Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0023294-70.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS

APELANTE: NELLY DE SAN JUAN PASCHOAL

Advogados do(a) APELANTE: FREDERICO FRANCESCHINI - SP213412-A, INES CECILIA MARIA FLORA CATERINA V DE A PISANI FRANCESCHINI - SP169574-A

APELADO: BANCO CENTRAL DO BRASIL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0023294-70.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS

APELANTE: NELLY DE SAN JUAN PASCHOAL

Advogados do(a) APELANTE: FREDERICO FRANCESCHINI - SP213412-A, INES CECILIA MARIA FLORA CATERINA V DE A PISANI FRANCESCHINI - SP169574-A

APELADO: BANCO CENTRAL DO BRASIL

 

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R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: 

Trata-se de novo julgamento dos embargos de declaração de ID 254393254, por determinação do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Os aclaratórios foram opostos pelo BANCO CENTRAL DO BRASIL em face do r. acórdão de ID 253479526, em que, a Primeira Turma, por unanimidade, deu  provimento à apelação  interposta por NELLY DE SAN JUAN PASCHOAL, declarando o direito da autora à cobertura integral do tratamento cirúrgico de pancreatectomia robótica, assim ementado:

“APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE DE AUTOGESTÃO. COBERTURA INTEGRAL DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. PANCREATECTOMIA ROBÓTICA. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.

I. No caso dos autos, a parte apelante pleiteia a cobertura pela ora apelada das despesas e serviços hospitalares ‘inerentes a cirurgia denominada Pancreatectomia Robótica, bem como todo o necessário para a efetiva realização da cirurgia, estendendo-se esta cobertura aos equipamentos cirúrgicos, materiais e medicamentos referentes ao procedimento e para uso em apartamento hospitalar, UTI, diárias, honorários médicos, enfim, tudo o que se faz necessário para a realização e sucesso da cirurgia em questão, a ser realizada na data de 13/11/2015’, argumentando que a restrição imposta pelo Plano de Saúde é abusiva e ilegal, contrariando o Código de Defesa do Consumidor.

II. Com efeito, a jurisprudência do C. STJ é pacifica no sentido de que ‘a relação de consumo caracteriza-se pelo objeto contratado, no caso a cobertura médico-hospitalar, sendo desinfluente a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que se diga sem caráter lucrativo, mas que mantém plano de saúde remunerado’, bem como, ‘havendo cobertura para a doença, consequentemente deverá haver cobertura para procedimento ou medicamento necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas no referido plano’.

III. No caso concreto, a negativa de cobertura para o tratamento cirúrgico indicado à beneficiária fundamenta-se na ausência de previsão de cobertura da cirurgia por técnica robótica, in verbis: ‘O prestador hospitalar no qual se pretende realizar a cirurgia não é credenciado ao PASBC, de modo que o pagamento integral das despesas não está previsto nas normas do programa; caso a cirurgia seja realizada em caráter particular, cabe o ressarcimento de despesas com base nas tabelas de referência do PASBC (tabelas AMB-92 e CBHPM 4a edição), nem no Rol de cobertura mínima editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). (...) Assim, o PASBC não pode arcar diretamente com quaisquer despesas no Hospital Albert Einstein e tampouco com despesas relacionadas à técnica cirúrgica robótica em quaisquer prestadores de serviços. Por outro lado, existem alternativas de tratamento com cobertura pelo PASBC, por meio da rede credenciada ou do ressarcimento de despesas particulares conforme regulamento’ (fl. 34 do arquivo ID 164756142).

IV. Todavia, verifica-se que a doença que aflige à parte autora é coberta pelo Plano de Saúde e, outrossim, o tratamento cirúrgico na modalidade robótica indicada é necessário para ‘reduzir o tempo de internação, reduzir a dor e, portanto, melhorar a qualidade de vida e evitar que a doença evolua para um câncer de pâncreas e consequentemente com perda das condições de vida da paciente’, consoante se verifica do parecer do médico que realiza o tratamento da parte autora (fl. 23 do arquivo ID 164756142). Nestes termos, a imprescindibilidade do procedimento pela técnica robótica restou devidamente comprovada, legitimando a sua cobertura integral pelo Plano de Saúde da requerente, independentemente de sua natureza de autogestão. Registre-se, ainda, que ante a especificidade do procedimento, poucos nosocômios e médicos oferecem o referido tratamento, de modo que a restrição imposta pela requerida em relação à prestação de serviços pelo Hospital Albert Einstein e pelo médico que acompanha a doença da autora configura verdadeira negativa ao restabelecimento da saúde da requerente, devendo, pois, ser afastada. Desta feita, confirma-se a tutela antecipada anteriormente concedida, declarando o direito da autora à cobertura integral do tratamento cirúrgico de Pancreatectomia Robótica.

V. Condenação da ré ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido pela parte autora.

VI. Apelação provida.”

Nos embargos do BACEN foram apontadas omissões no v. acórdão quanto (i) ao disposto no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, (ii) ao disposto no art. 15 da Lei nº 9.650/1998, (iii) à aplicação da Súmula 608 do STJ ao caso, e (iv) aos precedentes citados.

No julgamento do recurso especial nº 2289435- SP, o C. STJ, entendeu que esta Corte não se pronunciou "sobre incidência da súmula 608 do STJ e sobre os precedentes invocados nas contrarrazões ao recurso de apelação e em relação à opção da recorrida pelo regime de livre escolha previsto no Regulamento do PASBC", determinando o retorno dos autos a esta Corte para novo julgamento dos embargos (ID 302863895)

É o relatório.  

 

 

 

 

 

 

 

 


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1ª Turma
 

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V O T O

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: 

Trata-se de processo devolvido a esta Corte pelo E. Superior Tribunal de Justiça, após provimento de Recurso Especial interposto pelo BACEN. A d. Corte Superior determinou novo julgamento dos embargos de declaração ID 254393254, por entender que não foram analisados argumentos essenciais para o correto deslinde da controvérsia.

Tendo assumido a relatoria deste feito em 01/03/2024, passo ao exame do caso.

Nos embargos do BACEN foram apontadas omissões no v. acórdão quanto (i) ao disposto no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, (ii) ao disposto no art. 15 da Lei nº 9.650/1998, (iii) à aplicação da Súmula 608 do STJ ao caso, e (iv) aos precedentes citados.

Pois bem.

Inicialmente, faz-se necessário considerar que os incisos I e II, do artigo 1.022 do Código de Processo Civil dispõem sobre a oposição de embargos de declaração se, na sentença ou no acórdão, houver obscuridade, contradição ou omissão. 

Neste sentido, verifico que o acórdão embargado de fato incorreu em omissão, pois deixou de enfrentar os argumentos em referência. Passo, portanto, ao saneamento do vício.

Inicialmente, acolho o argumento de que não se aplica, ao caso, o Código de Defesa do Consumidor, pois,  nos termos da Súmula 608 do STJ:

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.

À época de realização do tratamento, em 2015, a autora era beneficiária do Programa de Assistência à Saúde dos Servidores do Banco Central (PASBC), plano de saúde organizado sob a modalidade de autogestão. Ao contrário do que sustenta a parte autora em contrarrazões ao RESP (id 259014624), a edição da Súmula 608 do STJ pautou-se justamente na questão de se tratar de plano de autogestão, sendo integralmente aplicável ao caso, pois o PABSC "é pessoa jurídica de direito privado sem finalidades lucrativas que opera plano de assistência à saúde com exclusividade para um público determinado de beneficiários” que se diferencia “quanto à administração, forma de associação, obtenção e repartição de receitas, diverso dos contratos firmados com empresas que exploram essa atividade no mercado e visam ao lucro” (STJ, REsp 1.285.483/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 16/08/2016).

Neste sentido, cito os seguintes precedentes do c. STJ:

 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE DE AUTOGESTÃO. INAPLICABILIDADE DO CDC. NEGATIVA DE COBERTURA DE HOME CARE. ASSISTÊNCIA DOMICILIAR. LEGALIDADE. SÚMULA N. 83 DO STJ. MODALIDADE ASSISTÊNCIA DOMICILIAR. REEXAME. NÃO CABIMENTO. SÚMULA N. 7 DO STJ. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. NÃO IMPUGNAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182 DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde administrados por entidades de autogestão

(...)

5. Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp n. 1.864.656/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 8/7/2024.)

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. AÇÃO COLETIVA. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 NÃO EVIDENCIADA. ACÓRDÃO ESTADUAL FUNDAMENTADO. AFASTAMENTO DAS NORMAS DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE GERIDO POR ENTIDADE DE AUTOGESTÃO. SÚMULA 608/STJ. CLÁUSULA DE REAJUSTE POR SINISTRALIDADE. ÍNDOLE ABUSIVA NÃO DEMONSTRADA. MODIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO E ANÁLISE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 E 5 DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Não se verifica a alegada violação aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, na medida em que a eg. Corte estadual dirimiu, fundamentadamente, os pontos essenciais ao deslinde da controvérsia.

2. O Código de Defesa do Consumidor não se aplica aos contratos de plano de saúde administrados por entidade de autogestão. Súmula 608/STJ.

(...)

6. Agravo interno improvido.

(AgInt no AREsp n. 2.267.051/DF, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 9/11/2023.)

 

O acórdão merece, portanto, reparo neste ponto.

Consigno, entretanto, que o fato de não ser aplicável o CDC ao caso não afasta a obrigatoriedade do plano de saúde em custear o tratamento médico prescrito à autora. A propósito, o STJ já decidiu que "O fato de não ser aplicável o CDC aos contratos de plano de saúde sob a modalidade de autogestão não atinge o princípio da força obrigatória do contrato, sendo necessária a observância das regras do CC/2002 em matéria contratual, notadamente acerca da boa-fé objetiva e dos desdobramentos dela decorrentes" (AgInt no AREsp 835.892/MA, Relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, DJe de 30/08/2019).

Cito, a propósito, o seguinte precedente:

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE SOB AUTOGESTÃO. NEGATIVA DE COBERTURA DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO OFF LABEL. ABUSIVIDADE. TAXATIVIDADE DO ROL DA ANS. DESIMPORTÂNCIA. ACÓRDÃO NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA N.83/STJ.

1. As operadoras de plano de saúde têm o dever de cobertura de fármacos antineoplásicos utilizados para tratamento contra o câncer, sendo irrelevante analisar a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS.

2. É abusiva a recusa do plano de saúde quanto à cobertura de medicamento prescrito pelo médico, ainda que em caráter experimental ou fora das hipóteses previstas na bula (off-label), porquanto não compete à operadora a definição do diagnóstico ou do tratamento para a moléstia coberta pelo plano contratado.

3.O fato de não ser aplicável o CDC aos contratos de plano de saúde sob a modalidade de autogestão não atinge o princípio da força obrigatória do contrato, sendo necessária a observância das regras do CC/2002 em matéria contratual, notadamente acerca da boa-fé objetiva e dos desdobramentos dela decorrentes (AgInt no REsp n. 1.747.519/SP, relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, julgado em 11/5/2020, DJe de 18/5/2020).

Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp n. 2.037.487/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024.)

 

Tratando-se de contrato de prestação de serviços de saúde, a sua finalidade básica é, justamente, a de resguardar a saúde e a vida do segurado. No caso, conforme relatório médico datado de 16/09/2015 (ID 164756142 – pág. 23), a autora era portadora de “tumor cístico pré-maligno de pâncreas”, condição para a qual o médico responsável indicou a realização de cirurgia de pancreactectomia (remoção total ou parcial do pâncreas). As partes não discutem sobre a existência de cobertura para o tratamento da doença que acometeu a autora, ou para a realização da cirurgia indicada. A controvérsia diz respeito à técnica indicada pelo médico para a autora (robótica), bem como ao hospital eleito para a realização da cirurgia (Albert Einstein).

 

Quanto à técnica utilizada, alega o BC que a robótica não está prevista no rol da ANS, e que existia a alternativa terapêutica de realização da cirurgia por laparoscopia. Este argumento não merece prosperar.

O rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, tradicionalmente, é entendido pela jurisprudência dos tribunais brasileiros como exemplificativo. Não obstante, em junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça alterou seu entendimento anterior, tendo adotado a tese de que o referido rol é, em regra, taxativo (STJ. 2ª Seção EREsp 1886929-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2022).

Contudo, no caso dos autos, o tratamento médico cuja cobertura se discute foi realizado em 2015, motivo pelo qual é inadequada a aplicação do novo entendimento, firmado pelo c. STJ apenas em 2022. Ademais, poucos meses após a modificação de entendimento pelo tribunal superior, foi editada a Lei nº 14.454/2022, que, incluindo os §§ 12 e 13 no art. 10 da Lei nº 9.656/98, restabeleceu o caráter exemplificativo a ser dado ao rol da ANS – dessa vez, com base legal:

Art. 10 (...)

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

Há de se considerar, ainda, que “não compete à operadora a definição do diagnóstico ou do tratamento para a moléstia coberta pelo plano contratado” (AgInt no REsp n. 2.037.487/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024), sendo esta incumbência atribuída ao profissional de saúde que conhece o quadro clínico do paciente e o acompanha.

Nesse sentido:

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE FORNECIMENTO PARA TRATAMENTO DE CÂNCER. ABUSIVIDADE. INCIDÊNCIA DO CDC AOS PLANOS DE SAÚDE DE AUTOGESTÃO. ACÓRDÃO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA N. 83/STJ.

1. O fato de não ser aplicável a legislação consumerista aos contratos de plano de saúde sob a referida modalidade não atinge o princípio da força obrigatória do contrato, sendo imperiosa a incidência das regras do Código Civil em matéria contratual, tão rígidas quanto às da legislação consumerista, notadamente acerca da boa-fé objetiva e dos desdobramentos dela decorrentes.

2. Compete ao profissional habilitado indicar a opção adequada para o tratamento da doença que acomete seu paciente, não incumbindo à seguradora discutir o procedimento, mas custear as despesas de acordo com a melhor técnica.

3. A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa" (AgInt nos EREsp n. 2.001.192/SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 2/5/2023, DJe de 4/5/2023).

Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp n. 2.050.072/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 13/12/2023, DJe de 8/2/2024.)

 

No caso, a recomendação de realização do procedimento por robótica foi devidamente justificada pelo médico responsável, que conhecia as particularidades do quadro clínico da autora. A técnica foi indicada para “reduzir o tempo de internação, reduzir a dor e, portanto, melhorar a qualidade de vida e evitar que a doença evolua para um câncer de pâncreas e consequentemente com perda das condições de vida da paciente” (ID 164756142 – pág. 23). Chama atenção o fato de que a autora à época já contava com 86 anos de idade e, ademais, os documentos médicos constantes dos autos demonstram a existência de complicações como “altas doses de corticoesteroides no sangue” e “quadro pulmonar” (id 164756142 – pág. 90).

 

Quanto ao hospital eleito, também se encontra plenamente justificada a necessidade de realização do procedimento no hospital Albert Einstein, pois, conforme constou do acórdão embargado:

“Registre-se, ainda, que ante a especificidade do procedimento, poucos nosocômios e médicos oferecem o referido tratamento, de modo que a restrição imposta pela requerida em relação à prestação de serviços pelo Hospital Albert Einstein e pelo médico que acompanha a doença da autora configura verdadeira negativa ao restabelecimento da saúde da requerente, devendo, pois, ser afastada.”

Desse modo, verifica-se que tal situação se amolda às hipóteses excepcionais que justificam o reembolso das despesas médicas com tratamento realizado fora da rede credenciada.


              Ante o exposto, ACOLHO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pelo BANCO CENTRAL DO BRASIL, nos termos da fundamentação, sem atribuir-lhes efeitos infringentes.

Saliento que eventuais embargos de declaração opostos com o intuito de rediscutir as questões de mérito já definidas no julgado serão considerados meramente protelatórios, cabendo a aplicação de multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC.

Por último, de forma a evitar a oposição de embargos de declaração destinados meramente ao prequestionamento e de modo a viabilizar o acesso às vias extraordinária e especial,considera-se prequestionada toda a matéria constitucional e infraconstitucional suscitada nos autos, uma vez que apreciadas as questões relacionadas à controvérsia por este Colegiado, ainda que não tenha ocorrido a individualização de cada um dos argumentos ou dispositivos legais invocados, cenário ademais incapaz de negativamente influir na conclusão adotada, competindo às partes observar o disposto no artigo 1.026, §2º do CPC.

É O VOTO. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE DE AUTOGESTÃO. INAPLICABILIDADE DO CDC. COBERTURA INTEGRAL DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. PANCREATECTOMIA ROBÓTICA. NECESSIDADE. EMBARGOS ACOLHIDOS, SEM EFEITOS INFRINGENTES.

I. Caso em Exame

1. Novo julgamento dos embargos de declaração de ID 254393254, por determinação do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Os aclaratórios foram opostos pelo BANCO CENTRAL DO BRASIL em face de acórdão em que, a Primeira Turma, por unanimidade, deu  provimento à apelação  interposta por NELLY DE SAN JUAN PASCHOAL, declarando o direito da autora à cobertura integral do tratamento cirúrgico de pancreatectomia robótica.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em verificar se houve omissão no v. acórdão quanto (i) ao disposto no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, (ii) ao disposto no art. 15 da Lei nº 9.650/1998, (iii) à aplicação da Súmula 608 do STJ ao caso, e (iv) aos precedentes citados.

III. Razões de decidir

3. O acórdão embargado de fato incorreu em omissão, pois deixou de enfrentar os argumentos quanto à inaplicabilidade do CDC ao caso.

4. Não se aplica, ao caso, o Código de Defesa do Consumidor, pois,  nos termos da Súmula 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.

5. O fato de não ser aplicável o CDC ao caso não afasta a obrigatoriedade do plano de saúde em custear o tratamento médico prescrito à autora. A propósito, o STJ já decidiu que "O fato de não ser aplicável o CDC aos contratos de plano de saúde sob a modalidade de autogestão não atinge o princípio da força obrigatória do contrato, sendo necessária a observância das regras do CC/2002 em matéria contratual, notadamente acerca da boa-fé objetiva e dos desdobramentos dela decorrentes" (AgInt no AREsp 835.892/MA, Relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, DJe de 30/08/2019).

6. Caso em que o tratamento médico cuja cobertura se discute foi realizado em 2015, motivo pelo qual é inadequada a aplicação do novo entendimento pela taxatividade do rol da ANS, firmado pelo c. STJ apenas em 2022. Ademais, poucos meses após a modificação de entendimento pelo tribunal superior, foi editada a Lei nº 14.454/2022, que, incluindo os §§ 12 e 13 no art. 10 da Lei nº 9.656/98, restabeleceu o caráter exemplificativo a ser dado ao rol da ANS – dessa vez, com base legal.

7. “Não compete à operadora a definição do diagnóstico ou do tratamento para a moléstia coberta pelo plano contratado” (AgInt no REsp n. 2.037.487/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024), sendo esta incumbência atribuída ao profissional de saúde que conhece o quadro clínico do paciente e o acompanha.

8. A recomendação de realização do procedimento por robótica foi devidamente justificada pelo médico responsável, que conhecia as particularidades do quadro clínico da autora.

9. Quanto ao hospital eleito, também se encontra plenamente justificada a necessidade de realização do procedimento no hospital Albert Einstein, pois, conforme constou do acórdão embargado: “(...)ante a especificidade do procedimento, poucos nosocômios e médicos oferecem o referido tratamento, de modo que a restrição imposta pela requerida em relação à prestação de serviços pelo Hospital Albert Einstein e pelo médico que acompanha a doença da autora configura verdadeira negativa ao restabelecimento da saúde da requerente, devendo, pois, ser afastada.”

IV. Dispositivo

9. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
DAVID DANTAS
DESEMBARGADOR FEDERAL