Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000757-50.2019.4.03.6004

RELATOR: 4º Juiz Federal da 2ª TR MS

APELANTE: ALEX LOPES DE JESUS

Advogado do(a) APELANTE: NIVALDO PAES RODRIGUES - MS17620-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

R E L A T Ó R I O
 
Dispensado o relatório (artigo 81, § 3º, da Lei 9.099/1995 c.c. artigo 1º da Lei 10.259/2001).
 

 


V O T O

 

A sentença penal condenatória foi proferida nos seguintes termos:

"1. RELATÓRIO 

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia contra ALEX LOPES DE JESUS, qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do crime do art. 329 do Código Penal.

Narra a denúncia o seguinte:

Consta dos autos que, no dia e horário mencionados, os Agentes de Polícia Federal GLEIDSON JOSIEL DA SILVA MALTA e ROBERTO FERNANDES FIGUEIREDO JÚNIOR, juntamente com o Papiloscopista da Polícia Federal FELIPPE RAFAEL DAYRELL LADEIRA, durante operação para repressão ao tráfico de drogas e armas no Posto Fiscal Esdras, deram ordem de parada para o condutor da motocicleta de marca Honda, placas NRG 2831, o qual transitava sentido Bolívia/Brasil, posteriormente identificado como ALEX LOPES DE JESUS.

No momento da ordem, os servidores notaram que ALEX trazia um volume na região da cintura/abdômen, sob suas vestes, o que reforçou o motivo ensejador de sua abordagem.

Contudo, ao reduzir a velocidade da moto, e aproveitando o espaço que existia entre ele e o veículo da frente, ALEX realizou manobra para o lado esquerdo da pista e acelerou sua motocicleta em direção ao PPF DAYRELL e, posteriormente, em direção ao APF FERNANDES, que se encontrava mais a frente, obrigando os servidores a se esquivarem para não serem atropelados.

Ato contínuo, todos os servidores deram ordem de parada para o acusado, o que novamente não foi atendido por ALEX LOPES DE JESUS que, ao contrário, soltou uma das mãos do guidom da moto para pegar o objeto que estava sob suas vestes. Nesse momento, temendo se tratar de uma arma de fogo, o APF FERNENDES efetuou um disparo com sua arma na direção da moto, com o objetivo de impedir a fuga, mas que acabou por atingir a perna do acusado.

Socorrido o denunciado que estava ferido, os servidores puderam identificar que o objeto que ALEX trazia consigo se tratava de uma caixa plástica com materiais odontológicos, bem como que, em entrevista preliminar, este declarou que se evadiu da barreira policial em razão da documentação de sua moto estar irregular, o que lhe fundou o medo de ter o bem apreendido.

Em sede policial, à fl. 10 do IPL, ALEX LOPES DE JESUS confirmou que ficou com medo de perder sua moto, cuja documentação estaria irregular desde 2015. Contudo, negou que tivesse a intenção de resistir à execução da ordem legal, aduzindo que, naquela manhã, sua motocicleta estaria com a aceleração baixa, o que levaria o veículo a desligar. Assim, o acusado teria regulado a embreagem para que a aceleração permanecesse constante, evitando seu desligamento. Então, por não estar acostumado com essa nova regulagem e por ter se assustado com a ordem de parada, ALEX teria acelerado demais a motocicleta. Por fim, afirmou que não se recorda de ter levado a mão no objeto que escondia sob suas vestes durante a ação.

Realizado a perícia técnica no veículo, no id.22809588, o trabalho concluiu que, embora a moto apresentasse uma anomalia em sua embreagem (“embreagem baixa”) que possa dificultar a parada do veículo, essa anomalia não interfere no funcionamento do freio, bem como não há como regular a sua aceleração, tendo em vista que o modelo é dotado de injeção eletrônica.

Na manifestação de Id. 118261257, o Ministério Público Federal ofertou acordo de não persecução penal ao acusado. Realizada audiência no dia 22 de junho de 2022, restou frustrada a tentativa de acordo (Id. 254674460).

A denúncia foi recebida em 13/07/2022 (Id. 25674391).

Citada, a parte ré apresentou resposta escrita à acusação (Id. 271879936).

Não sendo verificadas causas de absolvição sumária, prosseguiu-se com a instrução (Id. 274203930).

As testemunhas de acusação GLEIDSON JOSIEL DA SILVA MALTA e ROBERTO FERNANDES FIGUEIREDO JUNIOR foram ouvida perante este Juízo. Na mesma oportunidade, a parte acusada foi interrogada (Id. 288502879).

Nada foi requerido pelas partes na fase do artigo 402 do CPP.

Em suas alegações finais, o Ministério Público Federal pugnou pela condenação do réu nos termos da denúncia (Id. 293675192).

A defesa, por sua vez, argumentou pela absolvição por atipicidade da conduta e insuficiência probatória (Id. 295214654).

Vieram os autos conclusos. É o relatório. DECIDO.

2. FUNDAMENTAÇÃO 

Consta dos autos que no dia 30 de janeiro de 2019 o réu teria se oposto à execução de ordem legal. 

Perante a autoridade policial a ocorrência foi descrita da seguinte forma (Id. 22809560):

Conforme Depoimentos dos policiais envolvidos na presente ocorrência, tem-se que na data de hoje, por volta das 09:30, durante abordagem policial de rotina visando reprimir o tráfico de armas e drogas, realizada no Posto de Fiscalização ESDRAS de Corumbá/MS, equipe de Policiais Federais deu ordem de parada a motociclista suspeito, haja vista demonstrar nervosismo e possuir um volume grande na região da cintura. O suspeito, posteriormente identificado como ALEX LOPES DE JESUS, desobedeceu à ordem policial, iniciando fuga, inclusive jogando sua moto contra um dos policiais e, em movimentação suspeita, levou uma das mãos à região do abdomem, colocando-a no referido volume, razão pela qual foi realizado um disparo de arma de fogo em direção à parte inferior da motocicleta visando desestabilizá-lo e, assim, repelir a injusta agressão, atingindo ALEX na perna.

Ouvido em juízo, a testemunha Gleidson Malta confirmou, em linhas gerais, a ocorrência. Reforçou que houve uma ordem de parada em razão de um volume na cintura do réu e que este, após a ordem de parada, acelerou a motocicleta e quase atropelou outro agente policial. Descreveu, ainda, como se deu o disparo em direção ao réu após este retirar o mão do guidão da motocicleta. Indagado pelo MPF, a testemunha disse que o réu não só ouviu a ordem de parada, como também viu o movimento dado pelos agentes para a parada. Perguntado pela defesa, afirmou que a velocidade do réu era baixa. Fez, ainda, esclarecimentos sobre a abordagem, mas reforçou a narrativa inicial. Sobre o disparo, disse que foi pela frente, pela diagonal. Negou, ainda, que os policiais tenham dado uma "gravata" no réu (Id. 288627522).

Roberto Fernandes, por sua vez, também reiterou a mesma narrativa da ocorrência policial. Com relação ao disparo, também disse que fez o disparo quando o réu tirou a mão do guidão. Alegou, ainda, que fez o disparo em direção à moto. Disse, ainda, que a ordem foi expressa (Id. 288627522).

O réu, por sua vez, disse que não viu a ordem da parada e que sua motocicleta estava com um problema na aceleração. Alegou, ainda, que o disparou ocorreu pela parte de trás. Disse que estava trazendo uma pasta com aparelhos odontológicos em sua barriga. Sobre a alegação de que teria acelerado a moto, disse que isso não ocorreu, mas que de fato não parou porque não compreendeu a ordem de parada, o que teria ocorrido em razão do barulho dos caminhões. Negou, ainda, que tenha tirado a mão do guidão. Afirmou que a moto estava com a aceleração avançada em razão de um problema mecânico. Disse também que só percebeu que deveria parar após ter sido atingido pelo disparo (Id. 288627522).

Em que pesem suas alegações, entendo que a narrativa do réu encontra-se divorciada da instrução probatória. Como bem argumentou o MPF em suas alegações finais, há contradições importantes em sua narrativa, dentre as quais: a) a alegação de que não tirou as mãos do guidão em momento algum, ao mesmo tempo em que disse que fixou a cinta de seu capacete com a moto em movimento, sem desacelerar; b) na fase policial, disse que tentou se evadir por estar com a documentação em atraso, o que foi comprovado nos autos, ao passo que em juízo negou que tenha acelerado; c) apesar de ter negado ter notado a ordem de parada, os demais elementos dos autos indicam que, ao menos visualmente, o réu poderia percebe-la; d) a alegação de que o depoimento na fase policial fora forjado também não é verossímil no contexto dos autos, já que teria ocorrido fora do estabelecimento policial e guarda coerência com outros elementos, em especial do documento vencido; e) a versão apresentada em juízo contradiz até mesmo a própria resposta à acusação, na qual a defesa admite que houve aceleração em razão da documentação atrasada.

Sendo assim, as declarações das testemunhas, bem como os elementos contraditórios da autodefesa, demonstram de forma satisfatória a materialidade e a autoria em relação ao crime de resistência.

O dolo está presente e extrai-se do próprio comportamento do acusado. Ao contrário do que alega a defesa, o réu não se limitou a ofender verbalmente os agentes.

Portanto, a conduta é típica.

Verificada a tipicidade da conduta (que é indiciária da ilicitude) e ausentes causas de exclusão da antijuridicidade do fato, a ilicitude resta configurada.

Não se vislumbra, no caso, a presença de causas de exclusão da culpabilidade.

Em síntese, comprovadas materialidade, autoria e tipicidade, e inexistindo causas de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade, impõe-se a condenação do réu às penas do art. 329, caput, do Código Penal.

3. APLICAÇÃO DA PENA

A pena prevista para a infração capitulada no art. 329, caput, do Código Penal está compreendida entre 2 (dois) meses a 2 (dois) anos de detenção.

Culpabilidade: normais. Antecedentes: são favoráveis ao réu. Conduta Social: nada há nos autos que a desabone. Personalidade: inexistem elementos suficientes para a sua aferição. Motivos: comuns ao crime. Circunstâncias: neutras. Consequências: normais. Por fim, resta prejudicada a análise da circunstância referente ao comportamento da vítima, em razão de o delito ter como sujeito passivo o Estado.

Considerando tais circunstâncias, fixo a PENA-BASE em 2 (dois) meses de detenção.

Não existem circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Não existem causas de aumento ou de diminuição de de pena.

Assim, resta a pena privativa de liberdade DEFINITIVAMENTE FIXADA em 2 (dois) meses de detenção.

4. DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para o fim de CONDENAR o réu ALEX LOPES DE JESUS como incurso nas sanções do art. 329 do Código Penal à pena de 03 (três) meses de detenção.

Ante as circunstâncias fáticas do delito e preenchidos os requisitos exigidos pela lei (art. 44 do Código Penal), reconheço a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.

Diante do quantum da pena privativa de liberdade fixada para o réu (condenação igual ou inferior a um ano), o art. 44, § 2º, do Código Penal prevê que a sanção poderá ser substituída por uma pena restritiva de direitos ou por uma multa.

Prevalecerá a substituição pela pena restritiva de direitos.

Assim, substituo a pena privativa de liberdade anteriormente imposta ao réu por uma restritiva de direitos na modalidade de prestação de serviços à comunidade a ser definida oportunamente pelo Juízo de execução.

Em caso de descumprimento a pena deve ser cumprida no regime inicial aberto.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais.

O réu se encontra em liberdade, não se fazem presentes os motivos autorizadores da decretação da prisão preventiva e a pena privativa de liberdade foi substituída por penas restritivas de direitos. Poderá, portanto, apelar em liberdade.

Havendo interposição de recurso(s), presentes os pressupostos subjetivos e objetivos (em especial, tempestividade), o que deverá ser verificado pela Secretaria, desde logo, recebo-o(s). Intime(m)-se a(s) parte(s) para apresentação das razões recursais, no prazo de 08 (oito) dias, e para apresentar as contrarrazões recursais, em igual prazo.

Com a manutenção da condenação, após o trânsito em julgado:

Após o trânsito em julgado:

- oficie-se à Justiça Eleitoral, ao CNJ (art. 289-A do CPP) e aos órgãos de identificação.

- encaminhem-se os autos ao SEDI, para anotação da condenação;

- lance-se no Rol dos Culpados;

- os condenados terão o prazo de 10 (dez) dias para recolhimento da pena de multa (do que serão intimados desde logo), sob pena de representação para que o Ministério Público Federal promova a execução;

- comunique-se o juízo da Execução Penal para fins de unificação com outras penas eventualmente existentes contra os condenados;

- façam-se as demais diligências e comunicações necessárias nos termos da fundamentação supra.

Com a extinção da pena, arquivem-se os autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

A defesa de Alex Lopes de Jesus interpôs recurso (ID 285332037). Em sede preliminar, pugna pela correção do dispositivo no tocante à fixação da pena em três meses de detenção, apontando erro material em detrimento da fundamentação exarada, que o condenara a dois meses de detenção. No mérito, alega atipicidade da conduta, requerendo, por conseguinte, a absolvição, nos termos do artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal.

De início, verifico assistir razão ao recorrente no que tange ao erro material constante da parte dispositiva.

Com efeito, depreende-se da fundamentação que, após análise exauriente do caso, o juízo de origem concluiu pela aplicação da pena definitiva no mínimo legal – dois meses de detenção (CP, art. 329, caput) – face à ausência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, bem como de causas de aumento ou de diminuição da pena.

Não obstante, por um lapso, o dispositivo foi redigido com menção à pena de três meses de detenção, o que, segundo a leitura detida do capítulo “3” da fundamentação, não prevalece.

No mérito, por outro lado, não se vislumbra razão para reforma do julgado.

O MPF ofereceu denúncia em face de Alex Lopes de Jesus pela prática da conduta prevista no art. 329 do CP (resistência).

O réu alega que sua conduta se deu com culpa, e não com dolo, ao acelerar a moto na barreira e desobedecer à ordem de parada dos policiais.

Em que pese essa situação, seus argumentos estão dissociados dos elementos de prova colhidos ao longo da instrução processual.

Conforme mencionado pelo juízo de origem, foram constatadas diversas contradições importantes na narrativa do réu, especialmente: a) a alegação de que não tirou as mãos do guidão em momento algum, ao mesmo tempo em que disse ter fixado a cinta de seu capacete com a moto em movimento, sem desacelerar; b) na fase policial, disse que tentou se evadir por estar com a documentação em atraso, o que foi comprovado nos autos, ao passo que em juízo negou que tenha acelerado; c) embora negue ter notado a ordem de parada, os demais elementos dos autos indicam que, ao menos visualmente, o réu poderia percebê-la; d) a alegação de que o depoimento na fase policial fora forjado também não é verossímil no contexto dos autos, já que teria ocorrido fora do estabelecimento policial e guarda coerência com outros elementos, em especial do documento vencido; e) a versão apresentada em juízo contradiz até mesmo a própria resposta à acusação, na qual a defesa admite que houve aceleração em razão da documentação atrasada.

Deve, pois, ser mantida a condenação imposta.

O caso é, pois, de parcial provimento do recurso, apenas para corrigir o erro material do dispositivo, com relação ao quantum da pena fixada, conforme mencionado.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso do réu para manter a condenação de Alex Lopes de Jesus pela prática do crime previsto no art. 329 do Código Penal, corrigindo o erro material constante da parte dispositivo do julgado, para o fim de aplicar a pena definitiva em 2 (dois) meses de detenção, permanecendo, no mais, o inteiro teor da sentença prolatada.

É o voto.



E M E N T A

Dispensada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
 
RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA
JUIZ FEDERAL