Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000266-87.2022.4.03.6311

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: JULIO CESAR BARROS DO NASCIMENTO JUNIOR

Advogado do(a) APELADO: ROGERIO ZARATTINI CHEBABI - SP175402-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000266-87.2022.4.03.6311

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: JULIO CESAR BARROS DO NASCIMENTO JUNIOR

Advogado do(a) APELADO: ROGERIO ZARATTINI CHEBABI - SP175402-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): 

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL contra r. sentença proferida nos autos da ação de procedimento comum, com pedido de tutela de urgência, proposta por Julio Cesar Barros do Nascimento Junior, objetivando suspender os efeitos dos artigos 4º e 10, VI, da Instrução Normativa RFB n. 1.209/2011 e do artigo 810, VI, do Decreto n. 6759/2009, os quais exigem aprovação no exame de qualificação técnica para inscrição no Registro de Despachantes Aduaneiros, determinando-se a inclusão do nome do autor no rol dos Despachantes Aduaneiros sem a necessidade de aprovação no exame de qualificação técnica.

Deferido parcialmente o pedido de tutela de urgência para, suspendendo os efeitos dos artigos 4º e 10º, VI, da Instrução Normativa RFB n. 1.209/ 2011 e do artigo 810, VI, do Decreto n. 6.759/2009, determinar que a requerida, no prazo de 15 (quinze) dias, inclua o nome do autor no rol dos Despachantes Aduaneiros, independentemente de apresentação de comprovante de aprovação em exame de qualificação técnica e desde que inexistente qualquer outro óbice para tanto (ID 295816320).

A r. sentença julgou procedente o pedido formulado na inicial, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para assegurar a inscrição definitiva do autor no Registro de Despachantes Aduaneiros, mantido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, independentemente de apresentação de comprovante de aprovação em exame de qualificação técnica. Condenou a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixou em 10% (dez por cento) sobre valor da causa, nos termos do art. 85, § 3º, inciso I, e 4º, inciso III, do Código de Processo Civil. Custas na forma da lei. Sentença submetida ao reexame necessário (ID 295816330).

Sustenta o apelante, em síntese, que: i) o Decreto n. 6.759/2009 regulamenta a administração das atividades aduaneiras, a fiscalização, o controle, a atribuição e a tributação das operações de comércio exterior, nos exatos limites da competência estabelecida nos artigos 84 e 237 da Constituição Federal, não havendo vício de inconstitucionalidade na norma prevista no art. 810, §1º, VI do referido Decreto; e ii) o artigo 5º do Decreto-lei n. 2.472/1988 estabelece que caberá ao Poder Executivo dispor sobre a forma de investidura na função de Despachante Aduaneiro e os artigos 4º e 5º, da Instrução Normativa RFB n. 1.209/2011 disciplinam os requisitos e procedimentos para o exercício das profissões de Despachante Aduaneiro e de Ajudante de Despachante Aduaneiro, tratando inclusive do exame de qualificação técnica.

Requer o provimento do recurso, para reformando-se a r. sentença, julgar improcedente o pedido formulado na petição inicial (ID 295816383).

Com contrarrazões (ID 295816386), subiram os autos a esta E. Corte.

É o relatório. 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000266-87.2022.4.03.6311

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: JULIO CESAR BARROS DO NASCIMENTO JUNIOR

Advogado do(a) APELADO: ROGERIO ZARATTINI CHEBABI - SP175402-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): 

Cinge-se a controvérsia quanto à obrigatoriedade de aprovação em exame de qualificação técnica, para inscrição no Registro de Despachantes Aduaneiros.

Trata-se, no caso, de matéria disciplinada pelo Decreto-Lei n. 2.472/1988 e, de forma subjacente a este, pelo Decreto n. 6.759/2009 e pela Instrução Normativa RFB n. 1.209/2011, nos dispositivos abaixo transcritos:

Decreto-Lei n. 2.472/ 1988

“Art. 5º A designação do representante do importador e do ex-portador poderá recair em despachante aduaneiro, relativamente ao despacho aduaneiro de mercadorias importadas e exportadas e em toda e qualquer outra operação de comércio exterior, realizada por qualquer via, inclusive no despacho de bagagem de viajante.

(...)

3º Para a execução das atividades de que trata este artigo, o Poder Executivo disporá sobre a forma de investidura na função de Despachante Aduaneiro, mediante ingresso como Ajudante de Despachante Aduaneiro, e sobre os requisitos que serão exigidos das demais pessoas para serem admitidas como representantes das partes interessadas”.

 

Decreto n. 6.759/ 2009

"Art. 810. O exercício da profissão de despachante aduaneiro somente será permitido à pessoa física inscrita no Registro de Despachantes Aduaneiros, mantido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 5º, § 3º). § 1º A inscrição no registro a que se refere o caput será feita, a pedido do interessado, atendidos os seguintes requisitos:

(...)

VI - aprovação em exame de qualificação técnica".

 

Instrução Normativa RFB n. 1.209/2011

“Art. 4º O exame de qualificação técnica consiste na avaliação da capacidade profissional do ajudante de despachante aduaneiro para o exercício da profissão de despachante aduaneiro.”

 

A questão que emerge da lide é a legalidade da exigência de exame de qualificação técnica para o exercício da sobredita atividade.

A Constituição Federal de 1988, no inciso II do art. 5º, consagra o princípio da legalidade, ao dispor que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

O princípio é reforçado pelo caput do art. 37, segundo o qual a Administração Pública deve observar, dentre outros, o princípio da legalidade.

De outra parte, a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XIII, dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

O livre exercício de profissão constitui direito fundamental individual a ser assegurado de forma ampla, podendo, no entanto, sofrer limitações previstas em lei em sentido estrito, com objetivo de proteger a coletividade contra possíveis riscos decorrentes da própria prática profissional ou de promover outros valores de relevo constitucional como a segurança, a saúde, a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, a proteção especial da infância e outros.

Temos, portanto, o princípio da liberdade do exercício de trabalho ou profissão, que somente deve se submeter às exigências e restrições legais.

O princípio da reserva legal implica que somente a lei, em sentido formal, poderá criar obrigações ou restrições ao exercício de profissão, não podendo fazê-lo o regulamento, ainda que autorizado pela lei.

Com efeito, a lei não pode delegar ao regulamento a definição de direitos e obrigações profissionais, posto que a Constituição Federal somente admite que isso seja feito por ato formal do Poder Legislativo, no exercício das suas atribuições.

Delegar ao Poder Executivo a definição de direitos e obrigações, ainda que por meio de lei, significa subverter a Ordem Constitucional.

O regulamento, por decreto ou qualquer outro meio formal, não pode ser autônomo, no sentido de que lhe cabe apenas detalhar as condições materiais para o exercício de um direito ou uma obrigação, basicamente apontando onde, como e quando deverão ser exercidos ou cumpridos.

Contudo, não pode investir em elementos definidores do próprio direito ou da obrigação, posto que fazendo isso estará invadindo a reserva constitucional da lei.

Oportuna a transcrição da doutrina de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (In Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 271):

"Em princípio, como é sabido, o regulamento não pode criar ou extinguir obrigações, não pode nem mesmo suspendê-las ou adiá-las, como não amplia nem restringe direitos. Por outro lado, se costuma ensinar que, no que for além da lei, não obriga; no que for contra a lei, não prevalece. À luz desse ensinamento, que é o clássico, o regulamento praeter legem não obriga".
 

Também se mostra adequada a lição de Celso Ribeiro Bastos sobre o princípio da legalidade (In Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editoria, 2002, p. 327):

"O princípio da legalidade garante o particular contra os possíveis desmandos do Executivo e do próprio Judiciário. Instaura-se, em conseqüência, uma mecânica entre os Poderes do Estado, da qual resulta ser lícito apenas a um deles, qual seja o Legislativo, obrigar aos particulares".

 

Neste contexto, o exercício da profissão de despachante aduaneiro, como qualquer outra, deve observar as prescrições legais, as quais, no caso, são estabelecidas pelo § 3º do art. 5º do Decreto-Lei n. 2.472/1988, acima transcrito.

Contudo, em que pese o inegável valor de lei dos antigos decretos-leis, as delegações por eles previstas estão desconformes à Constituição Federal de 1988, na dicção expressa do art. 25 do ADCT:

Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeite este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa;

II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.

 

Sendo assim, a partir de 180 dias da promulgação da Constituição Federal de 1988, perdeu efeito o § 3º do Decreto-Lei n. 2.472/1988, na parte em que delegava ao Poder Executivo a competência para dispor sobre a investidura na função de despachante aduaneiro, salvo naquilo que é próprio do ato regulamentar.

Por tais fundamentos, não poderia o art. 810, VI, do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto n. 6.759/2009, estabelecer exigências para o exercício da atividade de despachante aduaneiro, como a aprovação em exame de qualificação técnica, por importar em discriminação não prevista na lei de regência, nem justificável como atributo natural ao encargo.

Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535, II DO CPC/1973. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO EFETUAR A INSCRIÇÃO JUNTO AO REGISTRO DE DESPACHANTES ADUANEIROS DA 8a. REGIÃO FISCAL DA RECEITA FEDERAL. DECISÃO QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ANTE A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAR O ÓBICE DA SÚMULA 83/STJ. ACORDÃO LOCAL QUE ESTÁ EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES: RESP 396.449/RS, REL. MIN. JOSÉ DELGADO, DJ 8.4.2002; RESP 150.858/SP, REL. MIN. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 2.5.2000. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Não há como acolher a alegada violação do art. 535, II do CPC/1973, visto que a lide foi solvida com a devida fundamentação, entendendo que cumpridos os requisitos legais para habilitação de despachante aduaneiro ao exercício do cargo, é vedado a Administração formular outras exigências por intermédio de ato administrativo, extrapolando os termos de norma hierarquicamente superior.

2. O entendimento adotado pela Corte de origem está em harmonia com a jurisprudência do STJ, segundo a qual uma vez preenchidos os requisitos exigidos em lei especial, a qual não exige qualificação técnica, têm os impetrantes direito ao credenciamento (inscrição) como despachantes aduaneiros (REsp. 396.449/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 8.4.2002; REsp. 150.858/SP, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 2.5.2000). Inafastável, portanto, a aplicação da Súmula 83/STJ.

3. Agravo Regimental da UNIÃO a que se nega provimento.

(AgRg no Ag n. 1.278.070/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 18/5/2018.)

 

No mesmo sentido, o seguinte julgado desta Corte:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE DESPACHANTE ADUANEIRO. ART. 45, § 2º, DECRETO 646/92. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. RECURSO PROVIDO.

- Inicialmente, resulta prejudicado o agravo interno interposto contra a decisão singular que examinou o pedido de concessão de tutela antecipada de urgência, por força do julgamento deste recurso, uma vez que as questões apontadas pela agravante também são objeto deste voto o qual é, nesta oportunidade, submetido ao colegiado, cumprindo o disposto no art. 1021 do CPC.

- A discussão, ora posta em exame, cinge-se à legalidade da negativa da Receita Federal do Brasil em proceder o registro de Despachante Aduaneiro do apelante, que já é habilitado pela própria RFB, como Ajudante de Despachante Aduaneiro.

- Aduz a parte apelante que a atividade de ajudante de despachante aduaneiro (que é um interveniente do comércio exterior) é muito limitada, permitindo que atue somente vinculado a um despachante aduaneiro, nos termos do § 5º, art. 9º da IN RFB nº 1273/2012.

- Informa que se depararam com a exigência de aprovação em Exame de Qualificação Técnica, fixada no art. 4º e seguintes da Instrução Normativa RFB nº 1.209/2011, que estabelece requisitos e procedimentos para o exercício das profissões de despachante aduaneiro e de ajudante de despachante aduaneiro.

- De fato, a Receita Federal, com fundamento no § 6º do art. 810 do Decreto nº 6.759/09, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior, editou a supracitada IN RFB nº 1.209/2011.

- Em relação a este ponto, a jurisprudência desta E. Corte aponta no sentido de que, por conta do princípio da reserva legal, afigura-se indevida a imposição do requisito de aprovação em exame de qualificação técnica para o exercício da profissão de despachante aduaneiro pelo Decreto nº 6.759/2009, bem como pela IN RFB nº 1.209/2011, considerando a inexistência de lei que determine tal exigência.

- Em razão de tais elementos, em sede de análise sumária se conclui que a profissão de despachante aduaneiro ou ajudante de despachante aduaneiro não têm os requisitos em lei previstos, de modo que não devem subsistir as exigências do artigo 5º, §3º, do Decreto-Lei nº 2.472/88 ou do artigo 810, inciso VI, do Decreto nº 6.759/09. Precedentes jurisprudenciais.

- Agravo interno prejudicado. Apelação provida.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5033401-78.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 03/04/2023, DJEN DATA: 12/04/2023)

 

Assim, não havendo previsão legal a respeito, inexigível a aprovação em exame de qualificação para a inscrição como despachante aduaneiro.

Desse modo, considerando a fundamentação lançada, concluo pela procedência do pedido.

Cabível, ainda, a manutenção dos honorários advocatícios no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, eis que fixados em atenção à razoabilidade e proporcionalidade, bem como em consonância com os parâmetros previstos no art. 85, § 3º, inciso I, e 4º, inciso III, do Código de Processo Civil.

Em razão da sucumbência recursal, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro a verba honorária em 10% sobre o montante fixado em primeiro grau de jurisdição.

Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária e à apelação.

É o voto.



E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. REGISTRO DE DESPACHANTE ADUANEIRO. EXIGÊNCIA DE EXAME DE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

- Cinge-se a controvérsia quanto à obrigatoriedade de aprovação em exame de qualificação técnica, para inscrição no Registro de Despachantes Aduaneiros, matéria disciplinada pelo Decreto-Lei n. 2.472/1988 e, de forma subjacente a este, pelo Decreto n. 6.759/2009 e pela Instrução Normativa RFB n. 1.209/2011.

- A Constituição Federal de 1988, no inciso II do art. 5º, consagra o princípio da legalidade, ao dispor que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O princípio é reforçado pelo caput do art. 37, segundo o qual a Administração Pública deve observar, dentre outros, o princípio da legalidade.

- De outra parte, a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XIII, dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Temos, portanto, o princípio da liberdade do exercício de trabalho ou profissão, que somente deve se submeter às exigências e restrições legais.

- Delegar ao Poder Executivo a definição de direitos e obrigações, ainda que por meio de lei, significa subverter a Ordem Constitucional. O regulamento, por decreto ou qualquer outro meio formal, não pode ser autônomo, no sentido de que lhe cabe apenas detalhar as condições materiais para o exercício de um direito ou uma obrigação, basicamente apontando onde, como e quando deverão ser exercidos ou cumpridos. Contudo, não pode investir em elementos definidores do próprio direito ou da obrigação, posto que fazendo isso estará invadindo a reserva constitucional da lei.

- Neste contexto, o exercício da profissão de despachante aduaneiro, como qualquer outra, deve observar as prescrições legais, as quais, no caso, são estabelecidas pelo § 3º do art. 5º do Decreto-Lei n. 2.472/1988: “Para a execução das atividades de que trata este artigo, o Poder Executivo disporá sobre a forma de investidura na função de Despachante Aduaneiro, mediante ingresso como Ajudante de Despachante Aduaneiro, e sobre os requisitos que serão exigidos das demais pessoas para serem admitidas como representantes das partes interessadas”.

Contudo, em que pese o inegável valor de lei dos antigos decretos-leis, as delegações por eles previstas estão desconformes à Constituição Federal de 1988, na dicção expressa do art. 25 do ADCT, o qual previu que “Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeite este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa; II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie”.

- Sendo assim, a partir de 180 dias da promulgação da Constituição Federal de 1988, perdeu efeito o § 3º do Decreto-Lei n. 2.472/1988, na parte em que delegava ao Poder Executivo a competência para dispor sobre a investidura na função de despachante aduaneiro, salvo naquilo que é próprio do ato regulamentar. Por tais fundamentos, não poderia o art. 810, VI, do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto n. 6.759/2009, estabelecer exigências para o exercício da atividade de despachante aduaneiro, como a aprovação em exame de qualificação técnica, por importar em discriminação não prevista na lei de regência, nem justificável como atributo natural ao encargo.

- Assim, não havendo previsão legal a respeito, inexigível a aprovação em exame de qualificação para a inscrição como despachante aduaneiro.

- Remessa necessária e apelação desprovidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à remessa necessária e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
 
RUBENS CALIXTO
DESEMBARGADOR FEDERAL