Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009944-39.2010.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MAGALLY SANCHEZ VILLOTA

Advogado do(a) APELANTE: EVALDO LOPES DE CASTRO - SP203172

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009944-39.2010.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MAGALLY SANCHEZ VILLOTA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

 

 R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação criminal interposta por Magally Sanchez Villota contra a sentença Id n. 288039286 que a condenou a 13 (treze) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial de cumprimento de pena fechado, e 286 (duzentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos pela prática dos crimes do art. 12, caput, c. c. o art. 18, I, e art. 14 c. c. o art. 18, I, da Lei n. 6.368/76, na forma do art. 29 e do art. 69 do Código Penal.

Apela-se, em síntese, argumentando o seguinte:

a)  a acusada não foi devidamente cientificada sobre a ação penal, impondo-se que seja mantida a suspensão do processo na forma do art. 366 do Código de Processo Penal;

b) tendo em vista que a ré não foi localizada pessoalmente, ela foi citada por edital para apresentar defesa preliminar e diante de sua inércia, foi nomeada Defensoria Pública da União, que cumpriu a determinação, após, a denúncia foi recebida e na mesma decisão houve a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional;

c) em 23.03.22 os advogados constituídos pela acusada peticionaram nos autos para a juntada de mandato e pediram a expedição de certidão de objeto e pé;

d) considerando o comparecimento da acusada nos autos, por meio da juntada de procuração conferida a seus advogados, foi encerrada a suspensão processual, assinalada a ciência da ré por meio de sua defesa constituída;

e) a defesa da acusada apresentou resposta à acusação aduzindo a sua inocência, informou que a ré reside na Colômbia, de onde era natural, arrolou as mesmas testemunhas que haviam sido indicadas pela acusação;

f) foi proferida decisão que decretou a revelia da ré em razão de não ter sido informado o seu endereço atual, determinado o prosseguimento da ação com a designação de audiência de instrução;

g) os advogados constituídos renunciaram ao mandato, razão pela qual foi determinada a intimação da ré por edital para constituir novo patrono e no seu silencia seria nomeada a Defensoria Pública da União, que pleiteou a suspensão do processo, o que foi indeferido, decisão que foi mantida na sentença;

h) a procuração outorgada é “ad juditia et extra” e não confere poderes especiais para receber citação e não fez qualquer menção ao presente processo;

i) foram conferidos pela acusada poderes gerais aos advogados que apresentaram resposta à acusação com uma lauda e logo depois renunciaram ao mandato;

j) está demonstrado o prejuízo causado para a ré, uma vez que não é possível afirmar que houve de fato o seu comparecimento espontâneo que pudesse suprir a necessidade de citação pessoal, e, portanto, é cabível a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal;

k) não há provas suficientes para a condenação da acusada pelo delito do art. 12 da Lei n. 6.368/76, inexistindo nos autos elementos que relacionem a acusada com a prática criminosa;

l) a condenação não pode se basear em provas produzidas na fase administrativa que não tenham sido repetidas em sede judicial sob o crivo do contraditório e permitida a ampla defesa;

m) incidem no caso os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo;

n) não há nos autos provas da existência de estabilidade da associação entre os acusados para que pudesse restar configurado o crime do art. 14 da Lei n. 6.368/76;

o) a ré não foi avistada nos locais em que ocorreu apreensão de drogas e o fato de um dos imóveis usados por um corréu estar alugado por ela não é suficiente para demonstrar a estabilidade necessária para demonstrar a existência da associação criminosa;

p) as circunstâncias judiciais são favoráveis à acusada e não se justifica a fixação das penas-base acima do mínimo legal, as quais se requer que sejam revistas;

q) em relação ao crime de associação para o tráfico incide a Lei n. 11.343/06, que é mais benéfica para a acusada;

r) a acusada ficou presa cautelarmente por mais de 6 (seis) anos, de modo que o regime inicial de cumprimento cabível é o menos gravoso (Id n. 288039292).

Foram apresentadas contrarrazões (Id n. 288039300).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Rosane Campiotto, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Id n. 291062744).

O julgamento foi pautado para a sessão de 05.08.24, quando foi retirado.

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009944-39.2010.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MAGALLY SANCHEZ VILLOTA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

 V O T O

Citação ausente. Comparecimento espontâneo do réu. Suprimento. O comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação, nos termos do art. 214, § 1º, do Código de Processo Civil. Precedentes do STJ (EDPET n. 2.516, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 28.02.07; Resp n. 685.322, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29.11.06; REsp n. 805.688, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 16.06.09).

Revelia. Mudança de endereço. Falta de comunicação. Admissibilidade. O acusado tem o ônus de comunicar eventual alteração de endereço, sob pena de ser decretada a sua revelia na hipótese de não ser localizado naquele anteriormente declinado (STJ, HC n. 294.289, Rel. Min. Felix Fischer, j. 19.03.15; RHC n. 28.813, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21.03.13; RHC n. 25.741/MT, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16.06.09; TRF 3ª Região, ACR n. 0002085-35.2011.403.6181, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 07.04.15 e RSE n. 0059377-77.2000.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 15.12.03).

Do caso dos autos. Magally Sanchez Villota foi denunciada junto com Pablo Enrique Toro Olarte, Gerson Augusto da Silva, conhecido como “Jhon Buker”, José Henry Peres Garcia, conhecido como "Javier", e Sergio Arruda Faria, conhecido como Neguinho e com José Roman Montaño, Cosme Daminan Amenta Rodrigues, Eduardo Antonio Arismendy Echavarria ou José Ernento Bittencourt, conhecido como "Kiko" ou "Toni".

Verifica-se que a ação penal teve o início de seu processamento perante o Juízo Estadual da 22ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo (SP), o qual declinou da competência, encaminhados os autos para Justiça Federal, passou a tramitar como a Ação Penal n. 0006089-33.2002.4.03.6181, distribuída para a 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP), que ratificou os atos processuais até então praticados (p. 200/205 do Id n. 288037635).

O Ministério Público Federal ratificou a denúncia, tendo oferecido aditamento para incluir o aumento de pena em razão a transnacionalidade dos delitos de tráfico de drogas e associação para o tráfico, nos termos do art. 18, I, da Lei n. 6.368/76 (p. 206/211 do Id n. 288037635).

Foi proferida sentença condenatória, que impôs para a acusada a pena de 32 (trinta e dois) anos de reclusão, em regime inicial de cumprimento fechado, e 960 (novecentos e sessenta) dias-multa e sua defesa interpôs apelação (p. 191/216 do Id n. 288037648).

Também as defesas de Pablo Enrique Toro Olarte e Gerson Augusto da Silva apelaram. A 1ª Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negou provimento aos recursos, em 22.11.05 (p. 148/161 do Id n. 288037679). Foram opostos embargos de declaração (p. 164/167 e 170/182 do Id n. 288037679), os quais não foram conhecidos (p. 212/219 do Id n. 288037679).

A defesa de Gerson Augusto da Silva interpôs recurso especial (p. 186/193 do Id n. 288037679), que foi admitido (p. 257/258 do Id n. 288037679). E, depois, julgado prejudicado. Isso porque, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão por meio da qual reconheceu que se tratava de crime único de tráfico de drogas e não três condutas autônomas; e, a Corte Superior, ainda, concedeu ordem de habeas corpus para anular toda a ação penal desde o recebimento da denúncia por não ter sido observado o rito previsto pela Lei n. 10.409/02, conforme determinado pela Lei n. 11.343/06 (p. 49, 67/70, 92/106, 109/110 do Id n. 288037702).

Tendo em vista a especialização da 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP) para processar e julgar crimes contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro, os autos foram redistribuídos para a 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP) (p. 6 do Id n. 288037784).

Após a análise das defesas preliminares (p. 51/62, 70/71, 95, 97/100, 103/104, 149/151 do Id n. 288037784), conforme determina o rito previsto pela Lei de Drogas, a denúncia foi recebida em 18.05.10 e na mesma decisão foi determinada a suspensão do processo em relação a acusada Magally Sanchez Villota, com fundamento no art. 366 do Código de Processo Penal (p. 153 do Id n.       288037784), com relação a ela houve o desmembramento do processo, dando origem a estes Autos n. 0009944-39.2010.4.03.6181.

O processo ficou suspenso até 23.03.22 (Id n.  288037803), data em que defensores constituídos por Magally Sanchez Villota peticionaram, juntando aos autos o instrumento de mandato e pediram que fosse expedida certidão de objeto e pé (Ids n. 288037803 e n. 288037804).

Considerando a juntada de procuração conferida aos advogados pela ré foi encerrada a suspensão processual, anotada a ciência da acusada por meio da sua defesa constituída. Foi determinada a intimação da defesa para apresentar resposta à acusação e para fornecer o endereço atual da acusada sob pena de decretação de sua revelia (Id n. 288037820).

A defesa apresentou a resposta à acusação aduzindo que a ré era inocente das acusações que lhe eram imputadas e informou que acusada residia na Colômbia, sendo ela natural daquele país. Arroladas as mesmas testemunhas que a acusação (Id n. 288037823).

Tendo em vista que a ré tinha ciência da ação penal e que deixou de informar o seu endereço atualizado, foi decretada a sua revelia e designada data para realização de audiência (Id n. 288037824).

Os defensores constituídos pela acusada renunciaram ao mandato (Ids n. 288037899 e n. 288037902).

Levando em conta que já havia sido decretada a revelia da acusada por não ter sido informado o seu endereço, sendo desconhecido o seu paradeiro, foi determinada a intimação da ré por edital para que constituísse novo advogado e advertida que caso não o fizesse seria dada vista para a Defensoria Pública da União, intimando-a para comparecer na audiência de instrução e julgamento (Id n. 288037924).

A Defensoria Pública da União requereu que fosse reconsiderada a decisão que deu por encerrada a suspensão do processo, pleiteando que essa fosse mantida. Alegou que a procuração outorgada pela acusada não confere poderes para receber citação e que o presente processo não foi mencionado (Id n. 288037987).

O pedido foi indeferido (Id n. 288037988).

Considerando que houve, assim, o comparecimento espontâneo da acusada nos autos, a qual foi cientificada da ação penal por meio da sua defesa constituída, não é o caso de manter a suspensão do processo.

Note-se que a acusada conferiu poderes aos seus advogados para atuação em sede judicial, inclusive para que pudessem proceder à sua defesa. Em decorrência disso, os representantes constituídos pela ré apresentaram resposta à acusação, pediram a expedição de certidão de objeto e pé. E, uma vez que esses informaram que a acusada estava na Colômbia, sem declinar o seu endereço atual, houve a decretação da revelia.

Afastada a alegação preliminar.

Imputação. Magally Sanchez Villota foi denunciada junto com Pablo Enrique Toro Olarte, Gerson Augusto da Silva, conhecido como “Jhon Buker”, José Henry Peres Garcia, conhecido como Javier, e Sergio Arruda Faria, conhecido como Neguinho, pela prática dos delitos art. 14 e do art. 12, caput, por três vezes, da Lei n. 6.368/76, c. c. o art. 69, todos c. c. o art. 29, caput, do Código Penal.

Também fora denunciado José Roman Montaño, Cosme Daminan Amenta Rodrigues, Eduardo Antonio Arismendy Echavarria ou José Ernento Bittencourt, conhecido como "Kiko" ou "Toni", pela prática do crime do art. 14 e do art. 12, caput, por três vezes, da Lei n. 6.368/76, c. c. o art. 69, c. c. o art. 62, todos c. c. o art. 29, caput, e do art. 304, todos do Código Penal.

A denúncia narra que em meados de 2001 uma força-tarefa da Polícia Federal efetuou a apreensão de drogas nos estados do Rio de Janeiro e do Maranhão e as investigações revelaram a existência de associação criminosa internacional voltada para a prática de crimes de tráfico de drogas.

Consta que o líder do grupo era Eduardo Antonio Arismendy Echavarria que é seu provável nome verdadeiro, sendo que ele usava os seguintes nomes falsos: José Roman Montaño, Cosme Daminan Amenta Rodrigues, ou José Ernento Bittencourt, conhecido como “Kiko” ou “Toni”.

Assim, segundo a acusação, o indivíduo conhecido como “Kiko” era o gerente operacional de uma quadrilha internacional e era o elo de ligação entre traficantes da Colômbia e da Europa. E, afirma-se, ainda, ele estava no Brasil acompanhado da ré Magally Sanchez Villota, com quem comandava um grupo que armazenava e distribuía cocaína no território nacional. Acrescenta-se que uma das principais funções da acusada era frustrar o trabalho de inteligência quanto a identificação de “Kiko”.

A acusação informa que conseguiram acompanhar a saída de veículo dirigido pelo indivíduo conhecido como “Jhon Buker” e isso resultou na apreensão de 93Kg (noventa e três quilogramas) de cocaína, em 16.02.02. E prosseguindo na busca de imóveis que pertenciam ao grupo criminoso lograram apreender mais de 100Kg (cem quilogramas) da mesma substância em outro local. Mais tarde encontraram, ainda, mais 260 Kg (duzentos e sessenta quilogramas) da droga que estava no assoalho de um caminhão.

A denúncia narra que os acusados agiam em concurso com unidade de desígnios, sendo que Magally Sanchez Villota era próxima do líder da organização criminosa, tinha participação ativa nas reuniões da associação criminosa e era a responsável pela locação de imóveis para serem usados pelo grupo. Os contratos eram firmados em seu nome para dificultar o trabalho de investigação.

Em relação as apreensões, consta que em 16.02.02, os acusados, reunidos em associação criminosa, mantinham em depósito, na cidade de São Paulo (SP), para tráfico 95.530g (noventa e três mil e quinhentos gramas) de cocaína e que em uma chácara na cidade de Itu (SP) havia 113.145 (cento e treze mil, cento e quarenta e cinco gramas) de cocaína. Por fim, no assoalho da caçamba de um caminhão estava mais 260.270g (duzentos e sessenta mil duzentos e setenta gramas) da mesma substância.

A acusação acrescenta que está demonstrada a causa de aumento do art, 18, I, da Lei n. 6.368/76, configurada a transnacionalidade dos delitos  (p. 7/15 do Id n. 288037321 e p. 207/211 do Id n. 288037635).

A denúncia narra o seguinte: 

 

A polícia federal, atuando em sistema de força tarefa integrada por agentes de mais de um Estado membro, efetuou, em meados do ano 2001, duas apreensões de entorpecentes nos Estados do Rio de Janeiro e Maranhão, das quais veio a descobrir a existência de uma poderosa associação internacional voltada a prática do narcotráfico doméstico aqui no Brasil.

O chefe desta quadrilha é JOSÉ ROMAN MONTANO, COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES, EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA ou JOSÉ ERNESTO BITENCOURT, o qual atende pelo vulgo de KIKO ou TONI, e atua no Estado de São Paulo. Possui vários nomes falsos, sendo EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA provavelmente seu verdadeiro nome.

“KIKO” é o gerente operacional de uma quadrilha internacional, funcionando como elo de ligação com os traficantes da Colômbia e europeus que vem ao Brasil periodicamente cumprir funções ligadas ao narcotráfico.

“KIKO” está no Brasil sempre acompanhado da indiciada MAGALI SANCHEZ VILLOTA, com quem comanda um grupo de traficantes que armazenam e distribuem cocaína por todo o território nacional. Uma das principais funções de MAGALI é a de frustrar o trabalho de inteligência no sentido de identificar e prender KIKO.

A base operacional desta associação criminosa funcionava na Travessa Ouro Branco, n. 19, apto 606, do Condomínio Madison Plaza Serviço, bairro dos Jardins, nesta Cidade e Comarca funcionava a quadrilha, sendo que neste local ficaram hospedados os indivíduos presos no Maranhão em meados de 2001, na apreensão de entorpecentes que levou a descoberta deste bando. O local era também utilizado pelos indiciados PABLO ENRIQUE TORO OLARTE (que nele residia), JOSÉ HENRY PEREZ GARCIA, vulgo JAVIER, e Aldo Duarte Junior, preso na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, em 05 de janeiro de 2002.

Tais fatos foram atestados pela testemunha abaixo arrolada, Fábio Alves da Costa, funcionário do referido Condomínio.

Foi também recrutado para a quadrilha de KIKO o traficante GERSON AUGUSTO DA SILVA, vulgo “JHON BUKER”, o qual também frequentava aquela base operacional do grupo.

Observando o comportamento de “JHON BUKER”, os agentes da polícia federal, no início do mês de fevereiro, flagraram a saída de um caminhão marca Kia, placas DFU-6702, de um galpão situado na Rua Uland, n. 118/122, esquina com a Rua Conde Amadeo Barbeline, bairro Vila Ema, nesta Capital, tendo tomado nota de seus dados.

Posteriormente, o mesmo caminhão foi encontrado no Estado do Maranhão, sendo descarregado pelo narcotraficante “JAVIER”.

No dia 15 de fevereiro deste ano, por volta de 17:00 horas, os agentes da polícia federal conseguiram novamente acompanhar a saída do mencionado veículo, conduzido por “JHON BUKER” até a chácara de sua propriedade, situada no lote 21, quadra V, loteamento denominado Sopé da Serra.

No dia 16 de fevereiro, por volta das 7:00 horas, JHON BUKER saiu da chácara novamente dirigindo o referido caminhão até as proximidades do Shopping Center Tatuapé, onde uma outra pessoa assumiu a condição do veículo.

O caminhão foi deixado no estacionamento Interpark localizado na Rua Padre Adelino, n. 450, próximo ao metrô Belém, momento em que os policiais federais, na presença da testemunha Sebastião da Silva e Carlos Alberto Silva de Almeida, efetuaram a prisão em flagrante de PABLO ENRIQUE TORO OLARTEcolombiano. Em seguida, JHON BUKER também foi preso, conduzindo a Polícia Federal até o galpão acima referido, onde lograram apreender cerca de 93 (noventa e três) quilos de cocaína.

Prosseguindo nas buscas dos demais imóveis pertencentes à quadrilha, os agentes apreenderam aproximadamente 100 (cem) quilos de cocaína.

Mais tarde, na sede da Superintendência da polícia federal, o caminhão Kia foi desmontado, tendo sido encontrado sob seu assoalho cerca de 260 (duzentos e sessenta) quilos de cocaína.

Além destes cinco integrantes, todos ora denunciados, a quadrilha possui mais ramificações em outros Estados, as quais estão sendo investigadas em inquéritos policiais próprios.

Consta, portanto, dos inclusos autos de inquérito que todos os cinco indiciados, agindo em concurso e com unidade de desígnios em data não determinada e tendo como base operacional os locais acima mencionados, associaram-se com o fim de praticar o delito de tráfico de entorpecentes.

O indiciado EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA (dentre outros nomes), vulgo “KIKO”, é o chefe da associação criminosa, coordenando e determinando a atuação dos demais, tendo esta Capital como sua base de operações.

MAGALLY SANCHEZ VILLOTA é pessoa próxima ao líder, participa ativamente das reuniões, além de ser a responsável pela locação de imóveis para o grupo, firmando contratos de locação em seu nome e assim dificultando o trabalho de investigação (cf. fls. 224/227. 228/231, 237/240 e 241/243).

PABLO ENRIQUE TORO OLARTE é o responsável pela entrega dos veículos aos compradores, após a droga já ter sido camuflada nos mesmos, deixando-os em estacionamentos particulares para serem pegos pelo adquirente da substância entorpecente.

GERSON AGUSTO DA SILVA, vulgo JHON BUKER, é o responsável pelo armazenamento da droga, preparo dos fundos falsos nos veículos e pelo acondicionamento da droga nos mesmos, entregando-os a PABLO para os trâmites ulteriores da transação.

SÉRGIO ARRUDA FARIA, vulgo Neguinho, também locava flats em seu nome para distrair a atenção dos agentes policiais (cf. fls. 232), participava ativamente da associação criminosa, realizando contatos com membros de outras ramificações espalhadas pelo país.

JOSÉ HENRY PEREZ GARCIA, vulgo Javier, mantinha funções semelhantes a PABLO ENRIQUE, foi visto descarregando o caminhão da marca Kia, placas DFU-6702, que continha cocaína, na Rua Jasmim, quadra 09, casa 06, Ponta D´Areia, São Luiz, Estado do Maranhão, sendo também responsável pelos contatos com outras ramificações no Brasil.

Consta também que no dia 16 de fevereiro de 2002, em horário incerto, todos os cinco indiciados, reunidos em associação criminosa, agindo em concurso e com unidade de desígnios, mantinham em depósito, para fins de tráfico, em um galpão situado na Rua Uland, n. 118/122, esquina com a Rua Conde Amadeo Barbeline, bairro Vila Ema, nesta Capital, 86 (oitenta e seis) pacotes envoltos em embalagem de borracha preta e fita adesiva transparente, 93.530g (noventa e três mil e quinhentos e trinta gramas) de cocaína, substância entorpecente e que determina dependência física e psíquica, conforme atestou o laudo de constatação de fls. 13, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Consta ainda que na chácara constituída pelo lote 21, quadra V, do loteamento denominado Sopé da Serra, localizada na Cidade e Comarca de Itu, no mesmo dia, também em horário incerto, todos os cinco indiciados, reunidos em associação criminosa, agindo em concurso e com unidade de desígnios, em ação destacada e em contexto diverso do armazenamento acima descrito, mantinha em depósito para fins de tráfico outros 107 (cento e sete) pacotes envoltos no mesmo tipo de embalagem, contendo 113.145g (cento e treze mil, cento e quarenta e cinco gramas) de cocaína, substância entorpecente e que determina dependência física e psíquica, conforme atestou o laudo de constatação de fls. 14, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Consta finalmente que, em nova conduta destacada das anteriores e em contexto fático diverso, os indiciados GERSON AUGUSTO DA SILVA, vulgo JHON BUKER, e PABLO ENRIQUE TORO OLARTE foram surpreendidos e presos em flagrante quando transportavam, a pedido, ordem e consentimento de todos os outros três indiciados, sob o assoalho da caçamba do caminhão da marca Kia, placas DFU-6702, chassi KNCS211217738175, o qual havia sido deixado no estacionamento Interpark localizado na Rua Padre Adelino, n. 450, próximo ao metrô Belém, 260.270g (duzentos e sessenta mil, duzentos e setenta gramas) de cocaína, substância entorpecente e que determina dependência física e psíquica, conforme atestou o laudo de constatação de fls. 12, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

JOSÉ ROMAN MONTANO ou COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES ou JOSE ERNESTO BITENCOURT ou EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA coordenava e determinava a atuação dos demais, destacando-se como líder do grupo, e para dificultar o trabalho de investigação policial, fazia uso de documentos ideologicamente falsos que o identificavam com o falso nome de José Ernesto Bitencourt, conforme consta de fls. 73/77 (destaques originais) (p. 7/15 do Id n. 288037321).

Materialidade. A materialidade delitiva está demonstrada pelos seguintes elementos:

a) auto de prisão em flagrante ocorrida em 16.02.02 (p. 20/25 do Id n. 288037321);

b) Laudo n. 00.441/02-SR/SP, Laudo Preliminar de Constatação, com resultados positivos para cocaína (p. 30 do Id n. 288037321);

c) Laudo n. 00.442/02-SR/SP, Laudo Preliminar de Constatação, com resultados positivos para cocaína (p. 31 do Id n. 288037321, p. 43 do Id n. 288037569);

d) Laudo n. 00.443/02-SR/SP, Laudo Preliminar de Constatação, com resultados positivos para cocaína (p. 32 do Id n. 288037321);

e)  autos de apresentação e apreensão de objetos localizados em imóvel na Rua Padre Adelino, n. 450, Tatuapé, São Paulo (SP), no veículo caminhão KIA, cor branca, placas DFU-6702 e no imóvel (chácara) situado no loteamento denominado Sopé da Serra, no Distrito do Bonfim, em Itu (SP), em que constam, que foram apreendidos veículos, cocaína, aparelhos celulares, dinheiro e documentos (p. 33/102 do Id n. 288037321 e p. 1/37 do Id n. 288037327, p. 43/58 do Id n. 288037547, p. 1/5 do Id n. 288037554);

f) auto de reconhecimento fotográfico (p. 62/68 do Id n. 288037536);

g) relatório circunstanciado da denominada “Operação Mar Aberto” com anexos (p. 74/118 do Id n. 288037536 e p. 1/2 do Id n. 288037539);

h) Laudo n. 611/02 SR/SP, Laudo de Exame em Substância (Cocaína), com resultados positivos para cocaína, no qual constou como material examinado os três lotes de substância, indicado que o peso total apreendido de foi 466,945g (quatrocentos e sessenta e seis quilos, novecentos e quarenta e cinco gramas) de cocaína (p. 17/19, p. 56/58 do Id n. 288037547);

i) Laudo n. 616/02 SR/SP, Laudo de Exame em Veículos, com a informação da existência de 243 (duzentos e quarenta e três) pacotes que estavam no piso da carroceria de um dos veículos objeto de exame (p. 59/71 do Id n. 288037554).

Autoria. Resta comprovada a autoria delitiva.

A testemunha comum Dirceu Aparecido Rodrigues Munhoz, Agente da Polícia Federal, aposentado, em Juízo, declarou não recordar de muitos detalhes sobre o caso dos autos. Lembrou que participou de diligências que resultaram na apreensão de drogas em uma chácara em Itu (SP). Disse que atuava na área operacional e trabalhara na operação policial, fazendo acompanhamento de alguns indivíduos. Afirmou que acreditava que chegara no local da apreensão ao fazer o acompanhamento de um dos alvos da investigação. Declarou que era feita uma preparação e, então, com base em informações que eram obtidas em investigação, entravam nos imóveis para realizar as apreensões. Lembrou que a droga apreendida era cocaína, em quantidade expressiva, sem saber dizer maiores detalhes. Não recordou se a acusada estava no local. Informou que as operações eram complexas envolviam agentes policiais atuando nas áreas de inteligência e operacional e que a decisão de ingressar em determinado local se dava com base nas informações que eram obtidas ao longo das investigações, já existindo certeza de que encontrariam a substância. Declarou que não era comum aguardarem ordem judicial pois essas situações de flagrante delito, o que permitia a entrada. Afirmou que nessas operações policiais atuavam diversas equipes e as apreensões ocorriam em vários locais. Não lembrou se existia interceptação telefônica no caso dos autos (Ids n. 288038069 e n. 288038146).

 Fábio Alves da Costa, na qualidade de testemunha, em sede judicial, declarou que trabalhara na recepção de um hotel entre 2001 e 2004. Recordou de ter chegado lá uma equipe da Polícia Federal que efetuou a prisão de alguns indivíduos, dos quais não lembrou o nome. Disse que não houve a prisão de uma mulher no condomínio. Confirmou que se referira ao condomínio Madson Plaza, nos Jardins, em São Paulo (SP). Explicou que era um flat, ou seja, era metade hotel e metade condomínio. Não recordou dos indivíduos que constavam na denúncia, em razão do tempo decorrido e por trabalhar com público. Afirmou que os indivíduos presos não eram moradores habituais, lá ficavam eventualmente. Disse que quando ocorrera a apreensão ele estava trabalhando e por isso presenciara a prisão, tendo então sido chamado para prestar declarações. Ressaltou que não tinha conhecimento anterior de que eles eram traficantes.

Confirmou que presenciou a prisão. Lembrou de já ter prestado declarações em sede judicial, ocasião em que recordara quem eram os indivíduos presos. Afirmou que decorrência do tempo não sabe dizer mais detalhes. Reafirmou que não houve a prisão de uma mulher e sim dois homens. Negou que uma mulher frequentasse o local. Negou que houvesse qualquer suspeita em relação aos ocupantes do flat, os quais via como hóspedes e não moradores. Disse que esses indivíduos ficavam nos quartos que estivessem disponíveis. Não recordou em nome de quem estava a reserva. Afirmou que havia um indivíduo costumava se hospedar lá com maior frequência sem saber dizer o nome. Reafirmou que não houve a prisão de uma mulher e nem a viu no local (Ids n. 288038069 e n. 288038616).

A testemunha Wellington Fonseca, Agente da Polícia Federal, em Juízo, declarou que participara de diversas diligências relacionadas ao caso dos autos, tendo feito o acompanhamento de alvos da investigação e atuado em alguns flagrantes. Declarou que presenciara reuniões do grupo criminoso. Recordou da acusada, informando que ela tinha relacionamento com o indivíduo conhecido como “Kiko”, que era o líder da organização, e que em quase todas as oportunidades em que os criminosos se reuniam ela estava presente. Afirmou que “Kiko” saía em público junto com a acusada e não usava muito aparelhos celulares, utilizava telefones públicos. Acrescentou que “Kiko” costumava fazer constantes mudanças de hotel, para alterar a sua rotina, sendo acompanhado pela ré. Afirmou que na busca realizada em um apartamento de hotel a acusada estava presente.  Lembrou de ter participado das três apreensões de drogas encontradas no assoalho de um caminhão, na chácara em Itu (SP) e em um galpão.

Informou que havia um gerente que trabalhava para “Kiko” e era quem fazia as entregas de drogas. Negou que a ré estivesse nos locais em que ocorreram as apreensões de entorpecentes. Ressaltou que a acusada estava sempre acompanhando “Kiko” e que a avistara nas reuniões do grupo criminoso. Confirmou que atuara em diligência no hotel Madson, onde Kiko ficava, presenciara o encontro dele com outro indivíduo colombiano, tendo fotografado isso. Disse que a acusada frequentara esse local, pois a visualizava constantemente com “Kiko”. Não soube dizer se além de o acompanhar a ré tinha outra função dentro da organização criminosa. Esclareceu que era papel do gerente ir até o local em que era feita a entrega das drogas. Disse não ter visto outros indivíduos, nem a ré, além dele nesses locais. A ré não foi avistada nos locais em que ocorreram as apreensões. Não soube dizer qual a natureza da relação existente entre “Kiko” e a acusada. Sabia apenas que a ré o acompanhava. Confirmou ter participado da prisão de “Kiko” e informou que isso se deu em razão de cumprimento de mandado. Disse que nessa data a acusada estava com ele em um apartamento. Não lembrou se havia sido expedido mandado de prisão contra a ré. Declarou que no dia que a operação foi desencadeada ocorreram as apreensões e flagrantes, além do cumprimento de mandados de prisão, dentre os quais o de “Kiko”. Disse que foi o delegado quem dera a voz de prisão aos envolvidos. Confirmou que foram arrecadados documentos (Ids n. 288038069 e n. 288038625).

Fernando de Souza Santos, Agente da Polícia Federal, aposentado, ouvido em Juízo como testemunha, declarou que recordava da ré, e que ela mantinha algum tipo de relacionamento com o indivíduo conhecido como “Kiko”. Disse que na época dos fatos estavam tentando encontrar quem eram os componentes do grupo criminoso e que nas ocasiões em que eram feitas remessas de drogas, o “Kiko”, líder da organização, não era localizado, eram realizadas buscas em hotéis e ele não era encontrado. Disse que descobriram que nas oportunidades em que havia o envio da substância a ré alugava um imóvel em seu nome. Assim, ela era a responsável pelo aluguel dos hotéis em que “Kiko” ficava. Informou que atuava na função operacional, nas ruas, no acompanhamento dos indivíduos. Declarou que recebia informações do setor de inteligência e realizava investigações, par a localização de alvos.

Acrescentou que avistara por diversas vezes a acusada acompanhando o “Kiko”, tendo se hospedado com ele em hotéis e ainda não sabiam qual era o nome dela. Reafirmou que nas datas de remessa não conseguiam localizar “Kiko” e depois descobriram que a acusada alugava os apartamentos em hotéis, onde então o traficante passava a frequentar. Disse que essa maneira de agir dos dois dificultava que “Kiko” fosse identificado e encontrado. Reafirmou que a acusada constantemente estava com ele que era o líder do grupo criminoso.

Informou que Pablo e outro indivíduo tinham a função de fazer entregas. Recordou de “Jonh Bucker”, afirmando que ele era o responsável por guardar a droga que estava em um galpão e em um sítio, que fora apreendida. Asseverou que apenas o avistara no local. Afirmou que o indivíduo que era conhecido como “Neguinho” era carioca e o responsável por embarque de mercadorias, para saída da droga do Brasil por portos e aeroportos. Acrescentou que Javier estava envolvido no esquema criminoso, era um dos indivíduos que efetuava as entregas das substâncias. Não lembrou se o prendera. Confirmou que participara da apreensão de drogas no galpão. Recordou que foram efetuadas outras duas apreensões no sítio e no caminhão, sem saber dizer se estava presente.

Em relação a apreensão ocorrida no galpão, lembrou que se tratava de grande quantidade de cocaína e que apenas o indivíduo conhecido como “John Buker” estava presente no momento, sendo ele que frequentava aquele lugar. Não recordou maiores detalhes. Negou que a ré estivesse no local da apreensão. Ressaltou que esse não era o papel da acusada na organização criminosa, reafirmou que era ela quem alugava os apartamentos nos hotéis para que “Kiko” ficasse, para que ele não fosse encontrado.

Afirmou que estivera fazendo vigilância em diversos hotéis. Não recordou se foi ao Madson Hotel. Reafirmou que foi nas diligências de acompanhamentos que avistara a ré com “Kiko”. Negou que tenham sido encontradas drogas nos hotéis. Repetiu que a ré alugava os apartamentos para dificultar a localização de “Kiko”. Não soube informar a natureza da relação entre eles. Não tinha conhecimento em nome de quem estavam os imóveis em que ocorreram as apreensões de drogas. Não soube dizer se era em nome da acusada. Negou ter avistado a acusada no galpão e não soube dizer se ela estava nos demais locais em que as drogas foram encontradas. Reafirmou ter visto a acusada apenas nos hotéis e que ela era a responsável pela locação dos apartamentos.

Informou que não participara da prisão de “Kiko”. Disse que houve a apreensão de uma remessa de drogas feita pelo grupo criminoso e “Kiko” foi encontrado e preso. Não atuou na prisão da acusada (Ids n. 288038069, 288038987, n. 288038991 e n. 288038997).

Segundo a investigação policial e como restou confirmado em Juízo pelas declarações dos agentes policiais, ouvidos na qualidade de testemunhas, o indivíduo conhecido como “Kiko” exercia papel de liderança da associação e fora apontado, em mais de uma ocasião, como proprietário de drogas apreendidas em outros locais. Mas, ele permanecia distante fisicamente do entorpecente. Consta que para essa estratégia de afastamento e ocultação de quem era, ele fazia o uso de múltiplas identidades falsas e fazia sucessivas mudanças de residência (flats, em sua maioria) em períodos muito curtos, coincidentes com remessas ou apreensões de grande porte de droga – algumas das mudanças de residência foram providenciadas pela ré Magally.

Verifica-se que há nos autos contratos de locação de imóveis feitos em nome da acusada, que foram arrecadados em busca e apreensão, de apartamentos, nos quais, posteriormente, o líder da organização se instalava (p. 27/30 e 33/37, 288037327, p. 87/94 e 101/113 do Id n. 288037536) o que confirma a atuação da acusada para auxiliar a estratégia adotada para dificultar a identificação de “Kiko”.

A prática de crime de associação para o tráfico de drogas restou comprovado considerando a demonstração do vínculo duradouro que havia entre os acusados, estabelecido para o transporte de droga, conforme esclarecido pelas testemunhas policiais ouvidas em Juízo.

As tarefas desempenhadas pelos agentes ficaram bem delimitadas: Eduardo Antonio Echavarria era o mentor/líder do grupo, conhecido por diversos apelidos e nomes falsos (Kiko, Tony, José Bitencourt, José Román etc.), e suas ações indicam clara tentativa de dissimular sua identificação e/ou vinculação aos demais agentes.

Atuavam juntos, no grupo criminoso Pablo, que conduzia veículos carregados de droga antes da entrega nas etapas finais do transporte, agia como um gerente e Gerson que foi visto na companhia de Pablo e Javier, o qual providenciara locais para depósito da droga, havendo indicativo de que era o responsável por esconder a droga em fundos falsos de veículos. Os outros membros da organização criminosa foram julgados nos autos da ApCrim 0006089-33.2002.4.03.6181.

A ré Magally providenciava os apartamentos para que Eduardo Antono Achavarria, o “Kiko”, se mantivesse distante da droga nas ocasiões em que as remessas eram feitas, colaborando com a ocultação de sua identidade. Segundo as testemunhas, a acusada o acompanhava constantemente, foi avistada participando ativamente das reuniões do grupo criminoso e chegou a ser fotografada por policiais acompanhando o líder da organização criminosa (p. 74/118 do Id n. 288037536 e p. 1/2 do Id n. 288037539).

Bem demonstrada a associação entre acusada e os demais réus, cujas características não condizem com mero concurso pontual de agentes, não há falar em absolvição por ausência de provas.

 Resta então mantida a condenação pelos crimes do art. 12 e do art. 14, ambos c. c. o art. 18, I, da Lei n. 6.368/76.

Dosimetria.

Tráfico transnacional de drogas (Lei n. 6.368/76, art. 12, caput, c. c. o art. 18, I). A pena-base para o crime de tráfico de drogas foi fixada na sentença em 6 anos de reclusão e 127 (cento e vinte e sete) dias-multa.

Ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes de pena.

Em razão da transnacionalidade do delito a pena foi exasperada 1/3 (um terço), nos termos do art. 18, I, da Lei n. 6.368/76, perfazendo 8 (oito) anos de reclusão e 169 (cento e sessenta e nove) dias-multa, que foi tornada definitiva.

O valor unitário do dia-multa foi estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

A defesa alega que as circunstâncias judiciais são favoráveis à acusada, de maneira que não se justifica a fixação das penas-base acima do mínimo legal.

A Lei n. 6.368/76 previa para o delito do art. 12, caput, a pena de reclusão de 3 (três) a 15 (quinze) anos e o pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Tendo em vista a expressiva quantidade de cocaína apreendida (466,945Kg), substância com alto potencial nocivo, que constitui circunstância desfavorável, justifica-se a fixação da pena-base ao delito de tráfico transnacional de drogas acima do mínimo legal, até mesmo em fração maior que aquela procedida na sentença. Desse modo, à míngua de recurso da acusação, a pena-base para o crime do art. 12, caput, da Lei n. 6.368/76 é mantida em 6 (seis) anos de reclusão e 127 (cento e vinte e sete) dias-multa.

Ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes de pena.

Mantido o aumento em razão da transnacionalidade do delito, em 1/3 (um terço), nos termos do art. 18, I, da Lei n. 6.368/76, permanece a pena nos moldes da sentença, fixada em 8 (oito) anos de reclusão e 169 (cento e sessenta e nove) dias-multa, que não merece reparo.

Associação para o tráfico internacional de drogas (Lei n. 6.368/76, art. 14, c. c. o art. 18, I). A pena-base para o crime de associação para o tráfico de drogas foi fixada na sentença em 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 88 (oitenta e oito) dias-multa.

Ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes de pena.

Em razão da transnacionalidade do delito a pena foi exasperada 1/3 (um terço), nos termos do art. 18, I, da Lei n. 6.368/76, perfazendo 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 117 (cento e dezessete) dias-multa.

O valor unitário do dia-multa foi estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

A defesa alega que as circunstâncias judiciais são favoráveis à acusada, de maneira que não se justifica a fixação das penas-base acima do mínimo legal. Aduz que em relação ao crime de associação para o tráfico incide a Lei n. 11.343/06, que é mais benéfica para a acusada.

Assiste-lhe parcial razão.

A pena prevista para o delito de associação para o tráfico de drogas, pelo art. 14 da Lei n. 6.368/76 é de 3 (três) a 10 (dez) anos de reclusão e o pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos sessenta) dias-multa e pelo art. 35 da Lei n. 11.343/06 é de 3 (três) a 10 (dez) anos de reclusão e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Assim, a pena privativa de liberdade prevista é a mesma e a pena de multa é menor no caso da Lei n. 6.368/76.

Não é possível aplicar os dispositivos mais favoráveis da Lei n. 11.343/06, especialmente no que tange ao seu art. 33, § 4º, e ao seu art. 40, I, sobre a pena estabelecida segundo os critérios anteriormente instituídos pela Lei n. 6.368/76.

Verifica-se que a sentença considerou desfavorável a “(...) elevada culpabilidade da acusada, que extrapola a normalidade das elementares típicas, na medida em que a estruturação da associação criminosa propiciou o exercício de intensa atividade de tráfico ilícito de drogas pela parte ré e seus associados. ” (Id n. 288039286).

Na primeira fase do cálculo, considero que a extensão de atuação do grupo criminoso é circunstância que de certa forma está abrangida pela causa de aumento de pena pela transnacionalidade do delito; desse modo, excluo a valoração negativa e fixo a pena-base no mínimo legal de 3 (três) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa. 

Ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes de pena.

Em razão da transnacionalidade do delito a pena é mantido o aumento da pena, na fração de 1/3 (um sexto), perfazendo a pena de 4 (quatro) anos de reclusão e 66 (sessenta e seis) dias-multa.

Concurso material. As penas foram somadas, nos termos do art. 69 do Código Penal, de maneira que, na sentença, a pena total foi fixada em 13 (treze) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 286 (duzentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor unitário do dia-multa foi estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Somadas as penas ora fixadas, a pena total para a ré passa a ser de 12 (doze) anos de reclusão e 235 (duzentos e trinta e cinco) dias-multa, a qual torno definitiva.

Mantido o valor do dia-multa estabelecido no mínimo legal.

Foi determinado, na sentença, o regime inicial de cumprimento de pena fechado.

Em razões de apelação, a defesa argumenta que a acusada ficou presa cautelarmente por mais de 6 (seis) anos, de modo que o regime inicial de cumprimento cabível é o menos gravoso.

Consta da sentença que a acusada esteve presa entre 16.02.02 e 06.03.08, assim, considerando a quantidade de pena aplicada e a detração do tempo de prisão provisória, estabeleço o regime inicial semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, b, do Código, e no art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal.

Não estão preenchidos os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (CP, art. 44, I).

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa para reduzir a pena-base para o delito de associação para o tráfico, de modo que a pena para esse crime passa a ser fixada em 4 (quatro) anos de reclusão e 66 (sessenta e seis) dias-multa, e, por conseguinte, estabelecer a pena total para a ré Magally Sanchez Villota em 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial de cumprimento de pena semiaberto, e 235 (duzentos e trinta e cinco) dias-multa, pela prática dos crimes do art. 12 e do art. 14, ambos c. c. o art. 18, I, da Lei n. 6.368/76.

É o voto.



E M E N T A

 

 

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA TRÁFICO DE DROGAS. CITAÇÃO AUSENTE. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU. SUPRIMENTO. REVELIA. MUDANÇA DE ENDEREÇO. FALTA DE COMUNICAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA.

1. O comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação, nos termos do art. 214, § 1º, do Código de Processo Civil. Precedentes do STJ (EDPET n. 2.516, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 28.02.07; Resp n. 685.322, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29.11.06; REsp n. 805.688, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 16.06.09).

2. O acusado tem o ônus de comunicar eventual alteração de endereço, sob pena de ser decretada a sua revelia na hipótese de não ser localizado naquele anteriormente declinado (STJ, HC n. 294.289, Rel. Min. Felix Fischer, j. 19.03.15; RHC n. 28.813, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21.03.13; RHC n. 25.741/MT, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16.06.09; TRF 3ª Região, ACR n. 0002085-35.2011.403.6181, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 07.04.15 e RSE n. 0059377-77.2000.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 15.12.03).

3. A materialidade delitiva está demonstrada pela prova documental e pericial juntada aos autos. O laudo pericial produzido do exame feito na substância apreendida apresentou resultados positivos para cocaína.

4. Segundo a investigação policial e confirmado em Juízo pelas declarações dos agentes policiais, ouvidos na qualidade de testemunhas, o líder da organização criminosa permanecia distante fisicamente do entorpecente. Consta que para essa estratégia de afastamento e ocultação de quem era, ele fazia o uso de múltiplas identidades falsas e fazia sucessivas mudanças de residência (flats, em sua maioria) em períodos muito curtos, coincidentes com remessas ou apreensões de grande porte de droga – algumas das mudanças de residência foram providenciadas pela ré.

5. Há nos autos contratos de locação de imóveis feitos em nome da acusada, que foram arrecadados em busca e apreensão, de apartamentos, nos quais, posteriormente, o líder da organização se instalava, o que confirma a atuação da acusada para auxiliar na estratégia adotada para dificultar a identificação.

6. A prática de crime de associação para o tráfico de drogas restou comprovado considerando a demonstração do vínculo duradouro que havia entre os acusados, estabelecido para o transporte de droga, conforme esclarecido pelas testemunhas policiais ouvidas em Juízo. As tarefas desempenhadas pelos agentes ficaram bem delimitadas. Bem demonstrada a associação entre acusada e os demais réus, cujas características não condizem com mero concurso pontual de agentes, não há falar em absolvição por ausência de provas.

7. Afastada circunstância judicial desfavorável, a pena-base em relação ao delito do art. 14 da Lei n. 6.368/76 é fixada no mínimo legal e feita a detração do período de prisão preventiva da acusada, é cabível o regime inicial de cumprimento de pena semiaberto.

8. Apelação provida em parte.  


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa para reduzir a pena-base para o delito de associação para o tráfico, de modo que a pena para esse crime passa a ser fixada em 4 (quatro) anos de reclusão e 66 (sessenta e seis) dias-multa, e, por conseguinte, estabelecer a pena total para a ré Magally Sanchez Villota em 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial de cumprimento de pena semiaberto, e 235 (duzentos e trinta e cinco) dias-multa, pela prática dos crimes do art. 12 e do art. 14, ambos c. c. o art. 18, I, da Lei n. 6.368/76, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ANDRE NEKATSCHALOW
DESEMBARGADOR FEDERAL