Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004944-87.2022.4.03.6201

RELATOR: 1º Juiz Federal da 1ª TR MS

RECORRENTE: CARMEM ESPINDOLA

Advogado do(a) RECORRENTE: NATALIA LOBO SOARES - MS19354-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

RELATÓRIO

Dispensado o relatório (artigo 38 da Lei 9.099/95 c.c. artigo 1º da Lei 10.259/2001).

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE MATO GROSSO DO SUL

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004944-87.2022.4.03.6201

RELATOR: 1º Juiz Federal da 1ª TR MS

RECORRENTE: CARMEM ESPINDOLA

Advogado do(a) RECORRENTE: NATALIA LOBO SOARES - MS19354-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

Tempestividade

O recurso é próprio e tempestivo, devendo ser conhecido.

Mérito

Trata-se de recurso interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial devido à pessoa com deficiência (BPC/LOAS, Lei 8.742/93).

A negativa do pedido se deu com base no laudo médico pericial (ID 287428211 PJe), que não constatou deficiência que implica impedimento de longo prazo.

Em razões recursais (ID 287428218 PJe), alega cerceamento de defesa, em razão da negativa de realização de complementação da perícia, bem como que os documentos juntados aos autos comprovam o preenchimento dos requisitos de impedimento de longo prazo e de hipossuficiência econômica.                        

O INSS não apresentou contrarrazões.

 

É a síntese do necessário. Decido.

Inicialmente, consigno que a perícia médica foi realizada com base no exame clínico e nos documentos médicos juntados aos autos, não se verificando qualquer irregularidade ou necessidade de complementação/esclarecimentos. Afasto, portanto, a nulidade alegada.

 

Como é cediço, para ser contemplado(a) com o benefício em tela, previsto no art. 20, Lei 8742/92 (LOAS), devem ficar comprovados os requisitos relativos à condição de deficiente e à vulnerabilidade social.

De acordo com o laudo médico pericial (ID 287428211 PJe), a parte autora é acometida de tendinites (CID10 M65); cervicalgia (CID10 M54.2) e lombalgia (CID10 M54.4), que não implicam em impedimento de longo prazo.

Também, constou no histórico:

“(...) HISTÓRIA:

Periciada de 58 anos, solteira, destra, nascida em Bela Vista/MS, no dia 16/07/64, escolaridade: 5ª série fundamental, profissão: do lar. Era empregada doméstica e diarista. Trabalhou até 2020.

Iniciaram as dores em braço direito, ombro direito e mão direita, a partir de 28 anos de idade "travando" a coluna cervical, chegando a depender de cadeira de rodas.Tratou-se com massagista, conseguindo largar o auxílio da cadeira, por ter melhorado.

Em 2003/4, trabalhava como agente de saúde, carregando mochila pesada, fazendo visitas domiciliares (avaliação infantil). Parou, por recomeçarem as dores. Foi atendida em Posto de Saúde, tomando injeções para as dores, com melhora. Em 2020, fez exames de imagem no CEM. Atualmente está esperando ser chamada para ser vista por ortopedista, também no CEM.

Hoje em dia só usa Nimesulida e outros remédios naturais, obtendo melhora aguardando também fisioterapias, referindo não conseguir caminhar por longas distâncias.

Mora sozinha com irmão que relata ser esquisofrênico e apresentar sequelas de paralisia infantil em ambas as pernas. Tem um filho que mora em Campo Grande, casado. (...)”

 

No entanto, consigno que o contido no laudo médico pericial deve ser visto em cotejo com todo o conjunto probatório. E este indica o impedimento de longo prazo.

Anoto que a documentação médica acostada pela(o) recorrente aos autos, não importando se oriunda da rede pública de saúde ou da rede privada, são documentos médicos destinados a fazer prova dos fatos constitutivos da pretensão da parte autora, de modo que devem ser valorados pelo juiz, cujo entendimento a respeito do valor probatório deve ser explicitado na fundamentação da sentença, com a estrita observância da regra contida no art. 489, caput,  § 1º, IV, CPC/2015, aplicável também ao sistema de juizados especiais, uma vez que o dever de fundamentação está assentado como um dever fundamental no art. 93, inciso IX, da CF’88.    

Nesse sentir, observa-se que o(a) perito(a) judicial confirmou o contido nos documentos apresentados na inicial, no que diz respeito à doença da parte autora. Assim, tal confirmação é suficiente para permitir a esta relatora valorar positivamente toda a documentação médica trazida para o processo, acolhendo-se a prova produzida.

Veja-se que documentos médicos, datados de 10/02/2021, 09/09/2022 e 23/05/2023, atestaram as patologias da parte autora (osteoartrose severa cervical e lombar, tendinopatia nos dois ombros e osteoartrose nas duas mãos), com incapacidade para o exercício de atividade laboral (ID 287428210 PJe).

No laudo socioeconômico (ID 287428201 PJe), a assistente social relatou:

“(...) 3. A parte autora já exerceu algum tipo de trabalho? Qual?

Sim, trabalhou como agente comunitário na prefeitura com pouco registro em carteira de trabalho, atualmente não trabalha.

(...)

5. Descreva a situação da parte autora no tocante à necessidade e disponibilidade de produtos ou objetos necessários para facilitar sua mobilidade na vida diária.

A autora não necessita de objetos para sua mobilidade. Realiza tratamento de saúde na rede pública para o seguinte problema: hipertensa artrose, osteoporose, burcite. Utiliza os medicamentos: omega 3, Losartana, hidroclorotiazida, dipirona, predinisona, tcomedol, nimesulida, ciclobenzaprina.

(...)

9. No que se refere às Atividades e Participação, a parte autora tem dificuldade para execução de tarefa?

Sim, devido a problemas de saúde constata-se dificuldade de desenvolver atividade labor ativa para prover seu sustento. (...)”

 

Nesse passo, destaca-se que a Lei 8.742/92, trazendo o mesmo conceito de deficiência do Estatuto da Pessoa com Deficiência,  labora efetivamente em favor da concessão do benefício à parte autora, ou seja, o art. 20, § 2º, conceitua o requisito da deficiência nos seguintes termos: “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, possa obstruir a plena e efetiva participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

No presente caso, as enfermidades da parte autora claramente representam barreira suficiente para impedir a interação e participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

De acordo com informações contidas nos laudos realizados (socioeconômico e médico), verifica-se que a parte autora, atualmente com 60 anos, possui ensino fundamental incompleto e exercia atividade laboral de agente de saúde, empregada doméstica/diarista.

Logo, resta caracterizado o requisito de impedimento de longo prazo (art. 20, 2º, da Lei 8.742/93).

 

Quanto ao segundo requisito, relativo à renda per capita familiar, verifica-se que também está presente.

O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o pagamento de um “salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Regulamentando tal comando constitucional, o artigo 20 da Lei n. 8.742/93, com redação atualizada pelas Leis n. 12.435, de 06/07/2011, e n. 12.470, de 31/8/2011, dispõe sobre o benefício assistencial de prestação continuada, fixando os pressupostos legais necessários à sua concessão, quais sejam: ser pessoa com deficiência ou idosa (65 anos ou mais) e comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

O E. STF, no julgamento dos RE 567.985 e RE 580.963, reconheceu a viabilidade de concessão do benefício assistencial, mesmo se superado o limite de ¼ do salário mínimo por cabeça, previsto na Lei nº 8.742/93, desde que, no caso concreto, de forma fundamentada, o juízo se baseie em provas, admitidas em direito, que demonstrem a vulnerabilidade econômica do requerente.

A Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região sumulou o seguinte entendimento:

Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo (enunciado n. 21).

 

Outrossim, de acordo com previsão expressa do artigo 20, §14, da Lei 8.742/93, o valor de um salário mínimo proveniente de benefício de amparo social ou de benefício previdenciário, percebido por quem não pode prover sua própria subsistência, por ser deficiente (inclusos os inválidos) ou idoso maior de 65 anos, deve ser excluído do cálculo para aferição da renda per capta familiar:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.  

(...)

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.

 

Ainda, dispõe a Súmula 22 da TRU: “Apenas os benefícios previdenciários e assistenciais no valor de um salário mínimo recebidos por qualquer membro do núcleo familiar devem ser excluídos para fins de apuração da renda mensal per capita objetivando a concessão de benefício de prestação continuada”.

 

No caso concreto, de acordo com o laudo socioeconômico (ID 287428201 PJe), a parte autora reside com um irmão deficiente mental e físico.

A renda familiar decorre do benefício assistencial (BPC/LOAS) auferido pelo irmão da parte autora.

O valor do benefício assistencial não integra o cálculo da renda per capta do grupo familiar, conforme o disposto no artigo 20, §14, da Lei 8.742/93.

Também, do laudo social, evidencia-se residência simples, guarnecida por móveis e utensílios domésticos que condizem com a hipossuficiência econômica, sem indícios que atestem o contrário.

Assim, reputo preenchido o requisito de hipossuficiência econômica.

 

Há, portanto, preciso encaixe no(s) requisito(s) legal(is) para a concessão do benefício assistencial pleiteado.

 

Saliente-se, ainda, que o benefício em questão é passível de revisão a cada 2 (dois) anos, nos termos do artigo 21 da Lei 8.742/93, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, oportunidade nas quais a autarquia previdenciária poderá reexaminar a situação de vulnerabilidade social da requerente, caso saia dos padrões estabelecidos nesta decisão, e até mesmo angariar provas que justifiquem a suspensão do benefício, ônus do qual não se desincumbiu neste processo.

Valores eventualmente recebidos na via administrativa a título do mesmo benefício ou de benefício inacumulável deverão ser descontados no cálculo do quantum debeatur, em observância ao disposto no artigo 20, § 4º da Lei 8.742/93.

 

No tocante à data de início do benefício, entendo que deve retroagir à data do requerimento administrativo, qual seja, 03/02/2021 (ID 287428194, pág. 5 PJe).

 

No mais, consigno ser suficiente que sejam expostas as razões de decidir do julgador, para que se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não havendo a necessidade de expressa menção a todo e qualquer dispositivo legal mencionado, a título de prequestionamento.

 

Com estas considerações, voto por dar provimento ao recurso da parte autora, a fim de reformar a sentença, para determinar a concessão do benefício de amparo social (LOAS) desde a data do requerimento administrativo (03/02/2021), com incidência, sobre os valores atrasados, juros e correção monetária conforme determina o Manual de Orientação para Procedimentos de Cálculos da Justiça Federal e suas atualizações.

Considerando a fundamentação acima, bem assim o caráter alimentar do benefício ora reconhecido e que eventual recurso a ser interposto não terá efeito suspensivo, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA, nos termos do art. 4º da Lei nº 10.259/2001, para determinar ao INSS que implante o benefício de amparo social, em favor da parte autora, no prazo de 15 (quinze) dias, observando ainda o prazo de 45 dias para o primeiro pagamento (art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/91). Oficie-se à Gerência Executiva do INSS para cumprimento.

Sem condenação em honorários, pois não há recorrente vencido, nos termos do artigo 55 da Lei n. 9.099/95.

Custas na forma da lei.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Dispensada a redação de ementa nos termos do artigo 13, §3º, da Lei 9.099/95, aplicável aos Juizados Especiais Federais por força do disposto no artigo 1º da Lei 10.259/2001.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

RAQUEL DOMINGUES DO AMARAL
JUÍZA FEDERAL