Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000112-18.2013.4.03.6135

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: NELSON ZACARIAS ARISTAKESSIAN

Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SICHIROLI DE MEDEIROS - SP365189-A, VICTOR AVILA FERREIRA - SP191097-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000112-18.2013.4.03.6135

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

APELADO: NELSON ZACARIAS ARISTAKESSIAN

Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SICHIROLI DE MEDEIROS - SP365189-A, VICTOR AVILA FERREIRA - SP191097-N

OUTROS PARTICIPANTES:

mcc 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Apelação interposta pelo Ministério Público Federal (Id. 55220817) contra sentença (Id. 55220811) por meio da qual o pedido foi julgado parcialmente procedente: “para determinar o desfazimento do deck fixo em terra, píer flutuante e rampa de acesso”.

A presente ação civil pública foi proposta pelo ora apelante contra Nelson Zacarias Aristakessian com pedidos para  que fosse condenado a:  a) promover, no prazo de 60 (sessenta) dias contados da sentença, a demolição ou desmonte das obras realizadas sem a licença ambiental ou a autorização da SPU e efetue a recuperação da área degradada de acordo com plano aprovado pelo órgão ambiental competente; b) recuperar a área degradada de acordo com plano de recuperação a ser aprovado por órgão ambiental competente; c) pagar indenização de cinquenta mil reais, em virtude da responsabilidade por fato ilícito ambiental. Alegou-se que: “além das construções irregulares estarem localizadas em terrenos de marinha, estão inseridas em Área de Preservação Permanente” (Pág. 8).

Em ação cautelar preparatória (nº 0002992-17.2012.403.6135), foi deferida liminar para suspender o uso do píer e do deck flutuante (Id. 55220765 - Pág. 14).

Houve contestação do réu (Id. 55220769) e a União requereu seu ingresso no feito como assistente litisconsorcial do autor (Id. 55220777), bem como a Fazenda do Estado de São Paulo (Id. 55220790), o que foi deferido. (Id. 55220790 - Pág. 11).

Por ocasião de audiência de tentativa de conciliação, foi determinada a suspensão do processo por 90 dias para que o réu apresentasse as regularizações do píer e deck flutuante (Id. 55220791).

Após alegações finais (MPF – fls. 648/656; União Federal – fls. 658/663; Fazenda do Estado de São Paulo – fls. 668/669), sobreveio a sentença de parcial procedência, nos termos anteriormente explicitados (Id. 55220811), ocasião em que o magistrado consignou que:

“Os documentos acostados aos autos deixam claro qual é a estrutura da obra no imóvel em questão: há um deck apoiado em terra firme; há um píer flutuante; há uma rampa de acesso ao píer flutuante. A planta de fl. 293 dos autos, que acompanha a contestação, comprova e melhor especifica estas três estruturas.

(...)

Assim, as alegações do réu sobre a antiguidade da obra e a dispensa de autorização ambiental não atingem a totalidade da obra realizada. Está comprovado que ao menos o píer e a rampa de acesso submetem-se a necessidade de licenciamento ambiental por estarem em área de APP, quer pelo atual Código Florestal de 2012 (art. 4º), quer pelo revogado.

(...)

Quanto ao pedido de recuperação da área degradada, bem como de pagamento de indenização por ilícito ambiental, entendo que o dano ambiental não pode ser presumido pela simples ausência de licenciamento ambiental. Há necessidade de efetiva prova de degradação, feita sob o contraditório, o que não existe nos autos.

(...)

Assim, o conjunto probatório aponta para o sentido oposto do pretendido na inicial. Não há prova de que houve degradação passível de recomposição, e, tampouco, que constitua ilícito indenizável.”

 

Opostos embargos de declaração pelo réu (Id. 55220813), foram rejeitados.

O Ministério Público Federal interpôs apelação (Id. 55220817), objetivando a reforma parcial da sentença: “para que o apelado seja obrigado a: a) pagar indenização ambiental no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em decorrência do ilícito e dano ocasionado em APP e terrenos de marinha (...); e b) recuperar a área degradada de acordo com plano de recuperação a ser aprovado por órgão ambiental competente” (Pág. 19).

Sustenta que:

a) não obstante os documentos apresentados pelo recorrido, o empreendimento foi realizado em contrariedade à legislação ambiental e provocou dano na área de preservação permanente, consoante o parecer técnico ambiental que instrui o feito (PT/MPF 11012016);

b) infere-se do documento que a estrutura náutica foi feita no início da vigência do Código Florestal revogado e está integralmente em área de preservação permanente, tanto conforme definida na legislação passada, quanto na atual. Ademais, foi recentemente ampliado, de modo a recobrir área verde, bem como instaladas novas edificações no terreno e extensão do deck;

c) o empreendimento não é de interesse social tampouco se cuida de rampa de lançamento de barco ou pequeno ancoradouro, de maneira que não se qualifica como intervenção admitida na APP;

d) conforme o parecer técnico: “só as construções já existentes em terra desde a década de 80/90 (casa térrea, sobrado, quiosque de sapê e casa do caseiro/garagem de embarcações) já seriam intervenções que superam o percentual previsto na norma ambiental para impacto na APP. Ou seja, ainda que a legislação atual permita regularizar eventuais intervenções em APP, as estruturas náuticas objeto desta ação civil pública não poderiam hoje ser regularizada posto que a APP já encontra-se impactada em margem superior a 5% (novamente, todo o imóvel encontra-se em APP)”; 

e) ficou caracterizado ipso facto o dano ambiental em virtude da intervenção ilícita do apelado, de forma que, além da obrigação de desfazer o deck, o píer e a rampa, é inegável o cabimento da indenização pleiteada, bem como da recuperação da área degradada, sob pena de violação dos princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador, além da socialização dos prejuízos ambientais.

Pede, ao final, seja o apelado condenado a pagar indenização de cinquenta mil reais e a recuperar a área degradada, de acordo com plano a ser aprovado por órgão ambiental competente.

Contrarrazões do réu (Id. 55220819), na qual alega a existência de fato novo, qual seja, de que obteve junto à Secretaria de Patrimônio da União a autorização para utilização da área, de modo que a sentença deve ser reformada e reconhecida a improcedência do pedido, com a consequente liberação do uso da área.

O Ministério Público Federal ofereceu parecer (id 73574903) no sentido de que o recurso fosse provido, ao argumento de que, configurada a responsabilidade ambiental do réu, é necessária a reparação integral dos danos causados à área de preservação permanente.

Por meio da decisão id 81824998, o recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo.

O apelado pediu reconsideração (id 13914722) da liminar que impediu o uso do píer flutuante e da rampa de acesso, à vista de que obteve sua regularização perante a SPU, fato que, nos moldes do artigo 462 do CPC/73, deve ser levado em consideração.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000112-18.2013.4.03.6135

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PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

APELADO: NELSON ZACARIAS ARISTAKESSIAN

Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SICHIROLI DE MEDEIROS - SP365189-A, VICTOR AVILA FERREIRA - SP191097-N

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V O T O

 

 

 

O Ministério Público Federal propôs ação civil pública contra NELSON ZACARIA ARISTAKESSEAN em virtude de ter construído deck e píer flutuante em imóvel localizado na Avenida Magno Passos Bittencourt, 935, Barra do Una, São Sebastião, sem licenciamento ambiental, autorização da União (terreno de marinha e águas pública), autorização da Prefeitura de São Sebastião e em área de preservação permanente – APP. Assim, requereu: a) o desmonte e demolição das obras; b) a recuperação da área degradada; c) o pagamento de indenização de cinquenta mil reais. A sentença acolheu o pedido da alínea “a”, o que ensejou recurso do autor, a fim de que fossem concedidos os demais.

1 – DO CONHECIMENTO PARCIAL

Nas contrarrazões, o réu alegou fato novo, qual seja, de que obteve junto à Secretaria de Patrimônio da União a autorização para utilização da área, razão pela qual pediu que a sentença fosse reformada e reconhecida a improcedência do pedido, com a consequente liberação do uso da área. Evidentemente, a pretensão de reforma da sentença deveria ser veiculada por meio de recurso próprio, de modo que descabido o pedido. Não bastasse, a regularização perante a SPU não diz respeito à questão ambiental, mas restrita ao uso de um bem da União, de modo que não é fato novo relevante para o deslinde da causa. Igualmente, o pedido de reconsideração da liminar deferida na ação cautelar deveria ser realizado naqueles autos. De qualquer modo, resta prejudicado, à vista do julgamento do feito.  

2- DO REEXAME NECESSÁRIO

O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:

 

"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo". (Redação dada pela Lei nº 6.014/73).

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido."

(STJ, AGREsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 25/04/2011).

 

In casu, verifica-se não ter sido contemplada a integralidade dos pedidos formulados na inicial contra NELSON ZACARIA ARISTAKESSEAN, porquanto não acolhidos os pedidos de recuperação da área degradada e de pagamento de indenização de cinquenta mil reais. Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença, relativamente aos mencionados tópicos. No mais, ressalta-se que não houve irresignação do réu quanto à obrigação estabelecida na sentença de desfazimento do deck fixo em terra, píer flutuante e rampa de acesso.

3- DO CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO PELO DANO COLETIVO OU INTERINO

O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em área de preservação permanente, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.

Trata-se de condutas infracionais continuadas, que se protraem no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação e interfere no ecossistema em que inserida a construção. Daí decorre o dever de indenizar. A jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Nesse sentido, destaco o entendimento do STJ:

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.

1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico- ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura - mais ainda se a perder de vista - do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.

7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.

(STJ; REsp nº 1145083/MG; Rel. Min. Herman Benjamin; 2ª Turma; Dje 04/09/2012)

No caso em apreço, a ocupação ilegal da APP é incontroversa, conforme estabeleceu a sentença, à falta do indispensável licenciamento ambiental para que fossem instalados o píer e o deck, bem como a rampa de acesso, que, ademais, interfere com a vegetação. Em decorrência, o dever de recuperar a área é inequívoco, consoante os artigos 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei 6.938/1981. À luz do entendimento do mencionado precedente, o dano coletivo extrapatrimonial ou moral está presente. Pela própria definição constitucional (art. 225, CF), o meio ambiente é primacialmente coletivo e sua proteção, seja da flora ou da fauna, respeita seus aspectos material e espiritual e deve ser considerado no seu conjunto, como é a expressão do legislador: meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. De acordo com José Rubens Morato Leite (2003, p. 249):

Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e a seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão é um confisco dos direitos de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade.

O autor ainda ressalta:

O dano extrapatrimonial está muito vinculado ao direito da personalidade, mas não restringido, pois este é conhecido tradicionalmente como atinente à pessoa física e no que concerne ao dano ambiental, abraçando uma caracterização mais abrangente e solidária, tratando-se, ao mesmo tempo, de um direito individual e um direito da coletividade. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está ligado a um direito fundamental de todos e se reporta à qualidade de vida que se configura como valor imaterial da coletividade. (p. 266-267).

Veja-se, a propósito, entendimento do STJ sobre o dano moral coletivo:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA COIBIR A PRÁTICA RECORRENTE DE POLUIÇÃO SONORA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE RECONHECIDA. DANO MORAL COLETIVO. POLUIÇÃO SONORA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

1. Recurso especial decorrente de ação civil pública em que se discute danos morais coletivos decorrentes de poluição sonora e irregularidade urbanística provocadas por funcionamento dos condensadores e geradores colocados no fundo do estabelecimento das condenadas.

2. e 3. (omissis)

 4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos". Nesse sentido: REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015; REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010. 5. A Corte local, ao fixar o valor indenizatório em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), o fez com base na análise aprofundada da prova constante dos autos. A pretensão da ora agravante não se limita à revaloração da prova apreciada do aresto estadual, mas, sim, ao seu revolvimento por este Tribunal Superior, o que é inviável. Incidência da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: AgRg no AREsp 430.850/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 07/03/2014. Agravo regimental improvido. ..

(AGARESP 201501613818; Rel. Min. HUMBERTO MARTINS; 2ª Turma; DJE DATA:14/09/2015)

 

Ressalte-se, ademais, que aquela corte entende que não há óbice à cumulação da obrigação de reparar a área e de indenizar:

 

"ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANO S CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.

1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por dano s ambientais causados pela supressão de vegetação nativa e edificação irregular em Área de Preservação Permanente. O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros). 3. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que fixe, in casu, o quantum debeatur reparatório do dano já reconhecido no acórdão recorrido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1328753, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 03/02/2015)

 

Esse entendimento foi inclusive consolidado por aquela corte superior na Súmula nº 629: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”.

No caso concreto, o Parecer Técnico-Juríco Ambiental PT/MPF 11012016 consignou que:

O imóvel objeto dos autos está inserido às margens do rio Una, o qual apresenta largura aproximada de 60 m no local, incidindo uma faixa de Área de Preservação Permanente - APP de 100 metros, conforme alínea ”c”, inciso I, Art. 4° da Lei 12.651/2012 (atual Código Florestal). Como ilustrado pela figura 2.1 em anexo, o imóvel está inserido integralmente em APP. Com as informações constantes nos autos e pelas imagens analisadas, não é possível afirmar exatamente quando houve a intervenção em vegetação nativa para as estruturas mais antigas, fato é que, conforme ilustram as fotografias da década de 70 constantes nos autos, já havia edificações no terreno à época, inclusive em imóveis vizinhos.

 

Outrossim, no referido parecer, consta a descrição pormenorizada de como, ao longo do tempo, a construção foi sendo ampliada, inclusive após a liminar concedida na cautelar preparatória (id 55220800, fls. 01/03). Assim, os danos pretéritos, consumados durante o período de ocupação irregular em que houve a degradação da área protegida, devem ser indenizados, porquanto ainda que haja a recomposição da área, não será integral, na medida em que não reverte o prejuízo ambiental causado durante todo o período de intervenção antrópica. Nesse sentido, destaco mais precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIOPAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.

 1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a “ratio essendi” da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. Ao responsabilizar-se civilmente o infrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer).

4. De acordo com a tradição do Direito brasileiro, imputar responsabilidade civil ao agente causador de degradação ambiental difere de fazê-lo administrativa ou penalmente. Logo, eventual absolvição no processo criminal ou perante a Administração Pública não influi, como regra, na responsabilização civil, tirantes as exceções em numerus clausus do sistema legal, como a inequívoca negativa do fato ilícito (não ocorrência de degradação ambiental, p. ex.) ou da autoria (direta ou indireta), nos termos do art. 935 do Código Civil.

5. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidorpagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos considerados).

6. Se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado ao status quo ante (reductio ad pristinum statum, isto é, restabelecimento à condição original), não há falar, ordinariamente, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro (= prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação “in integrum”.

7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo do negócio", acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

8. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo.

9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível.

10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário ), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente), e c) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

11. No âmbito específico da responsabilidade civil do agente por desmatamento ilegal, irrelevante se a vegetação nativa lesada integra, ou não, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal ou Unidade de Conservação, porquanto, com o dever de reparar o dano causado, o que se salvaguarda não é a localização ou topografia do bem ambiental, mas a flora brasileira em si mesma, decorrência dos excepcionais e insubstituíveis serviços ecológicos que presta à vida planetária, em todos os seus matizes.

12. De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária).

13. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros).

14. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur. (REsp 1198727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 09/05/2013.)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS COLETIVOS. DANOS AMBIENTAIS INTERCORRENTES. OCORRÊNCIA.

1. Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração.

 2. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa. Trata-se de operação lógica em que os fatos conhecidos permitem ao julgador concluir pela ocorrência de fatos desconhecidos. 3. Considerando-se a inversão do ônus probatório em matéria ambiental, deve o réu comprovar a inexistência de tais elementos objetivos. A presunção opera em favor do fato presumido, somente se afastando diante de razões concretas.

4. O dano intercorrente não se confunde com o dano residual. O dano ambiental residual (permanente, perene, definitivo) pode ser afastado quando a área degradada seja inteiramente restaurada ao estado anterior pelas medidas de reparação in natura. O dano ambiental intercorrente (intermediário, transitório, provisório, temporário, interino) pode existir mesmo nessa hipótese, porquanto trata de compensar as perdas ambientais havidas entre a ocorrência da lesão (marco inicial) e sua integral reparação (marco final).

5. Hipótese em que o acórdão reconheceu a ocorrência de graves e sucessivas lesões ambientais em área de preservação permanente (APP) mediante soterramento, entulhamento, aterramento e construção e uso de construções civis e estacionamento, sem autorização ambiental e com supressão de vegetação nativa de mangue, restinga e curso d'água.

6. Patente a presença de elementos objetivos de significativa e duradoura lesão ambiental, configuradora dos danos ambientais morais coletivos e dos intercorrentes. As espécies de danos devem ser individualmente arbitradas, na medida em que possuem causas e marcos temporais diversos.

 7. Recurso especial provido para reconhecer a existência de danos ambientais morais coletivos e danos ambientais intercorrentes, com valor compensatório a ser arbitrado em liquidação.

 (REsp n. 1.940.030/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 6/9/2022.)

 

Em conclusão, in casu, estabelecida a lesão ambiental de modo incontroverso e amplamente demonstrada nos autos, resta evidenciado o dever de restaurar a área e de indenizar o período em que mantida a lesão ao meio ambiente protegido.

Em relação à quantificação do dano ambiental, é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E PATRIMONIAIS - INCÊNDIO INICIADO NA ÁREA DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE ATINGIU O IMÓVEL RURAL DO AUTOR - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - CORTE LOCAL QUE, AO RECONHECER A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO RÉU (ART. 3º, INC. IV E ART. 14, § 1º, DA LEI 6.938/81), CONDENA-O AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS, A SEREM QUANTIFICADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE RÉ. DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1º, DA LEI Nº 9.938/81, E, OUTROSSIM, EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE VIZINHANÇA - RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL.

(omissis)

5. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1381211, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, v.u., DJe 19/09/2014);

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL AJUIZADA POR SUBLOCATÁRIA DE "POSTO DE GASOLINA". PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS DA RELAÇÃO LOCATÍCIA. MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS NO IMÓVEL. NOVA AÇÃO, AJUIZADA PELOS PROPRIETÁRIOS CONTRA A ANTIGA LOCATÁRIA, OBJETIVANDO A RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS, A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL NO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E A RECONSTRUÇÃO DO PISO. LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A REMOÇÃO DOS EQUIPAMENTOS EM CINCO DIAS E A REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA, COM EFETIVA LIMPEZA DO IMÓVEL, EM TRINTA DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONCLUSIVA NO SENTIDO DE QUE NÃO TERIA SIDO CUMPRIDA A LIMINAR QUANTO À LIMPEZA DO LOCAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO RECONHECIDO, MAS APENAS EM RELAÇÃO AOS DANOS MATERIAIS, EM VALOR A SER APURADO EM PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA NO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES. RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, DETERMINADA PELA QUINTA TURMA DO STJ NO RESP Nº 1.041.697/RS. DECLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SANAR OMISSÃO. NOVA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC QUE NÃO FICOU CONFIGURADA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. DOCUMENTO QUE, CONQUANTO MENCIONADO, NÃO FOI UTILIZADO COMO RAZÃO DE DECIDIR PELO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS. RESPONSABILIDADE PELA RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. MATÉRIA CUJA ANÁLISE DEMANDA O REEXAME DE FATOS E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ÓBICE DAS SÚMULAS NOS 5 E 7 DO STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMA CONTIDA EM RESOLUÇÃO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PEDIDO DE QUE O VALOR SEJA DEFINIDO EM LIQUIDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO TERIA FICADO COMPROVADO O PREJUÍZO MENCIONADO PELOS AUTORES. REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. IMPEDIMENTO À EXPLORAÇÃO DO IMÓVEL QUE SOMENTE FICOU CONFIGURADO A PARTIR DA DEVOLUÇÃO DAS CHAVES AOS PROPRIETÁRIOS. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DA INDENIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE LIMPEZA DO LOCAL NO PRAZO DEFINIDO NA LIMINAR. PRAZO SUJEITO ÀS DETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE. PONTO QUE NÃO FOI OBJETO DE DEBATE E DECISÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DEVIDO À PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O CUMPRIMENTO DA LIMINAR NO CONCERNENTE À RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. ENTENDIMENTO DA SENTENÇA REFORMADO PELO TRIBUNAL NO NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS. RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS PELOS AUTORES NA RETIRADA DOS TANQUES REMANESCENTES. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DO VALOR, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA EXCESSIVO. MATÉRIA CUJA DISCUSSÃO DEVERÁ AGUARDAR A DEFINIÇÃO, NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO, A RESPEITO DO MOMENTO EM QUE FOI CUMPRIDA A ORDEM DE LIMPEZA DO TERRENO.

(omissis)

12. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1372596, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, v.u., DJe 02/05/2013).

 

Ressalte-se que a realização da quantificação do dano extrapatrimonial em fase de liquidação poderá ser estimado com base em elementos técnicos e concretos tais como a extensão, duração, gravidade, importância do bioma afetado, situação econômica do réu e outros, além de possibilitar ampla controvérsia e oportunidade de defesa. A fixação diretamente por esta corte não atenderia a contento os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, à vista dos aspectos mencionados, que podem ser melhor sopesados na oportunidade adequada.

Por fim, entendo que a destinação, considerada a natureza do dano e o prejuízo à coletividade, deve ser ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 

Ante o exposto, conheço em parte das contrarrazões, declaro prejudicado o pedido id 13914722 e dou parcial provimento ao apelo e ao reexame necessário, a fim de condenar o réu a restaurar a área em questão, bem como ao pagamento de indenização em valor a ser apurado em liquidação, a ser recolhido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 


O Desembargador Federal Wilson Zauhy:

Peço vênia ao Eminente Relator para divergir de seu voto, pelas razões que passo a expor:

Inicialmente, registro que, desde longa data, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela possibilidade de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de pagar em quantia em matéria de dano ambiental.

Nesse sentido:

“PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347⁄85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF⁄88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938⁄81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625⁄93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.

(...)

2. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938⁄81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral.

3. Deveras, decorrem para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso.

4. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III) e submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material, a fim de ser instrumento adequado e útil.

5. A exegese do art. 3º da Lei 7.347⁄85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins).

6. Interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.") bem como o art. 25 da Lei 8.625⁄1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (...)”.

7. A exigência para cada espécie de prestação, da propositura de uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa.

8. Ademais, a proibição de cumular pedidos dessa natureza não encontra sustentáculo nas regras do procedimento comum, restando ilógico negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito.

9. Recurso especial desprovido” (destaquei).

(REsp 625249⁄PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ: 31/08/2006).

Contudo, frise-se que se trata de uma possibilidade, a ser decidida conforme o livre convencimento motivado e o prudente arbítrio do Juízo.

Isto porque a tutela pleiteada visa, precipuamente, a preservação ou reparação do dano ambiental, como forma de concretizar a garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da Constituição Federal).

Sendo assim, apenas quando as medidas adotadas se revelarem insuficientes para este fim é que cabe falar em cumulação das obrigações de fazer e/ou de não fazer com a indenização pecuniária.

No caso concreto, as medidas requeridas na inicial foram determinadas em sentença e são elas bastante gravosas, inclusive com determinação de demolição de imóvel.

Nesse contexto, nada há nos autos que indique eventual insuficiência das medidas, de sorte que o pedido indenizatório há de ser rejeitado.

Por fim, registro que não ignoro que há recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a possibilidade de dano moral coletivo presumido em decorrência de desmatamento.

Neste sentido:

“AMBIENTAL E CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE FLORESTA NATIVA DO BIOMA AMAZÔNICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE PERTURBAÇÃO À PAZ SOCIAL OU DE IMPACTOS RELEVANTES SOBRE A COMUNIDADE LOCAL. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ. SIGNIFICATIVO DESMATAMENTO DE ÁREA OBJETO DE ESPECIAL PROTEÇÃO. INFRAÇÃO QUE, NO CASO, CAUSA, POR SI, LESÃO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVA. CABIMENTO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

(...)

XII. Nesse sentido, há precedentes no STJ reconhecendo que a prática do desmatamento, em situações como a dos autos, pode ensejar dano moral: "Quem ilegalmente desmata, ou deixa que desmatem, floresta ou vegetação nativa responde objetivamente pela completa recuperação da área degradada, sem prejuízo do pagamento de indenização pelos danos, inclusive morais, que tenha causado" (REsp 1.058.222/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 04/05/2011). Adotando a mesma orientação: REsp 1.198.727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/05/2013. Consigne-se, ainda, a existência das seguintes decisões monocráticas, transitadas em julgado, que resultaram no provimento de Recurso Especial contra acórdão, também do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que adotou a mesma fundamentação sob exame: REsp 2.040.593/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJe de 07/03/2023; AREsp 2.216.835/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJe de 02/02/2023.

(...)”.

(STJ, REsp nº 1.989.778/MT, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe: 22/09/2023).

No entanto, e sempre com as devidas vênias, tais julgados, além de não terem eficácia vinculante, referem-se especificamente às hipóteses de desmatamento.

No caso concreto, o que se discute é a construção e manutenção de um deck e/ou píer flutuante em área de preservação permanente.

Não há nos autos prova efetiva de desmatamento decorrente dessa atividade.

Mesmo que houvesse, há que se considerar que o réu chegou a obter licenciamento ambiental para a atividade, a demonstrar o seu baixo impacto ambiental, como corretamente constou da sentença.

Também isso é um motivo para afastar a tese de dano moral coletivo no caso concreto.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e ao reexame necessário.

É como voto.


E M E N T A

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. APP. DEVER DE RESTAURAÇÃO. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE.

-  O Ministério Público Federal propôs ação civil pública contra NELSON ZACARIA ARISTAKESSEAN em virtude de ter construído deck e píer flutuante em imóvel localizado na Avenida Magno Passos Bittencourt, 935, Barra do Una, São Sebastião, sem licenciamento ambiental, autorização da União (terreno de marinha e águas pública), autorização da Prefeitura de São Sebastião e em área de preservação permanente – APP. Assim, requereu: a) o desmonte e demolição das obras; b) a recuperação da área degradada; c) o pagamento de indenização de cinquenta mil reais. A sentença acolheu o pedido da alínea “a”, o que ensejou recurso do autor, a fim de que fossem concedidos os demais.

- Nas contrarrazões, o réu alegou fato novo, qual seja, de que obteve junto à Secretaria de Patrimônio da União a autorização para utilização da área, razão pela qual pediu que a sentença fosse reformada e reconhecida a improcedência do pedido, com a consequente liberação do uso da área. Evidentemente, a pretensão de reforma da sentença deveria ser veiculada por meio de recurso próprio, de modo que descabido o pedido. Não bastasse, a regularização perante a SPU não diz respeito à questão ambiental, mas restrita ao uso de um bem da União, de modo que não é fato novo relevante para o deslinde da causa. Igualmente, o pedido de reconsideração da liminar deferida na ação cautelar deveria ser realizado naqueles autos. De qualquer modo, resta prejudicado, à vista do julgamento do feito.  

- O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19. In casu, verifica-se não ter sido contemplada a integralidade dos pedidos formulados na inicial contra JOÃO LEANDRO, porquanto também requereu o autor que fosse condenado a pagar indenização por danos extrapatrimoniais, o qual não foi acolhido em primeiro grau. Far-se-á o reexame necessário, portanto, relativamente a esse aspecto, dado que, quanto à demais obrigações impostas ao réu, não houve irresignação.

-  O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.

- A construção impugnada está inteiramente em área de preservação permanente, consoante estudo técnico que consta dos autos e conforme reconhecido na sentença, fato incontroverso. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Daí decorre o dever de indenizar. A jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata.

 - Não há óbice à cumulação da obrigação de reparar a área e de indenizar, consoante a jurisprudência consagrada pelo STJ na Súmula nº 629: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”.

- No caso concreto, os danos pretéritos, consumados durante o período de ocupação irregular em que houve a degradação da área protegida, não serão suficientemente revertidos pela recomposição do prejuízo ambiental causado durante todo o período de intervenção antrópica.

Em conclusão, in casu, estabelecida a lesão ambiental de modo incontroverso e amplamente demonstrada nos autos, inequívoco o dever de restaurar a área e de indenizar o período em que mantida a lesão ao meio ambiente protegido.

- Em relação à quantificação do dano ambiental, é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Ressalte-se que a realização da quantificação do dano extrapatrimonial em fase de liquidação poderá ser estimado com base em elementos técnicos e concretos tais como a extensão, duração, gravidade, importância do bioma afetado, situação econômica do réu e outros, além de possibilitar ampla controvérsia e oportunidade de defesa. A fixação diretamente por esta corte não atenderia a contento os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, à vista dos aspectos mencionados, que podem ser melhor sopesados na oportunidade adequada.

- Contrarrazões parcialmente conhecidas. Pedido de reconsideração prejudicado. Apelação e reexame necessário parcialmente providos para condenar o réu a restaurar a área degradada e ao pagamento de indenização, a ser quantificada em sede de execução de sentença.

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Na sequência do julgamento, após o voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE para finalização do julgamento na forma do art. 942 do CPC, foi proclamado o seguinte resultado: a Quarta Turma, por maioria, decidiu conhecer em parte das contrarrazões, declarar prejudicado o pedido id 13914722 e dar parcial provimento ao apelo e ao reexame necessário, a fim de condenar o réu a restaurar a área em questão, bem como ao pagamento de indenização em valor a ser apurado em liquidação, a ser recolhido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), acompanhado pelos votos do Des. Fed. MARCELO SARAIVA e da Des. Fed. LEILA PAIVA. Vencidos o Des. Fed. WILSON ZAUHY e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE que negavam provimento à apelação e ao reexame necessário. Fará declaração de voto o Des. Fed. WILSON ZAUHY. A Des. Fed. LEILA PAIVA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE votaram na forma do art. 260, § 1º do RITRF3 , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

ANDRÉ NABARRETE
DESEMBARGADOR FEDERAL