Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000483-83.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: EDIVALDO VIDAL DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - RJ121615-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000483-83.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: EDIVALDO VIDAL DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF em face de EDIVALDO VIDAL OLIVEIRA.

 

Narra o Parquet em sua inicial que o réu foi autuado em 13/06/2005 por ter construído uma residência de alvenaria na margem direita do Rio Paraná, sem licença ambiental, a uma distância de 60 (sessenta) metros da margem do rio, inferior à área de preservação permanente, que o MPF entende ser de 500 (quinhentos) metros.

 

Formula os seguintes pedidos:

 

“(...)

IX - DOS PEDIDOS

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:

a) o recebimento desta petição inicial e dos documentos que a instruem, anexo Procedimento Administrativo MPF n.° 1.21.001.000312/2006-21, observando-se o rito sumário do art. 275, II, do Código de Processo Civil, nos termos do art. 1°, § 1°, da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965;

b) a intimação do IBAMA e da UNIÃO, na pessoa de seus procuradores, a fim de manifestarem eventual interesse em atuar no presente feito, integrando o polo ativo, tendo em vista a ofensa a bens e interesses dos entes públicos federais;

c) a citação do réu EDIVALDO VIDAL OLIVEIRA para apresentar defesa, no prazo legal, sob pena de revelia;

d) a oitiva das testemunhas abaixo arroladas e a efetivação de perícia in loco respondendo os quesitos relacionados a seguir;

e) a nomeação de SÍLVIO CÉSAR PAULON, Perito da Polícia Federal, Matrícula n° 9.430 a assistente técnico na efetivação da aludida perícia;

f) a condenação do réu EDI VALDO VIDAL OLIVEIRAS, nos seguintes termos:

f.1) demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na Região de Porto Caiuá, município de Naviraí/MS, coordenadas geográficas UTM, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.505m, N: 7.425.105, removendo os entulhos para local adequado;

f.2) apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas - PRADE, subscrito por profissional habilitado e contendo cronograma de execução das obras; o projeto será submetido à aprovação do IBAMA;

f.3) proceder à recuperação, conforme cronograma e adequações feitas pelo IBAMA;

f.4) pagar prestação pecuniária ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, em patamar não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais);

f.5) pagar as despesas processuais e honorários advocatícios.

Para o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer, deve ser fixado prazo razoável com cominação de multa diária para a hipótese de eventual descumprimento.

(...)” (ID 81356975 - pág. 05/28).

 

Contestação pelo réu (ID 81356975 - pág. 214/226).

 

A União Federal informou não ter interesse no feito (ID 81356975 - pág. 263/264).

 

O IBAMA manifestou interesse em integrar o polo ativo da ação, o que foi deferido (ID 81356975 - pág. 281 e ID 81357497 - pág. 03).

 

Deferida a utilização de prova pericial emprestada, originalmente produzida na ação nº 0000539-53.2009.4.03.6006, as partes foram intimadas para se manifestarem sobre o laudo (ID 81357497 - pág. 83).

 

Manifestação pelo MPF, que também requereu a juntada de mídia contendo depoimento de uma pessoa prestado nos autos da ação penal nº 0000824-17.2007.4.03.6006 e pugnou pela sua oitiva como testemunha do Juízo (ID 81357497 - pág. 85/89 e 90/91). 

 

Determinada a realização de inspeção judicial, realizada em 08/11/2011 (ID 81357497 - pág. 96 e 100/104).

 

Manifestação do IBAMA sobre o laudo pericial (ID 81357497 - pág. 105/108).

 

Deferida a oitiva da pessoa indicada pelo MPF, na qualidade de testemunha do Juízo (ID 81357497 - pág. 111 e 120/123).

 

Ante a discordância do MPF, foi revogada a determinação de uso de prova emprestada e determinada a produção de prova pericial (ID 81357497 - pág. 131/133).

 

A União foi intimada e disse ter interesse no feito (ID 81357497 - pág. 136 e 138).

 

Elaborado laudo pericial (ID 81357497 - pág. 193/199).

 

Por determinação judicial, foi elaborado laudo complementar para contemplar os quesitos do MPF (ID 81357498 - pág. 10 e 21/28).

 

Em sentença proferida em 28/09/2015, o Juízo de Origem julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:

 

“(...)

DISPOSITIVO

Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, para condenar o réu EDIVALDO VIDAL DE OLIVEIRA a:

a) demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na Região de Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, coordenadas geográficas UTM, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.505, N: 7.425.105m (f.163), removendo os entulhos para local adequado;

b) apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas - PRADE, sujeito à aprovação do IBAMA, subscrito por profissional habilitado e contendo cronograma de execução das obras;

c) proceder à recuperação da área, às suas expensas,conforme PRADE e respectivo cronograma com eventuais adequações feitas pelo IBAMA.

Assinalo ao réu o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da intimação após o trânsito em julgado da sentença, para execução dos itens 'a’ e ‘b’, restando o prazo de execução do item ‘c’ condicionado ao cronograma do PRADE a ser apresentado.

No caso de descumprimento dos prazos fixados, deverá o requerido arcar com multa de R$ 300,00 (trezentos reais), por dia de descumprimento. Na eventual comprovação de inviabilidade da obrigação de fazer, caberá ao réu obrigação indenizatória a ser apurada em posterior liquidação de sentença.

Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais. Sem condenação em honorários sucumbenciais, tendo em vista a natureza institucional do autor da ação (REsp 1.038.024/SP, ReI. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 24/09/2009).

(...)” (ID 81357498 - pág. 58/77).

 

O réu apela sustentando, em síntese, que a antropização da região é muito antiga, anterior ao Código Florestal de 1965, época em que sequer havia previsão de área de preservação permanente naquele local, não sendo proporcional nem razoável a determinação de demolição do imóvel,  que há imóveis na região que não sofreram qualquer ação do MPF ou do IBAMA, como o imóvel da Assembleia de Deus, e que o laudo pericial demonstrou a aplicabilidade do artigo 61-A, caput e § 12, da Lei n.° 12.651/2012 ao caso concreto (ID 81357610 - pág. 03/50).

 

O MPF interpõe recurso adesivo para que o réu seja condenado ao pagamento de prestação pecuniária ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, em patamar não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) (ID 81357610 - pág. 62/73).

 

Contrarrazões pelo IBAMA, pelo MPF e pelo réu (ID 81357610 - pág. 52, 74/86 e 90/92 e ID 81357611 - pág. 01/03).

 

Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do apelo do Parquet e pelo desprovimento do recurso da parte ré (ID 81357611 - pág. 06/16).

 

É o relatório.

 

 


      DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Peço vênia para apresentar divergência no sentido de manter as determinações da r. sentença, negando, portanto, provimento ao recurso de EDIVALDO VIDAL OLIVEIRA, à REMESSA OFICIAL, tida por interposta, e ao recurso adesivo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

No mérito, acompanho o entendimento do eminente Desembargador André Nabarrete que, ao proferir voto divergente, assim concluiu: “deflui do conjunto probatório com total segurança, por um lado, que o terreno está inteiramente dentro da área de preservação ambiental, considerada a restrição de 500 metros, segundo a Lei nº 4.771/1965 e o Código Florestal vigente, e que, por outro, não se enquadra como área rural ou urbana consolidada e não pode vir a ser regularizada, dado que sujeita a inundações, tampouco se verifica, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia erigida em área de preservação permanente. A construção que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normatização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público. Logo, verifica-se caracterizada a atuação ilegítima dos requeridos, consistente na manutenção de terreno e respectiva estrutura em violação aos normativos de proteção ao meio ambiente apontados, bem como estabelecido o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo, de maneira que é imperiosa a correspondente responsabilização pelo dano ambiental causado”.

Todavia, no tocante à indenização pelo dano ambiental, saliento que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem adotado o princípio in dubio pro natura como fundamento na solução de conflitos e na interpretação das leis que regem a matéria. Amparada no referido princípio, o STJ estabeleceu que é possível, em alguns casos, condenar o responsável pela degradação ambiental ao pagamento de indenização relativa ao dano extrapatrimonial ou dano moral coletivo.

Entretanto, o requerido foi condenado, dentre outras obrigações, a demolir a área construída e a promover o reflorestamento.

Como se vê, as condenações impostas serão suficientes à recomposição integral do dano. Ademais, não há notícia nos autos de resistência fática do rancheiro acerca das obrigações já impostas na r. sentença. Não há que se falar em indenização pelos danos ambientais.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de EDIVALDO VIDAL OLIVEIRA, à REMESSA OFICIAL, tida por interposta, e ao recurso adesivo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, mantendo-se, na íntegra, a r. sentença.

É o voto.


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000483-83.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: EDIVALDO VIDAL DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

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V O T O

Do reexame necessário

Conheço do reexame necessário por força do art. 19 da Lei n° 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), de aplicação analógica às ações civis públicas (STJ, AgInt no REsp 1547569/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/06/2019, DJe 27/06/2019).

Da legislação aplicável

No julgamento conjunto da ADC 42/DF e das ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do art. 61-A do Código Florestal, ocasião em que firmou a seguinte tese:

“(u) Arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 (Regime das áreas rurais consolidadas até 22.07.2008): O Poder Legislativo dispõe de legitimidade constitucional para a criação legal de regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica (art. 5º, caput, da CRFB) e de política legislativa (artigos 21, XVII, e 48, VIII, da CRFB). Os artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 da Lei n. 12.651/2012 estabelecem critérios para a recomposição das Áreas de Preservação Permanente, de acordo com o tamanho do imóvel. O tamanho do imóvel é critério legítimo para definição da extensão da recomposição das Áreas de Preservação Permanente, mercê da legitimidade do legislador para estabelecer os elementos norteadores da política pública de proteção ambiental, especialmente à luz da necessidade de assegurar minimamente o conteúdo econômico da propriedade, em obediência aos artigos 5º, XXII, e 170, II, da Carta Magna, por meio da adaptação da área a ser recomposta conforme o tamanho do imóvel rural. Além disso, a própria lei prevê mecanismos para que os órgãos ambientais competentes realizem a adequação dos critérios de recomposição para a realidade de cada nicho ecológico; CONCLUSÃO: Declaração de constitucionalidade dos artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 do Código Florestal;” (destaquei).

Além disso, em diversas oportunidades, apreciando reclamações contra a autoridade desses julgados, o Supremo Tribunal Federal aplicou o entendimento de que casos como o presente devem ser apreciados à luz do atual Código Florestal, e não da legislação anterior vigente ao tempo da intervenção (regra “tempus regit actum”), como exemplifica o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PRETENSO RECONHECIMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS LEGAIS CONTIDOS NA LEI 12.651/2012. CUMPRIMENTO À DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PROFERIDA NA RECLAMAÇÃO 43.703/SP. DECISÕES PROFERIDAS PELO PLENÁRIO DESTA CORTE NA ADC 42/DF E NAS ADIS 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF E 4.937/DF. RECONHECIMENTO DE SITUAÇÕES CONSOLIDADAS E A REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL DE IMÓVEIS RURAIS A PARTIR DE SUAS NOVAS DISPOSIÇÕES, E NÃO A PARTIR DA LEGISLAÇÃO VIGENTE NA DATA DOS ILÍCITOS AMBIENTAIS. AGRAVO INTERNO DOS PARTICULARES A QUE SE DÁ PROVIMENTO, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO.

1. A Primeira Turma acompanhou voto de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho para negar provimento ao agravo regimental de iniciativa dos particulares, reconhecendo que, segundo ambas as turmas da Primeira Seção deste Tribunal Superior, a regra geral será a incidência da legislação florestal, de direito material, vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da Lei 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em sua vigência.

2. Após o referido julgado, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a reclamação proposta pelo ente público sucumbente, autuada sob o número 43.703/SP, afirmando que, em reiteradas reclamações, tem considerado que o raciocínio adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, fundado nos princípios do tempus regit actum e da vedação de retrocesso ambiental, acarreta burla às decisões proferidas por seu Plenário na Ação Declaratória de Constitucionalidade 42/DF e nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF, e implica o esvaziamento do conteúdo normativo de dispositivo legal, com fundamento constitucional implícito, constante na Súmula Vinculante 10.

3. Logo, em cumprimento à decisão emanada na Reclamação 43.703/SP, declara-se que o voto ora combatido diverge do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF e da ADC 42/DF quanto à legitimidade constitucional do Poder Legislativo para instituir "regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica (art. 5º, caput, da CRFB) e de política legislativa (artigos 21, XVII, e 48, VIII, da CRFB)". Assim, a eficácia retroativa da Lei 12.651/2012 permitiu, por força geral dos arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67, o reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais levando em conta suas novas disposições, e não à luz da legislação vigente na data dos ilícitos ambientais.

4. Agravo interno dos particulares a que se dá provimento, em juízo de retratação, para restabelecer os termos do acordão proferido nos autos do recurso de apelação pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo” (destaquei).

(STJ, AgInt no REsp n. 1.668.484/SP, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 5/12/2022, DJe de 7/12/2022).

Desta forma, independentemente da data das intervenções na área de preservação permanente - APP em questão, a legislação a ser aplicada é o atual Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) e suas posteriores alterações.

Do marco temporal e da garantia constitucional à moradia

Dentre os diversos dispositivos do Código Florestal aplicáveis, ao menos em tese, ao caso concreto, merece destaque o art. 61-A, que assim dispõe:

“Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).             (Vide ADIN Nº 4.937)  (Vide ADC Nº 42)  (Vide ADIN Nº 4.902)

§ 1º Para os imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

§ 2º Para os imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 8 (oito) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

§ 3º Para os imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d’água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

§ 4º Para os imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

I - (VETADO); e (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

II - nos demais casos, conforme determinação do PRA, observado o mínimo de 20 (vinte) e o máximo de 100 (cem) metros, contados da borda da calha do leito regular. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

(...)

§ 12. Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

(...)” (destaquei).

Tenho que referido dispositivo merece uma interpretação sistemática, à luz das demais disposições do próprio Código Florestal e, principalmente, da Constituição Federal de 1988.

Isto porque a mera interpretação literal do caput do art. 61-A poderia levar à conclusão de que apenas as “atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008” é que poderiam ter continuidade.

Contudo, o § 12 deste artigo não deixa dúvidas de que as residências em áreas rurais consolidadas também podem ser mantidas, independentemente de estarem associadas a tais atividades.

Se assim não fosse, o legislador teria optado por outra redação, que deixaria claro que somente residências em imóveis vinculados àquelas atividades é que poderiam ser mantidas.

Nesse sentido, já decidiu a Quarta Turma deste Tribunal:

“PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE. DELIMITAÇÃO. MUNICÍPIO DE ROSANA. EXCEPCIONALIDADE.

1. O Município de Rosana foi desmembrado do Município de Teodoro Sampaio e o Bairro Beira Rio surgiu na década de 1960, sendo certo que, anteriormente ao aludido desmembramento, era ocupado por ribeirinhos e pescadores, que tiravam seu sustento do Rio Paraná e, posteriormente, por pescadores amadores e pequenos comerciantes, que aproveitavam o movimento de cruzamento do rio Paraná em direção ao Estado de Mato Grosso do Sul que era feito por uma balsa. Isto até enchimento da represa da Hidrelétrica Sérgio Motta. Portanto, o bairro surgiu antes do próprio Município de Rosana, há mais de 50 anos, sendo que referido bairro foi inserido no perímetro urbano do Município de Rosana por meio da LC 020/2007.

2. Em cumprimento ao que determina o artigo 182 da Constituição Federal e a Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), o Município de Rosana promulgou, ainda, a Lei Complementar nº 45/2015, instituindo o seu Plano Diretor Participativo. Diante do peculiar interesse do Município, e considerando a certificação legal de que o bairro onde se localiza o imóvel dos réus está dentro do perímetro urbano da cidade, estabeleceu-se um zoneamento municipal e o território de Rosana foi ordenado a partir de macrozonas, dentre as quais ressalta o art. 29, II, a Macrozona de Interesse Turístico e Ambiental (MZITA). Restou disposto, ainda, no parágrafo único do artigo 31 do referido regramento que são diretrizes específicas da MZITA, "Estimular e promover a regularização ambiental das ocupações situadas em APPs e nas ilhas do Rio Paraná, observando a Lei Federal nº 12.651/2012, em especial as disposições contidas no Capítulo XIII, Seção II que trata das áreas consolidadas em APP."

3. Assim, dentro do regramento do novo Código Florestal, e com fundamento em seu interesse local, é direito e dever do Município de Rosana, ordenar seu território e proceder, como, aliás, expressamente autoriza referida norma, a regularização dessas ocupações antrópicas ao longo do rio Paraná. Pouco importa se o Ministério Público concorda ou não com a inserção do bairro Beira Rio como perímetro urbano (zona urbana). O problema é do Município e não da União Federal. Nenhum Poder Judiciário poderá dizer que a lei municipal é inconstitucional, eis que sua edição e promulgação encontra fundamento constitucional e também no Estatuto das Cidades. Destaque-se que os dispositivos legais mencionados, por mais que alguns entendam que não devem ser assim aplicados, foram declarados constitucionais pelo Colendo STF, e cuida das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente.

4. Quanto às denominadas áreas urbanas e urbanas consolidadas, o próprio Código Florestal remete ao Estatuto das Cidades, e nesse sentido foi que o Município de Rosana dispôs no § 2º do artigo 80 do Plano Diretor que: "§ 2º- Para fins de regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, deverá ser mantida Área de Preservação Permanente (APP) com largura mínima de 5 (cinco) metros de cada lado." (destaquei)

5. A compatibilização do novo Código Florestal com os interesses do Município, igualmente protegidos, devem levar em consideração a dignidade da pessoa humana, e a Lei nº 12.651/2012 faz uma diferenciação entre a área rural consolidada e área urbana ou urbana consolidada, para fixar limites diferenciados para observância de APP, sendo absurda e divorciada totalmente da realidade exigir-se em área urbana ou urbana consolidada APP de 500 (quinhentos) metros, pena de se inviabilizar totalmente o pequenino Município de Rosana, que conta com um população de pouco mais de 19.600 habitantes, pelo último censo, cerca de 26,5 habitantes por km2 e um PIB de R$ 778.538,00, comparativamente com a cidade de Presidente Prudente, que lhe é próxima e conta com um PIB de R$ 24,8 bilhões.

6. Evidente que o magistrado há de julgar os feitos que lhe são submetidos com a ponderação e razoabilidade nas decisões. Aliás, é assim que determina o art. 20 da Lei nº 13.655/2018 que instituiu a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, determinando que a decisão judicial considere as consequências práticas de sua decisão.

7. Na espécie, a legislação ambiental prevê expressamente a possibilidade de regularização da área, sem ampliação ou modificação do status quo, devendo os ribeirinhos se submeter ao PRA, nos termos do art. 4º do Código Florestal. Aliás, bem por isso o Plano Diretor do Município já prevê o PRA (Plano de Recuperação Ambiental). Os imóveis, quer rurais, quer urbanos, devem, na hipótese alinhavada, se submeter à Regularização Ambiental, em especial se considerarmos que nenhum deles tem área superior a 1(hum) hectare. É nesse sentido, aliás, o § 12 do art. 61-A do Código Florestal, cuja constitucionalidade veio de ser reconhecida pelo C. STF, e que, expressamente, admite a manutenção das residências. Assim não fosse, o artigo em análise não teria afirmado "e da infra estrutura associada". Teria o legislador escrito residências "e infraestrutura associadas", o que não ocorreu.

8. Destaque que a ocupação antrópica que o Código admite, não é qualquer ocupação. Há de ser aquela preexistente a 22 de julho de 2008, como é o caso dos autos. Acrescenta-se, por oportuno, que a dignidade da pessoa humana e os direitos que lhe foram garantidos pelo texto constitucional, explicitados no "caput" do art. 6º, arrolam, ao lado da educação e da saúde, dentre outros, o trabalho, a moradia e o lazer. Aliás, leciona o Prof. Celso Antonio Fiorillo que: "... a nova legislação instrumental ratifica no plano infraconstitucional que lesões ou ameaça aos bens ambientais/direito ambiental (patrimônio genético, meio ambiente cultural, meio ambiente digital, meio ambiente artificial, saúde ambiental, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural) serão apreciadas pelo Poder Judiciário, conforme os princípios fundamentais indicados nos arts. 1º a 3º da Carta Magna, bem como em face das garantias e direitos individuais fundamentais indicados no  art. 5º e seguintes da Constituição Federal." (Direito Processual Ambiental Brasileiro-Saraiva, 2018, p. 25)

9. Por fim, cabe deixar consignado que o C. STF, nas inúmeras reclamações recebidas contra a autoridade dos julgamentos proferidos nas ADI's 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas em 28/02/2018, tem suspendido os efeitos dos julgamentos proferidos com fundamento nas disposições do Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), inclusive desta E. Corte (v. Rcl 51472 MC/SP - Relator Min. DIAS TOFFOLI - j. 18/02/2022 - Publicação DJe-s/n DIVULG 21/02/2022 PUBLIC 22/02/2022).  Registre-se que, como consequência do julgamento do mérito da Reclamação, a Vice Presidência deste E. Tribunal proferiu a decisão, determinando o retorno dos autos à E. 6ª Turma para rejulgamento da Apelação nº 0004931-67.22013.403.6112, com observância das disposições do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) ao caso concreto (Área de Preservação Permanente localizada no Rio Paraná, Município de Rosana/SP), afastando-se a incidência do princípio tempus regit actum, expressamente adotado pelo e. Relator neste julgamento.

10. De rigor o provimento, parcial, do apelo dos réus, para limitar as obrigações impostas na r. sentença – demolição e remoção de entulho - às edificações inseridas nas faixas marginais previstas no art. 61-A da Lei 12.651/2012, impondo-se a recuperação ambiental nos limites estabelecidos, seguindo-se as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor, bem assim para reduzir o valor da indenização para R$ 1.000,00.  

11. Apelação provida, em parte” (destaquei).

(TRF da 3ª Região, Apelação Cível nº 0007948-14.2013.4.03.6112/SP, Rel. Desembargador Federal Marcelo Saraiva, Rel. p/ Acórdão Desembargadora Federal Marli Ferreira, Quarta Turma, julgamento em 16/11/2023, DJEN: 16/02/2024).

E não poderia ser diferente, já que o direito à moradia tem assento constitucional (art. 6º da Constituição Federal).

Não seria compatível com a Constituição uma interpretação que autorizasse apenas a manutenção de imóveis vinculados a determinadas atividades econômicas e negasse tal possibilidade às residências, sob pena de se menosprezar o direito à moradia, colocando-o como menos importante do que aquelas atividades.

Tal entendimento levaria a situações paradoxais em que a decisão sobre a manutenção ou demolição das intervenções em APP dependeria do exercício, ou não, dessas atividades, independentemente do uso do imóvel como moradia, tudo isso sem previsão legal, como visto até aqui.

Registre-se que, ao utilizar o termo “residências”, o legislador não exigiu que fossem elas residências permanentes, não cabendo ao intérprete incluir esse requisito não previsto em lei, sob pena de se restringir indevidamente uma garantia constitucional.

Além disso, cabe consignar que o uso que se dá a um determinado imóvel é algo mutável ao longo do tempo, já que nada impede que o lugar que hoje é usado como “casa de veraneio” venha a se tornar a residência permanente de seu proprietário, possuidor ou mesmo detentor.

Daí porque, embora não desconheça julgados do STJ nos quais se decidiu que o art. 61-A do Código Florestal não seria aplicável a “casas de veraneio”, sem eficácia vinculante, não me filio a esse entendimento.

Diversamente, penso que a possibilidade de o imóvel servir de moradia, intermitente ou permanente, atrai a incidência do § 12 do art. 61-A do Código Florestal.

Da possibilidade de regularização fundiária

Assim está disciplinada a matéria pelo Código Florestal, com as alterações da Lei nº 14.285/2021:

“Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(...)

§ 10. Em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo, com regras que estabeleçam:   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)

I – a não ocupação de áreas com risco de desastres;   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)

II – a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; e   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)

III – a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei.   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021).

(...)” (destaquei).

Como se vê, há expressa previsão legal de que os municípios estipulem faixas de área de preservação permanente para áreas urbanas consolidadas distintas das previstas no Código Florestal, observadas certas condicionantes.

A Lei nº 14.285/2021 é posterior ao julgamento conjunto da ADC 42/DF e das ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF e não consta que o Supremo Tribunal Federal tenha decidido pela sua invalidade, estando em plena vigência, portanto.

Desta forma, se acaso o imóvel estiver inserido em áreas urbanas consolidadas, será necessário examinar se o município estipulou faixas  de áreas de preservação permanente diversas das previstas no Código Florestal.

Conclusão

De tudo o quanto visto até aqui, conclui-se que o art. 61-A do Código Florestal é aplicável às residências localizadas em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008, independentemente de estarem associadas a atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural.

Conclui-se, ainda, que, em se tratando de imóvel localizado em áreas urbanas consolidadas, lei municipal pode definir faixas marginais de área de preservação permanente distintas das previstas no art. 4º do Código Florestal, conforme o § 10 deste artigo, incluído pela Lei nº 14.285/2021, o que deve ser analisado caso a caso.

Do caso concreto

Discute-se nestes autos a extensão da faixa de APP relativa a imóvel inserido na região de “Porto Caiuá”, município de Naviraí/MS.

Consigno que esta Quarta Turma já decidiu, por maioria, que a localidade de Porto Caiuá não poderia ser considerada área urbana consolidada, como exemplifica o seguinte precedente:

“APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RIO PARANÁ. APP DE 500 METROS. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RISCO INTEGRAL. DEVER DE RESTAURAÇÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO. FIXAÇÃO DO QUANTUM POR ARBITRAMENTO.

(...)

- A localidade de Porto Caiuá não pode ser considerada área urbana consolidada porquanto não conta com densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km², o que afasta a aplicação da Lei Municipal de Naviraí nº 1.603/2011, que criou o Distrito do Porto Caiuá, para justificar a manutenção do imóvel.

(...)” (destaquei).

(TRF da 3ª Região, Apelação Cível nº 0000389-38.2010.4.03.6006/MS, Rel. Desembargador Federal Marcelo Saraiva, Rel. p/ Acórdão Desembargador Federal André Nabarrete, Quarta Turma, julgamento em 17/04/2024, intimação via sistema em 18/04/2024).

 

Com isto, é aplicável ao caso o § 12 do art. 61-A do Código Florestal, que autoriza a manutenção do imóvel em questão - que é uma residência, ainda que não permanente -, desde que não esteja em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas.

 

Isto porque não há dúvidas de que o imóvel em questão é anterior ao marco temporal (22/07/2008).

 

Quanto a isso, veja-se que da própria inicial constou que fora lavrado auto de infração ambiental em desfavor do réu em 2005 (ID 81356975 - pág. 09).

 

Além disso, constou do laudo pericial lavrado em 10/09/2013 que o imóvel teria sido construído há cerca de 12 (doze) anos (ID 81357497 - pág. 197).

 

Quanto a um possível risco à vida ou à integridade física das pessoas, nada foi informado no laudo pericial, sendo 

 

Mesmo que ocorram inundações em algum momento, é certo que não representam risco à vida ou integridade física das pessoas, porque do contrário o distrito em questão não estaria instalado ali há tantas décadas.

 

Desta forma, a manutenção do imóvel encontra amparo no § 12 do art. 61-A do Código Florestal.

 

Dispositivo

 

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação dos réus para julgar improcedente o pedido, negar provimento ao reexame necessário e julgar prejudicado o recurso adesivo interposto pelo MPF.

 

É como voto.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Apelação interposta pelo réu e recurso adesivo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença por meio da qual foi julgada procedente em parte ação civil pública ajuizada pelo Parquet para o fim de condenar os réus a desocupar, restaurar e indenizar área de preservação ambiental à margem do Rio Paraná, verbis:

 

“(...)

DISPOSITIVO

Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, para condenar o réu EDIVALDO VIDAL DE OLIVEIRA a:

a) demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na Região de Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, coordenadas geográficas UTM, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.505, N: 7.425.105m (f.163), removendo os entulhos para local adequado;

b) apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas - PRADE, sujeito à aprovação do IBAMA, subscrito por profissional habilitado e contendo cronograma de execução das obras;

c) proceder à recuperação da área, às suas expensas,conforme PRADE e respectivo cronograma com eventuais adequações feitas pelo IBAMA.

Assinalo ao réu o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da intimação após o trânsito em julgado da sentença, para execução dos itens 'a’ e ‘b’, restando o prazo de execução do item ‘c’ condicionado ao cronograma do PRADE a ser apresentado.

No caso de descumprimento dos prazos fixados, deverá o requerido arcar com multa de R$ 300,00 (trezentos reais), por dia de descumprimento. Na eventual comprovação de inviabilidade da obrigação de fazer, caberá ao réu obrigação indenizatória a ser apurada em posterior liquidação de sentença.

Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais. Sem condenação em honorários sucumbenciais, tendo em vista a natureza institucional do autor da ação (REsp 1.038.024/SP, ReI. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 24/09/2009).

(...)” (ID 81357498 - pág. 58/77).

 

 

O réu pede a improcedência da ação. No recurso adesivo, o  Ministério Público Federal requer a procedência integral do pedido com a condenação do apelante ao pagamento de danos morais no valor mínimo de quinze mil reais.

O eminente Relator votou no sentido de dar provimento ao recurso do réu, declarar prejudicado o recurso adesivo do MPF e desprover o reexame necessário.  Com a devida vênia, divirjo.

I - DO REEXAME NECESSÁRIO

 

O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:

 

"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo". (Redação dada pela Lei nº 6.014/73).

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido."

(STJ, AGREsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 25/04/2011).

 

In casu, verifica-se não ter sido contemplada a integralidade dos pedidos formulados em sede do exórdio, porquanto o Parquet Federal pretendia fosse o réu condenado a pagar indenização pelo dano ambiental, o que não foi acolhido. Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença, relativamente ao mencionado tópico.

II. DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

 

A proteção ao meio ambiente (artigo 1º, I, da LACP) tem status constitucional, a teor do disposto no artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:

 

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais."

(destaques aditados)

 

A preservação ambiental, assim como do patrimônio público de modo geral, é competência comum dos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88). Anote-se que cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios seguir as diretrizes editadas pela União, de modo que não podem reduzir a tutela estabelecida em âmbito de legislação federal, mas somente a incrementar, em observância aos princípios da simetria e da proteção máxima aos direitos de titularidade da coletividade.

A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis nº 4.771/1965 e nº 6.938/1981 com suas posteriores alterações (e regulamentação pelo Decreto nº 99.274/1990), ressaltada a recente revogação do Código de 1965 com o advento da Lei nº 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1º e 2º, Lei nº 6.938/1981).

A novel legislação ambiental também é aplicável a situações de transição por incrementar a defesa do meio ambiente (e.g. artigo 61-A da Lei nº 12.651/2012). Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.

De se anotar, também, a regência do tema pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 5º, XXII, XXIII, 170, II e III, 182 e 186 da CF/88), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1º, do Código Civil:

 

"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas."

 

A defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c.c. artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, além do artigo 2º do atual Código Florestal,  verbis:

 

Lei nº 6.938/1981

"Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(omissis)

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos."

"Art. 14. (omissis)

§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

 

Lei nº 12.651/2012

"Art. 2º.  As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

§ 1º.  Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1º do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais."

 

De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia.

O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei nº 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2º, § 2º,  que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial.

A responsabilização pela ocorrência do dano ambiental e correlata aplicação de penalidade também se dá nos termos da Lei nº 9.605/1998, na forma dos artigos a seguir transcritos:

 

"Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."

"Art. 38-A.  Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: (Incluído pela Lei nº 11.428, de 2006).

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."

"Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa."

"Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente."

"Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

I - advertência;

II - multa simples;

III - multa diária;

IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V - destruição ou inutilização do produto;

VI - suspensão de venda e fabricação do produto;

VII - embargo de obra ou atividade;

VIII - demolição de obra;

IX - suspensão parcial ou total de atividades;

X - (VETADO)

XI - restritiva de direitos."

 

Impende registrar, também, para o escopo de solucionar a presente lide, as disposições específicas sobre as áreas de preservação permanente. A definição de tais áreas decorre ex lege, ou seja, sua regulamentação, delimitação ou especificação deriva diretamente do ordenamento jurídico, diplomas legais e também infralegais. No tocante aos diplomas regulamentares, registre-se ter o CONAMA competência para "estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos", nos termos do artigo 8º, VII, da Lei nº 6.938/1981.

Para o caso em análise, vale também mencionar a Resolução CONAMA nº 303/2002, a qual reitera o conteúdo da legislação ordinária e, por delegação legal, fixa limites para as áreas protegidas. Lembre-se que tal definição, em âmbito da legislação federal, não impede que venham os parâmetros ali estabelecidos a ser ampliados na esfera regional e local, com prevalência da norma mais protetiva. Segue a transcrição da legislação vigente à época da autuação e nos dias atuais:

 

Lei nº 4.771/1965

"Art. 1º. (...)

§ 2º.  Para os efeitos deste Código, entende-se por:

(...)

II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

(...)"

"Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

(...)

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

(...)

3- de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 metros;(redação original)

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.07.1989)

5- de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

"Art. 4º, § 1°. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social."

 

Resolução CONAMA nº 303/2002:

"Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:

a) trinta metros, para o curso d'água com menos de dez metros de largura;b) cinquenta metros, para o curso d'água com dez a cinquenta metros de largura;c) cem metros, para o curso d`água com cinquenta a duzentos metros de largura;d) duzentos metros, para o curso d'água com duzentos a seiscentos metros de largura; e) quinhentos metros, para o curso d'água com mais de seiscentos metros de largura;

(...)"

 

Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal)

"Art. 4º.  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(...)

I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

(...)

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; "

(destaques aditados)

 

O Código Florestal de 1934 (Decreto nº 23.793/1934) já preceituava ser o meio ambiente de interesse comum a todos e configurar situação limitadora do uso da propriedade. A seu turno, a Lei nº 4.771/1965, cujo conteúdo foi essencialmente mantido pelo atual Código Florestal de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente, tampouco a manutenção de edificações. Referidos diplomas, por outro lado, trazem taxativas exceções quanto ao uso tolerado de tal espaço, atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social, os quais foram anteriormente reproduzidos no item V.

No mesmo sentido dos dispositivos referidos há ainda a Lei nº 9.433/97 (institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989), a Resolução CONAMA nº 369/2006 (Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP) e o Código Florestal vigente (artigos 7º e 8º).

As normas mencionadas, que à evidência se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente, como visto. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. No entanto, por serem excepcionais configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo.

De igual modo, não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116).

 

III. DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS RÉUS PELA OCORRÊNCIA DO DANO AMBIENTAL

 

Dessume-se a obrigação de reparar pela ocorrência de dano ambiental quando há atuação em desconformidade aos regramentos de proteção ao meio ambiente e nexo de causalidade entre tal comportamento e o prejuízo causado.

O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem (vide artigo 7º, § 2º, Lei 12.651/12) de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.

Não há qualquer conflito entre a questão da preservação ambiental e o direito de propriedade, porquanto este não pode ser desvinculado de sua função socioambiental, a qual abrange os fundamentos e preceitos norteadores já declinados, inclusive a impossibilidade da pretensão ao direito adquirido à degradação ambiental. É indissociável da função socioambiental da propriedade a noção do seu uso de modo a resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.

Tampouco se pode falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.

A título de nota, eventual autorização administrativa para a ocupação de terreno consolidado como área de preservação permanente fora dos casos expressa e excepcionalmente autorizados pelo ordenamento pátrio configuraria ato administrativo nulo, porque editado em afronta à literal disposição dos regramentos atinentes à tutela do meio ambiente ora apontados ou, no mínimo, perderia sua eficácia, dada a impossibilidade de se sustentar o "direito adquirido à degradação ambiental". O Superior Tribunal de Justiça adota posição incisiva nesse sentido, consoante se depreende do julgado a seguir transcrito:

 

"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ. 1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos"), bar e restaurante construídos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem cominatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR 2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da "efetividade" do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última - a bandeira mais reluzente, por assim dizer - do comando maior de "preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais", prescrito no art. 225, caput e § 1º, I, da Constituição Federal. 3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal. 4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica-se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto). 5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ. LICENCIAMENTO AMBIENTAL 6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP. 7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir. 8. Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não compete a nenhum deles - de modo direto ou indireto, muito menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias ou compensatórias vazias ou inúteis - dispensar exigências legais, regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de, ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir, pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua responsabilização civil em regime de solidariedade com os autores diretos de eventual dano causado. HIPÓTESE DOS AUTOS 9. O Recurso Especial em questão debate, entre outros pontos, os efeitos da suspensão de ofício da Licença de Operação 12/2008, emitida pelo órgão ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul e incorporada às razões de decidir do acórdão recorrido. Nos Embargos de Declaração, o Parquet suscita, de maneira expressa, a suspensão de ofício da licença concedida, bem como diversas outras omissões. Em resposta, o respectivo acórdão limita-se a apontar pretensão supostamente infringente, sem examinar as impugnações, todas pertinentes para o deslinde da controvérsia. Por essa razão, vislumbro ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes do STJ em situações análogas. 10. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão dos Embargos de Declaração. (destaques aditados)

(STJ, REsp 1245149, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 13/06/2013).

 

In casu, o local sub judice, como visto, à margem do Rio Paraná, configura área de preservação permanente, nos termos do artigo 2º, alínea "a", item 5, da Lei nº 4.771/1965, na redação da Lei nº 7.803/89, vigente ao tempo da lavratura do auto de infração (atual artigo 4º, I, "e", da Lei nº 12.651/2012) e artigo 3º, I, "e", da Resolução CONAMA nº 303/2002, a saber, a margem ciliar de 500 metros, considerado que o curso d'água tem, segundo os laudos acostados, mais de 600 metros de largura no trecho do imóvel. Ressalte-se que, mesmo que se aplique a Lei nº 12.651/2012, restou definido pelo STJ no tema 1010 que, qualquer que seja a condição do imóvel, urbano ou rural, consolidado ou não, idêntica metragem de quinhentos metros há que ser observada, a teor do seu artigo 4º, “e”. 

É incontroverso e foi constatado pelos laudos técnicos acostados aos autos que o terreno está inteiramente inserido em área de preservação permanente, inclusive no laudo realizado em juízo. Vedada, portanto, qualquer intervenção em toda sua extensão, na qual, todavia, verificou-se a existência de edificação com cerca de 190m2 de área construída. Destaco trecho da sentença:

 

Inicialmente, não há dúvida de que a construção pertencente ao réu encontra-se situada em área de preservação permanente (margem do rio Paraná). Com efeito, o laudo pericial afirmou, em resposta aos quesitos 21 do Ministério Público Federal, que a construção do réu está em APP, pois "a área mínima de vegetação às margens do rio é de 1oo metros para áreas consolidadas, e de 500

Metros para rios com largura maior que 600metros (áreas não consolidadas)"(f.447), sendo que, no caso concreto, em resposta ao quesito 2 do IBAMA, o perito registrou que a construção encontra-se distante cerca de 65 metros da parte mais próxima à margem do rio Paraná, o qual possui margem superior a 600 metros (fl.407), mostrando-se patente a violação ao disposto no artigo 2º, letra"a", item5, da Lei n.° 4.772/65 (vigente à época da propositura da demanda) e o atual artigo 4º, inciso 1, letra"e", da Lei n.°12.651/12.

 

 

A vegetação nativa, assim, foi inteiramente extirpada do terreno, que, repita-se, está totalmente dentro da APP.

Evidencia-se, ademais, que a infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação.

Com relação à invocação da possibilidade de regularização do rancho com base nos artigos 61-A do Código Florestal vigente, o STJ já pacificou que as casas de lazer/veraneio não se enquadram como atividade de turismo ou ecoturismo, a possibilitar sua continuidade:

 

AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. PROTEÇÃO AMBIENTAL. CONSTRUÇÕES EM MARGEM DE RIO. CASA DE VERANEIO. REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO PARA RESTABELECER SENTENÇA. NÃO INCIDÊNCIA DE EXCEÇÃO PREVISTA NO CÓDIGO FLORESTAL.

I - A existência de jurisprudência dominante desta Corte Superior sobre a matéria autoriza o improvimento do recurso especial por meio de decisão monocrática, estando o princípio da colegialidade "[...] preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao

controle recursal dos órgãos colegiados. Precedentes." (AgInt no REsp 1.336.037/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 1º/12/2016, DJe 6/2/2017), nos termos do enunciado n. 568 da Súmula do STJ e do art. 255, § 4º, do RISTJ, c/c o art. 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil de 2015.

II - Trata-se de ação civil pública promovida pelo ora recorrente com o objetivo de condenar o recorrido (a) a desocupar, demolir e remover as edificações erguidas em área de preservação permanente localizada a menos de cem metros do Rio Ivinhema, (b) a abster-se de promover qualquer intervenção ou atividade na área de preservação permanente, (c) a reflorestar toda a área degradada situada nos limites do lote descrito na petição inicial.

III - A sentença foi pela procedência, subindo o feito ao Tribunal de origem por conta de apelação do particular, que obteve êxito com a reforma imposta no acórdão impugnado, em cuja motivação nota-se que, apesar de concluir que algumas edificações foram promovidas em área de preservação permanente, causando supressão da vegetação local - o que violaria a legislação ambiental -, o Tribunal de origem reconheceu que a situação encontrava-se consolidada, concluindo, assim, por serem descabidos a desocupação, a demolição de edificações e o reflorestamento da área. Reconheceu, ainda, a possibilidade de se aplicar o art. 61-A do Novo Código Florestal, ao caso dos autos.

IV - Assim como ocorreu em precedente relatado pela Ministra Eliana Calmon, também a presente demanda vem ao Superior Tribunal de Justiça. Isso porque o Tribunal de origem, mesmo reconhecendo que as casas de veraneio estavam construídas em área de preservação permanente e que, para tal, promoveram a "supressão da vegetação local", concluiu que não era dado impor ao recorrido o dever de reparar o dano causado, à conta de a situação consolidar-se no tempo e de que o art. 4º, § 3º, da Lei n. 4.771/1965 possibilitava o resguardo da prática de atividades de interesse social desde que não descaracterizassem a cobertura vegetal e não prejudicassem a função ambiental da área.

V - O simples fato de ter havido a consolidação da situação no tempo não torna menos ilegal toda essa quadra.

VI - Teoria do fato consumado em matéria ambiental equivale a perpetuar, a perenizar um suposto direito de poluir que vai de encontro, no entanto, ao postulado do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, assim como é repelido pela nossa jurisprudência e pela da mais alta Corte do país. Precedentes: RE 609748 AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-175 Divulg 12-09-2011 Public 13-09-2011 Ement VOL-02585-02 PP-00222; REsp 948.921/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009.

VII - Há de salientar-se ainda que as exceções legais a esse entendimento encontram-se previstas nos arts. 61-A a 65 do Código Florestal, dentre as quais não se insere a pretensão de manutenção de casas de veraneio, como decidido noutro feito: REsp 1.362.456/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/6/2013, DJe 28/6/2013.

VIII - Correta, portanto, a decisão monocrática ao dar parcial provimento ao recurso especial para reformar o acórdão regional recorrido, restabelecendo os termos da sentença.

IX - Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1495757 / MS; Rel. Min. Francisco Falcão; j. em 06/03/2018)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, NAS PROXIMIDADES DO RIO IVINHEMA/MS. SUPRESSÃO DA VEGETAÇÃO. CONCESSÃO DE LICENÇA ADMINISTRATIVA. ILEGALIDADE. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO FATO CONSUMADO, EM MATÉRIA DE DIREITO AMBIENTAL. DEVER DE REPARAÇÃO DO AGENTE CAUSADOR DO DANO AMBIENTAL. PRECEDENTES DO STJ, EM CASOS IDÊNTICOS. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I. Agravo interno aviado contra decisão publicada em 31/08/2017,que, por sua vez, julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, com o objetivo de obter a condenação do ora agravante em obrigação de fazer, consistente em desocupar, demolir e remover todas as construções, cercas e demais intervenções realizadas em área de preservação permanente, localizada nas proximidades do Rio Ivinhema/MS, bem como em reflorestar toda a área degradada e pagar indenização pelos danos ambientais. A sentença julgou a ação procedente, em parte, negando a indenização postulada, por entender que "não pode a ação civil pública ter por objeto a condenação em dinheiro e, concomitantemente, a obrigação de fazer e de não fazer", em face do art. 3º da Lei 7.347/85.

III. O Tribunal de origem, apesar de reconhecer a existência de edificações, em área de preservação permanente, com supressão da vegetação, em afronta à legislação ambiental, reformou a sentença, para julgar improcedente a ação, sob o fundamento de que a situação encontra-se consolidada, em razão de prévia licença concedida pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul - IMASUL, sendo, assim, descabida a aplicação das medidas de desocupação, demolição de edificações e reflorestamento da área, determinadas pela sentença, sob pena de ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O Recurso Especial do Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul postula o restabelecimento da sentença.

IV. O STJ, em casos idênticos, firmou entendimento no sentido de que, em tema de Direito Ambiental, não se admite a incidência da teoria do fato consumado. Nesse contexto, devidamente constatada a edificação, em área de preservação permanente, a concessão de licenciamento ambiental, por si só, não afasta a responsabilidade pela reparação do dano causado ao meio ambiente, mormente quando reconhecida a ilegalidade do aludido ato administrativo, como na hipótese. Nesse sentido: STJ, REsp 1.394.025/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/10/2013; REsp 1.362.456/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/06/2013.

V. Na forma da jurisprudência, "'o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)' (AgRg no REsp 1.434.797/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, DJe 07/06/2016)" (STJ, AgInt no AgInt no AREsp 850.994/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2016). Ademais, as exceções legais, previstas nos arts. 61-A a 65 do Código Florestal (Lei 12.651/2012), não se aplicam para a pretensão de manutenção de casas de veraneio, como na hipótese. Nesse sentido: STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.447.071/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/02/2017; AgInt nos EDcl no REsp 1.468.747/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/03/2017; AgRg nos EDcl no REsp 1.381.341/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/05/2016.

VI. Estando o acórdão recorrido em dissonância com o entendimento atual e dominante desta Corte, deve ser mantida a decisão ora agravada, que deu provimento ao Recurso Especial do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, para restabelecer a sentença, que julgara parcialmente procedente a presente Ação Civil Pública.

VII. Agravo interno improvido.

(AgInt nos EDcl no AREsp 359140; Rel. Min. Assusete Magalhães; j. em 07/12/2017)

 

Repise-se, outrossim, por sua importância, que o STJ (tema 1010) sepultou definitivamente a argumentação da defesa no sentido de caracterizar o imóvel como em área urbana, com a finalidade de lhe fosse reconhecida APP de menor extensão, porquanto restou assentada a aplicabilidade do artigo 4 do Código Florestal mesmo nessa situação, ou seja, in casu, do limite de quinhentos metros.

 

Em conclusão, in casu, é incontroverso que o imóvel está inteiramente dentro de área de preservação permanente, a qual não se enquadra nem como "urbana consolidada" nem como de interesse social e que tampouco pode ser considerada urbana informal consolidada (artigo 11, III, Lei nº 13465/2017), pois não foi e não pode vir a ser regularizada por estar em várzea sujeita a inundações sazonais. Ademais, a controvérsia sobre o assunto foi recente e definitivamente encerrada pelo Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o tema 1010, ocasião em que entendeu que:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA A ESPEITO DA INCIDÊNCIA DO ART. 4º, I, DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL) OU DO ART. 4º, CAPUT, III, DA LEI N. 6.766/1979 (LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA FAIXA NÃO EDIFICÁVEL A PARTIR DAS MARGENS DE CURSOS D'ÁGUA NATURAIS EM TRECHOS CARACTERIZADOS COMO ÁREA URBANA CONSOLIDADA.

1. Nos termos em que decidido pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3).

2. Discussão dos autos: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato de Secretário Municipal questionando o indeferimento de pedido de reforma de imóvel derrubada de casa para construção de outra) que dista menos de 30 (trinta) metros do Rio Itajaí-Açu, encontrando-se em Área de Preservação Permanente urbana. O acórdão recorrido negou provimento ao reexame necessário e manteve a concessão da ordem a fim de que seja observado no pedido administrativo a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979), que prevê o recuo de 15 (quinze) metros da margem do curso d´água.

3. Delimitação da controvérsia: Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea "a", da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979.

4. A definição da norma a incidir sobre o caso deve garantir a melhor e mais eficaz proteção ao meio ambiente natural e ao meio ambiente artificial, em cumprimento ao disposto no art. 225 da CF/1988, sempre com os olhos também voltados ao princípio do desenvolvimento sustentável (art. 170, VI,) e às funções social e ecológica da propriedade.

5. O art. 4º, caput, inciso I, da Lei n. 12.651/2012 mantém-se hígido no sistema normativo federal, após os julgamentos da ADC n. 42 e das ADIs ns. 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937.

6. A disciplina da extensão das faixas marginais a cursos d'água no meio urbano foi apreciada inicialmente nesta Corte Superior no julgamento do REsp 1.518.490/SC, Relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 15/10/2019, precedente esse que solucionou, especificamente, a antinomia entre a norma do antigo Código Florestal (art. 2º da Lei n. 4.771/1965) e a norma da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1976), com a afirmação de que o normativo do antigo Código Florestal é o que deve disciplinar a largura mínima das faixas marginais ao longo dos cursos d'água no meio urbano. Nesse sentido: Resp 1.505.083/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, Dje 10/12/2018; AgInt no REsp 1.484.153/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 19/12/2018; REsp 1.546.415/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 28/2/2019; e AgInt no REsp 1.542.756/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 2/4/2019.

7. Exsurge inarredável que a norma inserta no novo Código Florestal (art. 4º, caput, inciso I), ao prever medidas mínimas superiores para as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, sendo especial e específica para o caso em face do previsto no art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1976, é a que deve reger a proteção das APPs ciliares ou ripárias em áreas urbanas consolidadas, espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, III, da CF/1988), que não se condicionam a fronteiras entre o meio rural e o urbano.

8. A superveniência da Lei n. 13.913, de 25 de novembro de 2019, que suprimiu a expressão “[...] salvo maiores exigências da legislação específica.” do inciso III do art. 4º da Lei n. 6.766/1976, não afasta a aplicação do art. 4º, caput, e I, da Lei n. 12.651/2012 às áreas urbanas de ocupação consolidada, pois, pelo critério da especialidade, esse normativo do novo Código Florestal é o que garante a mais ampla proteção ao meio ambiente, em áreas urbana e rural, e à coletividade.

9. Tese fixada - Tema 1010/STJ: Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. 10. Recurso especial conhecido e provido. 11. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015.

Inegável, assim, que, ainda que se admitisse a área ora questionada como urbana consolidada, nos termos do Código Florestal vigente, haveria que se respeitar a APP delimitada no seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, vale dizer a faixa que varia de 30 a 500 metros, segundo a largura do curso d’água.

 

IV. DA INDENIZAÇÃO PELO DANO AMBIENTAL

 

A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Daí decorre o dever de indenizar. A jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Nesse sentido, destaco o entendimento do STJ:

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA ( INDENIZAÇÃO ). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.

1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico- ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização . Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura - mais ainda se a perder de vista - do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.

7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.

(STJ; REsp nº 1145083/MG; Rel. Min. Herman Benjamin; 2ª Turma; Dje 04/09/2012)

Penso que o dano coletivo extrapatrimonial ou moral está presente. Pela própria definição constitucional (art. 225, CF), o meio ambiente é primacialmente coletivo e sua proteção, seja da flora ou da fauna, respeita seus aspectos material e espiritual e deve ser considerado no seu conjunto, como é a expressão do legislador: meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. De acordo com José Rubens Morato Leite (2003, p. 249):

Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e a seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão é um confisco dos direitos de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade.

O autor ainda ressalta:

O dano extrapatrimonial está muito vinculado ao direito da personalidade, mas não restringido, pois este é conhecido tradicionalmente como atinente à pessoa física e no que concerne ao dano ambiental, abraçando uma caracterização mais abrangente e solidária, tratando-se, ao mesmo tempo, de um direito individual e um direito da coletividade. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está ligado a um direito fundamental de todos e se reporta à qualidade de vida que se configura como valor imaterial da coletividade. (p. 266-267).

Veja-se, a propósito, entendimento do STJ sobre o dano moral coletivo:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA COIBIR A PRÁTICA RECORRENTE DE POLUIÇÃO SONORA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE RECONHECIDA. DANO MORAL COLETIVO. POLUIÇÃO SONORA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Recurso especial decorrente de ação civil pública em que se discute danos morais coletivos decorrentes de poluição sonora e irregularidade urbanística provocadas por funcionamento dos condensadores e geradores colocados no fundo do estabelecimento das condenadas. 2. Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente, da saúde e da tranquilidade pública, bens de natureza difusa. O Ministério Público possui legitimidade para propor Ação Civil Pública com o fito de prevenir ou cessar qualquer tipo de poluição, inclusive sonora, bem como buscar a reparação pelos danos dela decorrentes. Nesse sentido: REsp 1.051.306/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/09/2010. 3. "Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente, da saúde e da tranquilidade pública, bens de natureza difusa" (REsp 1.051.306/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/09/2010.). 4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos". Nesse sentido: REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015; REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010. 5. A Corte local, ao fixar o valor indenizatório em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), o fez com base na análise aprofundada da prova constante dos autos. A pretensão da ora agravante não se limita à revaloração da prova apreciada do aresto estadual, mas, sim, ao seu revolvimento por este Tribunal Superior, o que é inviável. Incidência da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: AgRg no AREsp 430.850/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 07/03/2014. Agravo regimental improvido.

(AGARESP 201501613818; Rel. Min. HUMBERTO MARTINS; 2ª Turma; DJE DATA:14/09/2015)

 

Ressalte-se, ademais, que aquela corte entende que não há óbice à cumulação da obrigação de reparar a área e de indenizar:

 

"ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANO S CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL. 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por dano s ambientais causados pela supressão de vegetação nativa e edificação irregular em Área de Preservação Permanente. O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros). 3. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que fixe, in casu, o quantum debeatur reparatório do dano já reconhecido no acórdão recorrido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1328753, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 03/02/2015)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS COLETIVOS. DANOS AMBIENTAIS INTERCORRENTES. OCORRÊNCIA.

1. Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração.

 2. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa. Trata-se de operação lógica em que os fatos conhecidos permitem ao julgador concluir pela ocorrência de fatos desconhecidos. 3. Considerando-se a inversão do ônus probatório em matéria ambiental, deve o réu comprovar a inexistência de tais elementos objetivos. A presunção opera em favor do fato presumido, somente se afastando diante de razões concretas.

4. O dano intercorrente não se confunde com o dano residual. O dano ambiental residual (permanente, perene, definitivo) pode ser afastado quando a área degradada seja inteiramente restaurada ao estado anterior pelas medidas de reparação in natura. O dano ambiental intercorrente (intermediário, transitório, provisório, temporário, interino) pode existir mesmo nessa hipótese, porquanto trata de compensar as perdas ambientais havidas entre a ocorrência da lesão (marco inicial) e sua integral reparação (marco final).

5. Hipótese em que o acórdão reconheceu a ocorrência de graves e sucessivas lesões ambientais em área de preservação permanente (APP) mediante soterramento, entulhamento, aterramento e construção e uso de construções civis e estacionamento, sem autorização ambiental e com supressão de vegetação nativa de mangue, restinga e curso d'água.

6. Patente a presença de elementos objetivos de significativa e duradoura lesão ambiental, configuradora dos danos ambientais morais coletivos e dos intercorrentes. As espécies de danos devem ser individualmente arbitradas, na medida em que possuem causas e marcos temporais diversos.

 7. Recurso especial provido para reconhecer a existência de danos ambientais morais coletivos e danos ambientais intercorrentes, com valor compensatório a ser arbitrado em liquidação.

 (REsp n. 1.940.030/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 6/9/2022.)

 

 

Esse entendimento foi inclusive consolidado por aquela corte superior na Súmula nº 629: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”.

Em relação à quantificação do dano ambiental, é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E PATRIMONIAIS - INCÊNDIO INICIADO NA ÁREA DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE ATINGIU O IMÓVEL RURAL DO AUTOR - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - CORTE LOCAL QUE, AO RECONHECER A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO RÉU (ART. 3º, INC. IV E ART. 14, § 1º, DA LEI 6.938/81), CONDENA-O AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS, A SEREM QUANTIFICADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE RÉ. DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1º, DA LEI Nº 9.938/81, E, OUTROSSIM, EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE VIZINHANÇA - RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL.

(omissis)

5. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1381211, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, v.u., DJe 19/09/2014);

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL AJUIZADA POR SUBLOCATÁRIA DE "POSTO DE GASOLINA". PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS DA RELAÇÃO LOCATÍCIA. MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS NO IMÓVEL. NOVA AÇÃO, AJUIZADA PELOS PROPRIETÁRIOS CONTRA A ANTIGA LOCATÁRIA, OBJETIVANDO A RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS, A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL NO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E A RECONSTRUÇÃO DO PISO. LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A REMOÇÃO DOS EQUIPAMENTOS EM CINCO DIAS E A REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA, COM EFETIVA LIMPEZA DO IMÓVEL, EM TRINTA DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONCLUSIVA NO SENTIDO DE QUE NÃO TERIA SIDO CUMPRIDA A LIMINAR QUANTO À LIMPEZA DO LOCAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO RECONHECIDO, MAS APENAS EM RELAÇÃO AOS DANOS MATERIAIS, EM VALOR A SER APURADO EM PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA NO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES. RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, DETERMINADA PELA QUINTA TURMA DO STJ NO RESP Nº 1.041.697/RS. DECLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SANAR OMISSÃO. NOVA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC QUE NÃO FICOU CONFIGURADA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. DOCUMENTO QUE, CONQUANTO MENCIONADO, NÃO FOI UTILIZADO COMO RAZÃO DE DECIDIR PELO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS. RESPONSABILIDADE PELA RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. MATÉRIA CUJA ANÁLISE DEMANDA O REEXAME DE FATOS E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ÓBICE DAS SÚMULAS NOS 5 E 7 DO STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMA CONTIDA EM RESOLUÇÃO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PEDIDO DE QUE O VALOR SEJA DEFINIDO EM LIQUIDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO TERIA FICADO COMPROVADO O PREJUÍZO MENCIONADO PELOS AUTORES. REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. IMPEDIMENTO À EXPLORAÇÃO DO IMÓVEL QUE SOMENTE FICOU CONFIGURADO A PARTIR DA DEVOLUÇÃO DAS CHAVES AOS PROPRIETÁRIOS. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DA INDENIZAÇÃO . PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE LIMPEZA DO LOCAL NO PRAZO DEFINIDO NA LIMINAR. PRAZO SUJEITO ÀS DETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE. PONTO QUE NÃO FOI OBJETO DE DEBATE E DECISÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DEVIDO À PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O CUMPRIMENTO DA LIMINAR NO CONCERNENTE À RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. ENTENDIMENTO DA SENTENÇA REFORMADO PELO TRIBUNAL NO NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS. RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS PELOS AUTORES NA RETIRADA DOS TANQUES REMANESCENTES. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DO VALOR, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA EXCESSIVO. MATÉRIA CUJA DISCUSSÃO DEVERÁ AGUARDAR A DEFINIÇÃO, NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO, A RESPEITO DO MOMENTO EM QUE FOI CUMPRIDA A ORDEM DE LIMPEZA DO TERRENO.

(omissis)

12. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1372596, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, v.u., DJe 02/05/2013).

 

O autor não mencionou na inicial o valor que considera adequado para indenizar o dano causado ao longo do tempo, apenas que não seja inferior a quinze mil reais. Assim, há que se interpretar o pleito formulado de modo a não restringir a realização da perícia à fase de conhecimento, até mesmo porque plenamente cabível na fase de liquidação, como visto. Ademais, o arbitramento deve levar em consideração aspectos concretos, tais como o tempo da ocupação ilegal e a dimensão da área afetada, além de outros específicos, tais como a atual capacidade econômica dos réus e os gastos necessários para o cumprimento integral da condenação, sem mencionar que possibilitaria às partes apresentarem seus argumentos e eventuais defesas. Assim, entendo que a fixação de um valor diretamente por este colegiado não observa o princípio da razoabilidade, na medida em que não se apoia em qualquer avaliação individualizada, de modo que pode também não atender adequadamente à expectativa da sociedade, no sentido de que haja uma real e adequada mitigação do dano, ou, por outro lado, mostrar-se excessiva, consideradas as condições efetivamente existentes no local.

 

V. CONCLUSÃO

 

Assim, deflui do conjunto probatório com total segurança, por um lado, que o terreno está inteiramente dentro da área de preservação ambiental, considerada a restrição de 500 metros, segundo a Lei nº 4.771/1965 e o Código Florestal vigente, e que, por outro, não se enquadra como área rural ou urbana consolidada e não pode vir a ser regularizada, dado que sujeita a inundações, tampouco se verifica, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia erigida em área de preservação permanente. A construção que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normatização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público. Logo, verifica-se caracterizada a atuação ilegítima dos requeridos, consistente na manutenção de terreno e respectiva estrutura em violação aos normativos de proteção ao meio ambiente apontados, bem como estabelecido o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo, de maneira que é imperiosa a correspondente responsabilização pelo dano ambiental causado, com todas suas consequências, tais como a imposição de demolição, a restauração e a indenização.

 

VI. DO DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso do réu e dou parcial provimento ao apelo do MPF e ao reexame necessário, a fim de condenar os réus ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, que deve ser quantificada em liquidação por arbitramento.

É o voto.

 

André Nabarrete

Desembargador Federal

mcc

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000483-83.2010.4.03.6006

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva:

Cuida-se de remessa oficial, tida por submetida, de apelação de Edivaldo Vidal de Oliveira e de recurso adesivo do Ministério Público Federal (MPF) em face de sentença de parcial procedência da ação civil pública interposta pelo Parquet federal para a recuperação de dano ambiental causado em área de preservação permanente localizada à margem direito do Rio Paraná, na região do Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS.

Consta do dispositivo da r. sentença (ID 81357498 - pág. 58/77):

“Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, para condenar o réu EDIVALDO VIDAL DE OLIVEIRA a:

a) demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na Região de Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, coordenadas geográficas UTM, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.505, N: 7.425.105m (f.163), removendo os entulhos para local adequado;

b) apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas - PRADE, sujeito à aprovação do IBAMA, subscrito por profissional habilitado e contendo cronograma de execução das obras;

c) proceder à recuperação da área, às suas expensas,conforme PRADE e respectivo cronograma com eventuais adequações feitas pelo IBAMA.

Assinalo ao réu o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da intimação após o trânsito em julgado da sentença, para execução dos itens 'a’ e ‘b’, restando o prazo de execução do item ‘c’ condicionado ao cronograma do PRADE a ser apresentado.

No caso de descumprimento dos prazos fixados, deverá o requerido arcar com multa de R$ 300,00 (trezentos reais), por dia de descumprimento. Na eventual comprovação de inviabilidade da obrigação de fazer, caberá ao réu obrigação indenizatória a ser apurada em posterior liquidação de sentença.

Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais. Sem condenação em honorários sucumbenciais, tendo em vista a natureza institucional do autor da ação (REsp 1.038.024/SP, ReI. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 24/09/2009)”

O exmo. Relator, Desembargador Federal Wilson Zauhy, em seu brilhante voto, entendeu ser desarrazoada a condenação à demolição da construção edificada, razão pela qual concluiu pela possibilidade da manutenção do imóvel. Assim, deu provimento à apelação do autor para julgar improcedente o pedido, negar provimento à remessa necessária e julgar prejudicado o recurso adesivo do Ministério Público Federal.

Em seu profícuo voto, o exmo. Desembargador Federal André Nabarrete divergiu para negar provimento à apelação do réu, dar parcial provimento ao recurso adesivo do Ministério Público Federal, bem como à remessa necessária, especialmente quanto à condenação pelo dano ambiental, cujo valor deverá ser quantificado em liquidação de sentença por arbitramento.

Filio-me ao entendimento do eminente Relator quanto ao reexame necessário, mediante a interpretação sistemática do disposto na Lei n. 4.717/1965. Entretanto, peço vênia para apresentar respeitosa divergência no sentido de manter as determinações da r. sentença, negando, portanto, provimento ao recurso do réu, e, ainda, no sentido de dar provimento parcial ao recurso adesivo do Ministério Público Federal e à remessa oficial, no aspecto da condenação à indenização por dano ambiental, tal qual o pronunciamento do r. voto do exmo. Desembargador André Nabarrete.

A proteção ao meio ambiente foi erigida pela Constituição da República(CR) como condicionante à atividade econômica e à função social da propriedade, todos tendo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, sendo que as condutas e atividades consideradas lesivas sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (artigos 23, VI, 186, II e 225).

No que diz respeito à extensão da APP, tanto o artigo 2º, "a", V, da Lei n. 4.771/1965 (antigo Código Florestal com redação dada pela Lei n. 7.803/1989), quanto ao artigo 4º, I, "e", da Lei n. 12.651/2012, o novo Código Florestal, prescrevem ser de 500 (quinhentos) metros a APP, em zonas rurais ou urbanas, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros.

Eis o teor dos artigos:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:              (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

(...)

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;               (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

 

 Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(...) e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

No mesmo sentido é a Resolução n. 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), ao dispor em seu artigo 3º, I, "e", o seguinte:

Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

(...) e) quinhentos metros, para o curso d'água com mais de seiscentos metros de largura;

Sendo assim, a Área de Preservação Permanente (APP) a ser considerada no presente caso é de 500 (quinhentos) metros.

Registre-se, de rigor observar o que foi pacificado pelo C. Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento conjunto da ADC 42/DF e das ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, que reconheceu a eficácia retroativa do Código Florestal vigente (Lei n. 12.651/2012), não é a hipótese de aplicação da Lei n. 4.771/1965 (antigo Código Florestal), porquanto não incide o princípio tempus regit actum.

Inclusive, a C. Corte Suprema tem suspendido os efeitos dos julgamentos proferidos com fulcro na Lei n. 4.771/1965. Precedente: Rcl 51472 MC/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, j. 18/02/2022, publ. 22/02/2022, para fins de prevalecer a observância do Código Florestal vigente.

Por sua vez, o artigo 61-A da Lei n. 12.651/2012 estabelece que:

Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).                   (Vide ADIN Nº 4.937)      (Vide ADC Nº 42)      (Vide ADIN Nº 4.902)

§ 1º Para os imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

(...)

§ 12. Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º , desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

Ademais, considerando que o local sub judice está localizado à margem do Rio Paraná, a respectiva área de preservação permanente não pode ser desconfigurada, para que seja admitida outra metragem, especialmente em face do que foi definido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Resp n. 1.770.760, no qual foi definido o Tema 1010/STJ: “Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade" (REsp n. 1.770.760/SC, rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, j. 28/4/2021, DJe de 10/5/2021)

Foram admitidas exceções pelo C. STJ, com fulcro no artigo 61-A do Código Florestal vigente, que não abrangem as casas de veraneio. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EDIFICAÇÃO DE CASA DE VERANEIO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MARGENS DO RIO IVINHEMA/MS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 61-A DA LEI N. 12.651/12. NÃO INCIDÊNCIA.
1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ.
2. Os efeitos do art. 61-A, da Lei n. 12.651/12, não retroagem para permitir a manutenção de edificações de veraneio em Área de Preservação Permanente .
3. A teoria do fato consumado não se aplica em casos de ilícitos ambientais.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp n. 1.998.251/MS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 5/6/2023, DJe de 9/6/2023.)

AMBIENTAL. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). MARGENS DO RIO PARANÁ. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO. FATO CONSUMADO. INAPLICABILIDADE EM MATÉRIA AMBIENTAL.
1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública objetivando a condenação de particular em obrigação de fazer, consistente na demolição de edificação inserida em APP, além de apresentação e execução de projeto de recuperação de possíveis danos ambientais.
2. Em caso análogo recente, também envolvendo casa de veraneio construída às margens do Rio Paraná, decidiu a Primeira Turma: "As Áreas de Preservação Permanente têm como funções primordiais a preservação dos recursos hídricos, da estabilidade geológica e da biodiversidade, além de visarem a proteção do solo e do bem-estar de todos, e, por isso, totalmente descabida a pretensão de grupos de pessoas que degradam referidas áreas para finalidades recreativas, acarretando ônus desmesurado ao meio ambiente e aos demais indivíduos" (AgInt nos Edcl no REsp 1.660.188/PR, Relatora Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 12.3.2020) 3. No mesmo sentido: "as instâncias ordinárias constataram que há edificações (casas de veraneio), inclusive com estradas de acesso, dentro de uma Área de Preservação Permanente, com supressão quase total da vegetação local. Constatada a degradação, deve-se proceder às medidas necessárias para recompor a área. As exceções legais a esse entendimento encontram-se previstas nos arts. 61-A a 65 do Código Florestal, não abrangendo a manutenção de casas de veraneio" (AgRg no REsp 1.494.681/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 16.11.2015). Igualmente, REsp 1.509.968/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18/2/2016; REsp 1.390.736/MS, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 2/3/2017; REsp 1.394.025/MS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18/10/2013; REsp 1.510.336/MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 14/3/2017; REsp 1.525.093/MS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 15/9/2016; REsp 1.245.516, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 8/8/2016.
4. Agravos conhecidos, para dar provimento aos Recurso Especiais.
(AREsp n. 1.647.274/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/2/2021, DJe de 17/12/2021.)

Aliás, conforme esclarece Paulo Affonso Leme Machado: “Nas APP é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22.7.2008. (...). As atividades de ecoturismo e de turismo rural podem ensejar caminhar pelas APP. Dependerá de uma prudente regulamentação, para que se evite excesso de pessoas numa mesma área e para que se impeçam procedimentos incorretos, como lançamento de rejeitos e resíduos. (...) O mencionado art. 61-A insere autorização de continuidade de atividades agrosilvopastoris em áreas de preservação permanente, consideradas áreas rurais consolidadas até 22.7.2008, assim como os §§ 5º, 6º e 7º desse artigo. Atividades agrossilvopastoris são aquelas que integram a agricultura, a pecuária e a silvicultura. ‘Associam árvores, campos de cultivo e animais’. A Constituição da República quis conceder uma conservação integral, e não parcial, aos espeços protegidos, como a Área de Preservação Permanente (art. 225, § 1º, III).” (Direito Ambiental Brasileiro, 30ª ed., Ed. JusPodivm, 2024, p. 803)

Não se pode descurar, contudo, que o enunciado do § 12 do artigo 61-A do Código Florestal, excepciona, expressamente, o local com inundação sazonal, que apresenta risco à vida e à integridade física das pessoas.

De outro giro, não obstante a Lei Complementar do Município de Rosana n. 45, de 24/12/2015, estabeleça políticas de regularização das ocupações antrópicas, inclusive dispondo em seu artigo 80, § 2º, que "Para fins de regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, deverá ser mantida Área de Preservação Permanente (APP) com largura mínima de 5 (cinco) metros de cada lado", não se pode olvidar que o artigo 22, IV, da Constituição da República (CR) estabelece que é de competência privativa da União legislar sobre águas, de forma que o Código Ambiental se sobrepõe a leis estaduais e municipais.

Anote-se que na esfera infraconstitucional federal, o artigo 9º da Resolução n. 369/2006 do CONAMA veda a regularização fundiária em áreas sujeitas a risco de inundação, como ocorre no presente caso, prescrevendo o seguinte:

Art. 9o A intervenção ou supressão de vegetação em APP para a regularização fundiária sustentável de área urbana poderá ser autorizada pelo órgão ambiental competente, observado o disposto na Seção I desta Resolução, além dos seguintes requisitos e condições:

(...)

§ 2 o É vedada a regularização de ocupações que, no Plano de Regularização Fundiária Sustentável, sejam identificadas como localizadas em áreas consideradas de risco de inundações, corrida de lama e de movimentos de massa rochosa e outras definidas como de risco.

Nessa senda, a localização à margem do rio sujeita a área à inundação, não sendo possível permitir o enquadramento nas exceções previstas nos §§ 1º e 12 do artigo 61-A da Lei n. 12.651/2012.

 Nesse sentido, cito o recente julgamento dessa E. Quarta Turma:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ART. 61-A DA LEI Nº12.651/2012. INAPLICABILIDADE AO IMÓVEL DISCUTIDO NOS AUTOS. CASA DE VERANEIO. REGIÃO SUJEITA A INUNDAÇÃO. RISCO À VIDA OU À INTEGRIDADE FÍSCIA DAS PESSOAS.
1. Trata-se de recursos de apelação e de remessa oficial, tida por submetida, em Ação Civil Pública, na qual foi acolhida parcialmente a pretensão para a recuperação de dano ambiental em área de preservação permanente, causada por edificação localizada às margens do Rio Paraná, no bairro Beira-Rio, no Município de Rosana/SP.
2. Na sentença, o r. Juízo a quo reconheceu a faixa protetiva de 500 metros da margem do rio Paraná, uma vez que o imóvel pertencente aos corréus estaria totalmente inserido em área de preservação permanente.
3. Acerca da incidência da regularização fundiária prevista no art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 ao imóvel discutido nos autos: Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. O preceito legal condiciona a manutenção do imóvel em área rural consolidada até 22/07/2008 desde que seja em “continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural”.
4. Ocorre que não há qualquer prova nos autos de que o imóvel em discussão é objeto de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural.
5. O imóvel em questão está enquadrado no conceito de casa de veraneio, consoante depoimentos prestados perante o Primeiro Distrito Policial de São João da Boa Vista pelos corréus e em seu apelo, os recorrentes expressamente afirmam que se trata de imóvel para lazer.
6. O E. Superior Tribunal de Justiça, há tempos, já firmou o entendimento de que as disposições dos arts. 61-A a 65 do Novo Código Florestal não se aplicam no caso de manutenção de casas de veraneio:
7. Para além destes argumentos, o § 12 do mesmo disposto veda a sua aplicação quando a área apresentar risco à vida ou à integridade física das pessoas: § 12. Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas.
8. No caso dos autos, as provas demonstram que a região possui risco de inundação. O novo Código Florestal (Lei n° 12.651/2012) estabeleceu o conceito de várzea de inundação como "áreas marginais a cursos d’água sujeitas a enchentes e inundações periódicas" (art. 3º, XXI).
9. Do Relatório Técnico de Vistoria nº 39/2011, tem-se as seguintes informações (ID Num. 107440141 - Pág. 42): h) Há risco de inundação na área em que está localizada a propriedade? Quais as doenças que eventualmente possam ser transmitidas à população em caso de enchentes? Muitas construções estão inseridas dentro da área de inundação dos rios Paraná e Paranapanema, sendo que, sazonalmente, há aumento do nível desses rios, gerando as enchentes. Essa condição, inclusive, se configura como um dos principais problemas da presença humana nessas áreas, visto oferecer riscos à saúde e integridade física. Quanto às doenças, sabe-se que há diversas enfermidades que podem ser transmitidas pela água contaminada, como leptospirose, hepatite, problemas no sistema digestório, etc. Para mais detalhes, órgãos relacionados à saúde poderiam elucidar melhor a questão.
10. Em termos infralegais, a Resolução CONAMA nº 369/06 também é categórica ao vedar a regularização fundiária em áreas sujeitas a risco de inundações:
11. Cumpre destacar que este Relator não desconhece a existência da Reclamação nº 51.472/SP, proposta perante o E. Supremo Tribunal Federal em face do v. acórdão proferido pela C. Sexta Turma desta E. Corte (Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112). Segundo o relatório da ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112, discutiu-se os danos ambientais no imóvel denominado "Rancho Boca do Sucuri", localizados no bairro Entre Rios, estrada do Pontalzinho, Município de Rosana/SP, às margens do rio Paraná. Na Reclamação nº 51.472/SP, aduziram os requerentes que, ao não aplicar as disposições do art. 61-A, §§ 1º, 12 e 14 da Lei 12.651/12, o v. acórdão teria afrontado a autoridade do E. Supremo Tribunal Federal e desrespeitado a eficácia do julgado nas ADI nºs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF e na ADC nº 42/DF.
12. Com a devida vênia, entendo que causa de pedir utilizada na ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112 para afastar a incidência do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 não é a mesma daqui adotada.
13. Neste voto, foi adotada a linha argumentativa de que não se aplica o art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 ao imóvel discutido nos autos por ele ser qualificado como casa de veraneio – não atendendo ao disposto no caput, que menciona a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural - e por estar em uma região sujeita a inundação – não atendendo ao disposto no § 12, uma vez que a área oferece risco à vida ou à integridade física das pessoas.
14. Deste modo, concluo que a determinação contida na Reclamação nº 51.472/SP não alcança o presente feito.
15. Recursos de apelação e remessa oficial, tida por submetida, improvidos.
 
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000850-46.2011.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, j. em 15/05/2024, Intimação 20/05/2024)

Sob essa perspectiva, estando patente que o imóvel ocupa área de preservação permanente, o local degradado comporta recuperação ambiental mediante a retirada das construções e de todas as intervenções negativas do local, impondo-se a desocupação e a demolição das construções existentes na faixa de 500 (quinhentos) metros de largura, a partir da margem do curso d’água.

No que toca ao pedido do Ministério Público Federal de condenação em dano ambiental, no valor mínimo de quinze mil reais, entendo pertinente o escopo precípuo de conceder efetividade ao princípio da reparação integral, que prestigia tanto o dever de recuperar o estado natural da área atingida, viabilizado pela obrigação de fazer, como, além disso, o dever de reparar os prejuízos, mediante a obrigação de indenizar, inclusive quanto aos danos morais coletivos, mediante prestação pecuniária.

Pontue-se que o C. Supremo Tribunal Federal, reafirmando a importância da preservação ambiental e a natureza indisponível do direito fundamental à reparação do dano ao meio ambiente, no julgamento do RE 654.833, relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, cristalizou a tese do Tema 999/STF: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”.

Eis a ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.

(RE 654833, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, j. 20-04-2020, publ. 24/06/2020)

Ademais, em casos semelhantes, a reparação pecuniária, mediante o pagamento de indenização, a ser aferida na fase de liquidação, tem sido determinada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, cumulativamente ao cumprimento da obrigação de fazer.

Nesse sentido:

Ante o exposto, (a) dou provimento ao Recurso Especial do Ministério Público do Estado de São Paulo para restabelecer a sentença de primeiro grau, reconhecendo-se o dever dos réus de indenizar o dano ambiental causado, a ser quantificado pela instância ordinária em fase de liquidação; (b) conheço parcialmente do Recurso Especial de Luiz Marostica e Ilda Bento Marostica, apenas quanto à violação dos arts. 131, 458 e 535 do CPC/1973, e, nessa parte, nego-lhe provimento. (REsp n. 1.740.715, Ministro Herman Benjamin, DJe de 01/07/2024.)

No acórdão recorrido negou-se em absoluto o cabimento da condenação pecuniária quando comprovada a regeneração natural da área degradada. Nesse ponto, fica evidente o antagonismo entre a posição do TJMG e a do STJ - para quem, nas demandas ambientais, a tutela reparatória abrange os danos intermediário, residual e moral coletivo. Sem embargo do êxito recursal, o Apelo somente pode ser provido em parte, haja vista não caber ao esta Corte, como regra, perquirir a existência de dano no caso concreto. A análise esbarra, ressalvadas situações excepcionais, na Súmula 7/STJ. Tal juízo fático é de competência das instâncias originárias, diante da prova carreada aos autos.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao Recurso Especial, determinando o retorno dos autos à origem para que lá seja verificado se, na hipótese, há danos intermediário, residual ou moral coletivo indenizáveis, com a fixação do eventual quantum debeatur.

(REsp n. 2.113.391, Ministro Herman Benjamin, DJe de 28/06/2024.)

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. EXTRAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO E LICENÇAS AMBIENTAIS IMPERIOSAS. REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO AMBIENTAL. MEDIDAS PARA RECUPERAÇÃO E COMPENSAÇÃO PELO PERÍODO EM QUE FORAM DESRESPEITADAS AS NORMAS AMBIENTAIS. CABÍVEL A CUMULAÇÃO DAS CONDENAÇÕES IN CASU. PRECEDENTES.

I - Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o Município de Santiago/RS, com o objetivo de recuperar a área degradada, situada na faixa de domínio da BR 287 - km 362, em razão da extração de recursos minerais sem a autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM e obtenção dos licenciamentos ambientais necessários para tanto, bem como indenização pelos danos morais coletivos, danos interinos e residuais ocasionados.

II - A sentença acolheu parcialmente os pedidos, condenando a municipalidade a recuperar a área degradada, bem como a indenizar os danos interinos (intermediários) e os danos residuais (permanentes), cujos valores devem ser apurados em futura liquidação de sentença.

III - O Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu provimento à apelação interposta para afastar a condenação pecuniária imposta pelo juízo monocrático.

IV - A alegação de violação do art. 489, § 1º, II e IV, do CPC/2015, não procede, uma vez que o Tribunal a quo decidiu a matéria de forma fundamentada, analisando todas as questões que entendeu necessárias para a solução da lide, não obstante tenha decidido contrariamente à sua pretensão. Precedentes.

V - Em relação às apontadas afrontas a dispositivos da Lei n. 7.347/1985 e Lei n. 6.938/1981, constata-se que o Tribunal a quo, apesar de consignar a insuficiência dos PRAD apresentados, bem como a comprovação da atividade degradante e desídia da municipalidade com o meio ambiente, entendeu pela improcedência do pedido indenizatório concedido na sentença, relativamente ao dano correspondente ao prejuízo ecológico que se mantém (interino e/ou residuais).

VI - Nesse diapasão, o acórdão objurgado se encontra em dissonância com o entendimento consolidado desta Corte quanto ao ponto, segundo o qual, a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente autoriza a cumulação das condenações supracitadas, porquanto a indenização in casu não corresponde ao dano a ser reparo, mas aos seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios.

VII - Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, restabelecendo integralmente a sentença monocrática.

(AREsp n. 1.677.537/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 27/10/2020, DJe de 17/11/2020.)

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E EM TERRENO DE MARINHA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO E LICENÇAS AMBIENTAIS IMPERIOSAS. REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO AMBIENTAL. MEDIDAS PARA RECUPERAÇÃO E COMPENSAÇÃO PELO PERÍODO EM QUE FORAM DESRESPEITADAS AS NORMAS AMBIENTAIS. CABÍVEL A CUMULAÇÃO DAS CONDENAÇÕES IN CASU. PRECEDENTES.

I - Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Márcio Soares da Costa objetivando a demolição de barraca de praia irregularmente construída, por se tratar de área de preservação permanente e terreno de marinha, na Praia de Quixaba, no Município de Aracati/CE, bem como a reparação dos danos ambientais e a condenação ao pagamento de indenização ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

II - A sentença acolheu os pedidos, condenando o réu à recuperar a área degradada, com a demolição da edificação irregular e remoção de todos os materiais e entulhos decorrentes de sua ocupação, devendo, para tanto, apresentar Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), bem como indenização pecuniária em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

III - O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sede recursal, reformou a decisão para afastar a condenação à reparação do dano ambiental e indenização imposta, remanescendo, apenas, a condenação com relação à demolição da construção irregular.

IV - Em relação à apontada afronta a dispositivos da Lei n. 4.771/1965 e Lei n. 6.938/1981, constata-se que o Tribunal a quo, apesar de consignar acerca da irregularidade da edificação inserida nos limites de área de preservação permanente e em terreno de marinha, que perdura por mais de 30 (trinta) anos, entendeu pela improcedência dos pedidos de reparação do dano ambiental e indenização pecuniária.

V - Nesse diapasão, o acórdão objurgado se encontra em dissonância com o entendimento consolidado desta Corte segundo o qual, a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente autoriza a cumulação das condenações supracitadas, porquanto, além de devido o pleito cominatório - a fim de restaurar a área degradada, a indenização in casu não corresponde ao dano a ser reparado, mas aos seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios.

VI - Recurso especial provido para restabelecer integralmente a sentença monocrática.

(REsp 1869672/CE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, j. 15/09/2020, DJe 23/09/2020)

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO. RECURSOS HÍDRICOS. LANÇAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS, SEM TRATAMENTO, NO CURSO D'ÁGUA E NO SOLO. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO IN INTEGRUM. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.

1. Os autos cuidam de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo lançamento de efluentes industriais, sem tratamento, em curso d'água e no solo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou provado o dano ambiental; porém julgou improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual.

2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/1985 e da Lei 6.938/1981, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar.

3. Adotado pelo Direito Ambiental brasileiro (arts. 4°, inciso VII, e 14, § 1°, da Lei 6.938/1981), o princípio da reparação in integrum deságua na exigência da compreensão a mais ampla possível da responsabilidade civil, possibilitando a cumulação do dever de recuperar o bem atingido ao seu estado natural anterior (= prestação in natura) com o dever de indenizar prejuízos, inclusive o moral coletivo (= prestação pecuniária), mesmo que por estimativa.

Reparação integral também pressupõe observar com atenção a função punitiva e inibitória da responsabilidade civil, de modo a afastar perigosa impressão, real ou imaginária, de que a degradação ambiental compensa, social e financeiramente.

4. Recurso Especial parcialmente provido.

(REsp n. 1.661.859/RS, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, j. 3/10/2017, DJe de 31/8/2020.)

 

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO).

1. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer e indenizar 2. Com efeito, a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos.

3. Agravo Interno não provido.

(AgInt no REsp 1770219/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, j. 23/05/2019, DJe 19/06/2019)

 

Nesse diapasão e sempre respeitosamente, acompanho o exmo. Relator com relação ao exame da remessa necessária, entretanto, pelos mesmos fundamentos do r. voto apresentado pelo exmo. Desembargador Federal André Nabarrete, dou parcial provimento ao recurso adesivo do Ministério Público Federal e ao reexame necessário, tido por interposto, para condenar a parte apelada ao pagamento de indenização, cujo valor deverá ser quantificado na fase de liquidação.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso do réu e dou parcial provimento ao recurso adesivo do Ministério Público Federal e ao reexame necessário, tido por interposto, na forma da fundamentação.

É como voto.

 


E M E N T A

 

DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - APP ÀS MARGENS DO RIO PARANÁ. “DISTRITO PORTO CAIUÁ”, EM NAVIRAÍ/MS. APLICAÇÃO DO ATUAL CÓDIGO FLORESTAL (LEI Nº 12.651/2012). IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA RURAL CONSOLIDADA, ANTERIOR A 22 DE JULHO DE 2008. RECURSOS NÃO PROVIDOS.

- Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal fundada na possível ocorrência de dano ambiental na área de preservação permanente do Rio Paraná, em tese ocasionado por imóvel localizado no Distrito Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS.

- Em diversas oportunidades, apreciando reclamações contra a autoridade das decisões proferidas no julgamento conjunto da ADC 42/DF e das ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, o Supremo Tribunal Federal aplicou o entendimento de que casos como o presente devem ser apreciados à luz do atual Código Florestal, e não da legislação anterior vigente ao tempo da intervenção (regra “tempus regit actum”). Precedente do Superior Tribunal de Justiça.

- Desta forma, independentemente da data das intervenções na área de preservação permanente - APP em questão, a legislação a ser aplicada é o atual Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) e suas posteriores alterações.

- A possibilidade de o imóvel servir de moradia, intermitente ou permanente, atrai a incidência do § 12 do art. 61-A do Código Florestal, independentemente de estar associado a atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural. Interpretação sistemática, à luz da garantia constitucional do direito à moradia.

- O art. 61-A do Código Florestal é aplicável às residências localizadas em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008, independentemente de estarem associadas a atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural. Em se tratando de imóvel localizado em áreas urbanas consolidadas, lei municipal pode definir faixas marginais de área de preservação permanente distintas das previstas no art. 4º do Código Florestal, conforme o § 10 deste artigo, incluído pela Lei nº 14.285/2021, o que deve ser analisado caso a caso.

- Caso concreto: o imóvel localiza-se no Distrito Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, sendo certo que é anterior a 22/07/2008. A manutenção do imóvel encontra amparo no § 12 do art. 61-A do Código Florestal.

- No tocante à indenização pelo dano ambiental, saliento que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem adotado o princípio in dubio pro natura como fundamento na solução de conflitos e na interpretação das leis que regem a matéria. Amparada no referido princípio, o STJ estabeleceu que é possível, em alguns casos, condenar o responsável pela degradação ambiental ao pagamento de indenização relativa ao dano extrapatrimonial ou dano moral coletivo.

- Entretanto, o requerido foi condenado, dentre outras obrigações, a demolir a área construída e a promover o reflorestamento.

- Como se vê, as condenações impostas serão suficientes à recomposição integral do dano. Ademais, não há notícia nos autos de resistência fática do rancheiro acerca das obrigações já impostas na r. sentença. Não há que se falar em indenização pelos danos ambientais.

- Apelação de EDIVALDO VIDAL OLIVEIRA, REMESSA OFICIAL, tida por interposta, e recurso adesivo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL não providos.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma decidiu pelo voto médio da Des. Fed. MÔNICA NOBRE, com quem votou o Des. Fed. MARCELO SARAIVA, no sentido de negar provimento ao recurso de EDIVALDO VIDAL OLIVEIRA, à REMESSA OFICIAL, tida por interposta, e ao recurso adesivo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, sendo que o Des. Fed. WILSON ZAUHY votou para dar provimento à apelação dos réus para julgar improcedente o pedido, negar provimento ao reexame necessário e julgar prejudicado o recurso adesivo interposto pelo MPF; a Des. Fed. LEILA PAIVA e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE votavam no sentido de negar provimento ao recurso do réu e dar parcial provimento ao apelo do MPF e ao reexame necessário, a fim de condenar os réus ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, que deve ser quantificada em liquidação por arbitramento Farão declaração de voto a Des. Fed. LEILA PAIVA e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. Lavrará acórdão a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. A Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA votaram na forma do art. 260, § 1º do RITRF3. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MONICA NOBRE
DESEMBARGADORA FEDERAL