RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000078-21.2024.4.03.6345
RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: DALVA DE OLIVEIRA SANTOS PEREIRA
Advogado do(a) RECORRENTE: NORMANDES SOARES DA SILVA - MS29437-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000078-21.2024.4.03.6345 RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: DALVA DE OLIVEIRA SANTOS PEREIRA Advogado do(a) RECORRENTE: NORMANDES SOARES DA SILVA - MS29437-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora em face de sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão do amparo social à pessoa com deficiência. Nas razões recursais, requer a reforma da r. sentença para acolhimento da pretensão autoral e concessão do benefício assistencial por entender que preenche os requisitos legais. É o relatório.
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000078-21.2024.4.03.6345 RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: DALVA DE OLIVEIRA SANTOS PEREIRA Advogado do(a) RECORRENTE: NORMANDES SOARES DA SILVA - MS29437-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O benefício de prestação continuada (BPC) decorre de mandamento constitucional (art. 203, inciso V, da CF) que assegura “um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, sendo regulamentado pelos arts. 20 a 21-A da Lei nº 8.742/1993 e Decreto nº 6.214/2007. Trata-se de direito fundamental e dever do estado de atendimento das necessidades essenciais, com o fim de prover o mínimo social aos brasileiros nato ou naturalizado, e ainda, aos estrangeiros residentes no Brasil (Tema 173/STF), uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais. Os requisitos necessários para obtenção do benefício são, portanto, os seguintes: (i) a situação subjetiva de pessoa idosa ou portadora de deficiência; e (ii) a situação objetiva de miserabilidade. Do critério subjetivo – idade ou deficiência Em relação ao critério etário, a lei não deixa margem quanto à concessão do benefício assistencial ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos. Todavia, quanto à deficiência, necessária algumas considerações. A temática é tratada na legislação de regência - Lei nº 8.742/93 - que estabelece em seu artigo 20 os requisitos para concessão deste benefício assistencial, veja-se: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) §1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) §2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) §3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021) §6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) § 9º Os valores recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento e colapso de barragens, bem como os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem, não serão computados para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 14.809, de 2024) §10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) §11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) §12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) §14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) §15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) (destacou-se) Percebe-se que a “deficiência” não se trata de um conceito unicamente médico e/ou clínico, mas sim um conceito que prioriza a dimensão social, e ainda, que a normatividade ficou aquém do esperado, deixando de indicar critérios objetivos para comprovação da deficiência física, mental, intelectual ou sensorial e parâmetros da avaliação biopsicossocial, inclusive o Decreto regulamentador é omisso. De todo modo, deve ser realizada perícia médica judicial para perquirir a (in)existência da deficiência e/ou impedimento de longo prazo, sendo certo que deficiência não se confunde com situação de incapacidade laborativa. No mais, há casos de reconhecimento da condição de pessoa com deficiência por força de lei, conforme, por exemplo, a Lei 14.126/2022 (visão monocular como deficiência sensorial/visual), a Lei 14.768/2023 (surdez unilateral total ou bilateral parcial ou total como deficiência auditiva) e a Lei nº 12.764/2012 (transtorno do espectro autista como deficiência mental/intelectual), que não afasta a análise do impedimento de longo prazo (de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas). Da hipossuficiência/miserabilidade (critério objetivo) De acordo com o §3º da Lei 8.742/93, observados os demais requisitos, “terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Recentemente, a Lei 14.176/2021 acrescentou o § 11-A ao art. 20 e o art. 20-B à Lei 8.742, que passou a dispor: § 11-A - O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo: I - o grau da deficiência; II - a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e III - o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. § 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. § 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo. § 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei. § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios." E enfim o art. 40-B: Art. 40-B. Enquanto não estiver regulamentado o instrumento de avaliação de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação do grau da deficiência e do impedimento de que trata o § 2º do art. 20 desta Lei, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas, respectivamente, pela Perícia Médica Federal e pelo serviço social do INSS, com a utilização de instrumentos desenvolvidos especificamente para esse fim. Apesar de ainda não estar regulamentada, a nova lei vai ao encontro do que já vinha decidindo a jurisprudência, sendo que o STF já havia decidido há muito pela constitucionalidade da regra do artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 (RE 567.985-MT, j. em 18.04.2013), nos seguintes termos: “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desamparados. Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais.” Na esteira do que restou decidido, a comprovação da insuficiência de recursos familiares não se limita à demonstração da renda per capita mensal inferior a ¼ do salário mínimo, até porque ao longo do tempo diversas outras leis estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais (Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; Lei n. 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Informação; e a Lei n. 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola), apontando no sentido da aplicação do valor de meio salário mínimo como padrão da renda familiar per capita para análise do preenchimento do requisito da hipossuficiência econômica, a ser analisada em conjunto com as demais circunstâncias do caso concreto. No mesmo sentido, a Súmula nº 21 (TRU): "Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário-mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderás ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário-mínimo." Vale dizer, presume-se a miserabilidade no caso de renda per capita familiar inferior a ¼ do salário-mínimo; em sendo a renda igual ou inferior a ½ mínimo, essa presunção deixa de ser absoluta, podendo ser afastada caso as demais circunstâncias do caso concreto assim façam concluir. Do caso concreto: A r. sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as questões suscitadas pelas partes. Pela pertinência, transcrevo trechos do decisium no que interessa à espécie: (...) “No caso dos autos, pleiteia-se a concessão do benefício à pessoa com deficiência e, necessariamente, em situação de vulnerabilidade social. Nessa toada, de plano, destaca-se que o requisito é a deficiência, conceituada pelo art. 20, § 2º, da supracitada lei, como o impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, possa obstruir a plena e efetiva participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com os demais. Não há que se confundir, pois, com a incapacidade laborativa, requisito dos benefícios previdenciários por incapacidade, ou com o mero acometimento por doenças, ainda que graves. Pelo conceito legal, incapacidade e doença não necessariamente são geradoras de deficiência. Acerca do tema, reputa-se pertinente a transcrição das lições de José Antonio Savaris: “Desde a vigência da Lei nº 12.470, de 31/08/2011, que alterou a regra do art. 20, §2º, da Lei nº 8.742/93, o conceito de pessoa com deficiência se distingue do conceito de incapacidade laboral. É equivocado, portanto, analisar-se o direito ao benefício assistencial mediante investigação da existência ou não da incapacidade. De um lado, o paradigma da incapacidade laboral pode prejudicar irremediavelmente o acesso de algumas pessoas ao benefício, especialmente crianças e adolescentes, às quais sequer é permitido o exercício de atividade remunerada. Uma criança de dois anos de idade, com deficiência ou não, não tem condições de exercer uma atividade laboral. Por outro lado, lentes da incapacidade laboral propiciam uma certa confusão ente institutos e campos de proteção da seguridade social. Imagine-se uma incapacidade laboral altamente transitória, decorrente de uma crise lombar ou psiquiátrica, com duração de trinta dias. Fosse a pessoa segurada da previdência social, cumpriria o requisito específico para a concessão do auxílio-doença. Mas o pressuposto de fato para a concessão do benefício assistencial é outro, que não se confunde com a incapacidade laboral e, por tal razão, caso acima não ensejaria a proteção assistencial. Com efeito, para fins de concessão de benefício assistencial, a pergunta a ser feita não é se o interessado pode ou não trabalhar, mas se ele pode ou não ter comprometida sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, como resultado de impedimentos orgânicos de longo prazo em interação com barreiras pessoais, sociais e ambientais” (Compêndio de Direito Previdenciário – Curitiba: Alteridade, 2018. p. 326). Dito isso, nota-se que, em seu laudo (id 3213883), o médico perito relatou que a parte autora: “.....1. Nos termos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/1993, in verbis: ”Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Considerando os elementos obtidos na perícia médica, a parte autora é considerada pessoa com deficiência ou com doença incapacitante? Qual? Fundamente: É pessoa com doença(Lombalgia, artrose de joelho, obesidade, asma). Incapacidade permanente para toda atividade. É pessoa com deficiência Refere dor em joelhos(pior a esq), coluna lombar há 10 anos tratada de forma cirúrgica(prótese total de joelho esq) na Santa casa de marilia em 7/2/24. Sintomas pioram aos esforços de flexão e ao pegar peso. Apresenta também asma. .................................................................................................................................................... 8. Admitindo-se que a parte autora seja portadora de doença ou lesão diagnosticada, considerando as funções corporais acometidas e os níveis de independência avaliados acima, indaga-se: 8.1. No caso de periciando (a) maior de idade, a parte autora encontra-se incapacitada para o trabalho? É pessoa com doença(Lombalgia, artrose de joelho, obesidade, asma). Incapacidade permanente para toda atividade. É pessoa com deficiência ..................................................................................................................................................” Diante das conclusões acima, resta constatada, portanto, limitação que se caracterize como barreira de longo prazo a obstruir a plena e efetiva participação da parte autora na sociedade em igualdade de condições com os demais, vez que, a parte autora, é portadora de lombalgia, artrose de joelho, obesidade e asma. Em outras palavras, a parte autora deve ser considerada deficiente nos termos do art. 20, §2º, da Lei 8.742/93. Com isto, entendo preenchido o requisito “deficiência” para a concessão do benefício de prestação continuada. Por sua vez, faz-se necessário ainda que seja preenchido o requisito socioeconômico. Nesse ponto, a Lei trouxe no artigo 20, §3º, parâmetro para a sua aferição, exigindo que a renda familiar per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo. Tal dispositivo foi submetido à análise de sua constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento dos Recursos Extraordinários nº 580.963 e 567.985-3 e da Reclamação nº 4.373, em que se analisou o critério da miserabilidade e declarou-se a sua inconstitucionalidade. A ementa do acórdão da Reclamação nº 4.374 é esclarecedora: Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013). Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial. No caso dos autos, o estudo social realizado no dia 26/03/2024 (id 322451368) o Oficial de Justiça constatou que a autora reside com seu marido, Manoel Alves Pereira Neto, em uma residência própria, que possui um banheiro, dois quartos, sala, copa, cozinha e lavanderia. Verifica-se que se trata de uma residência bem simples e modesta e é guarnecida de mobiliários muito simples, cujo estado geral de conservação é boa (fotos de id 322451368 – págs. 8/11). A Oficiala de Justiça, constatou que a renda da autora é proveniente unicamente do salário recebido por seu marido no exercício do labor como serviços gerais agrícola na Fazenda Experimental da Associação de Ensino de Marília no valor de R$ 1.604,77. Sendo o núcleo familiar composto de duas pessoas é de se concluir que a renda familiar equivale a um pouco mais de meio salário mínimo per capita (R$ 802,38), contudo, esse não pode ser o único critério a ser analisado. Depreende-se da perícia social realizada no presente feito, que as necessidades básicas da parte autora vêm sendo custeadas adequadamente. Além disso, cabe salientar que não foi relatada nenhuma situação excepcional que justificasse a percepção do benefício, como privações, carência de alimentos ou medicamentos, desabrigo ou abandono parental. Como dito alhures, o critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser utilizado para se comprovar a condição de miserabilidade do idoso ou do deficiente que pleiteia o benefício, havendo que se considerar todo o conjunto probatório. Todavia, neste caso, é de se reconhecer que, em que pese a vida modesta da parte autora, ao menos nesse momento, não está caracterizada a situação de vulnerabilidade ou risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial. Friso que, nos termos do artigo 20, da Lei 8.742/93, o benefício de prestação continuada é destinado aos deficientes e idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. Imperioso relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam, e que o benefício assistencial não se destina à complementação de renda. Nessa esteira, são os precedentes do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região: PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA NÃO SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. ART. 496, §3º, CPC. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INACUMULABILIDADE DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20, §4º, DA LEI 8.742/93. ATRASADOS. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. ART. 373, I, CPC. RENDA PER CAPITA FAMILIAR, DE FATO, EQUIVALENTE À METADE DO SALÁRIO NA DER. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE SATISFATÓRIAS. IMÓVEL PRÓPRIO. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INVERSÃO DAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. [...] 16 - Vê-se que, a despeito de não ostentarem luxo, as condições de habitabilidade eram satisfatórias. O imóvel, além de próprio, estava em bom estado de conservação e, ainda, era guarnecido com mobiliário que atendia as necessidades básicas da família. 17 - Se afigura pouco crível que, pouco mais de um ano antes da realização do estudo, quando da apresentação do requerimento (03/11/2015), a situação seria distinta. 18 - Cumpre destacar que cabia à parte autora trazer mais documentos que demonstrassem a vulnerabilidade do seu núcleo familiar, no momento da DER. Não o fez, se limitando a acostar, com a exordial, carteira de identidade, CPF e comprovante de indeferimento administrativo (IDs 3887251 e 3887252, p. 1/2). Não se desincumbiu do seu ônus probatório (art. 373, I, do CPC). 19 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o núcleo familiar não se enquadrava na concepção legal de hipossuficiência econômica no momento da DER, não fazendo, portanto, a autora, jus a quaisquer atrasados de benefício assistencial. 20 - É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário. 21 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário. 22 - O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e 10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial. 23 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família. 24 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer. 25 - Inversão do ônus sucumbencial, com condenação da parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à causa, devidamente atualizado (CPC, art. 85, §2º), observando-se o previsto no §3º do artigo 98 do CPC. 26 - Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Revogação da tutela antecipada. Ação julgada improcedente. Inversão das verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO - 5021621-89.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 06/01/2020, Intimação via sistema DATA: 31/01/2020) PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. RE nº 580963. CASA PRÓPRIA. VEÍCULO AUTOMOTOR ANO 2012. AJUDA DA FAMÍLIA. INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO MATEMÁTICO. ASPECTOS SOCIAIS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO IMPROVIDA. AUSÊNCIA DE RETRATAÇÃO. - Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. (...) - No mais, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família (vide item 2). Não há qualquer informação ou comprovação de que os filhos não podem ajudar o autor nos gastos. Aliás, a mãe já o ajuda, pagando prestação do veículo automotor. - Não se pode olvidar, assim, a regra do artigo 229 da Constituição Federal, que consagra regra de valor essencial à convivência em sociedade, que é o dever de auxílio da família. - Não está identifica no caso a penúria ou risco social. Quem tem casa própria, veículo automotor e filhos aptos a darem amparo não faz jus à proteção assistencial, como bem observou o MMº Juiz de Direito, assaz cara à sociedade. - De modo que a miserabilidade não pode ser reduzida ao critério da renda mensal per capita, sob pena de total desvirtuamento da finalidade do benefício assistencial. Ao final das contas, há pessoas – como a parte autora – com claro acesso aos mínimos sociais, não se encontrando desamparadas. - Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. - Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo. - Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas sem mínima vontade de contribuir para o custeio do sistema de seguridade social, é preciso realmente discriminar quais são os casos que configuram "necessidades sociais". E quais são os casos que refletem puro “abuso de direito”. - Apelação Improvida. Acórdão mantido. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002866-51.2017.4.03.9999, Rel. Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 14/09/2018, Intimação via sistema DATA: 18/09/2018, grifo nosso) Desse modo, ausente um dos requisitos indispensáveis à concessão da benesse, a parte autora não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada previsto pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, sem prejuízo da formulação de novo requerimento administrativo em caso de modificação da situação fática narrada. -DISPOSITIVO- Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, nos termos da fundamentação.” (...) Em reforço aos fundamentos da sentença, sendo o grupo familiar composto de 02 (duas) pessoas, tem-se que a renda per capita é superior a 1/2 do salário mínimo nacional. Os gastos que podem ser deduzidos da renda mensal familiar são aqueles que envolvem a compra de medicamentos de uso contínuo, fraldas e/ou outros acessórios de uso contínuo não fornecidos pelo SUS, alimentação especial, despesas com tratamento necessário de saúde não realizado pelo SUS (exceto os de cunho eletivo), tudo devidamente comprovado. As despesas básicas mensais (água, luz, gás, internet, telefonia, alimentação comum, aluguel, pagamento de cartão de crédito e parcela de empréstimo) não podem ser deduzidas para fins de cálculo da renda familiar per capita. Desatendido o critério econômico/social, não faz jus a concessão do benefício assistencial de prestação continuada. É necessário ressaltar que dificuldade financeira -- experimentada por grande parcela da população -- não se reveste de fundamento jurídico para a intervenção estatal de cunho assistencialista. A concessão indiscriminada do benefício assistencial, fora de sua configuração constitucional, é fator que vem ajudando a comprometer a higidez do orçamento da Seguridade Social. O benefício foi previsto como um mecanismo apto a retirar pessoas da miséria (abaixo da linha da pobreza) e não como instrumento apto a alçar à classe média baixa os menos favorecidos ou complementar renda. Deve-se salientar, outrossim, que o art. 203, inciso V, da Constituição Federal é claro ao definir que, para fins deste benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária, uma vez que deve ser concedido somente àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Por fim, sendo o BPC-LOAS um benefício assistencial de caráter transitório, poderá ser novamente requerido, caso a situação fática se altere no decorrer do tempo, estando implícita a cláusula rebus sic stantibus. O art. 46 da Lei nº 9.099/1995 faculta à Turma Recursal dos Juizados Especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença. Conforme destacado no Tema 451/STF, “não afronta a exigência constitucional de motivação dos atos decisórios a decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais que, em consonância com a Lei 9.099/1995, adota como razões de decidir os fundamentos contidos na sentença recorrida”, outrossim, “a nº Lei 9.099/1995 viabiliza a adoção pela turma recursal dos fundamentos contidos na sentença proferida, não cabendo cogitar de transgressão do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal (STF, AI 453483 AgR, 1ª Turma).” A r. sentença recorrida bem decidiu a questão e aplicou o direito à espécie, deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos. Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte autora. Desprovido o recurso, condeno a parte autora (recorrente vencido) ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/1995 c/c art. 85, § 4º, inciso III, do CPC. Em sendo beneficiária do direito à gratuidade da justiça, o pagamento ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98, do CPC. É o voto.
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (BPC/LOAS). PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AUSENTE HIPOSSUFICIÊNCIA E MISERABILIDADE.
1. A concessão do amparo social à pessoa com deficiência e ao idoso exige apenas a comprovação de que a parte requerente é deficiente e/ou idosa e que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. A perícia médica judicial atestou a deficiência de que trata a legislação de regência.
3. No caso em exame, não se verifica a situação de miserabilidade ou hipossuficiência. Renda per capita superior a 1/2 do salário mínimo nacional. Remuneração recebida pelo cônjuge supera as despesas enumeradas no laudo de constatação (Súmula 79/TNU). Ausente qualquer situação excepcional que justifique flexibilização do critério de renda.
4. O benefício assistencial de prestação continuada não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
5. Recurso da parte autora desprovido. Sentença mantida.