APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000254-96.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. A. D. B.
REPRESENTANTE: NANCI DIAS BEZERRA
Advogados do(a) APELADO: MARCOS ANTONIO MOREIRA FERRAZ - MS11390-A, NYCOLE FAGUNDES DE SOUZA - MS25971-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000254-96.2024.4.03.9999 RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: M. A. D. B. Advogados do(a) APELADO: MARCOS ANTONIO MOREIRA FERRAZ - MS11390-A, NYCOLE FAGUNDES DE SOUZA - MS25971-A, OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Juiz Federal Convocado BUENO DE AZEVEDO (Relator): Trata-se de ação proposta por MIGUEL ARTUR DIAS BEZERRA, representado por sua adotante e representante legal, NANCI DIAS, em face do INSS, objetivando a concessão de benefício assistencial previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e art. 20 da Lei nº 8.742/1993. Deferido o pedido de gratuidade da justiça. Indeferida a tutela de urgência (ID 284844621 - Pág. 58). O INSS apresentou contestação alegando ausência de miserabilidade do requerente (ID 284844621 - Pág. 70). Foram realizados Estudo Social (ID 284844622 - Pág. 31) e Perícia Judicial (ID 284844622 - Pág. 65). A r. sentença julgou procedente o pedido da parte autora, condenando o INSS a conceder o benefício de amparo social no valor correspondente a um salário mínimo mensal, com termo inicial em 31/08/2022, data do requerimento administrativo. Concedeu antecipação de tutela. Ainda, condenou a autarquia previdenciária ao pagamento dos honorários advocatícios arbitrado em 10% das prestações vencidas até a data da sentença. (ID 284844622 - Pág. 125). Sentença não submetida ao reexame necessário. Inconformado, o INSS apelou requerendo a reforma da r. sentença para que o pedido de concessão do benefício assistencial seja julgado totalmente improcedente, diante da ausência de miserabilidade do núcleo familiar (ID 284844622 - Pág. 150). A parte autora apresentou contrarrazões (ID 284844623 - Pág. 8). Subiram os autos a este E. Tribunal. O Ministério Público Federal opinou pelo provimento recursal (ID 293979791). É o relatório.
REPRESENTANTE: NANCI DIAS BEZERRA
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000254-96.2024.4.03.9999 RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: M. A. D. B. Advogados do(a) APELADO: MARCOS ANTONIO MOREIRA FERRAZ - MS11390-A, NYCOLE FAGUNDES DE SOUZA - MS25971-A, OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Juiz Federal Convocado BUENO DE AZEVEDO (Relator): Recebo o recurso por atender aos requisitos de admissibilidade. O benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, estabelece a garantia de um salário mínimo à “pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. Trata-se de norma de eficácia limitada, de aplicação só possível a partir da Lei n. 8.742/93 (STF, RE 315.959-3/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJU de 05.10.2001), cujo art. 20 prevê a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Na atual redação do art. 20, § 1º, da Lei n. 8.742/93, constitui ‘família’ o conjunto formado pelo “requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”. Quanto à pessoa com deficiência, o art. 20, § 2º, da citada lei, assim a define: considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. A concessão do benefício de prestação continuada depende de, cumulativamente: a) idade igual ou superior a 65 anos ou pessoa com deficiência (comprovada mediante exame pericial); b) não ter o requerente ou sua família outro meio de prover o próprio sustento. A ausência de prova de qualquer um desses requisitos implica o indeferimento do benefício. No presente caso, o Laudo Médico Pericial diagnosticou o requerente com déficit de atenção e hiperatividade (CID10: F90-0), transtorno misto ansioso/depressivo (CID10: F41-2) e transtorno do espectro autista (CID10: F84), corroborando o grau de deficiência elevado, que limita sua socialização, e compromete seu rendimento escolar, sem perspectiva para recuperação. No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, considere como hipossuficiente a pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo, a jurisprudência entende ser razoável a adoção de ½ (meio) salário-mínimo como parâmetro, uma vez que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente este valor como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, adotado pelo Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03); Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001); Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002); e Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001). Outrossim, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo para a concessão de benefício a idosos ou pessoa com deficiência, em razão da defasagem desse critério contido na retrocitada norma. Em 2015, fora acrescentado o parágrafo 11 do artigo 20 que dispôs que a miserabilidade do grupo familiar e a situação de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidas por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar. Ademais, a quantia de ½ salário mínimo foi acolhida finalmente pelo legislador, de acordo com o art. 20, §11-A, da Lei 8742/93: § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até ½ (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021). Via de regra, a aposentadoria conta como renda familiar para fins do reconhecimento do direito ao benefício assistencial, conforme preceitua o art. 4º, inciso VI do Anexo do Decreto n. 6.214/2007. Entretanto, o STF, no julgamento do Tema n. 312, decidiu que podem ser excluídos da renda per capita da família não só o BPC de quem tem mais de 65 anos, mas também o benefício assistencial da pessoa com deficiência de qualquer idade e qualquer benefício previdenciário no valor igual a um salário mínimo, seja de pessoa idosa com mais de 65 anos ou com deficiência. Com base nesse entendimento, a Lei 13.982/2020 incluiu o §14 no artigo 20 da Lei 8.742/1993, nos seguintes termos: Art. 20 § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. ‘ (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)” (g.n.) Consta do Laudo de Estudo Social, no que tange ao requisito socioeconômico, que o grupo familiar é composto pelo autor, seus genitores e uma irmã menor, a qual também foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista – TEA e outras dificuldades cognitivas. A residência é imóvel cedido, localizado em área rural, edificado em alvenaria, abastecida pelos serviços de energia elétrica, poço artesiano, fossa séptica, com sistema público de coleta de lixo, com pavimentação asfáltica e sem transporte público (ID 284844622 - Pág. 32/36). Consta ainda que a renda familiar é proveniente das aposentadorias dos genitores que auferem o corresponde a um salário mínimo cada um e que todos os membros fazem uso de medicações contínuas. O total das despesas da unidade familiar são equivalentes a R$3.803,00, já incluindo os gastos com medicação. Conclui pela concessão do benefício, vez que identificada situação de vulnerabilidade social (ID 284844622 - Pág. 32/36). Conforme apontado pelo INSS e pelo relatório de pesquisa do MPF, a genitora do apelado aufere, ainda, pensão por morte. No caso de acumulação de benefícios previdenciários ou assistenciais pelo mesmo titular, a lacuna legislativa foi analisada na Portaria INSS/PRES nº 1635/2023, esclarecendo que, quando um membro do grupo familiar é titular de 2 benefícios previdenciários ou assistenciais no valor de um salário mínimo, só um deles pode ser desconsiderado no cômputo da renda per capta para cálculo de outro benefício, nos seguintes termos: Art. 1º A Portaria PRES/INSS nº 1.380, de 16 de novembro de 2021, publicada no Diário Oficial da União nº 216, de 18 de novembro de 2021, Seção 1, pág. 186, passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 3º-A Em caso de acumulação de benefícios por um mesmo titular, para fins de aplicação do disposto no § 14 do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deverá ser desconsiderado no cálculo da renda familiar mensal per capita a renda proveniente de um único benefício de prestação continuada de natureza assistencial ou previdenciária, cujo valor não ultrapasse o salário mínimo. § 1º A previsão do caput aplica-se aos casos de concessão de benefício de prestação continuada de natureza assistencial à outra pessoa idosa ou com deficiência do mesmo grupo familiar. § 2º As disposições contidas no caput e no § 1º são aplicáveis aos novos requerimentos e àqueles pendentes de análise na data da publicação desta Portaria, inclusive aos casos de revisão e recurso." (NR). (g.n.) Assim, desconsiderando o benefício assistencial, de um salário mínimo, da irmã e as aposentadorias, de um salário mínimo cada, de seus pais, resta apenas o benefício de pensão por morte para se calcular a renda per capita. E, considerando que a pensão recebida é de apenas um salário mínimo, está evidente que a renda per capita, desse grupo familiar de quatro pessoas, é inferior a 1/2 salário mínimo, ou seja, dentro do limite de renda permitido pela Lei de Assistência Social. Além disso, no caso em apreço, ficou comprovada a situação de vulnerabilidade, sendo que a família reside em imóvel apenas cedido e tem maiores gastos com dois filhos deficientes. A propósito, está equivocado o MPF ao afirmar que a renda per capita é de um salário mínimo, já que se olvidou de dividir a renda pela quantidade de pessoas que integram o núcleo familiar. Feitas tais considerações, observando os relatórios da Perícia Médica e do Laudo Social e de todo o exposto, entendo demonstrada, no caso sob análise, a situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, razão pela qual mantenho a r. sentença nos seus exatos fundamentos. Diante de todo o exposto, nego provimento ao apelo do INSS. Honorários advocatícios, a cargo do INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do Código de Processo Civil, e da Súmula 111 do STJ, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado, com a majoração de 2%, em razão da sucumbência recursal, a teor do § 11 do art. 85. É o voto.
REPRESENTANTE: NANCI DIAS BEZERRA
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. DEFICIÊNCIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. SENTENÇA MANTIDA. PERCENTUAL DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS A SER DEFINIDO NA LIQUIDAÇÃO DO JULGADO.
- A concessão do benefício de prestação continuada depende de, cumulativamente: a) idade igual ou superior a 65 anos ou pessoa com deficiência (comprovada mediante exame pericial); b) não ter o requerente ou sua família outro meio de prover o próprio sustento.
- Laudo Médico Pericial diagnosticou déficit de atenção e hiperatividade (CID10: F90-0), transtorno misto ansioso/depressivo (CID10: F41-2) e transtorno do espectro autista (CID10: F84), que limita a socialização e compromete o rendimento escolar, sem perspectiva para recuperação.
- Miserabilidade e a situação de vulnerabilidade podem ser aferidas por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
- Ampliação do limite de renda mensal familiar per capita previsto no para até ½ (meio) salário-mínimo (art. 20, §11-A, da Lei 8742/93).
- Valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda per capta.
- Demonstrada, no caso sob análise, a situação de miserabilidade, observando os relatórios da Perícia Médica e do Laudo Social e de todo o exposto.
- Provimento negado ao apelo do INSS
- Honorários advocatícios, a cargo do INSS a serem definidos somente na liquidação do julgado, com a majoração de 2%, em razão da sucumbência recursal.