HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5022989-50.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
PACIENTE: ROMAN VILHANUEVA
IMPETRANTE: RAFAEL NUNES DA CUNHA MAIA DE SOUZA
Advogado do(a) PACIENTE: RAFAEL NUNES DA CUNHA MAIA DE SOUZA - MS12826-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 5ª VARA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5022989-50.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS PACIENTE: ROMAN VILHANUEVA Advogado do(a) PACIENTE: RAFAEL NUNES DA CUNHA MAIA DE SOUZA - MS12826-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 5ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Habeas Corpus impetrado pelo advogado Rafael Nunes da Cunha Maia de Souza em favor do paciente ROMAN VILHANUEVA contra ato imputado ao MM. Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS (Dr. Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini), nos autos da Exceção de Suspeição nº 5002540-16.2024.4.03.6000. Colhe-se dos autos que o ora paciente arguiu Exceção de Suspeição em desfavor da d. Procuradora da República Damaris Rossi Baggio de Alencar em razão de oferecimento de denúncia, por ela subscrita, em desfavor do ora paciente, que, segundo alega, teria sido motivada exclusivamente por razões pessoais, que restou rejeitada pelo autoridade ora impetrada. Em síntese, a impetração sustenta que a decisão ora impetrada não analisou os argumentos suscitados na petição de suspeição, que houve afronta aos princípios constitucionais da devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, bem como aos norteadores da atuação do agente público, dentre eles o da legalidade, da moralidade e da impessoalidade. Requer, em caráter liminar, a suspensão da ação penal nº 5008230-60.2023.4.03.6000 até o julgamento do writ, com a concessão da ordem para reconhecer a suspeição da Exma. Procuradora da República acima citada, com o trancamento da ação penal. A liminar foi indeferida (ID 302554171). As informações foram prestadas pelo r. juízo a quo (ID 302847895). A Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (ID 302957102). No ID 303419186, o impetrante pleiteia pela intimação para fins de sustentação oral. É o relatório.
IMPETRANTE: RAFAEL NUNES DA CUNHA MAIA DE SOUZA
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5022989-50.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS PACIENTE: ROMAN VILHANUEVA Advogado do(a) PACIENTE: RAFAEL NUNES DA CUNHA MAIA DE SOUZA - MS12826-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 5ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: A ação de Habeas Corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal (Conceder-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder), e artigo 647 do Código de Processo Penal. Consigne-se, ademais, a possibilidade de se analisar argumentação afeta à pretensa suspeição e/ou impedimento da autoridade judicante, aplicável ao membro do Ministério Público, em sede deste remédio heroico, conforme restou mais recentemente assentado pelo C. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Habeas Corpus nº 164493 (Rel. Min. EDSON FACHIN, Rel. p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 23/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-106 DIVULG 02-06-2021 PUBLIC 04-06-2021), não sendo demais a transcrição do excerto que segue (extraído da ementa de indicado precedente): DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. PARCIALIDADE JUDICIAL E SISTEMA ACUSATÓRIO. CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE DE EXAME DA SUSPEIÇÃO DE MAGISTRADO EM SEDE DE HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. DECISÃO SUPERVENIENTE DO MIN. EDSON FACHIN, NOS AUTOS DO HABEAS CORPUS 193.726-DF, QUE RECONHECEU A INCOMPETÊNCIA DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE. IMPARCIALIDADE DO JULGADOR COMO PEDRA DE TOQUE DO DIREITO PROCESSUAL PENAL. ANTECEDENTES DA BIOGRAFIA DE UM JUIZ ACUSADOR. DESNECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DOS DIÁLOGOS OBTIDOS NA OPERAÇÃO SPOOFING. ELEMENTOS PROBATÓRIOS POTENCIALMENTE ILÍCITOS. EXISTÊNCIA DE 7 (SETE) FATOS QUE DENOTAM A PERDA DA IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO DESDE A ÉPOCA DA IMPETRAÇÃO. VIOLAÇÃO DO DEVER DE IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. ART. 101 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM EM HABEAS CORPUS CONCEDIDA PARA ANULAR TODOS OS ATOS DECISÓRIOS PRATICADOS NO ÂMBITO DA AÇÃO PENAL 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (TRIPLEX DO GUARUJÁ), INCLUINDO OS ATOS PRATICADOS NA FASE PRÉ-PROCESSUAL. 1. Conhecimento da matéria em Habeas Corpus. É possível o exame da alegação de parcialidade do magistrado em sede de Habeas Corpus se, a partir dos elementos já produzidos e juntados aos autos do remédio colateral, restar evidente a incongruência ou a inconsistência da motivação judicial das decisões das instâncias inferiores. Precedentes: RHC-AgR 127.256, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 10.3.2016; RHC 119.892, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 1º.10.2015; HC 77.622, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, DJ 29.10.1999. (...) – destaque nosso. DO CASO CONCRETO A impetração narra que o paciente teve seus bens móveis e imóveis apreendidos e sequestrados por ordem judicial emanada da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, no âmbito da "Operação Status", a qual culminou nas ações penais de nº 0000962-16.2018.4.03.6000 e 5007841- 80.2020.4.03.6000, propostas pelo órgão ministerial pelos delitos de organização criminosa, tráfico internacional de entorpecentes e lavagem de dinheiro, em desfavor de mais de duas dezenas de pessoas, dentre as quais o paciente jamais teria figurado. Conta que em razão da constrição patrimonial sofrida, o paciente propôs Embargos de Terceiro, autuados sob o nº 5005346-58.2023.4.03.6000, perante o Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, no qual foi proferida sentença de total procedência, uma vez que teria comprovado a propriedade de boa-fé dos bens, as suas respectivas origens lícitas e conseguido, efetivamente, a desvinculação dos referidos bens com os fatos apurados pela ação penal principal. Alega que a d. Procuradoria da República Damaris Rossi Baggio de Alencar, que teria atuado nos autos de Embargos de Terceiro (...) incrédula e descompensada pela r. sentença de liberação dos bens descritos, valeu-se do poder institucional de seu cargo para colocar em marcha vingança pessoal contra o ora paciente, oferecendo contra ele denúncia pelo delito de lavagem de dinheiro. Aduz que anteriormente à liberação dos bens ilegalmente apreendidos o paciente (...) nunca antes despertara o interesse das autoridade de persecução penal, no âmbito da famigerada operação “Status”, mais de 3 anos após sua deflagração, viu-se denunciado nos autos da Ação Penal nº 5008230- 60.2023.4.03.6000 pela Procuradora suspeita. Argumenta que as causas de suspeição previstas no artigo 254 do CPP, aplicáveis também aos membros do Ministério Público Federal, não são taxativas, devendo o julgador orientar-se pela inobservância do então agente público aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade. Pleiteia, liminarmente, a suspensão da ação penal e, no mérito, a concessão da ordem para declarar a suspeição da Exma. Procuradoria da República, como o consequente trancamento da ação penal. ANÁLISE DA IMPETRAÇÃO O art. 254 do Código de Processo Penal elenca as situações previamente estabelecidas pelo legislador aptas a tergiversar acerca da imparcialidade do magistrado, e, por analogia, também do Ministério Público Federal. para a condução de um caso concreto distribuído originariamente a sua competência - a propósito: Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I - Se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II - Se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III - Se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV - Se tiver aconselhado qualquer das partes; V - Se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI - Se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo. Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial deste Tribunal: PENAL. PROCESSO PENAL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. MAGISTRADO IMPARCIAL. TENTATIVA DE ATRASAR A AÇÃO DE ORIGEM. EXCEÇÃO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. EXCEÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. COMUNICAÇÃO. ÓRGÃO DISCIPLINAR DA OAB. (...) 2. Tanto a suspeição como o impedimento de Magistrado existem, fundamentalmente, como institutos de preservação da imparcialidade dos órgãos jurisdicionais, característica essencial do Juiz Natural em um sistema constitucional moderno. Portanto, prevê a Lei um rol de hipóteses específicas que, por previsão do ordenamento, são consideradas como fortemente comprometedoras do senso de afastamento e equilíbrio equidistante que deve ter um Juiz ao apreciar uma causa. Trata-se, em outros termos, de hipóteses que ensejem comprometimento efetivo - e portanto, grave - de sua imparcialidade em relação às partes e ao objeto da ação concreta. Não há nos autos da presente exceção uma situação desse jaez. (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, SUSPEI - EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO CRIMINAL - 1293 - 0001197-73.2016.4.03.6122, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 12/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/09/2017) - destaque nosso. À luz desse entendimento, correta da decisão que rejeitou a Exceção de Suspeição diante da inocorrência de nenhuma das hipóteses do art. 254 do Código de Processo Penal, que ora se passa a transcrever ( ID 302431824 - p. 2/6): (...) Passo a decidir. Os casos de reconhecimento da suspeição de magistrado – e, simetricamente, de membro do Ministério Público – são aquelas previstas no art. 254 do Código de Processo Penal, cujo rol é taxativo. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA JÁ ANALISADA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Ao recurso especial interposto foi negado seguimento pelo óbice sumular n. 83 do STJ. 2. As hipóteses causadoras de impedimento ou suspeição, elencadas nos arts. 252, 253 e 258 do Código de Processo Penal, são taxativas, razão pela qual não se pode dar interpretação extensiva e analógica, sob pena de se criar judicialmente nova causa de impedimento não prevista em lei, o que vulneraria a separação dos poderes e, por consequência, cercearia inconstitucionalmente a atuação válida do magistrado ou mesmo do promotor. 3. Mantém-se a decisão guerreada quando o agravante não traz, no âmbito do regimental, novos fundamentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 1.896.218/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 2/4/2024.) No caso em apreço, em que pese a argumentação trazida pelo excipiente, não vislumbro espírito revanchista ou qualquer mácula na atuação da excepta, titular de ofício ministerial com atribuição para atuar naquele feito, tampouco qualquer animosidade exacerbada que seja capaz de lhe retirar a imparcialidade. Com efeito, é sabido que para o oferecimento da denúncia não se exige prova cabal, mas indícios suficientes para conformar a opinio delicti do órgão ministerial, titular da ação penal pública. A propósito, cito julgados: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PECULATO, EXTRAVIO, SONEGAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE LIVRO OU DOCUMENTO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA SEM A JUNTADA AOS AUTOS DO COMPROVANTE DA REPARAÇÃO INTEGRAL DOS DANOS. IRRELEVÂNCIA. POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO DEFLAGRAR A AÇÃO PENAL COM BASE EM QUAISQUER PEÇAS. PRETENSÃO PUNITIVA NÃO AFETADA PELO PAGAMENTO DA DÍVIDA. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA NO MOMENTO DA SENTENÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. O Ministério Público pode iniciar a ação penal com base em quaisquer elementos hábeis a formar a sua opinião, sendo desnecessária a prévia instauração de inquérito policial para que seja oferecida denúncia. Doutrina. Precedentes. 2. Na espécie, o titular da persecução criminal reputou os elementos de convicção reunidos no feito suficientes para a formação de sua opinio delicti, salientando que eventual comprovação de devolução dos valores subtraídos não seria suficiente para alterar as acusações formuladas na exordial, circunstância que afasta a eiva articulada nesta irresignação. 3. É pacífico neste Sodalício que eventuais irregularidades ocorridas antes do oferecimento da denúncia não tem o condão de macular a ação penal, o que reforça a impossibilidade de anulação do feito. Precedentes. 4. Ainda que o pagamento integral do dano possa acarretar a redução da pena, pelo arrependimento posterior, tal benefício só pode ser aplicado por ocasião da prolação de eventual sentença condenatória, não interferindo na capitulação jurídica dos fatos narrados na vestibular. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 88.763/GO, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/2/2019, DJe de 1/3/2019.) RECURSO EM HABEAS CORPUS. FALSO TESTEMUNHO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. INQUÉRITO POLICIAL OU PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. IMPRESCINDIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I - O Ministério Público pode iniciar a persecução penal com base em quaisquer elementos hábeis a formar a sua opinio delicti. II - É entendimento assente nesta Corte que o inquérito policial e o procedimento investigativo preliminar servem precipuamente para a colheita de elementos informativos mínimos para subsidiar o Parquet no oferecimento da denúncia. Conclui-se, portanto, que se o titular da ação penal dispõe de substrato mínimo necessário para a persecução penal em documentos diversos, o inquérito e o procedimento preliminar serão inteiramente dispensáveis. III - Nessa ordem de ideias e considerando que o crime de falso testemunho é de natureza formal, consumando-se no momento da afirmação falsa a respeito de fato juridicamente relevante, aperfeiçoando-se quando encerrado o depoimento, a cópia integral dos autos no qual foi constatada a suposta prática criminosa fornece elementos suficientes para a persecução penal, dispensando, de consequência, a instauração de qualquer procedimento investigativo prévio, notadamente o inquérito. Recurso em habeas corpus desprovido. (RHC n. 82.027/SC, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 3/5/2018, DJe de 9/5/2018.) Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA. CONEXÃO. INEXISTÊNCIA. ADITAMENTO DA DENÚNCIA. SISTEMA ACUSATÓRIO. 1. O princípio acusatório é vulnerado de forma reflexa nas hipóteses em que a decisão do magistrado, após a manifestação do Ministério Público Federal no sentido de remessa dos autos ao juízo competente, determina o aditamento da denúncia para incluir fatos constantes do relatório policial em função da conexão. 2. O sistema acusatório confere ao Ministério Público, exclusivamente, na ação penal pública, a formação do opinio delicti, separando a função de acusar daquela de julgar. 3. A conexão permite o Juízo disputar a competência para julgamento do feito, mas não o autoriza, a pretexto do liame probatório, a superar o dominus litis, o Ministério Público, e determinar o oferecimento de denúncia contra o impetrante, formulando prévio juízo de culpa, gerador de nulidade processual. 4. A conexão intersubjetiva ou instrumental decorrente de encontro fortuito de prova que nada tem a ver com o objeto da investigação principal, não tem o condão de impor o unum et idem judex, máxime com vulneração do princípio acusatório. 5. A conexão no processo dá-se em favor da jurisdição de modo a facilitar a colheita da prova, evitar decisões contraditórias e permitir cognição mais profunda e exauriente da matéria posta a julgamento. O simples encontro fortuito de prova de infração que não possui relação com o objeto da investigação em andamento não enseja o simultaneus processus. 6. In casu, durante a “Operação Abate” que investigava fraude na obtenção de selo sanitário em frigoríficos no estado de Rondônia, descobriu-se esquema de corrupção envolvendo diversos órgãos federais e estaduais, autarquias e instituições financeiras públicas e privadas com a finalidade de obtenção de vantagem ilícita pelas empresas da família Bihl, no estado do Mato Grosso. O impetrante, ex-funcionário do Ministério da Integração Nacional, supostamente emitiu cartas de anuência mediante fraude para facilitar a formalização de hipoteca pelas empresas do Grupo Bihl. 7. Recurso parcialmente provido para remeter o aditamento da denúncia, apenas em relação ao recorrente, à Justiça Federal no Distrito Federal, com traslado integral dos autos. (RHC 120379, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26-08-2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-210 DIVULG 23-10-2014 PUBLIC 24-10-2014) No mais, a leitura do parágrafo destacado pelo excipiente no ID 321391440, p. 8 não denota evidentemente o rompimento quaisquer preceitos inerentes à atuação funcional da excepta, mormente porque a presença dos requisitos mínimos aos quais se refere o art. 41 do CPP é suficiente para o oferecimento, assim como para o recebimento, da denúncia. Obviamente que daí não se conclui necessariamente pela procedência da pretensão punitiva, a qual, diferentemente, exige robusto acervo probatório. De fato, é oportuno mencionar que o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou a respeito da utilização de linguajar imperativo em ato judicial, tendo concluído pela inexistência de qualquer mácula disso decorrente. Vejamos: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL E PENAL. CRIMES LICITATÓRIOS NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA, FORMAÇÃO DE QUADRILHA E CORRUPÇÃO ATIVA. CONDENAÇÃO. PRELIMINARES. REUNIÃO DOS PROCESSOS. CONEXÃO (CPP, ART. 79). DESMEMBRAMENTO DOS FEITOS. FACULDADE. JUÍZO DE CONVENIÊNCIA DO MAGISTRADO (CPP, ART. 80). APLICABILIDADE AINDA QUE EM CRIME DE QUADRILHA. PRECEDENTES DO STF. PREJUÍZO EM RAZÃO DO INTERESSE NA PROVA PRODUZIDA PELOS DEMAIS ACUSADOS. RESPOSTA APRESENTADA PELO TRIBUNAL. MATÉRIA, CONTUDO, NÃO IMPUGNADA NO APELO NOBRE. QUESTÃO NÃO CONHECIDA. [...] SUSPEIÇÃO E IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. ART. 254 DO CPP. SUPOSTA ANIMOSIDADE E PRECONCEITO EM RELAÇÃO AO RÉU NÃO COMPROVADA. DESCONFIGURAÇÃO DO VÍCIO DA IMPARCIALIDADE. ALARGAMENTO DO ROL PREVISTO NO DISPOSITIVO ANTES CITADO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E STF. O discurso empolgado, a utilização de certos termos inapropriados em relação aos réus, além da manifestação de indignação no tocante aos crimes, não configura, por si, causa de suspeição do julgador. Não bastasse, o rol previsto no art. 254 do Código de Processo Penal, segundo a jurisprudência dominante desta Corte, não admite alargamento e interpretação extensiva. [...] (REsp n. 1.315.619/RJ, relator Ministro Campos Marques (Desembargador Convocado do TJ/PR), Quinta Turma, julgado em 15/8/2013, DJe de 30/8/2013.) Diante do exposto, por não vislumbrar a ocorrência de nenhuma das hipóteses do art. 254 do Código de Processo Penal, REJEITO a exceção de suspeição. (...) Por outro lado, a d. Procuradoria da República Damaris Rossi Baggio de Alencar, em sua manifestação nos autos da exceção esclareceu a cronologia do andamento da "Operação Status" junto ao órgão ministerial (ID 302431829): (...) 5. Até o final do ano de 2018 havia apenas um ofício especializado em lavagem de dinheiro relativa a tráfico de drogas e demais crimes comuns (excluindo-se crimes então relativos ao NCC) em todo o estado do Mato Grosso do Sul. Tal ofício era titularizado pelo procurador da República Silvio Pettengill Neto. 6. Naquela época, houve a deflagração da Operação Status, com grande repercussão, inúmeros investigados e milhões em bens apreendidos. Tal investigação vinha sendo desenvolvida sob o acompanhamento do citado procurador. Deflagrada, coube a ele oferecer as denúncias iniciais contra os principais envolvidos. Assim foi feito. 7. Logo em seguida, esta subscritora assumiu a titularidade do ofício, visto que Silvio Pettengill Neto passou a ser o procurador-chefe do MS. Entre os anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, passei a ser única responsável por todas as grandes operações do Estado, incluindo tráfico internacional de drogas, de armas, contrabando de cigarros e crimes contra o sistema financeiro. Considerando que o estado do MS faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai, desnecessário esclarecer a sobrecarga de trabalho daí resultante. 8. O excipiente é um dos investigados na Operação Status. Seu filho, ALEXANDRE VILHANUEVA, tinha papel fundamental nas atividades da organização criminosa, e o nome do excipiente era empregado como pessoa interposta - "laranja". À época da deflagração da Operação Status, optou-se por fazer as denúncias contra os principais alvos, dada a inexistência de força de trabalho suficiente para que fossem feitas todas as acusações necessárias. Somente por isso o representante não foi denunciado naquela ocasião pelo procurador da República Silvio Pettengill Neto. 9. A partir do final do ano de 2023, foi criado novo ofício com a matéria de lavagem de dinheiro dos crimes de tráfico internacional de drogas e conexos, sendo que Silvio Pettengill Neto o assumiu. Assim, dois ofícios no estado do MS passaram a ser encarregados dessa matéria. 10. Houve a viabilidade de elaboração de novas denúncias, inclusive a feita contra o representante, sendo a providência adotada por esta subscritora. Já o colega Silvio Pettengill Neto encontra-se elaborando outra denúncia contra envolvidos da Operação Status, ambas decorrentes do mesmo inquérito policial. l11. Pois bem, os elementos que embasam a denúncia contra o representante são fortes e vastos. Basta ler seu texto para que se obtenha essa conclusão. Não houvesse elementos, a denúncia não teria sido produzida. (...) A alegação de que a d. Procuradora da República Damaris Rossi Baggio de Alencar, denominada excepta, teria extrapolado seus deveres funcionais e cometido crime de abuso da autoridade inerente ao cargo que ocupa a fim de promover atos de represália e intimidação em face do paciente não se sustenta diante do contexto apresentado. Conforme discorrido, o ora paciente foi um dos investigados na "Operação Status" e seu filho teria exercido papel de relevância nas atividades da suposta organização criminosa, tendo sido denunciado na primeira fase da Operação. Além disso, a demora no oferecimento da denúncia em desfavor do paciente teria ocorrido por razões organizacionais do órgão ministerial, que por quase quatro anos contava apenas com um único membro para condução das grandes operações, optando, no primeiro momento, por ofertar as denúncias contra os principais envolvidos. A partir da criação de um novo ofício de lavagem de dinheiro dos crimes de tráfico internacional de drogas e conexos, no final do ano de 2023, teria sido possível viabilizar a elaboração de denúncia contra o ora paciente, bem como outras denúncias teriam sido oferecidas, recentemente, em desfavor de terceiros também investigados no mesmo inquérito que originou a "Operação Status". Por último, constou que o paciente antes de arguir a suspeição em Juízo, formulou o mesmo pedido perante a Corregedoria do Ministério Público Federal, cujo procedimento foi arquivado por ausência de justa causa, uma vez que restou concluído que a d. Procuradora da República indicada como excepta, teria atuado nos limites da independência funcional constitucionalmente assegurada aos membros do Ministério Público (ID 302431829). Desse modo, não se verifica a ocorrência de qualquer das causas ensejadoras de suspeição elencadas no artigo 254, do Código de Processo Penal, bem como não logrou o ora paciente demonstrar a relevância da tese esposada, nem mesmo a existência de atos concretos aptos a comprometer a imparcialidade da Exma. Procuradora da República Damaris Rossi Baggio de Alencar. Diante de tais considerações não se vislumbra, portanto, a existência de ilegalidade ou abuso de poder passível de ser sanado pela concessão da ordem de Habeas Corpus. Ausentes os pressupostos autorizadores, DENEGO a ordem de Habeas Corpus. É o voto.
IMPETRANTE: RAFAEL NUNES DA CUNHA MAIA DE SOUZA
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO STATUS. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA SUSPEIÇÃO DE PROCURADORA DA REPÚBLICA COM O CONSEQUENTE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MOMENTO DO AJUIZAMENTO DA DENÚNCIA PLENAMENTE JUSTIFICADO. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER DADO CONCRETO NO SENTIDO DE QUE HOUVE COMPORTAMENTO PARCIAL DO MEMBRO MINISTERIAL COM O FITO DE PREJUDICAR PARTE DO PROCESSO, MUITO MENOS DE TER AGIDO POR SENTIMENTO(S) OU INTERESSE(S) PESSOAL(AIS) CONTRA O PACIENTE. INOCORRÊNCIA DE QUALQUER DAS CAUSAS DE SUSPEIÇÃO PREVISTAS NO ART. 258, C.C. ART. 254, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM DENEGADA.
- Paciente que teve seus bens móveis e imóveis apreendidos e sequestrados por ordem judicial emanada da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, no âmbito da "Operação Status", a qual culminou nas ações penais de nº 0000962-16.2018.4.03.6000 e 5007841- 80.2020.4.03.6000, propostas pelo órgão ministerial pelos delitos de organização criminosa, tráfico internacional de entorpecentes e lavagem de dinheiro, em desfavor de mais de duas dezenas de pessoas, dentre as quais o paciente jamais teria figurado.
- Embargos de Terceiros proposto pelo ora paciente julgado procedente, liberação dos bens.
- Alegação de que a Exma. Procuradora da República que teria atuado nos Embargos, movida por vingança pessoal, teria oferecido denúncia em desfavor do ora paciente pelo delito de lavagem de dinheiro.
- O art. 254 do Código de Processo Penal elenca as situações previamente estabelecidas pelo legislador aptas a tergiversar acerca da imparcialidade do magistrado, e, por analogia, também do Ministério Público Federal para a condução de um caso concreto distribuído originariamente a sua competência. Rol taxativo. Precedentes jurisprudenciais.
- Para o oferecimento da denúncia não se exige prova cabal, mas indícios suficientes para conformar a opinio delicti do órgão ministerial, titular da ação penal pública.
- O ora paciente foi um dos investigados na "Operação Status" e seu filho teria exercido papel de relevância nas atividades da suposta organização criminosa, tendo sido denunciado na primeira fase da Operação.
- A demora no oferecimento da denúncia em desfavor do paciente teria ocorrido por razões organizacionais do órgão ministerial, que por quase quatro anos contava apenas com um único membro para condução das grandes operações, optando, no primeiro momento, por ofertar as denúncias contra os principais envolvidos.
- Constou que o paciente antes de arguir a suspeição em Juízo, formulou o mesmo pedido perante a Corregedoria do Ministério Público Federal, cujo procedimento foi arquivado por ausência de justa causa, uma vez que restou concluído que a d. Procuradora da República indicada como excepta, teria atuado nos limites da independência funcional constitucionalmente assegurada aos membros do Ministério Público.
- Não se verifica a ocorrência de qualquer das causas ensejadoras de suspeição elencadas no artigo 254, do Código de Processo Penal, bem como não logrou o ora paciente demonstrar a relevância da tese esposada, nem mesmo a existência de atos concretos aptos a comprometer a imparcialidade da Exma. Procuradora da República Damaris Rossi Baggio de Alencar.
- Ausência de ilegalidade ou abuso de poder passível de ser sanado pela concessão da ordem de Habeas Corpus.
- Ordem denegada.