APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013605-16.2008.4.03.6110
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: DONIZETTI BORGES BARBOSA, MARIA ELISA MANCA, RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA, LUIZ DO CARMO BATISTA ROSA, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA, VANDERLEI BORGES DE LIMA, MUNICIPIO DE APIAI
Advogado do(a) APELANTE: MARIANA BIM SANCHES VARANDA - SP329616
Advogado do(a) APELANTE: RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA - SP80341-N
Advogado do(a) APELANTE: FABIO JOSE DE OLIVEIRA - SP119454-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013605-16.2008.4.03.6110 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: DONIZETTI BORGES BARBOSA, MARIA ELISA MANCA, RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA, LUIZ DO CARMO BATISTA ROSA, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA, VANDERLEI BORGES DE LIMA Advogados do(a) APELANTE: INALDO MENDONCA DE ARAUJO SAMPAIO FERRAZ - DF41474-A, MARIA AUGUSTA PALHARES RIBEIRO SAMPAIO FERRAZ - DF41282-A, MILENA GUEDES CORREA PRANDO DOS SANTOS - SP231319-A, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR - SP16854-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE APIAI Advogado do(a) APELADO: FABIO JOSE DE OLIVEIRA - SP119454-A OUTROS PARTICIPANTES: MBV R E L A T Ó R I O Devolução dos autos pela Vice-Presidência para verificação da pertinência de se proceder ao juízo positivo de retratação, à vista do julgamento do Tema 1.199 (ARE nº 843.989/RG) pelo Supremo Tribunal Federal (Id. 282166404). É o relatório.
Advogados do(a) APELANTE: EURICO JACY DE LIMA - SP129387, MARIANA BIM SANCHES VARANDA - SP226192
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013605-16.2008.4.03.6110 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: DONIZETTI BORGES BARBOSA, MARIA ELISA MANCA, RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA, LUIZ DO CARMO BATISTA ROSA, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA, VANDERLEI BORGES DE LIMA Advogados do(a) APELANTE: INALDO MENDONCA DE ARAUJO SAMPAIO FERRAZ - DF41474-A, MARIA AUGUSTA PALHARES RIBEIRO SAMPAIO FERRAZ - DF41282-A, MILENA GUEDES CORREA PRANDO DOS SANTOS - SP231319-A, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR - SP16854-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE APIAI Advogado do(a) APELADO: FABIO JOSE DE OLIVEIRA - SP119454-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O I - DOS FATOS Trata-se na origem de ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de obter a responsabilização de DONIZETTI BORGES BARBOSA, MARIA ELISA MANCA, RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA, LUIZ DO CARMO BATISTA ROSA, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA e VANDERLEI BORGES DE LIMA pela fraude praticada em processos licitatórios e desvio de parte das verbas federais disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, atos de improbidade enquadrados no artigo 10, caput e incisos VIII, IX, XI e XII, e artigo 11, caput e inciso I, da Lei n.º 8.429/92, com aplicação das sanções previstas no artigo 12 do referido estatuto e a condenação dos acusados ao ressarcimento integral dos prejuízos causados e pagamento dos ônus sucumbenciais (Id. 270796575 – fls. 08/35). Processado o feito, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para o fim de condenar os réus ao ressarcimento integral do dano ao erário e às sanções previstas no artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.429/92, nos seguintes termos (Id. 270796742 – fls. 118/164): “1) DONIZETTI BORGES BARBOSA: a) ressarcimento do dano suportado pelo erário público, de forma solidária, cujo valor é de R$ 83.921,58 (oitenta e três mil, novecentos e vinte e um reais e cinquenta e oito centavos), acrescido de juros e correção monetária, nos termos do que consta na fundamentação desta sentença; b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos; c) pagamento de multa civil no valor de R$ 41.961,79 (quarenta e um mil, novecentos e sessenta e um reais e setenta e nove centavos), devidamente acrescido de correção monetária, nos termos do fundamentado na sentença; d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja o réu sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e) sanção de perda de função, cargo ou emprego que atinge qualquer cargo, emprego ou função que o réu esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da sentença, ainda que se trate de cargo, emprego ou função distinto daquele em cujo exercício praticou o ato de improbidade; 2) MARIA ELISA MANCA: a) ressarcimento do dano suportado pelo erário público, de forma solidária, cujo valor é de R$ 83.921,58 (oitenta e três mil, novecentos e vinte e um reais e cinquenta e oito centavos), acrescido de juros e correção monetária, nos termos do que consta na fundamentação desta sentença; b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos; c) pagamento de multa civil no valor de R$ 20.980,89 (vinte mil, novecentos e oitenta reais e oitenta e nove centavos), devidamente acrescido de correção monetária, nos termos do fundamentado na sentença; d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja a ré sócia majoritária, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e) sanção de perda de função, cargo ou emprego que atinge qualquer cargo, emprego ou função que a ré esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da sentença, ainda que se trate de cargo, emprego ou função distinto daquele em cujo exercício praticou o ato de improbidade; 3) RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA: a) ressarcimento do dano suportado pelo erário público, de forma solidária, cujo valor é de R$ 83.921,58 (oitenta e três mil, novecentos e vinte e um reais e cinquenta e oito centavos), acrescido de juros e correção monetária, nos termos do que consta na fundamentação desta sentença; b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos; c) pagamento de multa civil no valor de R$ 20.980,89 (vinte mil, novecentos e oitenta reais e oitenta e nove centavos), devidamente acrescido de correção monetária, nos termos do fundamentado na sentença; d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja o réu sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e) sanção de perda de função, cargo ou emprego que atinge qualquer cargo, emprego ou função que o réu esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da sentença, ainda que se trate de cargo, emprego ou função distinto daquele em cujo exercício praticou o ato de improbidade; 4) VANDERLEI BORGES DE LIMA: a) ressarcimento do dano suportado pelo erário público, de forma solidária, cujo valor é de R$ 83.921,58 (oitenta e três mil, novecentos e vinte e um reais e cinquenta e oito centavos), acrescido de juros e correção monetária, nos termos do que consta na fundamentação desta sentença; b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos; c) pagamento de multa civil no valor de R$ 5.245,22 (cinco mil, duzentos e quarenta e cinco reais e vinte e dois centavos), devidamente acrescido de correção monetária, nos termos do fundamentado na sentença; d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja o réu sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; 5) LUIZ DO CARMO BATISTA ROSA: a) ressarcimento do dano suportado pelo erário público, de forma solidária, cujo valor é de R$ 83.921,58 (oitenta e três mil, novecentos e vinte e um reais e cinquenta e oito centavos), acrescido de juros e correção monetária, nos termos do que consta na fundamentação desta sentença; b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos; c) pagamento de multa civil no valor de R$ 5.245,22 (cinco mil, duzentos e quarenta e cinco reais e vinte e dois centavos), devidamente acrescido de correção monetária, nos termos do fundamentado na sentença; d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja o réu sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; 6) ADILSON RODRIGUES DEALMEIDA: a) ressarcimento do dano suportado pelo erário público, de forma solidária, cujo valor é de R$ 83.921,58 (oitenta e três mil, novecentos e vinte e um reais e cinquenta e oito centavos), acrescido de juros e correção monetária, nos termos do que consta na fundamentação desta sentença; b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos; c) pagamento de multa civil no valor de R$ 5.245,22 (cinco mil, duzentos e quarenta e cinco reais e vinte e dois centavos), devidamente acrescido de correção monetária, nos termos do fundamentado na sentença; d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja o réu sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Todavia, deve-se observar o disposto no artigo 20 da Lei n° 8.429/92, ou seja, as penas de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos só poderão ser eventualmente aplicadas após o trânsito em julgado desta sentença condenatória. Conforme constou na fundamentação, em relação à indisponibilidade de bens dos réus DONIZETTI BORGES BARBOSA, MARIAELISA MANCA e RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA, determino o bloqueio imediato de ativos financeiros através do sistema "BACEN JUD" em relação a esses condenados por esta sentença, até o limite de R$ 83.923,58, devendo a Secretaria juntar aos autos os demonstrativos de eventuais bloqueios”. Os requeridos Donizetti Borges Barbosa e outros apelaram (Id. 270796742 – fls. 183/242). Esta Turma julgadora, à unanimidade, rejeitou a preliminar de litisconsórcio passivo necessário e negou provimento à apelação e à remessa oficial, tida por interposta (Id. 270796748 – fls. 60/78 e 85/164). Os embargos de declaração opostos por DONIZETTI BORGES BARBOSA e MARIA ELISA MANCA (Id. 270796748 – fls. 176/187), RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA (Id. 270796748 – fls. 188/209) e LUIZ DO CARMO BATISTA ROSA, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA e VANDERLEI BORGES DE LIMA (Id. 270796748 – fls. 211/232) foram rejeitados (Id. 270796748 – fls. 293/311). Interposto recurso especial por DONIZETTI BORGES BARBOSA, RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA e MARIA ELISA MANCA (Id. 270796751 – fls. 03/24) e LUIZ CARMO BATISTA ROSA, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA e VANDERLEI BORGES DE LIMA (Id. 270796751 – fls. 42/68) e recurso extraordinário por LUIZ CARMO BATISTA ROSA, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA e VANDERLEI BORGES DE LIMA (Id. 270796751 – fls. 97/114) e DONIZETTI BORGES BARBOSA, RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA e MARIA ELISA MANCA (Id. 270796751 – fls. 119/135), o Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal determinou a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que fosse observado o disposto no artigo 1.036 do CPC/2015 (Id. 270796770). A Vice-Presidência desta corte determinou a restituição dos autos a este órgão julgador para verificação da pertinência de se proceder ao juízo positivo de retratação, nos termos do artigo 1.040, II, do CPC (Id. 282166404). II – DAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS A Lei de Improbidade, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, na esteira do disposto no artigo 37 e seu §4º da Constituição Federal, estabelece, em seu artigo 1º, §1º, que são considerados atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º ao 11º da lei e enumera as condutas dos agentes públicos que configuram atos ímprobos, discriminados entre os que: importem em enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11). Impõe aos responsáveis, independentemente do ressarcimento integral do dano efetivo e das sanções penais, civis e administrativas, as cominações que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, caput) e considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a natureza, gravidade e o impacto da infração cometida, a extensão do dano causado, o proveito patrimonial obtido pelo agente, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva e os antecedentes do acusado (artigo 17-C, inciso IV). A Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). De acordo com a nova redação do artigo 1º da LIA, o dolo específico, para fins de caracterização de ato de improbidade, é o eivado de má-fé e praticado com o intuito de cometer conscientemente a ilicitude. O erro não intencional, a falta de zelo e a ausência de diligência não configuram ato ímprobo. O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. O § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, a jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia que a lei não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS, ESPECIALMENTE O DA LEGALIDADE. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO REALIZADO SEM A COMPLETA OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. FALTA DE PLANILHA DE PREÇOS. PEDIDO INICIAL QUE SEQUER APONTA A OCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO NEM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE. CAPITULAÇÃO DO FATO EXCLUSIVAMENTE NA REGRA DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. MERA IRREGULARIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ E DE QUALQUER INTENÇÃO NO MALFERIMENTO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DAS PREMISSAS ADOTADAS NO ARESTO. MERO DESATENDIMENTO A UM PRINCÍPIO (NO CASO, O DA LEGALIDADE), SEM QUALQUER DEMONSTRAÇÃO DO DOLO, MESMO NA SUA ACEPÇÃO DE DOLO GENÉRICO. PROVIMENTO DOS RECURSOS. 1. A orientação jurisprudencial sedimentada no Superior Tribunal de Justiça estabelece que a configuração do ato de improbidade por ofensa a princípio da administração depende da demonstração do chamado dolo genérico. 2. O acórdão recorrido, embora repita que houve o cometimento de ato de improbidade, consigna, sem nenhum constrangimento, que não houve: a) má-fé; b) intenção (elemento subjetivo) de frustrar a competitividade do certame; c) malferimento ao princípio da isonomia; e d) dano ao erário (até porque esse não foi fundamento do pedido inicial). E, para concluir pelo alegado cometimento da improbidade administrativa, assenta, de forma literal, conforme acima já exposto, que tal ocorre pela mera afronta ao princípio da legalidade, porquanto o fato de não terem tido os recorrentes a intenção, "por si só, não tem o condão de afastar a responsabilidade dos recorridos por suas condutas omissivas conscientes de que não podiam dar cabo daquela Tomada de Preços, em face da ilegalidade nela existente". 3. Na esteira da lição deixada pelo eminente e saudoso Ministro Teori Albino Zavascki, "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28/9/2011). 4. Ora, a admitir-se a conclusão do aresto impugnado, somente não seria improbidade administrativa um mero fato descumpridor de determinado princípio constitucional, quando a conduta do agente estivesse acobertada por alguma excludente típica do Direito Penal. Dito de outro modo: apenas a atuação inconsciente e involuntária (hipótese mesmo de um não ato), em uma típica expressão do Direito Penal pátrio (tomada de empréstimo para o Direito Administrativo), é que não configuraria um ato de improbidade. Expandindo-se o argumento, poder-se-ia dizer que qualquer nomeação feita por determinado agente público que viesse a ser invalidada, no futuro, por descumprimento de um requisito legal, seria ipso facto, consoante a decisão recorrida, um ato de improbidade, visto que a nomeação somente poderia ter-se dado por um ato consciente e voluntário. 5. Ademais, é sabido que meras irregularidades não sujeitam o agente às sanções da Lei n. 8.429/1992. Precedente: REsp 1.512.831/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016). 6. "Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. [...] Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014" (REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016). 7. Recursos especiais conhecidos e providos, para reformar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença de primeiro grau”. (STJ, 2ª Turma, REsp 1.573.026/SE, j. 08/06/2021, DJe 17/12/2021, Rel. Min. OG FERNANDES). Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, ao comentar acerca das alterações do artigo 1º da LIA, faz as seguintes observações: “Seguindo a proposta didática da Lei o § 1º, basicamente, define como sendo atos de improbidade as condutas dolosas descritas nos arts. 9º ao 11º da Lei. Os três primeiros parágrafos, assim, já “dão o recado”, passando a mensagem e a tônica da nova Lei, pois modificam substancialmente a caracterização do ato de improbidade, excluindo a possibilidade de ato de improbidade culposo, o que se revela como um dos pontos mais sensíveis e relevantes da Lei em comento, pois terá o condão de alterar de forma substancial a forma como se tutela a improbidade administrativa. (...)A alteração, conforme já falado, traz equilíbrio, a partir do momento que deixa de tratar da mesma forma aquele que pratica ato de forma negligente, desleixada, imprudente, daquele que intencionalmente lesa o erário” (Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 44-45). A jurista, ao tratar do dolo específico como requisito para caracterização do ato de improbidade, faz a seguinte análise: “Há de se ter em mente que o dolo, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, poderá e deverá ser tratado como não apenas a vontade livre e consciente, mas a vontade livre e consciente de praticar os atos de tal maneira, que vão além do ato praticado sem cuidado, sem cautela, e sim com a ausência de cuidado deliberadas de lesarem o erário. Então dolo específico, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má-fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade (...) Conforme dito, portanto, da mesma forma que a má-fé passa a ser elemento essencial para caracterização do ato de improbidade, a boa-fé também deverá ser levada em consideração para a excludente da caracterização” (Ibidem, p. 46). A nova redação do artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.429/92, estabelece que a aplicação da pena de ressarcimento e das condutas previstas no artigo 10 depende da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Segundo o artigo 10, § 1º, da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não implicar perda patrimonial efetiva não acarretará a imposição da pena de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades mencionadas no artigo 1º. Por sua vez, o § 4º do artigo 11, introduzido pela mesma norma, estabelece que os atos de improbidade de que trata o dispositivo, passíveis de sancionamento, exigem a comprovação de lesividade relevante ao bem jurídico tutelado e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos. Desse modo, o ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. A LIA não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Confira-se: ADMINISTRATIVO. JULGAMENTO CONJUNTO. PROCESSO Nº 5000686-43.2015.4.04.7012 E Nº 5005197-39.2014.4.04.7006. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE DOLO DOS AGENTES PÚBLICOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PARTICULAR. ART. 3º DA LIA. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. PRESCRIÇÃO VERIFICADA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA. DECISÃO SURPRESA. INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Não ficou demonstrado um agir de má-fé dos réus, com o intuito de lesar os cofres públicos ou violar princípios da administração pública, sendo que a finalidade da lei 8429/92 é punir o agente ímprobo, e não o inábil. 2. Conquanto irregularidades na aplicação de recursos públicos possam gerar danos presumíveis, é necessária a comprovação de que o agente, propositadamente, intencionava causar dano ao erário, enriquecer ilicitamente/beneficiar terceiros ou violar os princípios da administração. O ato de improbidade administrativa deve ser consciente, decorrendo de ação agregada ao dolo, com má-fé do agente público. 3. Verificada a ilegitimidade passiva do particular na ação de improbidade administrativa, nos termos do art. 3º da LIA, porquanto excluída a participação do agente público. 4. Quanto ao tema da prescritibilidade das ações de ressarcimento, o Supremo Tribunal Federal concluiu que somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa - Lei 8.429/1992 (TEMA 897). Em relação aos demais atos ilícitos, aplica-se o TEMA 666, sendo prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública. 5. Remessa necessária desprovida. 6. Segundo a jurisprudência do e. STJ, não se configura decisão surpresa quando os fundamentos adotados pelo magistrado são previsíveis e cogitáveis pelas partes (RMS 54.566/PI, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 19/09/2017, DJe 09/10/2017), o que restou configurado no caso concreto, uma vez que as questões debatidas na decisão atacada foram amplamente discutidas no curso da lide, direta e indiretamente. 7. Ausente condenação por improbidade administrativa e sendo o executivo fiscal baseado em condenação proferida em Tomada de Contas Especial, não há falar em imprescritibilidade. Aplicação do TEMA 899: "É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas" 8. Verificada a fluência de mais de 03 anos em que o processo administrativo ficou paralisado, sem que houvesse qualquer causa interruptiva ou suspensiva do prazo prescrional. Assim, nos termos do art. 1º, §1º da Lei 9873/99, reconhecida a prescrição intercorrente e mantida a sentença, ainda que sob fundamento diverso. 9. Desprovida a apelação do INCRA. (TRF4 5000686-43.2015.4.04.7012, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 11/03/2024) RECURSO DE APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPUTAÇÃO DE CONDUTA VIOLADORA DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992. NOVA DESCRIÇÃO TÍPICA DELINEADA PELA LEI Nº 14.230/2021. ATIPICIDADE SUPERVENIENTE. 1. Na petição inicial, o MPF narra um contexto de descumprimento reiterado da carga horária a que o Apelante, Joceilton de Souza Conceição, estava obrigado na condição de médico-perito do INSS, realizando lançamentos fictícios nos registros de frequência, de forma a tornar possível a realização de atendimentos particulares como médico cooperado do convênio UNIMED, em horários coincidentes com a sua jornada de trabalho na Autarquia federal. Em razão disso, foi postulada a condenação do Réu (Apelante) à pena de perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, ao cumprimento da obrigação de ressarcir integralmente o dano, ao pagamento de multa civil, à perda da função pública ou cassação de sua aposentadoria e à suspenção dos direitos políticos por dez anos. 2. Ao julgar o caso, o juízo sentenciante afastou o enquadramento da conduta imputada ao Réu nos artigos 9º e 10 da Lei nº 8.429/1992, reconhecendo, por outro lado, a tipificação no caput artigo 11 da Lei, por violação aos princípios da Administração Pública. Assim, com base no artigo 12, inciso III, parágrafo único da Lei, condenou-o ao pagamento de multa civil quantia equivalente a trinta vezes o valor da remuneração e à pena de suspensão dos direitos políticos por três anos. 3. Os danos causados por imprudência, imperícia ou negligência (modalidades de culpa ou formas de manifestação da inobservância do dever de cuidado) não podem mais ser configurados como atos de improbidade, porque a lei passou a exigir expressamente o dolo para a responsabilização. Os dispositivos que incluíam a culpa como elemento subjetivo do tipo da improbidade foram todos modificados para deixar apenas a ação ou omissão dolosa como hipótese de ato de improbidade administrativa. Além disso, o dolo genérico não é mais admitido, pois a finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outrem passou a ser explícita no texto legal (dolo específico). Com efeito, com o advento da Lei nº 14.230/2021, para que seja considerado ímprobo, o ato deve derivar de vontade livre e consciente do agente público de causar algum tipo de prejuízo ao erário, de afrontar os princípios da Administração Pública ou de enriquecer ilicitamente. Trata-se de uma conduta deliberada para alcançar um resultado específico que vai além da voluntariedade ou o mero exercício da função. A nova redação da lei continua possibilitando a caracterização de improbidade por desobediência a princípios da Administração Pública, mas agora especifica abstratamente as condutas nas quais poderá haver o enquadramento. 4. O artigo 11 da LIA, que anteriormente trazia um rol meramente exemplificativo de condutas ímprobas, passou a estabelecer taxativamente as hipóteses em que haverá afronta aos princípios da Administração Pública. 5. O Supremo Tribunal Federal, analisando a questão da aplicabilidade da Lei nº 14.230/2021, estabeleceu, no julgamento do ARE 843.989, as seguintes teses jurídicas (Tema 1199): 1) é necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo; 2) a norma benéfica da Lei 14.230/2021 sobre revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. 6. Portanto, em relação às ações judiciais de improbidade administrativa em andamento (isto é, sem decisão judicial transitada em julgado), o exame da tipicidade da conduta atribuída ao agente público deverá ser realizado com base na nova disciplina instituída pela Lei nº 14.230/2021. 7. No REsp 1.912.569 (STJ, Rel. Ministro Humberto Martins, publ. em 17/04/2023), foi adotada a interpretação no sentido de que “tal disposição legal [redação original do artigo 11) foi revogada e não há mais possibilidade de condenação sem que esteja caracterizada alguma hipótese prevista expressamente no rol taxativo recém-criado legalmente, isto é, não há mais a possibilidade legal de condenação com base tão somente em violação de princípio, que foi exatamente a hipótese dos autos”. 8. A Sétima Turma Especializada desta Corte Federal, no julgamento da Apelação nº 0016480-25.2016.4.02.5101 (Rel. Juiz Federal Convocado Sílvio Wanderlei do Nascimento Lima, sessão de 09/11/2022), se pronunciou no sentido de ser taxativo o catálogo de condutas de que trata o artigo 11 da Lei nº 8.429/1992 (conforme a redação dada pela Lei nº 14.230/2021), de modo que, se não houver plena adequação típica, a conduta imputada ao agente não poderá ser enquadrada como ato de improbidade administrativa. 9. No caso em particular, a conduta imputada ao Apelante não se subsome em nenhuma das hipóteses descritas nos incisos do art. 11 da Lei nº 8.429/1992. Portanto, deve ser acolhida a alegação apresentada pelo Apelante no sentido da inexistência de prática de conduta típica de improbidade administrativa violadora dos princípios da Administração Pública. 10. Recurso de apelação provido. (TRF2 - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0138029-59.2017.4.02.5103/RJ, 7a. Turma Especializada, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, data do julgamento: 31/05/2023, data intimação: 03/06/2023) A Lei nº 14.230/2021 alterou a redação do artigo 11 da Lei de Improbidade e revogou os seus incisos I e II, de modo a deixar de descrever no caput qualquer conduta típica caracterizadora de ato de improbidade e de considerar como ímproba a prática de ato que tenha objetivo proibido em lei ou regulamento. A alteração do dispositivo está em consonância com as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.230/2021, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, os atos imputados no dispositivo tornaram-se atípicos pela abolição da figura ímproba, o que torna inviável a pretensão sancionatória. Destaca-se nesse sentido: SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843.989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, a exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a pretensão autoral. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental desprovido. (STF, ARE 1346594 AgR-segundo, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30-10-2023 PUBLIC 31-10-2023) O Supremo Tribunal Federal, ao finalizar o julgamento do ARE 843989 RG/PR, em 18/08/2022, com repercussão geral, reconheceu que a Lei nº 14.230/2021 tem aplicação imediata e não retroativa, que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa não se aplica às condenações transitadas em julgado e na fase de execução da pena, em virtude do disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, mas apenas aos atos culposos praticados na vigência do texto anterior, sem condenação transitada em julgado, considerada sua revogação expressa. Para a Colenda Corte, a supressão dos dispositivos que tratavam da modalidade culposa das condutas não retroage, entretanto a sua revogação inviabiliza condenações por atos culposos, a partir da edição da Lei nº 14.230/2021. Confira-se, verbis: Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente – , há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN. 19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". (ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) Os apelantes DONIZETTI BORGES BARBOSA e OUTROS apresentaram manifestação para requerer a juntada do acórdão proferido na Apelação Criminal nº 0000096-81.2009.4.03.6110/SP pela Décima Primeira Turma, que, à unanimidade, deu provimento ao recurso da defesa, para o fim de absolver os acusados pela prática dos delitos que lhe foram imputados, na forma doa artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, para reforçar a inexistência de dolo (Id. 293135342). Registra-se que, para o Supremo Tribunal Federal, na linha da jurisprudência consolidada, a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, somente impede o trâmite da ação de improbidade caso fundamentada, exclusivamente, nos artigos 65 e 386, incisos I (inexistência do fato) ou IV (negativa de autoria), do Código de Processo Penal. Nessa acepção, o Ministro Alexandre de Moraes deferiu parcialmente a medida cautelar, ad referendum, na ADI 7236 MC/DF, em 27/12/2022, para o fim de suspender a eficácia do parágrafo 4º do artigo 21 da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, por considerar que: “A independência entre as diferentes formas de persecução, todavia, encontra-se abrandada por imperativos sistêmicos nas hipóteses em que, na esfera penal, seja possível reconhecer a inexistência do fato ou a negativa de sua autoria. (...) Nada obstante o reconhecimento dessa “independência mitigada” (Rcl 41.557, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 10/03/2021), a comunicabilidade ampla pretendida pela norma questionada acaba por corroer a própria lógica constitucional da autonomia das instâncias, o que indica, ao menos em sede de cognição sumária, a necessidade do provimento cautelar” (Publicação, DJE divulgado em 09/01/2023). No julgamento, iniciado em 09/05/2024 e suspenso por pedido de vista, o relator proferiu voto no sentido de: “declarar a parcial inconstitucionalidade com interpretação conforme do art. 21, § 4º, da referida Lei, no sentido de que a absolvição criminal, em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, somente impede o trâmite da ação de improbidade administrativa nas hipóteses dos arts. 65 (sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito); 386, I (estar provada a inexistência do fato); e 386, IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), todos do Código de Processo Penal”. III) DO REEXAME NECESSÁRIO Trata-se de caso de remessa obrigatória, nada obstante o silêncio da Lei nº 7.347/1985 a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65), verbis: Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014/73) Não se desconhece que o artigo 17, § 19, inciso IV, e artigo 17-C, § 3º, da Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, prevê, o não cabimento do reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução do mérito nas ações de improbidade. Contudo, por se tratar de norma processual e dado o interesse público, as disposições devem ser aplicadas às sentenças proferidas a partir da publicação da norma. Assim, o que baliza o cabimento da confirmação da sentença pelo tribunal é a data da sentença, ou seja, para decisões proferidas antes da publicação da nova lei (26/10/2021) caberá o seu reexame necessário, e para posteriores não, como no caso concreto em que a decisão foi proferida no dia 06/06/2012 e as partes intimadas, em secretaria, em 13/06/2012 (Id. 270796742 – fls. 164 e 175). Destacam-se, nesse sentido, precedentes desta Quarta Turma: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 14.230/2021. LEGITIMAÇÃO EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ADI NºS 7042 e 7043. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE PROVAS DE CONDUTAS IRREGULARES. 1. No julgamento das ADIs nºs 7042 e 7043, o E. Supremo Tribunal Federal restabeleceu “a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil”. 2. Na redação do Tema nº 1.119, não há qualquer menção acerca da incidência retroativa do reexame necessário. A despeito disto, aplica-se, na espécie, a teoria do isolamento dos atos processuais, nos termos do art. 14 do CPC. 3. Na época da prolação da sentença, vigorava o entendimento consolidado no julgamento do EREsp 1.220.667/MG, em que a C. Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça entendeu que seria cabível a incidência do reexame necessário em Ação Civil de Improbidade Administrativa, por aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular). 4. Como bem apontado na r. sentença, não consta da petição inicial quais foram as condutas praticadas pelos corréus FRANCISCO YUTAKA e LUIZ ROBERTO que contribuíram para a concretização das irregularidades acima enumeradas. 5. A inclusão dos corréus teve por fundamento exclusivo o fato de atuarem em cargos diretivos do CREA-SP, respectivamente Presidente e Superintendente de Fiscalização, e que, por estarem na cúpula da estrutura hierárquica administrativa, responderiam objetivamente pelos fatos questionados. 6. Ocorre que a imputação por ato de improbidade administrativa ostenta os atributos da responsabilidade subjetiva, ou seja, não basta a constatação do dano e a comprovação do nexo de causalidade para que os agentes sejam condenados, sendo imprescindível demonstrar o elemento volitivo de cada um dos agentes na concretização da violação ao erário público (art. 10) ou aos princípios administrativos (art. 11). 7. A petição inicial deve ser indeferida, nos termos do § 6º, do art. 17, da LIA, com redação anterior à Lei nº 14.230/2021, já que o CREA-SP não trouxe documentos hábeis a demonstrar os indícios de prática de atos de improbidade administrativa pelos corréus. 8. Reexame necessário improvido. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0000571-26.2017.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 09/02/2023, Intimação via sistema DATA: 13/02/2023) [ressaltado] PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PRELIMINAR. JULGAMENTO EXTRA PETITA. REJEITADA. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 14.230/2021. EXIGÊNCIA DA CONDUTA DOLOSA. DOLO ESPECÍFICO. APLICAÇÃO NÃO RETROATIVA DA NORMA. are 843.989 rg/rp. REVOGAÇÃO DOS INCISOS I E II DO ARTIGO 11 DA LIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO COM BASE NO TEXTO REVOGADO. RESPONSABILIDADE DOS EMPREGADOS PÚBLICOS PELA LESÃO. AFASTADA. CONDUTA DOLOSA DO REPRESENTANTE LEGAL E PESSOA JURÍDICA CONTRATADA. CARACTERIZADA. APLICAÇÃO DAS PENALIDADES PREVISTAS NA LEI Nº 8.666/93. INCABÍVEL. DANOS MORAIS COLETIVOS. CARACTERIZADO. PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO DO MPF. RECURSO DOS ACUSADOS PROVIDO EM PARTE. - Ressalte-se que se trata de caso de remessa obrigatória, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65). Precedentes. - Não se desconhece que a Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, prevê, no artigo 17, § 19, inciso IV e artigo 17-C, § 3º, o não cabimento do reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução do mérito nas ações de improbidade. Contudo, por se tratar de norma processual e dado o interesse público, as disposições devem ser aplicadas às sentenças proferidas a partir da publicação da norma. Assim, o que baliza o cabimento da confirmação da sentença pelo tribunal é a data da sentença, ou seja, para decisões proferidas antes da publicação da nova lei (26/10/2021), caberá o seu reexame necessário, como no caso concreto, em que a sentença foi publicada em 20/09/2018 (Id. 126752861 – fl. 135). Para decisões posteriores à nova lei, não caberá a remessa oficial. (...) - Remessa oficial e apelação do MPF parcialmente providas. - Recurso dos acusados provido em parte. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0005714-08.2012.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 14/12/2022, DJEN DATA: 16/12/2022) Cabe salientar que a doutrina e jurisprudência sempre consideraram que a data da publicação da sentença é que fixa a necessidade de submissão da decisão ao reexame necessário. Nesse sentido, o Enunciado nº 311 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(arts. 496 e 1.046) A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos da sentença ou, ainda, quando da prolação da sentença em audiência, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica as remessas determinadas no regime do art. 475 do CPC/1973. (Grupo: Direito intertemporal e disposições finais e transitórias; redação alterada no V FPPC-Vitória e no VII FPPC-São Paulo)” e a Nota Técnica nº 003/2017, de 27/02/2018, do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal: “(...) O Código de Processo Civil de 2015 definiu novos parâmetros de valor para o reexame obrigatório das sentenças (§ 3º do art. 4965), afastando o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas decisões que a condenem ou garantam proveito econômico à outra parte em valores inferiores a mil salários mínimos. A data da publicação das sentenças tem sido considerada fator determinante para se definir sobre a aplicabilidade das normas do novo Código de Processo Civil em tema de remessa necessária (...)”. Destacam-se precedentes do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. INSS. PROVIMENTO PARCIAL. DESERÇÃO AFASTADA. RETORNO AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA JULGAMENTO DA APELAÇÃO. CONSEQUÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. ARTIGO 475, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Tendo sido o recurso especial parcialmente provido para afastar a deserção, o retorno dos autos ao Tribunal de origem para julgamento da apelação é mera consequência lógica do julgado, não se caracterizando como omissão. 2. O STJ já firmou o entendimento de que o instante da prolação da sentença é o próprio para se verificar a necessidade de sua sujeição ao duplo grau, daí porque, quando se tratar de sentença ilíquida, deve ser considerado o valor da causa atualizado. 3. Em se tratando especificamente de prestação continuada, para efeito do disposto no art. 475, § 2º, do CPC, a remessa necessária será incabível, também, se o valor das prestações vencidas, quando da prolação da sentença, somado ao das doze prestações seguintes não exceder a sessenta salários mínimos. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.000.102/PR, relator Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 29/6/2009, DJe de 3/8/2009.) DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. SENTENÇA ILÍQUIDA. VALOR ATUALIZADO DA CAUSA INFERIOR A 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO-CABIMENTO. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A necessidade de sujeição da sentença ao duplo grau deve ser verificada no instante de sua prolação. Tratando-se de sentença ilíquida, deve ser considerado o valor da causa atualizado. Precedentes. 2. Recurso especial conhecido e improvido. (REsp n. 866.329/SP, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 3/4/2008, DJe de 9/6/2008.) RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO BASEIA-SE EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE. RECURSO NÃO ABRANGE TODOS. NÃO CONHECIMENTO. ENUNCIADO N.º 283 DA SÚMULA DO STF. ARTIGO 475, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. VALOR DA CONDENAÇÃO OU DO DIREITO CONTROVERTIDO INFERIOR A 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. INEXIGIBILIDADE. MOMENTO OPORTUNO. PROLAÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 1. Enunciado n.º 283 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles". 2. Configurado o reexame necessário como condição de eficácia da sentença, o momento adequado para verificar se esta já está apta a produzir seus efeitos ou se carece da implementação de alguma condição é justamente no momento de sua prolação. 3. Cabe ao juiz prolator da sentença constatar se está presente, ou não, alguma hipótese de incidência de reexame necessário, devendo, para tanto, aferir também se o valor da condenação ou do direito controvertido é, naquele momento, superior ao limite de sessenta salários mínimos. 4. Líquido o quantum apurado em sentença condenatória, este valor será considerado para exame do limite em apreço. Ilíquido o valor da condenação ou, ainda, não havendo sentença condenatória, utiliza-se o valor da causa atualizado como critério. Se assim não fosse, esvaziar-se-ia o conteúdo do artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil, determinando o reexame necessário todas as vezes em que ilíquido o valor da condenação. 5. Em verdade, aguardar a liquidação da sentença para constatar se foi atingido, ou não, de fato, o valor limite de sessenta salários mínimos implicaria nítida violação ao artigo 475, § 2º, da lei de rito, uma vez que restaria inócuo o escopo da norma em restringir a amplitude do reexame necessário. 6. Analisar se o valor apurado na sentença é, ou não, superior a sessenta salários mínimos importaria reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Enunciado n.º 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça). 7. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 655.046/SP, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, julgado em 14/3/2006, DJ de 3/4/2006, p. 430.) PROCESSUAL CIVIL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. ART. 535 DO CPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PRECLUSÃO. JUROS. REMESSA NECESSÁRIA. AUTARQUIA. APLICABILIDADE A PARTIR DE 13.06.1997. MOMENTO DE AFERIÇÃO DO CABIMENTO. DATA DE PROLAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES. 1 O conhecimento do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional exige a demonstração da alegada divergência na forma dos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ, isto é, com o cotejo analítico dos julgados, indicando-se as circunstâncias de fato e de direito que os assemelham ou identificam. Na hipótese dos autos, inexiste cotejo analítico entre os julgados e, tampouco, similitude fática. 2. A ausência de debate, na instância recorrida, dos dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai a incidência da Súmula 282/STF. 3. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta. Precedentes: EDcl no AgRg no EREsp 254949/SP, Terceira Seção, Min. Gilson Dipp, DJ de 08.06.2005; EDcl no MS 9213/DF, Primeira Seção, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21.02.2005; EDcl no AgRg no CC 26808/RJ, Segunda Seção, Min. Castro Filho, DJ de 10.06.2002. 4. À época da prolação da sentença, em 17.02.1997 (fls. 537), e da remessa da apelação ao Tribunal de origem, em 30.03.1997 (fls. 561), não havia norma legal prevendo a aplicabilidade da remessa necessária às autarquias, comando que só veio a ser incluído pelo art. 10 da MP 1561-1/97, vigente desde 13.06.1997. 5. A jurisprudência desta Corte assentou entendimento de que o cabimento do reexame necessário é analisado quando da prolação da sentença, já que condição de eficácia dessa. Precedentes: AgRg no REsp 661874/RS, 5ª T., Min. Laurita Vaz, DJ de 03.10.2005; REsp 723394/RS, 6ª T., Ministro Nilson Naves, DJ de 14.11.2005 e REsp 576698/RS, 5ª T., Ministro Gilson Dipp, DJ de 01.07.2004. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp n. 815.752/SP, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 4/4/2006, DJ de 17/4/2006, p. 186.) A jurisprudência contemporânea do Superior Tribunal de Justiça, posterior à alteração do instituto pela Lei nº 14.230/2021, tem afastado a aplicação retroativa da norma e reconhecido que os pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa julgados improcedentes ou parcialmente procedentes, antes da entrada em vigor da lei alteradora, estão sujeitos ao reexame necessário por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ou analógica da Lei da Ação Popular (artigo 19). Confira-se: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PRECEDENTES. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE QUANDO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. TEORIA DO ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. É cabível o reexame necessário na ação civil pública por improbidade administrativa, seja porque incidente o art. 475 do Código de Processo Civil de 1973, seja por aplicação analógica do art. 19 da Lei 4.717/1965 às sentenças extintivas ou de improcedência. Precedentes. 2. Sucessão legislativa. Entrada em vigor da Lei 14.230/2021. Expresso afastamento da figura da remessa obrigatória no corpo da Lei 8.429/1992. Inaplicabilidade ao caso concreto. 3. É eminentemente processual a questão ligada ao cabimento ou não do reexame necessário. Aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais. O regime de impugnação das decisões judiciais é aquele vigente quando da publicação da decisão recorrida, isolando-se, assim, os atos considerados perfeitamente realizados sob a égide de uma determinada legislação processual. 4. A sentença que extingue o processo sem resolução de mérito, ou julga improcedentes os pedidos antes das alterações processuais trazidas pela Lei 14.230/2021 está, pois, submetida ao regime até então vigorante no microssistema das ações coletivas de proteção aos direitos e interesses difusos, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Cabimento do reexame necessário. 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp n. 1.502.635/PI, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 18/12/2023.) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. APLICAÇÃO. 1. De acordo com precedente da 1ª Seção, as sentenças de improcedência de pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário, seja por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 475 do CPC/1973), seja pela aplicação analógica do Lei da Ação Popular (art. 19 da Lei n. 4.717/65). Nesse sentido: EREsp 1.220.667/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 30/6/2017. 2. No caso, a sentença que examinou a ação de improbidade administrativa julgou improcedente o pedido em relação a dois demandados, impondo ao Tribunal de origem a observância ao reexame necessário, nos termos da jurisprudência do STJ. 3. A supressão da remessa necessária em casos tais, pela Lei n. 14.230/2021, por ostentar feição processual, não retroage, conforme a disciplina do art. 14 do CPC/2015. 4 . Agravo interno desprovido. (STJ, AgInt no REsp n. 1.543.207/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 14/12/2023.) IV - DO ARTIGO 11, CAPUT E INCISO I, DA LEI Nº 8.429/92 Na inicial o MPF enquadrou as condutas dos requeridos nos artigos 10, caput e incisos VIII, IX, XI e XII, e 11, caput e inciso I, da Lei n° 8.429/92 (Id. 270796742 – fls. 08/35). O pedido foi julgado parcialmente procedente para o fim de condená-los ao ressarcimento integral do dano ao erário e às sanções previstas no artigo 12, inciso II, da LIA pela infração do artigo 10, caput e inciso VIII, do mesmo diploma legal (Id. 270796742 – fls. 118/164). Apenas os acusados apelaram (Id. 270796742 – fls. 183/242). O colegiado negou provimento ao recurso e à remessa oficial e manteve in totum a sentença (Id. 270796748 – fls. 60/78 e 85/164). Desse modo, o artigo 11, caput e inciso I, da Lei n° 8.429/92 não é objeto da retratação. V – DO CASO CONCRETO Extrai-se da inicial que os acusados teriam praticado irregularidades na formalização e condução de processos licitatórios, com o intuito de burlar o caráter competitivo dos certames e favorecer empresas licitantes e pessoas integrantes na denominada "Máfia das Sanguessugas", em prejuízo do Município de Apiaí e da União, bem como violado normas e princípios que disciplinam e regem as licitações públicas. O autor relata que o Município de Apiaí/SP, representado por Emílson Couras da Silva, que ocupada o cargo de prefeito à época, firmou dois convênios com o Ministério da Saúde para aquisição de um veículo tipo van, com capacidade para dezesseis pessoas, destinado ao transporte de pacientes, no valor total de R$ 68.000,00, e um ônibus equipado para atendimento médico e odontológico, no valor de R$ 145.180,00, com contrapartida da prefeitura, proveniente de emenda parlamentar ao orçamento da União de autoria dos Deputados Federais Gilberto Kassab e Bispo Wanderval Santos. Finalizadas as fases preliminares, o Prefeito DONIZETTI BORGES BARBOSA iniciou, por solicitação de Carlos Alberto Bastos de Moraes, então Secretário de Saúde, os processos licitatórios nº 09/2005, nº 11/2005 e nº 11/2005. A comissão de licitação era composta pelo presidente RUBENS BARRA RODRIGUES DE LIMA e pelos membros LUIZ DO CARMO BATISTA ROSA, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA e VANDERLEI BORGES DE LIMA. Os convênios foram parte integrante da ação conjunta do Ministério da Saúde e da Controladoria-Geral da União, que tinha como finalidade apurar as atividades fraudulentas perpetradas pela denominada "Máfia das Sanguessugas”, e objeto de auditoria realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS, nos dias 21 e 22 de setembro de 2006. Segundo o MPF, os auditores constataram inúmeras irregularidades que comprovaram a “montagem fraudulenta de dois certames”, com o objetivo de favorecer empresas e pessoas que atuavam em prol da organização criminosa, viabilizada e concretizada com a conivência e participação do administrador municipal, que se propôs a compactuar com a quadrilha encabeçada por Darci José Vedoin e Luiz Antônio Trevisan Vedoin. O MPF afirma que Donizetti Borges Barbosa ocupava, na data dos fatos, o cargo de prefeito e nessa condição foi o responsável pela execução dos convênios, de modo que teve participação direta nas fraudes relatadas. Maria Elisa Manca, funcionária do departamento de compras, deu início aos trâmites licitatórios fictícios, ao solicitar informações sobre dotações orçamentárias e assinar os convites supostamente enviados às empresas licitantes, o que demonstra que tinha pleno conhecimento dos fins fraudulentos dos procedimentos. Rubens Barra Rodrigues de Lima, Luiz do Carmo Batista Rosa, Adilson Rodrigues de Almeida e Vanderlei Borges de Lima, presidente e membros da comissão de licitação, foram os responsáveis pela formalização e julgamento dos certames e teriam se descurado das obrigações inerentes às suas funções, pelo que respondem solidariamente por todos os atos ilícitos e irregulares praticados. Verifica-se que a Carta convite nº 08/2005 (Processo nº 09/2005) tinha como objetivo a aquisição de um ônibus, ano/modelo não inferior a 1997, revisado motor, caixa e diferencial, em perfeitas e garantidas condições de funcionamento, versão vazio para adaptação de equipamentos médicos e odontológicos em seu interior; a nº 10/2005, a aquisição de um veículo, tipo Van, 0 km, potência mínima de 100CV, combustível diesel, adaptadas para atendimento médico, denominada Unidade Móvel de Saúde; e a nº 10/2005, a transformação do ônibus objeto da Carta-Convite n° 08/2005 em unidade móvel de saúde. Os documentos licitatórios foram assinados por Donizete, na qualidade de prefeito municipal, e pelo procurador municipal Luiz Antônio Belluzi (Id. 270796733 – fls. 192/211). De acordo com o Relatório de Verificação In Loco nº 308-2/2005 da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, relativa ao Convênio 1832/2003, a despeito das falhas no procedimento licitatório, como a falta de aprovação do ordenador de despesas à requisição que determinou a abertura do procedimento, da indicação de disponibilidade dos recursos financeiros e da minuta do edital com aprovação da assessoria jurídica da entidade, a convenente havia observado a legislação aplicável à licitação. Consta que as despesas foram realizadas de acordo com as correspondentes classificações constantes do plano de aplicação, os preços praticados com a execução do convênio estavam de acordo com o projeto aprovado, a fase de empenho, liquidação e pagamento das despesas observaram o que preceitua a Lei nº 4.320/64, os documentos comprobatórios das despesas estavam identificados com o número e título do convênio, a contrapartida executada foi aplicada conforme pactuado no convênio, as metas físicas foram 100% executadas, em conformidade com a quantidade e períodos programados. Quanto à execução do projeto, foi mencionado que a unidade móvel estava em conformidade com as especificações, valores e quantitativos descritos no plano de trabalho aprovado e que havia sido localizada e era utilizada de acordo com os objetivos propostos. A equipe concluiu que o os objetivos do convênio foram alcançados e atingidos integralmente e identificou as seguintes irregularidades: “Existe saldo de R$ 684,79 na conta específica, mantidos desde 30/06/20051 até a presente data, sem aplicação financeira. Em incontinência aos Artigos 38, 14 e 22 § 3° da Lei 8.666/93, deixou de constar no processo licitatório a Aprovação do Ordenador de Despesas à Requisição determinando a abertura de processo licitatório, indicação da disponibilidade dos recursos financeiros e Minuta do Edital com aprovação da Assessoria Jurídica da Entidade. Há saldo de contrapartida a executar. Falta o logotipo padronizado do SUS, contendo a identificação da origem dos recursos” (Id. 270796733 – fls. 220/227). A Auditoria nº 4719, do Convênio 1832/2003, realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS, menciona que o Relatório de Cálculo de Prejuízo Estimado de U.M.S./Ordem de Serviço/CGU n°. 185727, elaborado em 12/06/2007, apurou um prejuízo de R$ 72.743,58 na aquisição da unidade móvel, calculado com base no valor estimado de mercado do veículo (R$ 36.332,00) e da sua transformação (R$ 24.924,42), que totalizaram o valor de R$ 61.256,42, deduzido do valor pago (R$ 134.000,00). O valor a ser restituído ao Fundo Nacional de Saúde totalizou o montante de R$ 61.725,86, calculado de acordo com o Demonstrativo de Cálculo de Proporcionalidade - Quadro XIV. A fiscalização constatou que o consultório odontológico encontrado estava em desacordo com o plano de trabalho, edital de licitação e nota fiscal e não era adequado para utilização: “com cadeira odontológica semiautomática em um espaço insuficiente para a inclinação da cadeira; equipamento com seringa tríplice incompleto; unidade auxiliar com sugador; refletor; uma autoclave não afixada na bancada (o que ocasionaria uma queda com ônibus em movimento); armário; lavatório com cuba de inox que provavelmente não é utilizada, uma vez que a torneira foi testada e deu-se a saída de água "cor de ferrugem". Não havia portas sanfonadas e cortinas nas janelas, conforme descrito nas propostas. Não havia torneira elétrica, conforme nota fiscal n° 000448 da empresa Transform Ind. Com. Veículos Especiais Ltda”. Os auditores concluíram que: “- Houve aquisição da Unidade Móvel e equipamentos com recursos específicos do Convênio 1832/2003, mas em desacordo com o Plano de Trabalho aprovado, conforme citado no item 3.7.2. e da licitação. - A unidade móvel está atendendo parte dos objetivos do convênio, uma vez que está em desacordo com o Plano de Trabalho. - Existe um saldo de contrapartida, o qual a Prefeitura Municipal necessita apresentar uma Reformulação do Plano de Trabalho com os devidos itens, conforme citado no parecer de agosto/2006. (PRAZO DE VIGÊNCIA EXPIRADO EM 22/2/2007, PORTANTO NÃO CABE MAIS REFORMULAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO). - De acordo com o RELATÓRIO DE CALCULO DE PREJUÍZO ESTIMADO DE U.M.S./Ordem de Serviço/CGU n°. 185727, elaborado em 12/06/2007, verificou-se que ocorreu um prejuízo estimado de R$ 72.743,58 (setenta e dois mil, setecentos e quarenta e três reais e cinqüenta e oito centavos). - Assim sendo, conforme consta no Demonstrativo de Cálculo de Proporcionalidade - Quadro XIV -B o valor de R$ 61.725,86 (sessenta e um mil, setecentos e vinte e cinco reais e oitenta e seis centavos) deverá ser restituído ao Fundo Nacional de Saúde, com os devidos acréscimos legais, nos termos da IN/STN 01/97, artigo 116 da Lei 8.666/93 e Incisos II, III e V. do artigo 1° c/c artigo 3° do Decreto 201/67, cabendo, portanto, a emissão das respectivas Planilhas de Glosa e de Responsáveis. Quanto ao valor de R$ 22.197,72, deverá ser ressarcido aos cofres do município por se tratar de recursos de fonte própria. - Ocorreram falhas administrativas durante a execução do convênio, tais como o prazo de vigência não considerado para prorrogação, como citado no item 3.1. - Ocorreram atos impróprios no processo de licitação que estão em desacordo com a Lei 8666/93. - Acusamos o licenciamento do veículo datado em 2005”. (Id. 270796742 – fls. 262/270). O Tribunal de Contas da União, no julgamento da Tomada de Contas Especial Processo TC 020.551/2009-8 (Acórdão nº 6805/2013 – TCU – 2ª Câmara), referente ao Convênio FNS 1832/2003, julgou regulares com ressalva as contas do Município de Apiaí/SP e irregulares as do responsável Donizetti Borges Barbosa, o condenou ao pagamento do débito nos valores originais de R$ 29.532,21 e R$ 8.987,34 e aplicou-lhe a multa prevista no artigo 57 da Lei 8.443/1992, no montante individual de R$ 6.000,00 (Id. 270796748 – fls. 08/20). A corte entendeu que não existiam nos autos elementos que possibilitassem o reconhecimento da boa-fé na conduta de Donizetti Borges Barbosa. Registra-se que a decisão foi baseada nas diversas tomadas de contas especiais relacionadas à Operação Sanguessuga, deflagrada pela Polícia Federal com o objetivo de investigar o esquema de fraude e corrupção na execução de convênios do Fundo Nacional de Saúde (FNS). O recurso de revisão interposto não foi recebido, considerada a intempestividade da sua apresentação. A prestação de contas do Convênio 1594/2003 foi aprovada, conforme Parecer GESCON nº 396 de 24/01/2006, considerado que as impropriedades verificadas ocorreram por inobservância de exigências formais, que não comprometeram o objetivo pretendido, visto que não restou configurada malversação na aplicação dos recursos públicos ou prejuízo ao erário (Id. 270796733 – fl. 232). A Secretaria Municipal de Finanças comunicou à Secretaria Municipal de Administração, em 05/04/2005, acerca da existência de dotação orçamentária, inclusive suplementada, se necessário, para aquisição de ônibus e sua transformação em unidade médica odontológica e do veículo novo tipo van ambulância, para uso no setor saúde e transporte de pacientes (Id. 270796733 – fls. 214/216). A proposta de utilização do saldo remanescente do Convênio 1832/2003, no valor estimado de R$ 11.454,38, foi deferida pela Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (Id. 270796733 – fl. 234). A solicitação de reformulação do plano de trabalho, parte integrante do Convênio 1832/2003, foi acolhida pela Coordenação-Geral de Investimentos em Saúde e aprovada pela Diretoria Executiva do Fundo Nacional de Saúde (Id. 270796733 – fl. 235). As fotos colacionadas aos autos comprovam a existência unidade móvel de saúde e da ambulância (Id. 270796575 – fls. 112/117). Os comprovantes de ponto diário de veículos demonstram que o automóvel Peugeot DBS 6162 transportou diversos pacientes no período de 08/2005 a abril de 2008 e que foram realizados atendimentos no ônibus KMP 1856 no período de agosto de 2006 a abril de 2008 (Id. 270796575 - fls. 119/255, Id. 270796733 fls. 03/186). Por sua vez, o cronograma de atendimento demonstra que o ônibus odontológico foi utilizado para o atendimento de dezenas de pacientes e realização de diversos procedimentos, no período de outubro a dezembro de 2005, janeiro a dezembro de 2006, abril a dezembro de 2007 e janeiro a julho de 2008, o que totalizou 9.865 pacientes e 26.175 procedimentos (Id. 270796742 – fls. 50/56). Donizetti Borges Barbosa afirmou em juízo que não conhecia ou manteve contato com Darci José Vedoin, Luis Antônio Trevisan Vedoin e a empresa Planan Comércio e Representações. Indagado pelo Ministério Público Federal respondeu que: "não conhece o Deputado Wanderval Santos. Que não tem conhecimento de como as empresas foram selecionadas, acreditando que as empresas procuraram o Município para participar da licitação” (Id. 270796738 – fl. 121). Maria Elisa Manca declarou que tinha como função formalizar os processos juntamente com o departamento jurídico, setor que elaborava o edital; que pediu para o setor de finanças a verificação da existência de dotação, o que foi respondido de forma positiva; que entregava os convites para as empresas, em mãos ou pelo correios; que as empresas ligavam para a prefeitura para saber a data da abertura da licitação; que montou todos os convites constantes na petição inicial; que um dos convênios foi firmado na administração anterior; que tinha dificuldade em encontrar fornecedores para os procedimentos licitatórios, em razão da localização geográfica do município e que o prefeito não tinha conhecimento das empresas que participaram das licitações (Id. 270796738 – fls. 123/125). Rubens Barra Rodrigues De Lima esclareceu que o edital de licitação era feito pela comissão de assuntos jurídicos, que o repassava ao setor de compras e depois para a comissão de licitação; que a modalidade de licitação era decidida pelo departamento jurídico, antes de ser encaminhado à comissão; que o responsável pelo departamento jurídico na época era o Sr. Luiz Antônio Beluzzi e que não elaborou qualquer questão relacionada a fracionamento, pois o procedimento era formalizado pelo setor jurídico (Id. 270796738 – fls. 126/127). Luiz do Carmo Batista Rosa disse que trabalhava na prefeitura e que as unidades de ambulância ainda eram utilizadas (Id. 270796738 – fls. 128/129). No mesmo sentido, ADILSON RODRIGUES DE ALMEIDA declarou que a ambulância e a unidade móvel serviam à comunidade (Id. 270796738 – fls. 130/131). Cíntia Nuciene Sarti de Souza, estagiária que trabalhou no setor jurídico e na área de licitação, no período de 2006 até o final de 2008, disse que participou da comissão de licitação e ajudou na elaboração dos certames e editais; que trabalhou com todos os réus do processo; que nunca presenciou o contato dos réus com os representantes das empresas antes da abertura dos envelopes das licitações; que nunca viu nenhum dos acusados receber vantagem econômica de representantes de empresas e que o Prefeito Donizetti, só autorizava o certame (Id. 270796738 – fls. 134/135). O magistrado a quo reconheceu que estava demonstrado o direcionamento das licitações, porquanto Luiz Antônio Trevisan Vedoin, mentor do esquema criminoso, havia afirmado em seu depoimento que: “a licitação se dava na modalidade de carta convite, o grupo repassava às entidades beneficiadas, sejam elas municípios ou instituições não governamentais, o nome das empresas que deveriam receber as cartas convites". Concluiu que o processo é um desdobramento operação sanguessuga ("máfia das ambulâncias") e envolve a atuação fiscalizadora da CGU em diversos municípios, que demonstrou a existência de uma organização criminosa que direcionava verbas federais oriundas do Fundo Nacional de Saúde, destinadas à compra de ambulâncias, repassadas a prefeituras e outras entidades por meio de convênios com o Ministério da Saúde. O direcionamento das licitações teria sido descoberto por meio de interceptações telefônicas autorizadas pelo Juízo da 2ª Vara Federal em Cuiabá, para apurar crimes relativos a desvios de recursos, corrupção e fraudes em licitações, bem como pelo depoimento de um dos mentores do esquema Luiz Antônio Trevisan Vedoin. Especificamente com relação ao Município de Apiaí, relata que Luiz Antônio afirmou em juízo que realizou acordo com o Deputado Federal Bispo Wanderval Santos, autor da emenda parlamentar relativa ao Convênio nº 1.832/2003, que gerou as Cartas convites nº 08/2005 e 10/2005, para pagamento do valor correspondente a 10% sobre o valor das emendas destinadas à aquisição de unidades móveis de saúde em diversos municípios, incluída a cidade de Apiaí. Diz que, no ato de assinatura dos projetos e convênios, o parlamentar e o prefeito acertavam os detalhes do processo de licitação, que o certame ocorria na modalidade carta-convite, o grupo repassava aos municípios o nome das empresas que deveriam receber os comunicados e que bastou o parlamentar entrar em contato com os prefeitos para acertar os detalhes do direcionamento das licitações. Afirma os prefeitos sabiam das circunstâncias em que a licitação iria ocorrer, vez que os municípios não aceitassem as condições impostas pelos parlamentares perdiam os recursos da emenda e que os prefeitos e servidores, diferentemente dos parlamentares, normalmente não recebiam comissões. Menciona que a licitação para aquisição do ônibus e da van teve como vencedora a empresa Delta Veículos Especiais Ltda., que pertencia a Sinomar Martins Camargo, que atuava nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, e era o representante anterior da Planam. A empresa Delta teria passado a dar cobertura às empresas de Luiz Antônio Trevisan Vedoin nas licitações fraudulentas, pelo que concluiu que teria ocorrido nítido favorecimento nos processos licitatórios, objeto dos autos. Fundamentou sua decisão em outros elementos que teriam revelado a burla ao caráter competitivo, como as diversas irregularidades descritas nos relatórios de auditoria do DENASUS, consistentes na inexistência de documento que autorizasse a abertura do processo licitatório, não realização de pesquisas de mercado prévias, não comprovação da ampla divulgação do certame, fracionamento da licitação em dois convites em lugar da tomada de contas, não comprovação da publicação dos editais, não identificação das pessoas que efetuaram a retirada dos editais, assinatura divergente de Antônio da Silva Filho no comprovante de entrega do edital, na declaração do empregador e no contrato social da empresa Transform, empresas que protocolaram os envelopes, mas que não foram representadas na sessão de abertura, e representante de empresa participante que não apresentou procuração. Salientou que Luiz Antônio afirmou em depoimento que o objeto licitatório era fracionado e eram realizados dois procedimentos para evitar a tomada de preço, para que fosse garantida a modalidade carta-convite e o controle do resultado e que, no caso do Convênio nº 1832/03, foram seguidas as diretrizes emanadas do grupo criminoso. Com base nas provas e indícios entendeu que estavam comprovados os atos fraudulentos mediante ajuste de vários envolvidos com o objetivo de frustrar o caráter competitivo dos certames e que vários prefeitos aceitaram participar do esquema fraudatório da competitividade de licitações justamente para obter as ambulâncias e ônibus. Entendeu que os réus incorreram nas condutas tipificadas no artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92, com aplicação das penas previstas no artigo 12, inciso II, da lei. O colegiado, ao negar provimento às apelações e à remessa oficial, concluiu que os elementos colhidos não deixavam dúvidas com relação à materialidade do ato de improbidade descrito no artigo 10, caput e inciso VIII, da Lei n° 8.429/92, bem como quanto ao direcionamento de licitações para o favorecimento da Delta Veículos Especiais Ltda. Reconheceu que: “em relação aos corréus Luiz do Carmo Batista Rosa, Adilson Rodrigues de Almeida e Vanderlei Borges de Lima, não há que se perquirir sobre a ausência de má-fé, à vista de suas condutas culposas, o que não se aplica a Donizetti Borges Barbosa, Maria Elisa Manca e Rubens Barra Rodrigues de Lima, os quais atuaram com o dolo de propiciar a contratação da empresa Delta Veículos Especiais Ltda mediante licitação inidônea” . Considerou que os primeiros, ainda que não tivessem tido conhecimento dos desígnios dos demais corréus, assumiram o encargo de membros da comissão permanente, mas não se desincumbiram das responsabilidades inerentes e, com isso, propiciaram o êxito da realização das condutas (Id. 270796748 – fls. 60/78 e 85/164). O artigo 10, caput, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece, verbis: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente”. Nota-se que o dispositivo exige, além da demonstração da conduta dolosa do agente, que o dano ao erário seja efetivo. Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto, ao tecerem comentários sobre o artigo 10 da LIA, fazem a seguinte observação: “Claro que nos atos indicados no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa o que se verifica é a necessidade de punição de condutas estritamente dolosas, jamais culposas (destacamos como culpa grave, resvalando no dolo nas edições anteriores, agora afastadas por expressa previsão legal), que sejam originárias de má-fé, da intenção de causar ao dano. (...) Agora a diretriz normativa é bem clara e precisa: ausente ato de improbidade sem dolo. Ao contrário do que se afirma, isso não impede outras formas de responsabilização do agente, mas não pela via da ação de improbidade que exige mesmo uma conduta dolosa do agente” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, GOMES JUNIOR, Luís Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 117 e 119). Por sua vez, Marçal Justen Filho menciona que: “A Lei 14.230/2021 estabeleceu que o elemento subjetivo do tipo do art. 10 é o dolo, não se configurando improbidade em hipótese de lesão ao erário por conduta culposa do agente público. As condutas especificadas nos diversos incisos do art. 10 pressupõem a existência da consciência e da intencionalidade quanto à lesividade da prática adotada (...) Portanto, toda e qualquer conduta elencada em qualquer dos incisos do art. 10 apenas se submete à disciplina do diploma quando presentes os elementos da improbidade, que compreendem o dolo e o dano patrimonial ao erário” (Justen Filho, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 92 e 96). O artigo 10, inciso VIII, da lei de improbidade define como improbidade o ato de: “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva”. Acerca do dispositivo, Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto salientam que: “A regra do inciso VIII, do art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa, om a sua nova redação, disciplina as três situações: a-) frustrar a licitude de procedimento licitatório ou do processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos; b-) dispensar procedimento licitatório ou o processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos de forma ilegal ou irregular; e c-) deixar de exigir procedimento licitatório ou o processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ora das hipóteses legalmente previstas. Por outro lado, cumpre ressaltar que eventual contratação de serviços promovida por dispensa ou adoção de procedimento diverso, mas que não resultar em prejuízo à Administração e nem houver comprovação da intenção de fraudar a lei pelo agente publico, afasta a incidência das penalidades do art. 10 em comento, por se caracterizar mera irregularidade ou ilegalidade, mas não ato de improbidade. É a necessária distinção de que nem toda ilegalidade gera improbidade administrativa. Não se pode perder de vista que o legislador passou a exigir que a prova da perda patrimonial seja efetiva. Logo, se houver contratação pública com dispensa de licitação ou inexigibilidade indevida, mas sem acarretar efetiva perda patrimonial ao Poder Público, tal ato pode ser declarado ilegal, com as consequências previstas na lei ou normativa própria, contudo sem o sancionamento por improbidade administrativa. (...) Para a caracterização da violação ao disposto no inciso VIII, do art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa revela-se necessário: a-) que haja o ato de frustrar a regularidade do procedimento licitatório ou do processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, inclusive com dispensa ou inexigibilidade irregulares; b-) atuação do agente público; c-) dolo, ou seja, ciência de que esta sendo praticado um ato ilegal; e d-) dano ao erário com perda patrimonial efetiva, aqui especialmente, inclusive, o dano moral coletivo” (op. cit., p. 130-132). Conclui-se que o tipo previsto exige que a conduta de frustrar o caráter concorrencial do procedimento licitatório ou dispensá-lo indevidamente seja dolosa e acarrete perda patrimonial efetiva. Ressalta-se a necessidade de comprovação do dolo com finalidade ilícita por parte do agente. Primeiramente cabe destacar que, diferentemente do afirmado pelo MPF, não está comprovado o conluio entre os corréus para o redirecionamento da licitação ou que tinham ciência da existência da organização criminosa denominada "MÁFIA DAS SANGUESSUGAS" ou do esquema fraudulento de burla ao processo licitatório. Também não está evidenciada a má-fé dos acusados na condução dos procedimentos licitatórios para aquisição dos veículos (unidades móveis de saúde), adaptados para atendimento médico e odontológico. Como mencionado, o dolo específico, para fins de caracterização do ato de improbidade, se consubstancia na vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado e deve estar eivado de má-fé, elemento considerado essencial. No caso concreto, constata-se que os convênios não foram firmados pelo acusado Donizetti Borges Barbosa, mas por Emílson Couras da Silva, que ocupava o cargo de prefeito à época. Os procedimentos licitatórios foram iniciados por solicitação do então Secretário de Saúde Carlos Alberto Bastos de Moraes e os editais assinados por Donizete, na qualidade de prefeito municipal, e pelo procurador municipal Luiz Antônio Belluzi. Registra-se que, a despeito da participação destes últimos, não foram incluídos no polo passivo. O fato de Donizetti Borges Barbosa ter ocupado o cargo de prefeito e executado os convênios não implica afirmar que teve participação nas fraudes, como mencionado pelo MPF. Nessa acepção, o artigo 17-C, inciso I, incluído pela Lei nº 14.230/2021, prevê que a sentença deve observar o disposto no artigo 480 da lei processual civil e: “indicar de modo preciso os fundamentos que demonstram os elementos a que se referem os arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, que não podem ser presumidos”. Marçal Justen Filho, ao tratar da necessidade de indicação específica dos fundamentos para subsunção na LIA e da vedação de ausência de fundamento probatório efetivo, menciona que: “Outra exigência prevista no art. 17-C reside na especificação pela sentença dos elementos fáticos que justificam o enquadramento da conduta do acusado nos dispositivos dos arts. 9º, 10 e 11. Essa determinação destina-se a impedir a prática usual de aludir genericamente aos dispositivos legais, sem produzir a subsunção efetiva das condutas em vista de cada um dos dispositivos. (...) A vedação abrange os casos em que inexistem prova, nem indícios, extraídos de cogitações abstratas. São aqueles casos em que a acusação veicula suposições e cogita de condutas que podem ou não ter ocorrido. Esse tipo de ‘presunção’ é repudiada pela LIA” (Justen Filho, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 213-214). A exordial menciona que o esquema criminoso se desenvolvia em fases distintas e articuladas e que, num primeiro momento, os membros da quadrilha entravam em contato com os prefeitos interessados em adquirir as unidades móveis e oferecia os serviços necessários para forjar e direcionar as licitações. Contudo, não há prova de que o ex-prefeito teve contato com a quadrilha ou o parlamentar, autor das emendas, ou que os certames foram forjados pelos membros da comissão de licitação. É de se observar que o nome do ex-prefeito Donizetti Borges Barbosa sequer foi mencionado por Luiz Antônio Trevisan Vedoin e que nesse estágio ele não era o prefeito em exercício. O MPF não descreveu ou individualizou as condutas de Donizetti Borges Barbosa ou indicou provas dos atos dolosos, mas apenas afirmou que teve participação direta nas fraudes e que agiu conjuntamente com a comissão de licitação mediante ações coordenadas para burlar o caráter competitivo dos certames. De acordo com o § 6º do artigo 17 da LIA, a exordial deve individualizar a conduta de cada réu e apontar as provas mínimas que demostram a prática dos atos ímprobos, bem como ser instruída com documentos que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado. O entendimento jurisprudencial, anterior às mudanças legislativas, já era nesse sentido: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FASE PRELIMINAR. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. 1. Hipótese em que a inicial imputa ao réu a prática de ato de improbidade administrativa por haver, na condição de Governador, assinado acordo de pagamento parcelado de débitos do estado, que foi seguido pelo inadimplemento de uma de suas parcelas. 2. A ação de improbidade deve ser rejeitada após a defesa preliminar quando inexistir ato de improbidade administrativa, de manifesta improcedência da ação ou de inadequação da via, nos termos do § 8º do art. 17 da Lei n. 8.429/1992. 3. Para que se processe a ação de improbidade administrativa é preciso que a inicial: (a) descreva adequadamente a ação/omissão capaz de configurar a improbidade administrativa; (b) venha respaldada por indícios suficientes de autoria e materialidade ou acompanhada de razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação, neste momento processual, de qualquer dessas provas (art. 16, § 6º, da Lei n. 8.429/1992). Só assim estará presente a justa causa para o recebimento da ação e improbidade administrativa, que só se processa quando há viabilidade condenatória. 4. No caso dos autos, as imputações ao recorrido deram-se de forma abstrata, não se evidenciando a justa causa para o recebimento da ação de improbidade. 5. Recurso especial provido para, desde logo, rejeitar a ação de improbidade. (STJ, REsp 1663430/AP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe 11/12/2018) [ressaltado] PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. GUARDA MUNICIPAL. ABUSO DE AUTORIDADE. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da orientação jurisprudencial desse Sodalício, basta a presença de indícios de cometimento de atos de improbidade a fim de que seja autorizado o recebimento da petição inicial da ação civil pública destinada à apuração de condutas que se enquadrem à Lei nº 8429/92. Deve, assim, prevalecer o princípio do in dubio pro societate. 2. Neste ponto, cumpre ressaltar que "a petição inicial deve ser precisa acerca da narração dos fatos, para bem delimitar o perímetro da demanda e propiciar o pleno exercício do contraditório e do direito de defesa. Não se exige, contudo, que desça a minúcias das condutas dos réus, nem que individualize de maneira matemática a participação de cada agente, sob pena de esvaziar de utilidade a instrução e impossibilitar a apuração judicial dos ilícitos imputados" (STJ, REsp 1.040.440/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/04/2009). (...) 6. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no REsp 1917098/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2021, DJe 27/05/2021) [ressaltado] Situação semelhante ocorre com relação aos requeridos Maria Elisa Manca, funcionária do departamento de compras, Rubens Barra Rodrigues de Lima, Luiz do Carmo Batista Rosa, Adilson Rodrigues de Almeida e Vanderlei Borges de Lima, presidente e membros da comissão de licitação. O autor se limitou a mencionar que os requeridos agiram de acordo com o manual elaborado pela denominada “Máfia das Sanguessugas” por meio de adulteração das licitações, com o intuito de favorecer os seus idealizadores e executores, e que estavam unidos na concretização de um objetivo ilícito comum para frustrar o caráter competitivo dos certames, mas não delimitou as condutas praticadas ou indicou qualquer elemento probatório que demonstrasse o cometimento de atos ímprobos. Registra-se que o fato de Maria Elisa Manca ter dado início aos trâmites licitatórios, solicitado informações sobre dotações orçamentárias e assinado os convites enviados não comprova que tinha pleno conhecimento de que os procedimentos eram fraudulentos. A afirmação, desprovida de qualquer prova de conduta dolosa, não passa de mera especulação, o que é rechaçado pela legislação, como se extrai da leitura do artigo 17-C, I, da LIA. A alegação de que os membros da comissão licitante, responsáveis pela formalização e julgamento dos certames, não teriam observado as obrigações inerentes aos cargos, sem a comprovação da conduta dolosa, caracteriza mera ilegalidade, não passível de punição pela Lei de Improbidade, como estabelece o § 1ª do artigo 17-C da LIA: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nada obstante, como afirmado em juízo, o edital de licitação era elaborado pelo departamento de assuntos jurídicos e a decisão pelo seu fracionamento era de responsabilidade dos procuradores municipais. Não há prova de que os acusados tivessem tido contato ou mesmo conhecessem Darci José Vedoin e Luiz Antônio Trevisan Vedoin, integrantes na denominada "Máfia das Sanguessugas", ou os Deputados Federais Gilberto Kassab e Bispo Wanderval Santos, autores das emendas parlamentares ou que empresas integrantes de esquema de corrupção haviam participado dos certames. O acusado Donizetti declarou em juízo que não conhecia ou teve contato com Darci José Vedoin Luis, Antônio Trevisan Vedoin, a empresa Planan e o Deputado Wanderval Santos e não há nos autos prova produzida capaz de refutar tal afirmação. Cabe reafirmar que, à época das emendas e da assinatura dos convênios, o prefeito em exercício era Emílson Couras da Silva. Inexiste prova de vantagem indevida recebida pelos acusados, especialmente Donizetti Borges Barbosa. Nesse sentido, cabe extrair o seguinte trecho da exordial: “destacando-se, em especial, as declarações de Luiz Antônio Trevisan Vedoin e Darci José Vedoin, tendo, o primeiro, confirmado que, no Estado de São Paulo, "teve participação em licitações fraudulentas nos seguintes municípios (...), Apiaí (...), com a ressalva de que, nos municípios citados, "não houve pagamento de qualquer comissão para prefeitos ou servidores e os contatos foram realizados diretamente pelos parlamentares responsáveis pelas emendas, entre eles, o Deputado Wanderval Santos". [ressaltado]. Acrescenta-se que Cíntia Nuciene Sarti de Souza, estagiária do setor jurídico e que trabalhou com os acusados, afirmou em juízo que nunca presenciou o contato dos réus com os representantes das empresas, não viu nenhum dos acusados receber vantagem econômica de representantes de empresas e que Donizetti apenas autorizava o certame. A despeito da não comprovação do recebimento de vantagens, do dolo e da má-fé, está demonstrado que os requeridos apenas exerceram suas atribuições. O § 3º da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, exclui de responsabilização por ato de improbidade: “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Desse modo, não cabe qualquer responsabilização. Destaca-se nesse sentido: REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO - APELAÇÃO CÍVEL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - LEI 8.429/92 - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR SERVIDOR MUNICIPAL EM OBRAS PARTICULARES - AUTORIZAÇÃO EMANADA DO EX-PREFEITO -ATO ÍMPROBO CONFIGURADO - OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - ENCARREGADO DE OBRAS - ART. 10, DA LEI 8.429/92 - CUMPRIMENTO DE ORDEM DE SUPERIOR HIERÁRQUICO - RESPONSABILIDADE NÃO CARACTERIZADA - TERCEIROS BENEFICIADOS - ART. 9º, DA LEI 8.429/92 - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DOLO - ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA EM REEXAME NECESSÁRIO - RECURSO PREJUDICADO. 1- Para fins de caracterização da improbidade administrativa é necessária a configuração da ilegalidade do ato praticado pelo agente público, por ser exigível o elemento volitivo, seja na figura do dolo, para fins da corporificação das condutas tipificadas nos artigos 9º e 11, da Lei nº 8.429/1992 - enriquecimento ilícito e ofensa aos princípios da administração pública -, seja ao menos na figura da culpa, no que toca às condutas tipificadas no art. 10, do mesmo Diploma Legal - prejuízo ao erário. 2- Verificado o inequívoco dano advindo da conduta praticada pelo ex-prefeito municipal de Biquinhas, ao autorizar a prestação de serviços por servidor municipal em obras particulares de pessoas que não estavam cadastradas como carentes, conforme previsto em Lei do Município, há de ser o agente público responsabilizado, conforme disposto no art. 10, inciso XIII da Lei n. 8.429/1992. 3- Demonstrado nos autos que o servidor municipal, na qualidade de mero encarregado de obras, apenas dava cumprimento às ordens de seu superior hierárquico, não há de ser condenado por improbidade administrativa. 4- A caracterização do ato de improbidade por enriquecimento ilícito pressupõe a constatação da existência do elemento volitivo do dolo. 5- Inexistente nos autos a comprovação de que os particulares beneficiados tenham agido com dolo ou má-fé, não é caso de condená-los em ato de improbidade por enriquecimento ilícito. 6-Sentença reformada em parte, em reexame necessário. Recurso voluntário prejudicado. (TJMG - Apelação Cível 1.0435.06.000939-4/001, Relator(a): Des.(a) Claret de Moraes , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/03/2016, publicação da súmula em 08/04/2016) [ressaltado] Como mencionado no Relatório de Verificação In Loco nº 308-2/2005, relativa ao Convênio 1832/2003, o município observou a legislação aplicável à licitação, as despesas foram realizadas de acordo com as correspondentes classificações constantes do plano de aplicação, estavam identificadas com o número e título do convênio e observaram o que preceitua a Lei nº 4.320/64, assim como as fases de empenho e liquidação, os preços praticados estavam de acordo com o projeto aprovado, a contrapartida executada foi aplicada conforme pactuado no convênio, as metas físicas foram integralmente executadas, em conformidade com a quantidade e períodos programados, e os objetivos do convênio foram alcançados e totalmente atingidos. A prestação de contas do Convênio 1594/2003 foi aprovada, conforme Parecer GESCON nº 396, de 24/01/2006, porquanto os técnicos da Divisão de Convênios e Gestão da Secretaria Executiva consideraram que as irregularidades verificadas ocorreram por inobservância de exigências formais, que não comprometeram o objetivo, bem como salientaram que não ficou demonstrado a malversação na aplicação dos recursos públicos ou o prejuízo ao erário. Importante destacar que não há prova de desvio dos recursos transferidos, porquanto está comprovada a aquisição das unidades móveis e sua utilização pelo município. O Relatório de Verificação In Loco nº 308-2/2005 atestou que a unidade móvel estava em conformidade com as especificações, valores e quantitativos descritos no plano de trabalho aprovado e que havia sido localizada e era utilizada de acordo com os objetivos propostos. O relatório de auditoria do Convênio 1832/2003, realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS, menciona a aquisição da unidade móvel e equipamentos, com recursos do Convênio 1832/2003, e o atendimento de parte dos objetivos do convênio, vez que estava em desacordo com o plano de trabalho. As fotos colacionadas aos autos, os comprovantes de ponto diário de veículos e cronogramas de atendimento comprovam a existência unidade móvel de saúde e da ambulância. Interrogados, os requeridos Luiz do Carmo Batista Rosa e Adilson Rodrigues de Almeida disseram que as unidades móveis eram utilizadas e serviam à comunidade. Acrescenta-se que, de acordo com o Relatório de Verificação In Loco nº 308-2/2005, o município dispunha de sistema de controle de entrada e distribuição dos veículos adquiridos com recursos do convênio e na inspeção foi constatado o seu adequado funcionamento. Acerca das falhas apontadas no Relatório de Verificação In Loco nº 308-2/2005 da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, como a ausência de indicação de disponibilidade dos recursos financeiros, cabe mencionar que a Secretaria Municipal de Finanças informou à Secretaria Municipal de Administração, em 05/04/2005, acerca da existência de dotação orçamentária, inclusive suplementada, para aquisição das unidades móveis de saúde, como comprovam os ofícios juntados aos autos (Id. 270796733 – fls. 214/216). Diferentemente do citado no Relatório de Auditoria nº 4719, a solicitação de reformulação do plano de trabalho, parte integrante do Convênio 1832/2003, foi acolhida pela Coordenação-Geral de Investimentos em Saúde e aprovada pela Diretoria Executiva do Fundo Nacional de Saúde (Id. 270796733 – fl. 235). Os auditores do Ministério da Saúde concluíram que a unidade móvel foi adquirida e atendia parte dos objetivos, mas que estava em desacordo com o plano de trabalho. Relataram que não existia o consultório pediátrico/médico e ginecológico, conforme aprovado no projeto, mas que foi encontrado o consultório odontológico equipado e em funcionamento e outro consultório odontológico montado, não adequado para utilização, porquanto a cadeira odontológica semiautomática estava em um espaço insuficiente para a inclinação, o equipamento com seringa tríplice estava incompleto, a autoclave não estava afixada à bancada, o que poderia ocasionar a queda com ônibus em movimento, e o lavatório com cuba de inox não era utilizado, vez que a torneira foi testada e a saída de água estava com "cor de ferrugem". Constataram que a unidade auxiliar continha sugador, refletor e armário, mas que não havia portas sanfonadas e cortinas nas janelas, como descrito nas propostas, e que não havia torneira elétrica, conforme nota fiscal emitida pela empresa Transform. Segundo o autor, a aquisição de veículo diverso do apresentado no plano de trabalho gerou um prejuízo social à população, que poderia ser melhor atendida por um veículo com capacidade para dezesseis pessoas, principalmente nos casos de deslocamento para consultas e tratamentos em outros municípios. Apesar de os veículos não serem compatíveis com o plano de trabalho, é inquestionável que os recursos transferidos pela UNIÃO foram integralmente aplicados. Ademais, como mencionado no Relatório de Verificação "IN LOCO" n°308-2/2005 e da Auditoria nº 4719, a unidade móvel (ônibus) era utilizada de acordo com os objetivos propostos e atendia parte das finalidades do convênio. Relativamente à existência de consultório odontológico em lugar do pediátrico/médico e odontológico, cabe pontuar que a jurisprudência tem reconhecido que a aplicação de verba em finalidade diversa da ajustada não caracteriza ato de improbidade, mas mera irregularidade, considerada a destinação pública dada aos recursos. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. APLICAÇÃO DE VERBAS PROVENIENTES DE CONVÊNIO CELEBRADO COM FNDE EM FINS DIVERSOS, PORÉM AINDA PÚBLICOS. INOCORRÊNCIA DE DANO REAL AO ERÁRIO. ABSOLVIÇÃO DO EX-GESTOR. IMPROVIMENTO DAS APELAÇÕES. 1. Trata-se de ação civil por improbidade administrativa ajuizada pelo Município de Fagundes em face de ex-prefeito, o qual teria aplicado recursos de convênio firmado com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE - em finalidade diversa da acordada: ao invés da aquisição de veículos de transporte escolar, mobiliário escolar e computador iterativo, os recursos teriam sido integralmente utilizados para saldar outras despesas da edilidade, como o cumprimento da obrigação relativa à folha de pagamento; 2. A sentença a quo, considerando tratar-se de mera irregularidade, haja vista a utilização das verbas para finalidades ainda públicas, absolveu o réu, consignando que a conduta não teria a gravidade suficiente para enquadrar-se como ato de improbidade administrativa, pelo que recorrem o MPF e o FNDE; 3. A ausência de prestação das contas, de um lado, é arguição que não se sustenta. A norma que prevê a obrigatoriedade de prestar contas visa à tutela da informação acerca da correta aplicação dos recursos repassados. In casu, a destinação das verbas já é conhecida: foram aplicadas em despesas diversas da municipalidade, o que é, aliás, o cerne do presente debate; 4. É incontroversa a aplicação dos recursos provenientes de convênio com o FNDE em fim diverso daquele ajustado. Sucede, porém, que a finalidade também pública dada ao dinheiro, denotando falta de malícia ou desonestidade por parte do gestor, desfalca o gesto da má-fé necessária às condenações por improbidade, da qual não se cogita quando o cenário for, "apenas", de incompetência administrativa; 5. Apelações improvidas. (TRF5 - AC - Apelação Civel - 587349 0000135-17.2013.4.05.8201, Segunda Turma, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, DJE – Data :20/05/2016 - Página::30.) ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-GESTORES. RECURSOS DESTINADOS AO PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL - PETI/2004. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ÍMPROBA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A condenação dos apelantes deu-se com base no Relatório da CGU, o qual concluiu pela impossibilidade de formação de opinião sobre a procedência ou não da denúncia de irregularidades na aplicação de recursos federais repassados ao Município, ante a ausência de documentação relativa ao período apontado. 2. Os atos de improbidade administrativa não se confundem com simples ilegalidades administrativas ou inaptidões funcionais. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei 8.429/1992, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. 3. A despeito das irregularidades apontadas, não resta comprovado, de modo inequívoco, que os apelantes agiram com desonestidade ou má-fé, a fim de desviar recursos públicos ou aplicá-los em finalidades diversas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, exercício 2004. 4. Apelação provida. (TRF1, ACR 0059895-82.2009.4.01.3500, QUARTA TURMA, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA (CONV.), e-DJF1 20/02/2019 PAG.) DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRELIMINARES NÃO TRATADAS PELA DECISÃO AGRAVADA - NÃO CONHECIMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - MEDIDA LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS - PREVISÃO NA LEI 8.429/92 - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DESFAZIMENTO OU DILAPIDAÇÃO DOS BENS - PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL - SUPOSTO DESVIO DE VERBA REPASSADA PELO ESTADO COM BASE EM CONVÊNIO - UTILIZAÇÃO PARA FINALIDADE DIVERSA - PAGAMENTO DE OUTRAS DESPESAS MUNICIPAIS - ILEGALIDADE QUE, APARENTEMENTE, NÃO IMPLICA PREJUÍZO AO ERÁRIO - NÃO CABIMENTO DA MEDIDA - RECURSO DESPROVIDO. - O agravo de instrumento leva ao conhecimento do Tribunal a decisão interlocutória alvo da insurgência, e a tanto deve se limitar a decisão do recurso. - O deferimento de liminar de indisponibilidade de bens no bojo de ação civil pública por ato de improbidade administrativa encontra previsão no artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal e no artigo 7º. da lei 8.429/92, e se recomenda, em razão do princípio da supremacia do interesse público, quando, em exame preliminar, se verifica a existência de indício do ato ímprobo, causador de enriquecimento ilícito ou de prejuízo ao erário público. - Não se verifica, aparentemente, a ocorrência de prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito, se o ato improbo narrado diz respeito a possível desvio de finalidade no uso de verba repassada pelo Estado, com base em convênio, ao Município, e se o próprio autor aponta a utilização da verba desviada para o custeio de outras despesas públicas. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.120937-8/001, Relator(a): Des.(a) Moreira Diniz , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/10/2019, publicação da súmula em 01/11/2019) Constata-se que não está comprovado o superfaturamento dos valores de aquisição, porquanto a fonte de preços de mercado estimado utilizada pelos auditores para fins de comparação é um relatório de cálculo de prejuízo estimado/ordem de serviço elaborado pelo próprio Ministério da Saúde e não por uma fonte oficial ou isenta. Acrescenta-se que não está indicada a metodologia de cálculo utilizada para apuração do valor de mercado estimado, mas apenas a informação do seu montante. Nada obstante, a fiscalização “in loco” da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, relativa ao Convênio 1832/2003, atestou que: “Os preços praticados com a execução do convênio estão de acordo com o projeto aprovado pelo Ministério da Saúde. (...) A unidade móvel adquirida com recursos do convênio está em conformidade com as especificações, valores e quantitativos descritos no Plano de Trabalho aprovado” (Id. 270796733 – fls. 220/227). O Tribunal de Contas da União, ao rejeitar as contas do ex-prefeito, levou em consideração as várias tomadas de contas especiais decorrentes de processos incluídos na “operação sanguessuga”, como se Donizetti Borges Barbosa fizesse parte da organização criminosa. Desse modo, concluiu que não havia nos autos elementos que possibilitassem o reconhecimento da sua boa-fé. Entretanto, como mencionado, não há qualquer prova de que ele tivesse tido contato ou conhecesse os integrantes da denominada "Máfia das Sanguessugas" ou os Deputados Federais Gilberto Kassab e Bispo Wanderval Santos, autores das emendas parlamentares, ou que tivesse ciência de que empresas integrantes de esquema de corrupção haviam participado dos certames. A mesma presunção fundamentou o ajuizamento desta ação, que se baseou exclusivamente na fiscalização da CGU e nas investigações da Polícia Federal. A inicial descreve as condutas da quadrilha e cita de forma genérica que os membros entravam em contato com prefeitos para oferecer os serviços necessários para forjar e dirigir licitações fraudulentas e que os membros da comissão de licitação, prefeitos e secretários forjavam os pseudoprocedimentos para garantir a vitória de uma das empresas da quadrilha e, para tanto, recebiam vantagens econômicas, que eram rateadas entre todos. Após a obtenção da anuência do prefeito, o bando acionava os deputados, senadores e respectivos assessores, que preparavam as emendas parlamentares. Menciona que o bando conseguiu formalizar, entre os anos de 2000 a 2006, mais de 1.452 convênios, com aproximadamente 600 municípios, movimentou R$ 99.000.000,00 de recursos federais e causou prejuízo de R$ 15.500.000,00, que poderia atingir o valor de R$ 25.000.000,00. Diz que a formulação das emendas está inserida no contexto da atividade ilegal e criminosa, pois os recursos orçamentários foram transferidos ao Município de Apiaí com suporte em processos licitatórios fraudulentos. Contudo, não há individualização ou descrição dos atos ímprobos praticados pelos requeridos, prova de obtenção de vantagens indevidas ou a indicação de qualquer elemento que demonstre a ocorrência das hipóteses descritas no artigo 10 da LIA. O descumprimento do plano de trabalho e de cláusulas do convênio, a aplicação da verba em finalidade diversa, a não realização de pesquisas de preços de mercado e demais irregularidades apontadas caracterizam meras irregularidades que, desprovidas da comprovação do dolo e má-fé, não configuram ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. No mesmo sentido destacam-se: PROCESSO CIVIL – Entrada em vigor da Lei 14.230/21 - Aplicação as ações em andamento - Inteligência de seu artigo 1º, § 4º - Direito Administrativo Sancionador. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade Administrativa - Contas desaprovadas pelo TCE no período compreendido entre 2000 e 2005 - Repasse de duodécimos ao Legislativo além do limite permitido e inexistência de segregação contábil do FUSSBE que, embora constituam irregularidades administrativas não são condutas aptas a justificar a aplicação da LIA – Ausência de dolo – Artigo 1º, § 1º da Lei 14.230/01 - Improbidade administrativa não configurada – Precedentes - R. sentença mantida. Recurso improvido (TJSP; Apelação Cível 0005734-58.2010.8.26.0655; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Várzea Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de Registro: 17/12/2021) AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade administrativa – Município de Fernandópolis – Alegação de prática de ato com desvio de finalidade pelo Prefeito Municipal, Chefe de Gabinete, Assessor e Gerente municipal, que causou prejuízo aos cofres municipais, no valor de R$ 4.300,00, ao receberem verbas públicas do erário a título de adiantamento de viagem à cidade de São Paulo, ocorrida nos dias 26 a 28 de julho de 2018, sob o pretexto da necessidade de tratarem de assuntos de interesse do Município no Palácio dos Bandeirantes, mas que, na realidade, a viagem ocorreu com o fim de participarem da convenção estadual partidária realizada, evento estritamente particular e sem qualquer interesse para o Município de Fernandópolis – Inexistência do alegado desvio de finalidade, eis que a finalidade do ato atendeu ao interesse público específico, que, na hipótese, era o agendamento de compromissos para tratar de assuntos de interesse público local (busca, pelo Chefe do Executivo, por contratos e recursos públicos em prol do Município) - Muito embora não tenha ocorrido a visita à sede do Governo Estadual, fato que a princípio justificou o adiantamento de despesas para viagem, o Prefeito Municipal, acompanhado de servidor público, dirigiram-se à Assembleia Legislativa do Estado para atenderem a compromissos oficiais e de interesse da Municipalidade – Ilegalidade não caracterizada - Inobservância das formalidades estabelecidas para adiantamento de despesas de viagem que configurou mera irregularidade – E ainda que se cogitasse da ilegalidade do referido ato, não haveria que se falar na presença do elemento subjetivo qualificador (dolo ou má-fé) necessário ao reconhecimento de todo e qualquer ato de improbidade - Condutas praticadas pelos réus que não autorizam concluir, de maneira alguma, que foram gravemente desonestos – Atendimento da finalidade pública que denota a boa-fé dos réus - Sentença de procedência parcial reformada para julgar improcedente o pedido. Recurso dos réus provido. Recurso do autor desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1004691-60.2020.8.26.0189; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Fernandópolis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/05/2022; Data de Registro: 04/05/2022) APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DANO AO ERÁRIO E VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – Ação de improbidade administrativa ajuizada em decorrência de suposta licitação direcionada para a aquisição de notebooks superfaturados pelo Município de Rio Claro, mediante conluio entre agentes públicos municipais e particulares - elementos fático-probatórios colacionados aos autos que não evidenciam tenham os réus deliberadamente aumentado o valor para a aquisição dos notebooks, com o objetivo de causar prejuízo ao Erário ou de proporcionar o enriquecimento ilícito da licitante vencedora – indicação de aparelhos cujos preços não são os melhores dentre aqueles existentes no mercado que, por si só, não caracteriza conduta ímproba, mas sim possível inabilidade do administrador público – Lei nº 14.230/2021 que, ao alterar a Lei nº 8.429/1992, estabeleceu expressamente a obrigatoriedade de que os réus tenham agido de forma dolosa, com o objetivo de alcançar o resultado ilícito tipificado na lei, afastando a possibilidade de ato de improbidade administrativa culposo - sentença de procedência parcial mantida, diante impossibilidade de reformatio in pejus. Recurso do Ministério Público desprovido. (TJSP; Apelação Cível 0019260-71.2012.8.26.0510; Relator (a): Paulo Barcellos Gatti; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro de Rio Claro - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/12/2022; Data de Registro: 15/12/2022) Os atos praticados poderiam configurar a conduta negligente e culposa e evidenciar a existência de ilegalidades ou irregularidades administrativas, sujeitas à responsabilização funcional, como ocorreu, caso em que o requerido Donizetti Borges Barbosa teve as contas julgadas irregulares pelo TCU e foi condenado ao pagamento dos valores de R$ 29.532,21 e R$ 8.987,34 e de multa no montante individual de R$ 6.000,00, mas não caracterizam ato de improbidade. Nessa acepção, destacam-se mais: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. IMPRESCINDIBILIDADE. 1. A ação de improbidade administrativa, de matriz constitucional (art.37, § 4º e disciplinada na Lei 8.429/92), tem natureza especialíssima, qualificada pelo singularidade do seu objeto, que é o de aplicar penalidades a administradores ímprobos e a outras pessoas - físicas ou jurídicas - que com eles se acumpliciam para atuar contra a Administração ou que se beneficiam com o ato de improbidade. Portanto, se trata de uma ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal, diferente das outras ações com matriz constitucional, como a Ação Popular (CF, art. 5º, LXXIII, disciplinada na Lei 4.717/65), cujo objeto típico é de natureza essencialmente desconstitutiva (anulação de atos administrativos ilegítimos) e a Ação Civil Pública para a tutela do patrimônio público (CF, art. 129, III e Lei 7.347/85), cujo objeto típico é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória. 2. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa, nas do artigo 10 (v.g.: REsp 734.984/SP, 1 T., Min. Luiz Fux, DJe de 16.06.2008; AgRg no REsp 479.812/SP, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp 842.428/ES, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp 841.421/MA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 04.10.2007; REsp 658.415/RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 03.08.2006; REsp 626.034/RS, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 05.06.2006; REsp 604.151/RS, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 08.06.2006). 3. É razoável presumir vício de conduta do agente público que pratica um ato contrário ao que foi recomendado pelos órgãos técnicos, por pareceres jurídicos ou pelo Tribunal de Contas. Mas não é razoável que se reconheça ou presuma esse vício justamente na conduta oposta: de ter agido segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a revisão de atos praticados como nelas recomendado, ainda mais se não há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à idoneidade de quem os prolatou. Nesses casos, não tendo havido conduta movida por imprudência, imperícia ou negligência, não há culpa e muito menos improbidade. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade. 4. Recurso especial do Ministério Público parcialmente provido. Demais recursos providos. (REsp n. 827.445/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010.) No mesmo sentido: REMESSA NECESSÁRIA - NÃO CONHECIMENTO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRELIMINAR - SOBRESTAMENTO DO FEITO - REJEIÇÃO - DANO AO ERÁRIO - LEI Nº 14.230/21 - DOLO NÃO DEMONSTRADO - ATO ÍMPROBO DESCARACTERIZADO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Não se submete à remessa necessária a sentença proferida em ação de improbidade administrativa(art. 17-C, § 3º, da Lei nº 8.429/92). 2. Rejeita-se a preliminar de sobrestamento do feito, em consonância com a decisão proferida pelo STF no ARE 843989/PR(Tema 1199), segundo a qual "não se afigura recomendável o sobrestamento dos processos nas instâncias ordinárias", estando a suspensão restrita aos "Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021". 3. A existência de meras irregularidades administrativas não enseja, por si só, a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992, porquanto imprescindível que seja demonstrado o dolo na conduta dos requeridos. 4. Inexistindo comprovação de que os réus teriam agido com dolo ou má-fé, não há que se falar em improbidade administrativa. 5. Sentença mantida. 6. Recurso não provido. (TJMG - Apelação Cível 1.0693.09.094109-9/001, Relator(a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/11/2022, publicação da súmula em 29/11/2022) Apelação Cível – Administrativo – Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público em fade de ex-prefeito do Município de Lucélia e servidor público municipal visando o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa com a consequente condenação por ato de improbidade e sujeição às sanções do art. 12, II, da Lei Federal nº 8.429/92 e devolução dos valores – Pretensão fundada em suposto pagamento indevido do adicional de insalubridade ao servidor - Sentença de improcedência – Recurso pelo MP – Desprovimento de rigor. 1. De proêmio, na forma do assentado pelo C. STF no Tema nº 1.199, anote-se que a nova Lei Federal nº 14.230/2021 se aplica aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado - Assim, em virtude da revogação expressa do texto anterior deverá o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente – Em suma: necessária a comprovação de que teriam os agentes públicos envolvidos agido com dolo. 2. No caso em apreço não restaram evidenciados seja o dolo, seja a ocorrência dano ao erário ou ainda o locupletamento dos agentes públicos envolvidos – Pagamento do adicional de insalubridade que seria devido em razão do exercício da função de motorista no setor de Assistência Social, ainda que em concomitância com desempenho em outro setor – Prova testemunhal segura no sentido da concomitância – Pagamento retroativo da vantagem que também não se mostrava descabido de plano – Atos de improbidade que não restaram suficientemente configurados e provados, impondo-se a improcedência – Precedentes da Corte. 3. Condenação do MP nas custas, despesas processuais e honorários advocatícios – Descabimento – Inteligência do art. 18 da Lei Federal nº 7.347/85 – Precedentes do C. STJ. Sentença mantida - Apelação do MP desprovida. (TJSP; Apelação Cível 1001041-45.2021.8.26.0326; Relator (a): Sidney Romano dos Reis; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Lucélia - 2ª Vara; Data do Julgamento: 01/12/2022; Data de Registro: 01/12/2022) VI - DO DISPOSITIVO Ante o exposto, com fulcro no artigo 1.040, II, do CPC, voto para que se retrate do acórdão Id. 270796748 – fls. 60/78 e 85/164 e, em consequência, seja dado provimento à apelação, para julgar improcedente a ação e desprovida a remessa oficial. É como voto.
Advogados do(a) APELANTE: EURICO JACY DE LIMA - SP129387, MARIANA BIM SANCHES VARANDA - SP226192
Des. Fed. Mônica Nobre:
Peço vênia para apresentar divergência no sentido de que não há que se falar em remessa oficial, tida por interposta, nas ações de improbidade.
Com efeito, em 26/10/2021, foi publicada e entrou em vigor a Lei nº 14.230, que alterou diversos dispositivos da Lei nº 8.429/92.
Segundo a nova redação dada pela Lei n° 14.230/21, “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador” dentre eles, destaco os princípios da segurança jurídica e retroatividade da lei mais benéfica (art. 5º, caput, XXXIX e XL, da Constituição Federal).
Ainda que direcionado para o direito penal, o princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica deve ser aplicado ao campo administrativo e judicial sancionador, cenário no qual se inserem atos ímprobos e a lei de improbidade que, assim como a lei penal, prevê sanções e penalidades.
Destaco, também, que, em decisão proferida em 18/08/2022, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em sede de repercussão geral (Tema 1199), definiu: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.
Feias as devidas considerações sobre a aplicabilidade da nova lei de improbidade ao caso, observo que a Lei nº 8.429/92 (redação dada pela lei n° 14.230/21), em seu art. 17-C, § 3º, dispõe que “não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei”.
Saliento, por oportuno, que a Lei 8.429/1992, em sua redação original, não continha norma expressa a respeito do reexame necessário, tendo sido firmado o entendimento por esta Quarta Turma no sentido de que a existência da remessa oficial se justificava em razão da interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65.
Por fim, antes da entrada em vigor da Lei n° 14.230/21, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (TEMA 1.042) havia iniciado o julgamento no qual se discutia a “aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau".
Todavia, o Ministro Relator Paulo Sérgio Domingues, em sessão realizada em 26/04/2023, no julgamento que cancelou a afetação do Tema 1.042, destacou que "bem por isso, é viável dizer sobre a desnecessidade de se fixar tese no âmbito desta Primeira Seção a respeito do Tema 1.042, em virtude da pequena quantidade de feitos existentes, e pelo fato de que a situação não mais ocorrerá ante a revogação da Lei 8.429/1992 e a literalidade da nova disposição legal acerca da remessa necessária a partir da vigência da Lei 14.230/2021”.
Assim, não há que se falar em remessa oficial nas sentenças fundadas na Lei nº 8.429/1992.
A propósito:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA NÃO SUJEITA AO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO. ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS À LEI 8.429/92 PELA LEI 14.230/21. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA.
I - A Lei 8.429/1992 não continha norma expressa a respeito do reexame necessário da sentença, em ações de improbidade administrativa, o mesmo ocorrendo com a Lei 7.437/1985, tendo sido firmado o entendimento por esta Quarta Turma no sentido de que a existência de remessa de ofício da sentença regulava-se, na espécie, pelo art. 496 do CPC. Precedentes do TRF/1ª Região.
II - Posteriormente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.553.124/SC, Tema 1042, afetou à sistemática dos recursos repetitivos a definição de tese acerca da aplicação ou não do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa cuja pretensão é julgada improcedente em primeira instância.
III - Não obstante, após as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, a qual têm aplicação imediata aos processos pendentes, não mais se admite a remessa necessária em casos que tais, nos termos dos arts. 17, § 19, IV, e 17-C, § 3º.
IV - Remessa oficial não conhecida.
(TRF/1ª Região, Remessa ex officio nº 0000855-43.2017.4.01.3904, Des. Fed. Cândido Artur Medeiros Ribeiro Filho, 4ª Turma, PJe de 02/05/2023)
PROCESSUAL CIVIL. Remessa necessária. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Com o advento da Lei nº 14.230/2021, de aplicação imediata, não há remessa necessária nas sentenças fundadas na Lei nº 8.429/1992. Inteligência do artigo 17-C, § 3º, do citado diploma legal. Precedentes desta Egrégia Corte de Justiça. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
(...)
Sentença de improcedência. Manutenção. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
(TJ/SP; Apelação/Remessa Necessária nº 1014452-19.2022.8.26.0554; Relator Jarbas Gomes; 11ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento e do Registro: 10/07/2023)
No mérito, acompanho, na íntegra, o entendimento e fundamentos do voto do eminente Desembargador André Nabarrete.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação para julgar improcedente o pedido.
É o voto.
Des. Fed. Wilson Zauhy:
Peço vênia ao eminente Relator para dele divergir em alguns aspectos quanto ao deslinde da presente demanda.
Na origem, o Ministério Público Federal - MPF propôs ação de improbidade administrativa em face dos réus com o objetivo de obter a responsabilização deles pela suposta fraude praticada em processos licitatórios e pelo desvio de parte das verbas federais disponibilizadas pelo Ministério da Saúde (art. 10, caput e incisos VIII, IX, XI e XII, e art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/1992). A sentença condenou os réus nos atos de improbidade imputados pelo MPF. Interposta apelação pelos réus, o recurso foi desprovido pela Quarta Turma, mantendo-se a condenação.
Após a interposição de recurso especial e de recurso extraordinário pelos réus, o Min. Gilmar Mendes determinou a devolução dos autos ao E. TRF-3 para que fosse observado o art. 1.036 do CPC/2015. A Vice-Presidência desta Egrégia Corte Regional, então, determinou a restituição dos autos à Quarta Turma para verificação da pertinência de se proceder ao juízo positivo de retratação, nos termos do art. 1.040, II, do CPC/2015.
O eminente Relator está votando por exercer o juízo positivo de retratação para dar provimento ao recurso de apelação e julgar improcedentes os pedidos condenatórios, como também para desprover a remessa oficial. Considerou Sua Excelência, dentre outros aspectos, que, após o advento da Lei 14.230/2021, a condenação por improbidade administrativa passou a exigir o dolo como elemento subjetivo da conduta, não havendo que se confundir o administrador inábil com o administrador que tenha a finalidade de intencionalmente gerar danos ao erário.
Apontou, ainda, que os atos praticados pelos réus (descumprimento do plano de trabalho e das cláusulas de convênio firmado com o Ministério da Saúde, aplicação de verbas em finalidade diversa da prevista inicialmente, não realização de pesquisas de preços de mercado e demais irregularidades) traduziriam meras ilegalidades administrativas, sujeitas à responsabilização funcional, o que já teria, inclusive, ocorrido após condenações promovidas pelo Tribunal de Contas da União, mas não refletiriam improbidade, ante a ausência de demonstração do dolo.
Tenho, contudo, que a presente demanda reclama solução diversa quanto a dois aspectos em particular.
Da impossibilidade de se falar em remessa oficial nas ações de improbidade administrativa
O art. 932, em seu inciso III, do CPC/2015, dispõe que compete ao relator não conhecer de recursos inadmissíveis. Embora o mencionado dispositivo legal se refira expressamente apenas aos recursos, que são atos voluntários das partes, é evidente que a disposição também se aplica ao reexame necessário, na medida em que a remessa oficial igualmente tramita no segundo grau de jurisdição e segue o mesmo rito dos recursos junto ao órgão ad quem.
Como narrado acima, a demanda diz respeito a uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa que subiu a esta Corte Regional tanto pela remessa oficial quanto pela interposição de recurso de apelação pelos réus.
Pois bem.
Não há dúvidas de que a Lei 14.230/2021 buscou racionalizar o sistema repressivo da improbidade administrativa, trazendo critérios mais rígidos para que as gravosas sanções previstas pela Lei 8.429/1992 fossem aplicadas pelo Poder Judiciário. A preocupação do novo diploma legal restou evidenciada na redação que imprimiu ao art. 1º, §4º, da Lei 8.429/1992, em que se estabelece o seguinte: “Aplicam-se ao sistema de improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.
Por aí já se percebe que a aplicação de sanções por atos de improbidade não pode ocorrer de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Antes, cabe ao Poder Judiciário observar, no exercício dessa tarefa, toda a pletora de direitos, garantias e princípios fundamentais que o Estado de Direito assegura às pessoas acusadas de determinado ato ilícito.
Ora, um dos mais basilares princípios que informam o Direito Sancionador é o da retroatividade da norma mais benéfica, com previsão expressa no art. 5º, XL, da Constituição Federal de 1988. Note-se que, embora esse preceptivo constitucional mencione a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu, sua incidência para o sistema da improbidade administrativa se revela também possível, na medida em que as normas previstas pela Lei 8.429/1992, de teor nitidamente sancionatório, assumem inegável gravidade para o acusado e reclamam, por conseguinte, uma semelhante cautela em sua aplicação.
A propósito, o C. STJ já destacava a possibilidade de se estender as normas de proteção do acusado na esfera penal para o sistema de responsabilização administrativa mesmo antes da edição da Lei 14.230/2021, conforme se constata do seguinte aresto jurisprudencial:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE.
(...)
III - Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente.
(...)
VI - Recurso em Mandado de Segurança parcialmente provido.” (grifei)
(RMS n. 37.031/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 8/2/2018, DJe de 20/2/2018.)
Nesse contexto, a Lei 14.230/2021 imprimiu uma modificação que claramente se reveste da condição de norma mais benéfica ao réu: cuida-se do art. 17-C, §3º, da LIA, de acordo com a qual a remessa necessária não será mais cabível nas ações judiciais que visem responsabilizar agentes públicos e terceiros por atos de improbidade administrativa.
A aplicação do art. 19 da Lei 4.717/1965, disciplinadora da ação popular, por analogia à ação de improbidade já era bastante controvertida mesmo antes da Lei 14.230/2021. Se, de um lado, o microssistema da tutela coletiva visava resguardar o interesse público em defesa do patrimônio social, de outro era inegável que estender essa norma ao sistema da improbidade revelava algumas dificuldades, ante o teor sancionatório da LIA. Visando dirimir a controvérsia, o C. STJ chegou a afetar o assunto ao rito dos recursos repetitivos, como se percebe de seu Tema 1.042:
“Definir se há – ou não – aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau.
Discutir se há remessa de ofício nas referidas ações típicas, ou se deve ser reservado ao autor da ação, na postura de órgão acusador – frequentemente o Ministério Público – exercer a prerrogativa de recorrer ou não do desfecho de improcedência da pretensão sancionadora”.
Neste momento, porém, fica evidente que a afetação do Tema 1.042 já não tem uma razão de ser, na medida em que a própria lei passou a prever a impossibilidade de se submeter as ações de improbidade ao reexame necessário. Levando em consideração que a legislação passou a tratar especificamente sobre esse assunto, a Corte Superior cancelou o Tema 1.042 dos recursos repetitivos, não chegando nem mesmo a fixar um entendimento definitivo sobre tal aspecto.
Ainda que assim não fosse, tecnicamente sequer haveria de se falar em retroatividade, dado que a LIA, em sua redação anterior, não previa essa modalidade de reexame, tendo a jurisprudência tomado de empréstimo disciplina prevista em lei diversa.
Mas mesmo que assim se compreenda, trazendo o art. 17-C, §3º, da LIA uma regra mais benéfica ao réu, pode ela, inclusive, ser aplicada retroativamente aos acusados, na forma do entendimento do C. STJ, exemplificado no aresto acima transcrito. Por consequência, não se poderia sustentar o conhecimento da remessa necessária com recurso ao art. 19 da Lei 4.717/1965, pois a própria Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a dispor diretamente sobre a questão, tratando-a em termos mais favoráveis aos réus.
Em conclusão, há de se fixar premissa no sentido de que, em se cuidando de processo com natureza sancionatória, a ausência de recurso por parte do titular do pedido punitivo não pode devolver ao Estado-juiz o papel sancionador por meio do reexame necessário, pena de se conferir ao ente julgador o duplo papel de acusador-julgador, diante do manifesto desinteresse do titular da pretensão.
Da revogação do art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/1992
Quanto à acusação lastreada no art. 11, caput e inciso I, da LIA, tenho que uma questão preliminar deva ser analisada antes de tudo o mais, por dizer respeito à base legal das imputações. A ação civil pública por improbidade administrativa foi ajuizada no ano de 2008, ou seja, em momento anterior às modificações realizadas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992. Ao tempo em que a demanda veio a ser ajuizada pelo MPF, o art. 11, inciso I, da Lei 8.429/1992 preceituava o seguinte:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;” (sublinhei)
Como se percebe pela redação então vigente da Lei 8.429/1992, os atos de improbidade administrativa que atentavam contra os princípios da Administração Pública eram bastante genéricos, não havendo, quanto a esse aspecto, um rol exaustivo de condutas, mas sim um elenco meramente exemplificativo de ações e omissões que poderiam ser enquadradas nessa modalidade de improbidade, ante a utilização da expressão “e notadamente” pelo caput do art. 11.
Com o advento da Lei 14.230/2021, contudo, buscou-se racionalizar o sistema repressivo da improbidade administrativa, trazendo-se critérios mais rígidos para que as gravosas sanções previstas pela Lei 8.429/1992 fossem aplicadas pelo Poder Judiciário em desfavor dos réus. A preocupação do novo diploma legal restou evidenciada na redação que imprimiu ao art. 1º, §4º, da Lei 8.429/1992, em que se estabelece o seguinte: “Aplicam-se ao sistema de improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.
No que se refere aos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública, a Lei 14.230/2021 conferiu a seguinte redação ao art. 11 da Lei 8.429/1992, na parte que interessa à solução da presente demanda:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:
I – (revogado);
II – (revogado); (...)” (sublinhei)
A análise cuidadosa do preceptivo legal em destaque revela que, ao contrário do que se passava com a anterior redação da lei, o rol de condutas de improbidade administrativa que violem os princípios da Administração Pública deixou de ser exemplificativo para se tornar exaustivo, como deflui da expressão “caracterizada por uma das seguintes condutas”.
Além disso, os incisos I e II do art. 11 da LIA, que traziam as hipóteses de ato que violasse a lei / regulamento ou a omissão em praticar um ato de ofício, deixaram de existir, dado que tais previsões eram genéricas ao extremo, podendo abarcar uma série de situações que não deveriam ser penalizadas pelo sistema de improbidade administrativa, na medida em que traduziam meras ilicitudes ou irregularidades sem maior gravidade.
No caso em comento, o MPF havia enquadrado as ações dos réus no inciso I do art. 11 da Lei 8.429/1992, dentre outras bases legais, mas o juízo competente não condenou os réus por improbidade violadora de princípios administrativos. Considerando-se, porém, que a previsão legal na qual se baseava o Parquet federal deixou de existir no ordenamento jurídico, não há como se manter qualquer discussão de condenação dos réus com base no art. 11, I, da LIA (caso a remessa oficial seja conhecida), pois as alterações normativas foram mais benéficas ou favoráveis aos acusados nesse particular.
A propósito, o C. STJ tem entendimento consolidado no sentido de que a retroatividade da norma mais benéfica ao acusado, prevista na seara penal pelo art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal de 1988, pode ser aplicada ao âmbito administrativo também, pois as normas sancionatórias da Lei 8.429/1992 assumem inegável gravidade para o acusado e reclamam, por conseguinte, uma semelhante cautela em sua aplicação, como destacado anteriormente.
De mais a mais, esta Quarta Turma adota o entendimento de acordo com o qual a revogação dos incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 pela Lei 14.230/2021 tornou aqueles atos então classificados como de improbidade administrativa em atos atípicos, inviabilizando a pretensão sancionatória. Confira-se, nessa linha, o seguinte aresto:
“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI Nº 14.230/2021. REGRAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. POSSIBILIDADE. EX-PREFEITO. ART. 11, II, DA LEI Nº 8.429/92, REVOGADO PELA LEI NOVA QUE TORNOU ATÍPICO O ATO COMETIDO. ATIPICIDADE SUPERVENIENTE DA CONDUTA RECONHECIDA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
(...)
- Entretanto, observo que o referido dispositivo foi revogado pela Lei nº 14.230/2021. Foi eliminado o rol exemplificativo do art. 11 e a nova redação passou a estabelecer que o ato de improbidade, que atenta contra os princípios da administração pública, é caracterizado pela ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade e por uma das condutas descritas nos incisos do referido dispositivo.
- Assim, considerando o conjunto probatório; a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021; e a revogação do inciso II, do art. 11, da Lei nº 8.429/92, entende-se que o ato cometido pelo requerido se tornou atípico pela abolição da figura ímproba, o que torna inviável a pretensão sancionatória.
- Desse modo, deve ser reconhecido que a conduta praticada não mais configura ato de improbidade, motivo pelo qual a sentença deve ser mantida.
- Apelação não provida.”
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000247-91.2020.4.03.6007, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 04/12/2023, DJEN DATA: 14/12/2023)
Por tudo isso, os réus devem ficar inocentados da imputação lastreada no art. 11, I, da Lei 8.429/1992, atualmente revogado, caso este julgador fique vencido quanto ao não conhecimento da remessa oficial.
Dispositivo
Pelo exposto, divergindo em parte do eminente Relator, voto por exercer o juízo positivo de retratação para (i) não conhecer da remessa oficial, com base nos artigos 932, III, do CPC/2015 e 17-C, §3º, da LIA; (ii) se vencido na questão anterior, voto por reconhecer, de ofício, a impossibilidade de a remessa oficial redundar na eventual discussão quanto ao art. 11, caput e inciso I, da LIA, visto que tal disposição legal se encontra atualmente revogada, acompanhando, no mais, o voto de Sua Excelência, tudo conforme a fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RETRATAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 14.230/2021. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 14.230/2021. ARE Nº 843.989/RG. EXIGÊNCIA DE CONDUTA DOLOSA DO ACUSADO. DOLO ESPECÍFICO. APLICAÇÃO NÃO RETROATIVA DA NORMA. REEXAME NECESSÁRIO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 19 DA LEI Nº 4.717/65. SENTENÇA PROFERIDA ANTES DAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS. CABIMENTO. IRREGULARIDADES NA FORMALIZAÇÃO E CONDUÇÃO DE PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS. ARTIGO 10 DA LIA. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. DESCUMPRIMENTO DO PLANO DE TRABALHO E DE CLÁUSULAS DO CONVÊNIO. NÃO REALIZAÇÃO DE PESQUISA DE MERCADO. IRREGULARIDADES. ACÓRDÃO RETRATADO. APELAÇÃO PROVIDA. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA.
- A Lei de Improbidade, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, na esteira do disposto no artigo 37 e seu §4º da Constituição Federal, estabelece, em seu artigo 1º, §1º, que são considerados atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º ao 11º da lei e enumera as condutas dos agentes públicos que configuram atos ímprobos, discriminados entre os que: importem em enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11). Impõe aos responsáveis, independentemente do ressarcimento integral do dano efetivo e das sanções penais, civis e administrativas, as cominações que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, caput) e considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a natureza, gravidade e o impacto da infração cometida, a extensão do dano causado, o proveito patrimonial obtido pelo agente, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva e os antecedentes do acusado (artigo 17-C, inciso IV).
- A Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). De acordo com a nova redação do artigo 1º da LIA, o dolo específico, para fins de caracterização de ato de improbidade, é o eivado de má-fé e praticado com o intuito de cometer conscientemente a ilicitude. O erro não intencional, a falta de zelo e a ausência de diligência não configuram ato ímprobo.
- O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. O § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, a jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia que a lei não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Precedentes.
- A nova redação do artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.429/92, estabelece que a aplicação da pena de ressarcimento e das condutas previstas no artigo 10 depende da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Segundo o artigo 10, § 1º, da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não implicar perda patrimonial efetiva não acarretará a imposição da pena de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades mencionadas no artigo 1º. Por sua vez, o § 4º do artigo 11, introduzido pela mesma norma, estabelece que os atos de improbidade de que trata o dispositivo, passíveis de sancionamento, exigem a comprovação de lesividade relevante ao bem jurídico tutelado e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.
- O ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. A LIA não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Precedentes.
- A Lei nº 14.230/2021 alterou a redação do artigo 11 da Lei de Improbidade e revogou os seus incisos I e II, de modo a deixar de descrever no caput qualquer conduta típica caracterizadora de ato de improbidade e de considerar como ímproba a prática de ato que tenha objetivo proibido em lei ou regulamento. A alteração do dispositivo está em consonância com as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.230/2021, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, os atos imputados no dispositivo tornaram-se atípicos pela abolição da figura ímproba, o que torna inviável a pretensão sancionatória. Precedente.
- O Supremo Tribunal Federal, ao finalizar o julgamento do ARE 843989 RG/PR, em 18/08/2022, com repercussão geral, reconheceu que a Lei nº 14.230/2021 tem aplicação imediata e não retroativa, que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa não se aplica às condenações transitadas em julgado e na fase de execução da pena, em virtude do disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, mas apenas aos atos culposos praticados na vigência do texto anterior, sem condenação transitada em julgado, considerada sua revogação expressa. Para a Colenda Corte, a supressão dos dispositivos que tratavam da modalidade culposa das condutas não retroage, entretanto a sua revogação inviabiliza condenações por atos culposos, a partir da edição da Lei nº 14.230/2021.
- Trata-se de caso de remessa obrigatória, nada obstante o silêncio da Lei nº 7.347/1985 a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65). Não se desconhece que o artigo 17, § 19, inciso IV, e artigo 17-C, § 3º, da Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, prevê, o não cabimento do reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução do mérito nas ações de improbidade. Contudo, por se tratar de norma processual e dado o interesse público, as disposições devem ser aplicadas às sentenças proferidas a partir da publicação da norma. Assim, o que baliza o cabimento da confirmação da sentença pelo tribunal é a data da sentença, ou seja, para decisões proferidas antes da publicação da nova lei (26/10/2021) caberá o seu reexame necessário, e para posteriores não, como no caso concreto em que a decisão foi proferida no dia 06/06/2012 e as partes intimadas, em secretaria, em 13/06/2012. Precedentes.
- O artigo 10, caput, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece, verbis: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente”. Nota-se que o dispositivo exige, além da demonstração da conduta dolosa do agente, que o dano ao erário seja efetivo.
- O artigo 10, inciso VIII, da lei de improbidade define como improbidade o ato de: “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva”. Conclui-se que o tipo previsto exige que a conduta de frustrar o caráter concorrencial do procedimento licitatório ou dispensá-lo indevidamente seja dolosa e acarrete perda patrimonial efetiva. Ressalta-se a necessidade de comprovação do dolo com finalidade ilícita por parte do agente.
- O artigo 17-C, inciso I, incluído pela Lei nº 14.230/2021, prevê que a sentença deve observar o disposto no artigo 480 da lei processual civil e: “indicar de modo preciso os fundamentos que demonstram os elementos a que se referem os arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, que não podem ser presumidos”.
- De acordo com o § 6º do artigo 17 da LIA, a exordial deve individualizar a conduta de cada réu e apontar as provas mínimas que demostram a prática dos atos ímprobos, bem como ser instruída com documentos que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado. Precedentes.
- A alegação de que os membros da comissão licitante, responsáveis pela formalização e julgamento dos certames, não teriam observado as obrigações inerentes aos cargos, sem a comprovação da conduta dolosa, caracteriza mera ilegalidade, não passível de punição pela Lei de Improbidade, como estabelece o § 1ª do artigo 17-C da LIA: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nada obstante, como afirmado em juízo, o edital de licitação era elaborado pelo departamento de assuntos jurídicos e a decisão pelo seu fracionamento era de responsabilidade dos procuradores municipais.
- A despeito da não comprovação do recebimento de vantagens, do dolo e da má-fé, está demonstrado que os requeridos apenas exerceram suas atribuições. O § 3º da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, exclui de responsabilização por ato de improbidade: “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Desse modo, não cabe qualquer responsabilização. Precedente.
- Relativamente à existência de consultório odontológico em lugar do pediátrico/médico e odontológico, cabe pontuar que a jurisprudência tem reconhecido que a aplicação de verba em finalidade diversa da ajustada não caracteriza ato de improbidade, mas mera irregularidade, considerada a destinação pública dada aos recursos. Precedentes.
- O descumprimento do plano de trabalho e de cláusulas do convênio, a aplicação da verba em finalidade diversa, a não realização de pesquisas de preços de mercado e demais irregularidades apontadas caracterizam meras irregularidades que, desprovidas da comprovação do dolo e má-fé, não configuram ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Precedentes.
- Os atos praticados poderiam configurar a conduta negligente e culposa e evidenciar a existência de ilegalidades ou irregularidades administrativas, sujeitas à responsabilização funcional, como ocorreu, caso em que o ex prefeito teve as contas julgadas irregulares pelo TCU e foi condenado ao pagamento dos valores de R$ 29.532,21 e R$ 8.987,34 e de multa no montante individual de R$ 6.000,00, mas não caracterizam ato de improbidade. Precedentes.
- Acórdão retratado.
- Apelação provida. Remessa necessária desprovida.