AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009757-68.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA
AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL
AGRAVADO: MUNICIPIO DE CARAGUATATUBA
Advogados do(a) AGRAVADO: DORIVAL DE PAULA JUNIOR - SP159408-A, MARCO AURELIO VENTURINI SALAMAO - SP274135-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009757-68.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: MUNICIPIO DE CARAGUATATUBA Advogados do(a) AGRAVADO: DORIVAL DE PAULA JUNIOR - SP159408-A, MARCO AURELIO VENTURINI SALAMAO - SP274135-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de agravo de instrumento interposto em face da decisão que, em ação ordinária, na qual se requer autorização para os Guardas Civis Municipais de Caraguatatuba, ocupantes de cargos em comissão, a expedição de porte de arma de fogo funcional, deferiu a medida liminar. Alega a União, em síntese, que a Lei n.° 13.022/2014, autorizou o porte de arma de fogo apenas para alguns guardas municipais, e não a todos os seus integrantes, tendo em vista a vedação do porte aos membros comissionados. Processado o feito com a concessão da tutela recursal. A parte agravada pleiteou a reforma da referida decisão através do agravo interno e do pedido de reconsideração, além de apresentar resposta ao agravo de instrumento. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009757-68.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: MUNICIPIO DE CARAGUATATUBA Advogados do(a) AGRAVADO: DORIVAL DE PAULA JUNIOR - SP159408-A, MARCO AURELIO VENTURINI SALAMAO - SP274135-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, julgo prejudicado os pedidos de reforma da decisão relativa ao efeito suspensivo, ante o julgamento do presente agravo de instrumento. No presente caso, ao apreciar o pedido de tutela recursal formulado pela agravante, assim decidiu o relator: Nos termos do artigo 995, parágrafo único, do Código de Processo Civil, a suspensão da eficácia de decisão agravada encontra-se condicionada à presença de dois fatores: a relevância da fundamentação e a configuração de situação capaz de resultar risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, que, neste aspecto, deve ser certa e determinada, capaz de comprometer a eficácia da tutela jurisdicional. Por sua vez, o recurso interposto contra decisão que defere ou indefere pedido de tutela provisória devolve ao órgão julgador apenas o exame da presença ou ausência destes pressupostos legais ensejadores da concessão. Outrossim, é vedado ao Tribunal decidir alegações não desenvolvidas e analisadas perante o Juízo de origem, sob pena de se incidir em supressão de um grau de jurisdição. A instituição das Guardas Municipais está disciplinada no art. 144, § 8º, da Constituição Federal, in verbis: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. (...)” A Lei Federal n.º 13.022/2014 foi editada com o propósito de dispor sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, e se constitui em norma geral, aplicável a todas as guardas municipais, dispondo, ainda, nos termos do art. 6°, que cabe a cada Município, através de lei, instituir suas guardas municipais. O STF, no julgamento da ADI 5780/DF reconheceu a constitucionalidade do supracitado normativo, in verbis: É constitucional — na medida em que preserva a autonomia dos municípios (art. 144, § 8º, CF/88) e se limita a estabelecer critérios padronizados para a instituição, organização e exercício das guardas municipais — a Lei federal nº 13.022/2014, a qual dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. STF. Plenário. ADI 5780/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 01/7/2023 (Info 1101). Além disso, o STF, nos termos do art. 144, § 8º, da CF/88, concedeu interpretação conforme a Constituição ao art. 4º da Lei n.º 13.022/2014 e ao art. 9º da Lei n.º 13.675/2018, de modo a declarar inconstitucionais todas as interpretações judiciais que excluem as guardas municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública, in verbis: As guardas municipais são reconhecidamente órgãos de segurança pública e aquelas devidamente criadas e instituídas integram o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). STF. Plenário. ADPF 995/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 28/8/2023 (Info 1105). Não obstante o reconhecimento de que as Guardas Municipais integram o Sistema único de Segurança Pública, não estão todos os seus membros autorizados ao porte de arma de fogo funcional, em decorrência de expressa previsão legal. Conforme se infere da dicção do artigo 6º da Lei n.° 10.826/2003, em regra, veda-se o porte de arma de fogo em todo o território nacional, excetuando-se casos específicos como o de alguns agentes públicos, tais como os integrantes das Forças Armada, das polícias, das guardas municipais, dos guardas prisionais e dos responsáveis pelo transporte de presos, e em outros casos em que há efetiva necessidade de portar o referido instrumento, como os empregados das empresas de segurança privada e de transporte de valores e dos integrantes das entidades de desporto (praticante de tiro esportivo). Quanto ao porte de arma de fogo funcional para os integrantes das guardas municipais, de acordo com o supracitado artigo, a sua concessão está condicionada à formação funcional dos seus integrantes, in verbis: § 3o A autorização para o porte de arma de fogo das guardas municipais está condicionada à formação funcional de seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial, à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei, observada a supervisão do Ministério da Justiça. Nessa linha, o Decreto n.º 11.615/2023, que regulamenta Lei n.° 10.826/2003, dispõe detalhadamente quanto à concessão do porte de arma de fogo funcional para os membros da guarda municipal: Concessão de porte de arma de fogo funcional a integrantes das guardas municipais Art. 57. A Polícia Federal, diretamente ou por meio de convênio com os órgãos de segurança pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, e observada a supervisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública: I - estabelecerá o currículo da disciplina de armamento e tiro dos cursos de formação das guardas municipais; II - concederá porte de arma de fogo funcional aos integrantes das guardas municipais, com prazo de validade de dez anos, contado da data de emissão do porte, nos limites territoriais do Estado em que exercerem a função; e III - fiscalizará os cursos de formação para assegurar o cumprimento do currículo da disciplina, a que se refere o inciso I. Parágrafo único. Os guardas municipais autorizados a portar arma de fogo, nos termos do disposto no inciso II do caput, poderão portá-la nos deslocamentos para suas residências, mesmo quando localizadas em Município situado em Estado limítrofe. Art. 58. A formação de guardas municipais poderá ocorrer somente em: I - estabelecimento de ensino de atividade policial; II - órgão municipal para formação, treinamento e aperfeiçoamento de integrantes da guarda municipal; III - órgão de formação criado e mantido por Municípios consorciados para treinamento e aperfeiçoamento dos integrantes da guarda municipal; ou IV - órgão estadual centralizado e conveniado a seus Municípios, para formação e aperfeiçoamento de guardas municipais, no qual seja assegurada a participação dos Municípios conveniados no conselho gestor. Art. 59. O porte de arma de fogo aos integrantes das instituições de que tratam os incisos III e IV do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, será concedido somente mediante comprovação de treinamento técnico de, no mínimo: I - sessenta horas, para armas de fogo de repetição, na hipótese de a instituição possuir este tipo de armamento em sua dotação; II - cem horas, para arma de fogo semiautomática; e III - sessenta horas, para arma de fogo automática, na hipótese de a instituição possuir este tipo de armamento em sua dotação. § 1º O treinamento de que trata o caput destinará, no mínimo, sessenta e cinco por cento de sua carga horária ao conteúdo prático. § 2º O curso de formação dos profissionais das guardas municipais de que trata o art. 58 conterá técnicas de tiro defensivo e de defesa pessoal. § 3º Os profissionais das guardas municipais com porte de arma de fogo serão submetidos a estágio de qualificação profissional de, no mínimo, oitenta horas anuais. Art. 60. A Polícia Federal somente poderá conceder porte de arma de fogo, nos termos do disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, às guardas municipais dos Municípios que tenham instituído: I - corregedoria própria e independente para a apuração de infrações disciplinares atribuídas aos servidores integrantes da guarda municipal; e II - ouvidoria, como órgão permanente, autônomo e independente, com competência para fiscalizar, investigar, auditar e propor políticas de qualificação das atividades desenvolvidas pelos integrantes das guardas municipais. No presente caso, muito embora a parte agravada tenha alegado que respeitou todas as normas aplicadas ao caso, tendo celebrado com a Polícia Federal o Acordo de Cooperação Técnica n.º 26/2002, até o presente momento, a referida informação está em análise pela Polícia Federal, quanto a veracidade das informações contidas na declaração subscrita pelo Superintendente da Guarda de Caraguatatuba, conforme relatório n.° 00755/2024/CONJUR-MJSP/CGU/AGU, apresentado pela agravante no ID n.° 288673171. Além disso, nos termos do art. 9° da Lei n.º 13.022/2014, a guarda municipal será formada por servidores públicos integrantes de carreira única. O mesmo regramento, em seu art. 15, determinada que os cargos em comissão deverão ser providos por membros efetivos do quadro de carreira. De forma excepcional e transitória, a única exceção legalmente prevista para que os cargos em comissão sejam ocupados por profissional estranho ao quadro de carreira, é na hipótese ventilada no § 1° do art. 15, que autoriza apenas o cargo de direção da GCM nos quatro primeiros anos de funcionamento do órgão. No caso dos autos, a liminar deferida em primeiro grau concedeu a permissão do porte de arma de fogo funcional para inúmeros servidores em comissão, dos mais variados cargos, in verbis: 1. CLAUDIO DIAS DE OLIVEIRA (SUPERINTENDENTE DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL); 2. HUGO LEONARDO BERNARDES (CORREGEDOR DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL); 3. EMANOEL GOMES DE CARVALHO (DIRETOR OPERACIONAL); 4. CICERO ANTONIO SOUSA DA CRUZ (CHEFE DE POLICIAMENTO); 5. SANDRA DE OLIVEIRA CELESTINO (CHEFE DA ÁREA DE GABINETE); 6. DEUSDEDITE FIDÉLIS DA SILVA (CHEFE DE AREA DE LOGÍSTICA); 7. JULIANO CARLOS GUAGLIANO LUCCA (CHEFE DA AREA DE APOIO AOS RECURSOS HUMANOS). Portanto, ao menos nesta fase processual, seria temerária a concessão do porte de arma de fogo em desconformidade com o art. 9° da Lei n.º 13.022/2014. Ressalta-se, por fim, que por ocasião do julgamento da ação de origem ocorrerá a apreciação do mérito da questão levada a Juízo, em cognição exauriente das teses arguidas pelas partes. Dessarte, vislumbro a relevância da fundamentação a ensejar a concessão do efeito suspensivo ao presente recurso. Diante do exposto, presentes os requisitos, defiro o pedido. Observa-se que, entre a análise do pedido de tutela recursal e o julgamento do recurso neste momento pela 6ª Turma deste E. TRF, não houve nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida "ab initio", adotando-se, pois, os seus fundamentos como razão de decidir. Nesse sentido, reveste-se "de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação 'per relationem' que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República", sendo certo que a "remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma). Na mesma esteira: AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe: 27/02/2018; AgInt no REsp 1.624.685/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no AREsp 1178297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 07/08/2018, DJe 13/08/2018. Diante do exposto, voto por julgar prejudicado o agravo interno, e dar provimento ao agravo de instrumento.
O Exmo. Sr. Des. Fed. Souza Ribeiro
Acompanho o e. relator, por fundamento diverso.
Isto porque, sendo aos guardas municipais autorizado o porte de arma de fogo, mesmo em cargo comissionado, conforme consta dos autos, além de pendente de análise da veracidade das informações contidas na declaração subscrita pelo Superintendente da Guarda de Caraguatatuba, a controvérsia decorrente da execução do Acordo de Cooperação Técnica não foi encaminhada ao órgão de consultoria e assessoramento jurídico do órgão ou entidade pública federal, sob a coordenação e supervisão da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – AUTORIZAÇÃO PARA PORTE DE ARMA DE FOGO FUNCIONAL – GUARDAs CIVIS MUNICIPAIS OCUPANTES DE CARGO EM COMISSÃO – lei n.° 13.022/2014 – DESCONFORMIDADE COM A EXCEÇÃO PREVISTA ART. 15, § 1° - RECURSO PROVIDO.
1. Na ação ordinária de primeiro grau, foi concedida liminar autorizando inúmeros guardas civis municipais, ocupantes de cargo em comissão, a expedição de porte de arma de fogo funcional.
2. A Lei Federal n.º 13.022/2014 foi editada com o propósito de dispor sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, e se constitui em norma geral, aplicável a todas as guardas municipais, dispondo, ainda, nos termos do art. 6°, que cabe a cada Município, através de lei, instituir suas guardas municipais.
3. Nos termos do art. 9° da Lei n.º 13.022/2014, a guarda municipal será formada por servidores públicos integrantes de carreira única. O mesmo regramento, em seu art. 15, determinada que os cargos em comissão deverão ser providos por membros efetivos do quadro de carreira.
4. De forma excepcional e transitória, a única exceção legalmente prevista para que os cargos em comissão sejam ocupados por profissional estranho ao quadro de carreira, é na hipótese ventilada no § 1° do art. 15, que autoriza apenas o cargo de direção da GCM nos quatro primeiros anos de funcionamento do órgão.
5. Agravo interno prejudicado.
6. Agravo de instrumento provido.