Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018089-84.2011.4.03.6105

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

ESPOLIO: JOAO GILBERTO RODRIGUES MAIA, ANTONIETTA BELLUZZO RODRIGUES MAIA
REPRESENTANTE: DIOGO LISBOA MAIA

Advogados do(a) ESPOLIO: ERICO REIS DUARTE - SP207009, MATHEUS VASQUEZ LORENCINI - SP396817, ROBERTO GHERARDINI SANTOS - SP221290-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018089-84.2011.4.03.6105

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: JOAO GILBERTO RODRIGUES MAIA, ANTONIETTA BELUZZO RODRIGUES

Advogados do(a) APELADO: ERICO REIS DUARTE - SP207009, VICENTE OTTOBONI NETO - SP71585

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de embargos de declaração opostos pelo espólio de JOÃO GILBERTO RODRIGUES MAIA e outros em face de acórdão deste colegiado.

Em síntese, o polo embargante afirma que o julgado incidiu em omissões e obscuridades. Por isso, pede que seja sanado o problema que indica. Noticia, ainda, o falecimento das partes JOÃO GILBERTO RODRIGUES MAIA e ANTONIETTA BELUZZO RODRIGUES, pugnando pela habilitação do espólio nos presentes autos.

Apresentadas contrarrazões (id 293459542), os autos vieram conclusos.

É o breve relatório. Passo a decidir. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018089-84.2011.4.03.6105

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: JOAO GILBERTO RODRIGUES MAIA, ANTONIETTA BELUZZO RODRIGUES

Advogados do(a) APELADO: ERICO REIS DUARTE - SP207009, VICENTE OTTOBONI NETO - SP71585

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante. 

Por força do art. 1.026, §§2º e 3º, do CPC/2015, se os embargos forem manifestamente protelatórios, o embargante deve ser condenado a pagar ao embargado multa não excedente a 2% sobre o valor atualizado da causa (elevada a até 10% no caso de reiteração), e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa (à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final). E a celeridade e a lealdade impõem a inadmissibilidade de novos embargos de declaração se os 2 anteriores forem considerados protelatórios.

No caso dos autos, a parte-embargante sustenta que o julgado é omisso, já que deixou de considerar: a) a vinculação da Cédula Pignoratícia nº 94/00010-7 aos títulos emitidos anteriormente; b) a existência de relação consumerista entre as partes e a natureza do título; c) a Resolução nº 2279 do BACEN. De outra banda, defende que o julgado é obscuro, tendo em vista que teria dado preferência ao Decreto-Lei nº 167/1967 em detrimento da Lei nº 9.138/95, bem como sobreposto o princípio da autonomia da vontade das partes ao teor de norma especial (Lei nº 9.138/95). A decisão recorrida tem o seguinte conteúdo:

"Inicialmente, afigura-se prejudicado o pedido da apelante de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, uma vez que, por força de decisão proferida nos autos do agravo de instrumento nº 0013472-58.2014.4.03.0000 (id 90290015; fls. 132/141) foi dado parcial provimento ao recurso para “suspender a liberação das hipotecas até o julgamento da apelação no processo de n. 0018089-84.2011.403.6105”.

De outra lado, está igualmente sem razão a apelante ao pugnar pela nulidade da sentença ante a ausência de integração do Banco do Brasil à lide. Conforme revela o compulsar dos autos, a entidade bancária foi sucedida pela União Federal por força da cessão de créditos operada pela MP 2.196-3/2001, razão pela qual não há que se falar em nulidade pela ausência do da empresa pública.

No mesmo sentido, não há que se cogitar da necessidade de integração do polo passivo da lide com os demais garantidores da dívida, já que o pedido formulado nos presentes autos diz respeito à liberação das hipotecas incidentes sobre imóveis de propriedade dos autores, que não mais deveriam ser mantidas a partir da conformação da dívida aos termos da Lei nº 9.138/1995, que autorizou o alongamento de dívidas originárias de crédito rural.

Prosseguindo, para a exata compreensão da matéria debatida, afigura-se oportuno um breve resumo da lide.

Trata-se de ação ajuizada por JOÃO GILBERTO RODRIGUES MAIA e por ANTONIETTA BELLUZZO RODRIGUES em face do Banco do Brasil S/A, posteriormente substituído pela União, com a qual pretendem obter a liberação das hipotecas indicadas nos autos, que recaíram sobre fazendas de suas propriedades.

Narra o autor que, por anos, integrou o Conselho Deliberativo da Federação Meridional de Cooperativas Agropecuárias Ltda – FEMECAP, ocasião em que foram emitidas 06 cédulas rurais pignoratícias e hipotecárias (nºs 87/00203-5, 88/00481-3, 91/00076-9, 9100091-2, 92/00078-9 e 92/00240-0) em favor do Banco do Brasil, destinadas à obtenção de crédito para a compra de fertilizantes e insumos a serem utilizados por seus cooperados, e garantidas pelo patrimônio da própria FEMECAP.

Vencidas as referidas cédulas, o autor alega ter procurado o Banco do Brasil para obter uma repactuação da dívida, o que teria resultado na emissão, em 30/07/1994, da cédula rural pignoratícia e hipotecária nº 94/00010-7, no valor de CR$ 23.180.180.053,43, com previsão de pagamento em parcelas semestrais até 30/03/2002. Para garantia da dívida foram oferecidos bens da FEMECAP, acrescidos do aval de 5 de seus representantes, de Notas de Crédito Rural emitidas pelos cooperados, e de 07 fazendas de propriedade do autor (Gamela, Gamela II, Sítio Monte Belo, Fazenda Seleções, Fazenda São José, Estância Shalom e Fazenda Pau a Pique).

Aduz que, em razão da falta de condições financeiras, somente a primeira parcela, com vencimento em 30/10/1994, foi paga. Por fim, com o advento da Lei nº. 9.138/1995, que autorizou o alongamento de dívidas originárias de crédito rural, foi firmado, em 22/07/1996, o “Aditivo à Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária nº 94/00010-7” (aditivo nº 96/70017-3), que manteve as mesmas garantias anteriormente pactuadas.

Alega ter requerido o levantamento das hipotecas que recaem sobre suas propriedades, o que foi negado pela instituição financeira, entendendo que essa recusa afronta dispositivos da Lei nº 9.138/1995, e das Resoluções BACEN nº 2.279/1996 e nº 2.433/1997, que vedam garantias não usuais para o crédito rural, e determinam a exclusão de garantias que excedem os parâmetros utilizados no crédito rural. Requer a liberação da hipoteca sobre suas fazendas ou, subsidiariamente, da parte correspondente à meação de sua esposa (coautora da ação). 

Aforado o feito no juízo estadual de Campinas/SP, sobreveio sentença de procedência do pedido dos autores (id 90290598; fls. 103/108), ao fundamento de que a garantia deveria se limitar à cobertura do valor da dívida, acrescida de 30%, autorizando assim o levantamento das hipotecas, tal como requerido na inicial.

Em petição datada de 21/07/2008 (id 90290462; fls. 23/24) a União interveio no feito, requerendo a sucessão processual em relação ao Banco do Brasil, por força da cessão de créditos oriunda da MP nº 2.196/2001. Deferida a sucessão, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a sentença proferida pelo juízo estadual e determinou a remessa dos autos ao juízo federal da 3ª Vara Federal de Campinas.

Já no juízo federal, foi determinada a redistribuição do feito por dependência aos autos da execução por título extrajudicial nº 0015868-65.2010.403.6105 (id 90290609; fls. 155/156). Seguiu-se então sentença de procedência do pedido dos autores sob o mesmo fundamento da sentença anteriormente anulada, com a consequente liberação das hipotecas firmadas (id 90290609; fls. 164/173). Contra essa decisão, insurge-se a União por meio do presente recurso, buscando a manutenção das garantias oferecidas.

 A questão central, portanto, passa pela análise da possibilidade de levantamento das hipotecas que originalmente incidiram sobre as propriedades dos autores para garantia da dívida contraída pela FEMECAP.

Observo, inicialmente, que ao contrário do que alega a parte autora, não há nenhum indicativo no sentido de que a Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária nº 94/00010-7, da qual pretende ver desvinculadas as hipotecas que recaem sobre suas propriedades, teria sido emitida para repactuação de débitos originados de cédulas rurais emitidas anteriormente (nºs 87/00203-5, 88/00481-3, 91/00076-9, 9100091-2, 92/00078-9 e 92/00240-0). Referida cédula, acostada aos autos sob id nº 90290458, págs. 91/103, indica a obtenção de um crédito, pela FEMECAP, em 30/06/1994, no valor de CR$ 23.180.180.053,43 “destinado à antecipação de recursos para integralização de cotas-partes de capital social”. Consta do referido instrumento, inclusive, autorização para que o Banco do Brasil e o Banco Central promovam perícias com a finalidade de comprovar a integralização das cotas, sob adequada contabilização (id nº90290458, págs. 91). Com isso, não há lugar para discussões sobre a possibilidade ou não de aproveitamento de garantias na hipótese de novação, ou dos requisitos exigidos para esse aproveitamento, já que as garantias oferecidas naquela oportunidade ganham autonomia em relação às cédulas pretéritas, ainda que a elas também estivessem vinculadas. Frise-se, contudo, que é na cédula nº 94/00010-7 que as fazendas de propriedade dos autores aparecem pela primeira vez para garantia do mútuo. 

A controvérsia deve ser analisada sob a perspectiva contratual, assim compreendida como a realização de um negócio jurídico bilateral, na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado.

É certo que a cédula nº 94/00010-7 sofreu alterações por força do aditivo nº 96/70017-3, de 22/07/1996, a fim de adequá-la à Lei nº 9.138/1995 (id 90290459, págs. 2/12), com destaque para a significativa redução da taxa de juros remuneratórios (3% ao ano), e para o alongamento da dívida, a ser paga, a partir de então, em 8 prestações anuais, a última das quais com vencimento em 31/10/2005. No que concerne às garantias constantes da cédula aditada, nenhuma alteração foi promovida, preservando-se o penhor das Notas de Crédito Rural emitidas pelos cooperados e a hipoteca dos imóveis de titularidade da FEMECAP, além das 07 fazendas de propriedade dos autores.

 Sobre a adequação da cédula originária aos termos da Lei nº 9.138/1995, o art. 5º desse ato normativo traz a seguinte previsão a respeito das garantias das dívidas alongadas:

“Art. 5º São as instituições e os agentes financeiros do Sistema Nacional de Crédito Rural, instituído pela Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, autorizados a proceder ao alongamento de dívidas originárias de crédito rural, contraídas por produtores rurais, suas associações, cooperativas e condomínios, inclusive as já renegociadas, relativas às seguintes operações, realizadas até 20 de junho de 1995:

(...)

§ 5º Os saldos devedores apurados, que se enquadrem no limite de alongamento previsto no § 3º, terão seus vencimentos alongados pelo prazo mínimo de sete anos, observadas as seguintes condições

(...)

VI - caberá ao mutuário oferecer as garantias usuais das operações de crédito rural, sendo vedada a exigência, pelo agente financeiro, de apresentação de garantias adicionais, liberando-se aquelas que excederem os valores regulamentares do crédito rural;

(...).” (destaquei)

Em resumo, o texto normativo estabelece (1) que as garantias da dívida serão aquelas usuais das operações de crédito rural, (2) que é vedada a exigência de garantias adicionais, e (3) que deverão ser liberadas as garantias que excederem os valores do crédito rural. Porém, não apresenta critérios objetivos sobre o que seriam “garantias usuais das operações de crédito rural”. A matéria foi retomada ainda nas Resoluções BACEN nº 2279/1996 e nº 2.433/1997, sem maiores detalhamentos sobre o alcance do dispositivo:

Resolução Bacen nº 2.279/1996:

“Art. 1º (...)

I - por força do disposto no art. 5º, parágrafo 5º, inciso VI, da Lei nº. 9.138/95, deve-se manter as mesmas garantias associadas à operação original, pois vedada a exigência de apresentação de garantias adicionais, devendo-se ainda liberar aquelas que excederem os parâmetros normalmente utilizados em operações de crédito rural. “Inexistindo a garantia original, as partes contratantes poderão negociar a vinculação de novas garantias;”

Resolução Bacen nº 2.433/1997:

“Art. 5º A instituição financeira deve liberar as garantias, vinculadas à operação de alongamento de dívidas, que excederem aos parâmetros normalmente utilizados no crédito rural.”

Diante da generalidade do texto normativo, não vejo como a hipoteca, direito real de garantia por excelência, e de aplicação recorrente em contratos de mútuo, aí compreendido o crédito rural, possa ser considerada inusual para a garantia das dívidas de que tratam os dispositivos mencionados. Mesmo porque, foi justamente essa a modalidade de garantia eleita para as cédulas de crédito rural emitidas anteriormente pela FEMECAP, a exemplo das cédulas nº 91/00076-9, nº 9100091-2, nº 92/00078-9 e nº 92/00240-0.

Resta saber se a sujeição do crédito ao regime da Lei nº 9.138/1995 imporia a redução das garantias existentes antes do aditivo cedular nº 96/70017-3. Nesse ponto, entendo que a resposta é negativa. Note-se que os dispositivos acima mencionados, ao tratarem da exclusão de garantias para as dívidas alongadas, falam em liberar “aquelas que excederem os valores regulamentares do crédito rural”, “liberar aquelas que excederem os parâmetros normalmente utilizados em operações de crédito rural”, ou ainda “liberar as garantias, vinculadas à operação de alongamento de dívidas, que excederem aos parâmetros normalmente utilizados no crédito rural”.

Essas previsões teriam lugar nas hipóteses em que o alongamento da dívida se deu em condições em que o saldo devedor existente se mostrasse já reduzido em relação à dívida original, a justificar a redução das garantias, de modo a preservar a proporcionalidade com a obrigação garantida, como nos contratos em que tenha ocorrido o pagamento de um número significativo de parcelas.

Não é esse o caso dos autos. Conforme reconhece a própria parte autora, somente a primeira parcela semestral (de um total de 12 parcelas semestrais), com vencimento em 30/10/1994, foi paga, o que corresponde, segundo percentuais indicados no tópico “Forma de Pagamento”, item “A”, da cédula 94/00010-7 (id 90290458, pág. 93), a cerca de 0,046% da dívida. Portanto, não há razão para qualquer alteração nas garantias inicialmente estabelecida, por não restar caracterizado o excesso que justificaria a exoneração de parte delas.

Entendo equivocada a adoção do critério estabelecido na sentença, que considerou o valor da dívida acrescido de 30%. A propósito, a soma do valor dos bens oferecidos em garantia pela FEMECAP (R$ 7.621.480,00) com o das propriedades dos autores (R$ 5.950.000,00, incluído aí o valor da maior das propriedades - Fazenda Seleções, que sequer permanece garantindo a dívida, já que objeto de dação em pagamento para satisfação de débitos pessoais dos autores) é inferior ao valor do mútuo indicado no aditivo 96/70017-3 (R$ 14.565.947,46) (id 90290598, pág. 61).

Ademais, a chamada “securitização” (alongamento das dívidas oriundas de créditos rurais), teve por escopo o estímulo ao crédito rural destinado ao custeio, investimento e comercialização, envolvendo recursos públicos (Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste; Fundo de Amparo ao Trabalhador, BNDES, entre outros), a exigir rigor na concessão do crédito e fixação das garantias pelo agente financeiro, respeitadas, obviamente, as diretrizes legais.

Registre-se ainda que segundo o art. 64, do Decreto-Lei nº 167/1967, que dispõe sobre títulos de crédito rural, “os bens dados em garantia assegurarão o pagamento do principal, juros, comissões, pena convencional, despesas legais e convencionais com as preferências estabelecidas na legislação em vigor”. Somente o excesso desarrazoado permitiria a redução da garantia. Sobre o tema, já se pronunciou o STJ:

DIREITO EMPRESARIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. GARANTIA CAMBIAL. TERCEIRO AVALISTA. VALIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 60, § 3º, DO DECRETO-LEI N. 167/1967. VEDAÇÃO QUE NÃO ATINGE AS CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL.

1. É válido o aval prestado por terceiros em Cédulas de Crédito Rural, uma vez que a proibição contida no § 3º do art. 60 do Decreto-Lei n. 167/1967 não se refere ao caput (Cédulas de Crédito), mas apenas ao § 2º (Nota Promissória e Duplicata Rurais).

2. Em casos concretos, eventual excesso de garantia poderá ser decotado pelo Judiciário quando desarrazoado, em observância do que dispõe o art. 64 do Decreto-Lei n. 167/1967, segundo o qual "os bens dados em garantia assegurarão o pagamento do principal, juros, comissões, pena convencional, despesas legais e convencionais com as preferências estabelecidas na legislação em vigor".

3. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.315.702/MS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/3/2015, DJe de 13/4/2015.)

Em arremate, o que se observa é que a operação de crédito sob análise, em especial o aditivo 96/70017-3, que adequou a cédula 94/00010/7 às disposições da Lei nº 9.138/1995, manteve exatamente as mesmas garantias ofertadas 2 anos antes pela parte autora na obtenção do crédito, todas elas usualmente aceitas nas operações de crédito rural sem a exigência de qualquer garantia adicional, e sem excessos que autorizem a liberação pretendida. Oportuna a transcrição de recente julgado desta E. Corte abordando a questão sob a ótica da boa-fé objetiva:

 DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. SECURITIZAÇÃO. LEI 9.138/1995. CESSÃO À UNIÃO. MP 2.196-3/01. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CESSIONÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. PRESCRIÇÃO DECENAL (ARTIGO 205, CC). GRATUIDADE DE JUSTIÇA. NULIDADES INEXISTENTES. GARANTIA HIPOTECÁRIA. EXCESSO. AUTONOMIA PRIVADA. LIVRE PACTUAÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA. VERBA HONORÁRIA. TEMA 1.076/STJ. APRECIAÇÃO EQUITATIVA AFASTADA.

(...) 5. No mérito, o autor contraiu financiamento no âmbito do Sistema Nacional de Crédito Rural, posteriormente alongados nos termos do processo de securitização da Lei 9.138/1995, sendo a cédula de crédito rural atrelada ao contrato posteriormente transferida, por cessão, à União, nos termos da MP 2.196-3/01, visando o alongamento de dívida. 6. Alegou a apelante que, porém, houve demasiada exigência de garantias pelo credor, na época o Banco do Brasil S/A, consistentes na hipoteca de duas propriedades rurais, a saber: i) 348,48 ha da Fazenda Três Irmãos - Matrícula 5.666; e ii) 242,0 ha da Fazenda Santo Antonio - Matrícula 6.126, avaliadas conjuntamente em R$ 4.333.360,00 (quatro milhões, trezentos e trinta e três mil, trezentos e sessenta reais) face ao crédito de R$ 326.638,47 (trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e trinta e oito reais e quarenta e sete centavos), exigido a quantia dobrada para a securitização, ou seja, o valor de R$ 653.276,94 (seiscentos e cinquenta e três mil, e duzentos e setenta e seis reais e noventa e quatro centavos). Caberia, portanto, a liberação do excesso, conforme estipula o artigo 5°, § 5º, VI, da Lei 9.138/1995 c/c artigo 64 do Decreto-Lei 167/1967. 7.Com efeito, não é crível que o autor tenha constatado tardiamente a inadequação das garantias livremente oferecidas ao credor, pelo alegado excesso e expressiva diferença face ao valor débito consolidado, depois de passado tanto tempo. Ora, se entendeu excessiva tal garantia hipotecária deveria ter protestado anteriormente à formalização do contrato, oferecendo outro bem de menor valor ou não assinado os aditivos. Observe-se que mesmo que houvesse, de fato, excesso de garantia sobressalente não se provou que a exigência operou condição inafastável potestativamente exigida do contraente. 8. Desvia da boa-fé objetiva, imperiosa tanto na pactuação quanto na execução do contrato (artigo 422 do CC), a conduta orquestrada pelo demandante que busca em verdade a revisão contratual e a liberação de garantias dadas em troca da liberação de crédito, não se verificando qualquer dificuldade na negociação ou nova oneração dos imóveis para liberação de novos financiamentos. (...) 10. Apelação do autor desprovida; apelação da União provida; apelação do BB parcialmente provida. (ApCiv 0000138-95.2007.4.03.6112. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, TRF3 - 1ª Turma, DJEN DATA: 14/06/2023)

Por fim, não merece prosperar a pretensão subsidiária dos autores, voltada à liberação da hipoteca incidente sobre a meação da esposa do autor, Antonietta Belluzzo Rodrigues Maia. Sobre o tema, os artigos 1.420, §2º, e 1.647, I, ambos do Código Civil, exigem a autorização do cônjuge para instituição de garantia real sobre bens imóveis:

“Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca.

(...)

§ 2 o A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver.”

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

(...)”

No mesmo sentido, ao art. 69, do Decreto-Lei nº167/1967:

“Art 68. Se os bens vinculados em penhor ou em hipoteca à cédula de crédito rural pertencerem a terceiros, êstes subscreverão também o título, para que se constitua a garantia.”

No caso dos autos, tanto a cédula originária nº 94/00010-7 (id 90290459, pág. 1), quanto o aditivo nº 96/70017-3 (id 90290459, pág. 12), contam com a assinatura da Sra. Antonietta, não havendo que se falar em desconhecimento sobre o ato praticado, para ter reconhecida a ineficácia da garantia em relação à sua meação. Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. PENHORA SOBRE BEM DADO EM GARANTIA POR CÔNJUGE QUE FIGURA COMO INTERVENIENTE GARANTE. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Trata-se de ação de execução fiscal dos débitos inscritos em Dívida Ativa sob o nº 13606002001-30, 13606002002-11 e 13606002003-00, cujos devedores são Rubens Carlos Peixoto, Raul Carlos Peixoto e Rui Aparecido Carlos Peixoto. Tais CDAs são oriundas de cessão de crédito de cédulas rurais hipotecárias à União Federal (fls. 26/28). Compulsando os autos, observa-se que nas Cédulas Rurais Hipotecárias (fls. 66, verso/86) consta a assinatura de Aparecida Belido Peixoto como interveniente garante e de Izabel Belido Peixoto como cônjuge. 2. Em primeiro lugar, quanto à necessidade de citação do terceiro garantidor, havendo possibilidade de exercício do contraditório mediante a intimação de penhora que sobre o seu bem vier a recair, não há de se falar em prejuízo necessário ao seu direito de defesa. 3. Em segundo lugar, quanto à manutenção da penhora sobre a fração pertencente à ex-cônjuge do devedor principal, por um lado, não há como preservar a meação se o cônjuge figura como interveniente garantidor, e por outro, é requisito para a constituição de hipoteca sobre a integralidade do bem o consentimento de todos os proprietários da coisa comum, nos termos do art. 757 do Código Civil de 1916 (aplicável à época dos fatos, com disposição equivalente no art. 1420, §2º do diploma atual). No mesmo sentido, dispõe a legislação específica, no art. 68 do Decreto-Lei nº 167/67. 4. Logo, não há como afastar a responsabilidade do terceiro garantidor, ainda que cônjuge do devedor principal, pois ao assumir esta posição, consente que bem de sua propriedade seja utilizado para o pagamento do crédito por ele garantido. Entendimento contrário frustraria a função desempenhada pelas garantias reais realizadas por terceiros. 5. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (AI 0025135-67.2015.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/03/2017)

Deve ser provido, portanto, o recurso da União, com a reforma da sentença recorrida, mantendo-se as garantias hipotecárias oferecidas pelos autores para satisfação da dívida contraída.

Ante o exposto, dou provimento à apelação e à remessa necessária.

Honorários advocatícios revertidos em favor da União, fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa.

É o voto."

 

Em vista disso, constato que o acórdão recorrido tem fundamentação completa e regular para a lide posta nos autos. Ademais, o órgão julgador deve solucionar as questões relevantes e imprescindíveis para a resolução da controvérsia, não sendo obrigado a rebater (um a um) todos os argumentos trazidos pelas partes quando abrangidos pelas razões adotadas no pronunciamento judicial. A esse respeito, exemplifico com os seguintes julgados do E.STJ: AgInt nos EDcl no AREsp 1.290.119/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 30/08/2019; AgInt no REsp 1.675.749/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 23/08/2019; REsp 1.817.010/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/08/2019; AgInt no AREsp 1.227.864/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 20/11/2018; e AREsp 1535259/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019.

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.

É o voto.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. LEI Nº 9.138/1995. SECURITIZAÇÃO. OPERAÇÃO CEDIDA À UNIÃO FEDERAL. MP Nº 2.196-3/2001. PRELIMINARES. INTEGRAÇÃO DO BANCO DO BRASIL E DEMAIS GARANTIDORES À LIDE. DESNECESSIDADE. PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE HIPOTECAS DE IMÓVEIS DOS AUTORES. ART. 5º, §5º, VI, DA LEI Nº 9.138/1995. IMPOSSIBILIDADE. MODALIDADE DE GARANTIA USUALMENTE ACEITA EM OPERAÇÕES DE CRÉDITO RURAL. MANUTENÇÃO DAS MESMAS GARANTIAS OFERECIDAS NA TOMADA DO CRÉDITO. EXCESSO NÃO CARACTERIZADO. LIVRE PACTUAÇÃO E BOA-FÉ OBJETIVA. CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE. PRESERVAÇÃO DA MEAÇÃO DESCABIDA.

- Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

- Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante. 

- O acórdão recorrido tem fundamentação completa e regular para a lide posta nos autos. Ademais, o órgão julgador deve solucionar as questões relevantes e imprescindíveis para a resolução da controvérsia, não sendo obrigado a rebater (um a um) todos os argumentos trazidos pelas partes quando abrangidos pelas razões adotadas no pronunciamento judicial. Precedentes.

- Embargos de declaração rejeitados. 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
DESEMBARGADOR FEDERAL