSS consistente em reformar e conservar os imóveis de sua propriedade localizados na Vila Maria Zélia, postergando para a fase de cumprimento de sentença a elaboração do cronograma de reformas e o estabelecimento dos prazos para o início e conclusão das obras, e, de ofício, restabelecer os efeitos da decisão ID Num. 148651265, salvo a multa cominatória, O v. acórdão foi proferido em julgamento de apelação e de reexame necessário, tido por submetido, em Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), em que se pleiteou a condenação do réu ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em restaurar os imóveis tombados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado (CONDEPHAAT), situados na Vila Maria Zélia, zona leste desta capital. Para melhor compreensão, transcreve-se a ementa do v. acórdão embargado: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO TIDO POR SUBMETIDO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TOMBAMENTO. IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DO INSS LOCALIZADOS NA VILA MARIA ZÉLIA. CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO. OBRIGAÇÃO DO PROPRIETÁRIO. ORÇAMENTO PÚBLICO. CRONOGRAMA DAS REFORMAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular). 2. A Constituição Federal prevê, em seu art. 23, a competência comum dos entes federados para zelar pelo patrimônio público. Já o § 1º, do art. 216, preconiza que cabe ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, promover e proteger “o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. 3. O tombamento está regulamentado pelo Decreto-lei nº 25/37, o qual prevê, em seu art. 1º, que constitui “o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. 4. Os imóveis localizados na Vila Maria Zélia/SP foram tombados em seu conjunto pela Resolução SC-43/92, de 18 de dezembro de 1992, do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado (CONDEPHAAT) e pela Resolução nº 32/92, do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP). 5. No caso em análise, os bens imóveis integram o patrimônio público de uma autarquia federal (INSS), razão pela qual o art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 deve ser analisado cum grano salis. 6. O simples fato de os imóveis terem sido tombados pelo Estado de São Paulo e pelo Município de São Paulo não lhes transferem a responsabilidade pela preservação e conservação, já que a dicção do art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 é clara ao impor este ônus ao seu proprietário. 7. Segundo o Ofício nº 61/DIVOLFL/SR-1, em 2015, data em que foi elaborado o custo estimado para as obras na Vila Maria Zélia, a Superintendência Regional Sudoeste I possuía o orçamento de R$ 3.400.000,00 para atender a todas as reformas e adaptações das unidades do INSS localizadas nesta Regional. 8. O prazo solicitado pelo MPF se mostra inexequível, uma vez que, nos valores de 2015, caso fosse determinada a imediata reforma dos imóveis tombados (R$ 11.090.000,00), o orçamento da Superintendência Regional Sudoeste I ficaria comprometido por quase 4 anos. 9. Com o fim de buscar um equilíbrio entre a preservação do patrimônio público e os limites orçamentários do INSS para a manutenção de seus bens, a melhor solução seria realizar as reformas na Vila Maria Zélia de forma gradual e parcelada, priorizando-se aqueles imóveis que apresentam maior risco à segurança pública. 10. Especificamente quanto ao cronograma, cumpre frisar que o montante a ser reservado do orçamento para os imóveis em questão não pode inviabilizar a necessidade de atenção e/ou reformas urgentes nos outros bens do INSS, cabendo ao r. Magistrado Singular, em juízo de ponderação e razoabilidade, estabelecer o lapso temporal que considerar adequado. 11. Como a sentença de improcedência foi publicada em março/2020, desde esta época os imóveis da Vila Maria Zélia estão desprotegidos. Assim, salvo a multa cominatória, deve-se restabelecer os termos da decisão ID Num. 148651265 para salvaguardar os imóveis de propriedade do INSS na Vila Maria Zélia. 12. Apelação e reexame necessário, tido por submetido, parcialmente providos. Alega o embargante, em síntese, que: a) os imóveis já estavam em situação de ruína na data do tombamento pelo Município, em 19/12/92; b) o estado de ruína do imóvel, com várias recomendações para demolição, atestam a impossibilidade de reforma como perquerida na decisão judicial, visto que os custos seriam extremamente vultosos, o que acabaria por atrair a aplicação do princípio da reserva do possível; c) “em decorrência da observação criteriosa do princípio da reserva do possível e sua necessária correlação com o princípio constitucional da separação dos poderes, não há como se defender a tese de que poderia o Poder Judiciário condenar esta autarquia a adotar medidas previstas em lei e que ainda não foram cumpridas pela impossibilidade financeiro-orçamentária, considerando o real estado de ruína dos imóveis objeto destes autos” (ID Num. 285238861 - Pág. 4); d) o juízo não se manifestou fundamentadamente a respeito das alegações do INSS no sentido de que a responsabilidade não é exclusiva do INSS. Tanto o Município de São Paulo como também o Estado de São Paulo devem ser chamados à responsabilidade; e) há ainda uma ação de reintegração de posse movida pelo INSS contra a associação de moradores (Ação de Reintegração de Posse nº 5011315-21.2018.4.03.6100, 21º Vara Cível Federal de São Paulo), sendo que a referida associação tem ocupado e explorado os imóveis economicamente há muito tempo, o que impede a posse efetiva do INSS para que possa realizar as reformas necessárias e atender à ordem judicial. A seu ver, “deve a decisão ser integrada para condicionar a determinação judicial à posse mansa e pacífica de toda extensão da área, sem o que resta impossível o cumprimento da decisão”. Regularmente intimado, a parte embargada apresentou resposta (ID Num. 285459268). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007607-94.2017.4.03.6100 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Como é cediço, os embargos de declaração, a teor do disposto no art. 1.022 do CPC, somente têm cabimento nos casos de obscuridade ou contradição (inc. I), de omissão (inc. II) ou de erro material (inc. III). Inicialmente, cumpre salientar que todos os imóveis discutidos nos autos são de propriedade do INSS. É o que se infere do seguinte trecho do voto embargado: Os imóveis discutidos nestes autos, todos de propriedade do INSS, estão localizados na Vila Maria Zélia/SP nos seguintes endereços (ID Num. 148650950 - Pág. 2): 1 – Rua Mário da Costa, n° 13/14 (Armazém e Farmácia); 2 – Rua Mário da Costa, n° 18/19/20 (Restaurante) 3 – Rua Adilson Farias Claro, n° 4 (Administração) 4 – Rua Adilson Faria Claro, n° 46-A (Escola de Meninos) 5 – Rua Adilson Farias Claro, n° 88 (Escola de Meninas) 6 – Rua Adilson farias Claro, n° 126 (Açougue) (...) Dentre os documentos que instruíram a petição inicial, constam várias fichas cadastrais dos imóveis da Vila Maria Zélia, elaboradas pelo CONDEPHAAT, em que se verifica a informação de que “imóvel pertence ao INSS” (ID Num. 148650954 - Pág. 8 – ID Num. 148650962 - Pág. 4). Além disso, o próprio INSS reconhece que os bens são de sua propriedade, conforme se verifica em sua contestação (ID Num. 148651272 - Pág. 2). Não há, deste modo, dúvidas acerca da titularidade destes imóveis (CPC, art. 374, II). Os mencionados bens foram tombados pela Resolução SC-43/92, de 18 de dezembro de 1992, do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado (CONDEPHAAT), e pela Resolução nº 32/92, do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP). Por se tratar de tombamento, aplica-se o disposto no Decreto-Lei nº 25/37, em especial o seu art. 19, conforme consta do voto embargado: Infere-se que a obrigação primordial do proprietário é o de preservar o bem, não podendo destruí-lo, demoli-lo ou alterar a sua estrutura. É certo que o art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 impõe à União a responsabilidade pelo pagamento das despesas de conservação e de reparação do bem, contudo, o faz de forma subsidiária, desde que o proprietário alegue a insuficiência de recursos: Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa. § 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa. E com base neste dispositivo, afastei qualquer corresponsabilidade do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo sobre os imóveis em discussão: Deve-se salientar que o simples fato de os imóveis terem sido tombados pelo Estado de São Paulo e pelo Município de São Paulo não lhes transferem a responsabilidade pela preservação e conservação, já que a dicção do art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 é clara ao impor este ônus ao seu proprietário. Também por este motivo, ou seja, por ser o proprietário destes imóveis, não se vislumbra qualquer relevância jurídica no argumento do embargante “de que os imóveis já estavam em situação de ruína na data do tombamento pelo Município, em 19/12/92”. Cabe ao INSS, como legítimo proprietário, adotar as medidas necessárias para conservar e preservar os imóveis tombados na área da VILA MARIA ZÉLIA. Além disso, no voto embargado, realizou-se juízo de ponderação acerca do montante estimado para a realização das obras necessárias para a conservação dos imóveis (R$ 11.090.000.00) e a realidade financeira da autarquia, conforme determina o art. 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Daí porque se optou pela adoção de um cronograma a ser elaborado na fase de cumprimento de sentença: No caso, segundo o Ofício nº 61/DIVOLFL/SR-1, em 2015, data em que foi elaborado o custo estimado para as obras na Vila Maria Zélia, a Superintendência Regional Sudoeste I possuía o orçamento de R$ 3.400.000,00 para atender a todas as reformas e adaptações das unidades do INSS localizadas nesta Regional. (...) O MPF, em sua exordial, requereu que a execução das obras fosse feita no prazo de 2 anos, contados da aprovação do projeto pelos órgãos municipais e estaduais competentes (ID Num. 148650950 - Pág. 27). Percebe-se que o prazo solicitado se mostra inexequível, uma vez que, nos valores de 2015, caso fosse determinada a imediata reforma dos imóveis tombados (R$ 11.090.000,00), o orçamento da Superintendência Regional Sudoeste I ficaria comprometido por quase 4 anos. Com o fim de buscar um equilíbrio entre a preservação do patrimônio público e os limites orçamentários do INSS para a manutenção de seus bens, penso que a melhor solução seria realizar as reformas na Vila Maria Zélia de forma gradual e parcelada, priorizando-se aqueles imóveis que apresentam maior risco à segurança pública. Como o relatório de vistoria contido nos autos remonta o ano de 2015, não há como precisar, neste momento, a real situação dos bens. Além disso, também não há informações acerca do atual orçamento do INSS para as reformas em seus imóveis. Cabe salientar que a ausência de tais dados não impede, neste momento, a condenação da autarquia na obrigação de fazer consistente em reformar os imóveis da Vila Maria Zélia, postergando para a fase de cumprimento da sentença o estabelecimento do cronograma a ser respeitado. Trata-se de solução que respeita tanto o princípio da primazia do julgamento de mérito (art. 4º) como o princípio da celeridade processual. Isto porque não se mostra adequado converter este feito em diligência para que seja determinada a elaboração de uma nova vistoria nos imóveis enquanto não houver o trânsito em julgado. E ainda que fosse determinada a nova vistoria, numa eventual interposição dos recursos extraordinários, não haveria como saber se a realidade fática dos imóveis vistoriados será a mesma de quando esta demanda for apreciada pelos Tribunais Superiores. Por outro lado, ao postergar a elaboração do cronograma, evita-se a adoção de medidas desnecessárias, concentrando para a fase de cumprimento de sentença a efetivação das medidas necessárias para avaliar a situação dos imóveis. Especificamente quanto ao cronograma, cumpre frisar que o montante a ser reservado do orçamento para os imóveis em questão não pode inviabilizar a necessidade de atenção e/ou reformas urgentes nos outros bens do INSS, cabendo ao r. Magistrado Singular, em juízo de ponderação e razoabilidade, estabelecer o lapso temporal que considerar adequado. Logo, não há que se falar em aplicação da tese da reserva do possível, já que este cronograma deverá “guardar consonância com a realidade financeira do ente público que as financiará”. Da mesma forma, também não existe qualquer empecilho para a adoção das medidas de conservação e proteção do patrimônio histórico a existência da Ação de Reintegração de Posse nº 5011315-21.2018.4.03.6100, cabendo exclusivamente ao embargante requerer perante o juízo estadual as medidas cabíveis para o fiel cumprimento das etapas a serem firmadas no cronograma das obras. Em suma, analisando-se a decisão embargada, percebe-se claramente que ela não apresenta qualquer dos vícios alegados pelo embargante. Da simples leitura do voto acima transcrito, verifica-se que o julgado abordou devidamente todas as questões debatidas pelas partes e que foram devidamente explicitadas no voto. Desse modo, fica claro que o recurso não pode ser acolhido, uma vez que os embargos de declaração possuem a função de integrar as decisões e não de rejulgar a matéria. Sob outro aspecto, impende salientar que o Juízo não está adstrito a examinar a exaustão todos os argumentos trazidos no recurso se estes não forem capazes de infirmar a conclusão adotada, sem qualquer violação ao disposto no artigo 489, §1º, inciso IV, do Código de Processo Civil, bastando que decline fundamentos suficientes para lastrear sua decisão. Nesse sentido é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça (EDcl no MS 21.315-DF, Rel. Min. Diva Malerbi - Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região -, julgado em 8/6/2016). Por fim, o escopo de prequestionar a matéria, para efeito de interposição de recurso especial ou extraordinário, perde a relevância, em sede de embargos de declaração, se não demonstrada a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no art. 1.022, incisos I, II e III, do Código de Processo Civil. Ante o exposto, rejeito os recursos de embargos de declaração. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO INEXISTENTES. RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADO.
1. Dispõe o art. 1022, incisos I, II, e III do Código de Processo Civil, serem cabíveis embargos de declaração quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição, omissão ou erro material.
2. Não existindo no acórdão embargado omissão a ser sanada, uma vez que foi devidamente fundamentado, rejeitam-se os embargos opostos sob tais fundamentos.
3. Os embargos de declaração objetivam complementar as decisões judiciais, não se prestando à impugnação das razões de decidir do julgado.
4. Embargos de declaração rejeitados.