Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012332-38.2022.4.03.6105

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA

APELANTE: GEANE MAXIMO DE FREITAS

Advogados do(a) APELANTE: ABEL HERNANDEZ LUSTOZA - RS66246-A, LUCAS DA COSTA CUNHA - RS85393-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012332-38.2022.4.03.6105

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA

APELANTE: GEANE MAXIMO DE FREITAS

Advogados do(a) APELANTE: ABEL HERNANDEZ LUSTOZA - RS66246-A, LUCAS DA COSTA CUNHA - RS85393-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

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R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR ALESSANDRO DIAFERIA (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por GEANE MAXIMO DE FREITAS, nos autos de ação de rito comum, objetivando a condenação da ré no pagamento de diferenças remuneratórias, por desvio de função, entre o cargo de agente de Serviços Públicos do Município de Sumaré/SP e o cargo de Técnico Judiciário, área administrativa, do TRE-SP, com os respectivos avanços legais, progressões, gratificações, vantagens e reflexos, férias, 13º salário e demais consectários legais, devidamente corrigido, salientando quanto à prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio do ajuizamento da ação.

O MM. Juízo a quo julgou o pedido improcedente, pois em relação à requisição de servidores pelo TRE, há entendimento jurisprudencial dominante no sentido de que não há desvio de função, eis que, a requisição pela Justiça Eleitoral é prevista em lei, portanto, tem como causa a demanda de trabalho sazonal sem aumentar gastos com concurso de novos servidores públicos. Condenou a parte autora em pagamento de custas e os honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, observado o art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil.

Apela a parte autora, requerendo a reforma da r. sentença, sustentando, em resumo: a) a existência de desvio de função, pois o seu cargo de origem é Agente de Serviços Públicos do Município de Sumaré/SP, com atribuições predominantemente braçais e o cargo de Técnico Judiciário do TRE possui natureza administrativa; b) a escolaridade exigida para o cargo de Agente de Serviços Públicos do Município de Sumaré/SP, conforme o Decreto Municipal nº 8.553/2011, é do ensino fundamental enquanto as atribuições e atividades da carreira de Técnico Judiciário tem como requisito de instrução para provimento de cargo o ensino médio completo (sendo que hoje é o ensino superior, conforme art. 4º da Lei 14.456/22); c) a parte autora ingressou na Justiça Eleitoral em 26/08/2010, saindo em 30/06/2022, ou seja, trabalhou durante quase 12 anos, não se justificando, fora do período eleitoral, a manutenção de uma estrutura de servidores estáveis de forma permanente, o que descaracteriza a eventualidade e a temporariedade de sua requisição; d) necessidade de produção de prova testemunhal para a comprovação da realização de atividades incompatíveis com as atribuições dos dois cargos; e) há precedentes das Cortes Regionais em sentido favorável à parte apelante no sentido de que a matéria não é de direito, mas de fato; f) a prova testemunhal é imprescindível para que se garanta a ampla defesa à parte autora no processo, devendo ser anulada a r. sentença e deferida a produção de tal prova; g) o art. 6º, da Resolução do TSE nº 23.255/2010, exige a demonstração da correlação entre as atividades desenvolvidas pelo servidor no seu órgão de origem e aquelas a serem desempenhadas no serviço eleitoral. Prequestiona a matéria para fins recursais e requer que se conheça do recurso de apelação, reformando-se a r. sentença para declarar que a parte autora trabalhou em desvio de função durante todo o período de sua requisição eleitoral e condenar a União ao pagamento das diferenças remuneratórias. Subsidiariamente, requer a anulação da r. sentença para que seja ouvida a testemunha arrolada em audiência a ser designada a fim de que seja garantido o direito à ampla defesa e contraditório no processo (ID 293942006).

Intimada, a União apresentou contrarrazões (ID 293942009).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012332-38.2022.4.03.6105

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA

APELANTE: GEANE MAXIMO DE FREITAS

Advogados do(a) APELANTE: ABEL HERNANDEZ LUSTOZA - RS66246-A, LUCAS DA COSTA CUNHA - RS85393-A

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V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL ALESSANDRO DIAFERIA (RELATOR): No caso concreto, narra a autora que é servidora pública municipal nomeada para o cargo de Agente de Serviços Públicos do Município de Sumaré/SP, sendo que de 26/08/2010 até 30/06/2022 esteve trabalhando na Justiça Eleitoral, na 362ª Zona Eleitoral do TRE/SP, na cidade de Sumaré/SP, exercendo atribuições do cargo de Técnico Judiciário, tendo em vista que foi requisitada pelo Tribunal Regional Eleitoral. Alega que tem direito às diferenças salariais entre o cargo de origem e o cargo em exercício no TRE-SP, eis que passou a exercer atividades atinentes ao cargo de técnico judiciário, que tem natureza administrativa, sendo que seu cargo de origem é agente de serviços públicos, cujas atribuições são de natureza braçal.

De início, afasta-se de plano a alegada necessidade de realização de prova testemunhal e de que a r. sentença merece ser anulada.

Nos termos do artigo 370, do CPC, a realização da perícia se faz necessária quando as razões e documentos consignados nos autos não se mostram suficientes para convencer o julgador acerca da verossimilhança das alegações.

Entretanto, não se configura cerceamento de defesa o indeferimento de diligências inúteis ou meramente protelatórias, cabendo ao juízo determinar as provas necessárias à instrução do processo, em observância ao princípio da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz, que permite ao julgador determinar as provas que entender necessárias à instrução do processo, bem como, o indeferimento daquelas que considerar inúteis ou protelatórias.

Nesse sentido é o entendimento pacífico no C. STJ, vejamos:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. ELEMENTOS DE PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTES PARA A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO JUÍZO. ALTERAÇÃO DO JULGADO QUE DEMANDA ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte possui entendimento assente de que o Magistrado é o destinatário final das provas, podendo, com base em seu livre convencimento motivado, indeferir aquelas que considere dispensável à solução da lide. 2. O entendimento firmado pela Corte de origem foi o de que a discussão ora travada se baseia em questões apenas de direito, tendo sido acostados aos autos elementos de prova documental suficiente para formar o seu convencimento, qual seja, o processo administrativo disciplinar. Alterar tal conclusão demandaria o revolvimento do contexto fático-probatório. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento.

(STJ - AgInt no AREsp n. 869.434/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1ª Turma, J. 25/03/2019, DJe 03/04/2019)” – grifos acrescidos

 

No caso dos autos, o que se verifica é que o conjunto probatório do presente feito forneceu ao D. Magistrado os elementos suficientes ao deslinde da causa, nos termos do artigo 373, do CPC/15. Portanto, não há que se cogitar, no presente caso, em cerceamento de defesa da parte apelante ou qualquer espécie de nulidade.

Superado o ponto, passa-se ao mérito.

Cumpre diferenciar a requisição prevista na Lei nº 6.999/82 da requisição de servidor prevista nos termos do que dispõe o art. 1º, do Decreto nº 4.050/2001, que regulamentou o art. 93, da Lei nº 8.112/90.

A requisição de servidor pela Justiça Eleitoral está prevista nos artigos 23, XVI e 30, XIV, do Código Eleitoral, regulamentado pela Lei nº 6.999/82, que, em seu artigo 9º, dispõe expressamente: “O servidor requisitado para o serviço eleitoral conservará os direitos e vantagens inerentes ao exercício de seu cargo ou emprego.” Portanto, a requisição de servidor para reforço dos quadros da Justiça Eleitoral, que possui natureza obrigatória, assegura expressamente ao servidor a manutenção de seus direitos e vantagens inerentes ao cargo de origem.

A jurisprudência do C. STJ consolidou o entendimento no sentido de que para o reconhecimento do desvio de função é necessária a prova inequívoca e robusta de que as atividades privativas do cargo de origem sejam completamente incompatíveis com as exercidas de fato no cargo de destino. Em regra, nos casos em que há provas da incompatibilidade de atribuições, é cabível a indenização das diferenças havidas entre as remunerações do cargo de origem com o cargo de destino. Confira-se:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL REQUISITADA PELA JUSTIÇA ELEITORAL. MANUTENÇÃO DOS DIREITOS E VANTAGENS DO CARGO OU FUNÇÃO. PRECEDENTES.

1. Esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que a requisição prevista na Lei 6.999/1982 para reforço dos quadros da Justiça Eleitoral é de natureza obrigatória, sendo assegurado ao servidor a manutenção de seus direitos e vantagens inerentes ao exercício do cargo ou função. Precedentes.

2. Agravo interno não provido.

(AgInt no RMS n. 54.206/PE, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 14/10/2019, DJe de 16/10/2019.)”

 

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO DO INSS REQUISITADO PELA JUSTIÇA ELEITORAL. A REQUISIÇÃO DO SERVIDOR ASSEGURA A MANUTENÇÃO DOS DIREITOS E VANTAGENS INERENTES A SUA CARREIRA, CONFORME DISPOSIÇÃO CONTIDA NO ART. 9o. DA LEI 6.899/82. GDASS DEVIDA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 11 E 15 DA LEI 10.885/04. AGRAVO REGIMENTAL DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS DESPROVIDO.

1. Cinge-se a questão em debate à existência de violação aos arts. 11 e 15 da Lei 10.855/04, em razão de Servidores de carreira do INSS, requisitados para atuar na Justiça Eleitoral, continuarem a receber a Gratificação pelo Desempenho de Atividade do Seguro Social-GDASS, mesmo sem exercer suas atividades junto à respectiva autarquia, com fundamento na previsão contida no art. 9o. da Lei 6.999/82, que assegura a manutenção dos direitos e vantagens inerentes ao cargo de origem.

2. A requisição prevista na Lei 6.999/82 para reforço dos quadros da Justiça Eleitoral é de natureza obrigatória, sendo assegurado ao Servidor a manutenção de seus direitos e vantagens inerentes ao cargo, uma vez que não se trata de Servidor cedido, cujo ato de natureza autorizativa se difere da requisição, nos termos do que dispõe o art.1o. do Decreto 4.050/2001, que regulamentou o art. 93 da Lei 8.112/90. Assim, resta evidente que a GDASS deve ser paga aos Servidores requisitados, pois inerente à carreira da qual fazem parte.

3. Por fim, não há que se falar em conflito aparente de normas, uma vez que a previsão contida no art.15 da Lei 10.855/04 trata da cessão de Servidores, cujo ato de natureza autorizativa se difere do contido no art. 9o. da Lei 6.999/92 que dispõe acerca dos Servidores requisitados, cuja natureza obrigatória do chamamento vincula tanto o órgão cedente quanto o Servidor ao atendimento da requisição.

4. Agravo Regimental do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS desprovido.

(AgRg no REsp n. 1.283.638/CE, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 19/4/2016, DJe de 29/4/2016.)”

 

É dizer que, no desvio de função deve-se verificar a discrepância abstrata das atribuições legalmente previstas entre os cargos em confronto e a comprovação “in concreto” da incompatibilidade das tarefas exercidas de fato pelo servidor no cargo para o qual foi requisitado em relação ao cargo efetivo de origem.

Na espécie, no entanto, trata-se de servidora que foi inicialmente contratada pela Prefeitura de Sumaré/SP, através de aprovação em concurso público, para exercer o cargo de agente de serviços públicos, nos termos da Portaria nº 109 de 11 de fevereiro de 1998 (ID 93941180) e da certidão nº 016/2022 (ID 293941532), expedida pela Prefeitura de Sumaré/SP. Posteriormente, foi requisitada pelo TRE-SP para a prestação de serviços, nos termos da Lei nº 6.999/82.

Por sua vez, verifica-se que as atribuições do cargo da parte autora no cargo de origem estão previstas atividades administrativas, tais como apontadas pelo Decreto Municipal de Sumaré nº 8.553/2011, merecendo destaque a descrição detalhada das atividades:

“DESCRIÇÃO DETALHADA:

a) Executar serviços internos e externos de conservação e limpeza.

b) Entregar documentos, mensagens e pequenos volumes nas secretarias e departamentos da Prefeitura e outros locais que forem determinados;

c) Executar pequenos reparos em instalações, mobiliário, utensílios e similares;

d) Digitar cartas, ofícios, memorandos, relatórios, apresentações, tabelas, formulários, atas e demais documentos relacionados a partir de minutas, rascunhos ou orientações específicas superiores;

e) Auxiliar em todos os serviços que não requeiram maiores conhecimentos e responsabilidades específicas, mediante determinações superiores;

f) Anotar recados e telefonemas, comunicando posteriormente aos interessados;

g) Controlar as entregas e recebimentos de correspondências, assinando protocolo;

h) Coletar assinaturas em documentos diversos;

i) Atendimento nos serviços de reprodução (fotocópias documentais)” – grifos acrescidos

 

A concluir que as atribuições do cargo de origem não se limitam exclusivamente ao exercício de atividades braçais, envolvendo diversas atividades administrativas de auxílio, compatíveis com a escolaridade exigida para o cargo.

Não obstante as atividades do cargo de técnico administrativo do TRE-SP envolvam o desempenho de atividades administrativas mais abrangentes daquelas prevista para o cargo de origem, não se verifica a total discrepância entre as atividades, que se diferenciam tão somente em grau de amplitude.

Com relação à natureza dos serviços prestados pelos requisitados e requisitadas no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, foi esclarecido, em informações constantes do Ofício TRE-SP nº 2102/2022, que são atividades básicas de natureza burocrática-administrativa, niveladas entre baixa a média complexidade, devendo observar correlação àquelas do cargo exercido no órgão de origem, inclusive, quanto à compatibilidade com o grau de escolaridade exigido ao cargo efetivo (ID 293941851).

Nessa linha de intelecção, a finalidade do instituto da requisição prevista na Lei nº 6.999/82 é incrementar a força de trabalho da Justiça Eleitoral, de acordo com a sua demanda sazonal, sem aumentar os gastos com remunerações e indenizações aos servidores públicos. Nesse contexto, sempre haverá distinções relevantes entre as funções do cargo de origem do servidor requisitado, com as funções dos técnicos e analistas judiciários da Justiça Eleitoral. Uma interpretação ampliativa quanto ao reconhecimento de desvio de função e o direito ao pagamento de diferenças salariais, neste caso, culminaria por tornar inútil a própria finalidade da norma.

Nos termos da legislação que cuida da matéria, da jurisprudência dos Tribunais Superiores e deste E. Tribunal, a requisição do servidor a Justiça Eleitoral decorre da Lei nº 6.999/1982 que é expressa ao prever no artigo 9º que ao servidor requisitado para o serviço eleitoral deverá ser conservado os direitos e vantagens inerentes ao exercício de seu cargo ou emprego de origem.

A concluir que, inexistindo a prova efetiva do exercício de atividades divergentes entre os cargos em comparação, acerca do grau de complexidade, atribuições e responsabilidades, não há que se falar em desvio de função, especialmente quando se trata de decorrência direta de previsão legal, com a disposição expressa da manutenção da remuneração do cargo de origem. Entender de forma diversa, restaria reconhecida verdadeira equiparação salarial, explicitamente vedada pelo art. 37, XIII, da CF.

Neste sentido, o entendimento desta C. Segunda Turma:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. LEGITIMIDADE. INSPETOR DE ALUNOS. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE TÍPICA DE TÉCNICO JUDICIÁRIO. REQUISIÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL.

- A jurisprudência do E. STJ reconhece que, em caso de desvio de função de servidor público, a responsabilidade pelo pagamento da indenização correspondente é do órgão cedente. Contudo, o caso em questão não trata exatamente de servidor público cedido, mas requisitado por força de lei – no caso, a requisição de que trata tanto o Código Eleitoral quanto a Lei nº 6.999/82.

- A aplicação da Súmula nº 378 do STJ enseja que seja feita análise do caso concreto, verificando-se dois elementos: 1º) verificação abstrata das atribuições estabelecidas por atos normativos para o cargo em concreto e para o cargo paradigma; 2º) verificação concreta de tarefas exercidas pelo servidor em relação ao cargo para qual foi concursado.

- A jurisprudência se firmou no sentido de que a requisição feita nos moldes do Código Eleitoral e da Lei nº 6.999/82 é legítima, mesmo que por longos períodos.

- As funções efetivamente desempenhadas quando atuando requisitado o servidor não guardam qualquer correlação com as funções típicas de seu cargo de origem. Não apresentam semelhança tanto quanto ao grau de complexidade quanto da natureza – atividade relacionadas ao trato, cuidado e vigilância de crianças em ambiente escolar, no primeiro caso, e de administração, organização e análise de atos e processos de cunho eleitoral, no segundo. Portanto, evidente a presença de especificidades que demonstram o efetivo desvio de função, caracterizando a necessidade de indenização.

- O fato de a parte-autora ter exercido funções junto ao TRE/SP em decorrência de procedimento legal legítimo com sua requisição nos termos do Código Eleitoral e da Lei nº 6.999/82 não desvirtua a necessidade de que haja compatibilidade entre os cargos intercambiados. Em se verificando discrepâncias na natureza das funções desempenhadas, é mister reconhecer desvio de função que enseja o pagamento de indenização.

- A alegação da União de que não haveria prova de que atividades a autora de fato exercia em seu cargo de origem para se verificar o efetivo desvio de função não pode ser acolhida. O fato de,  se fosse o caso, atuar em desvio de função em seu cargo de origem não desobrigaria a União a indenização em se verificando que no cargo de destino também as atividades desempenhadas não correspondiam às atribuições previstas legalmente ao cargo em que nomeada.

- Apelo desprovido."

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002612-44.2022.4.03.6106, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 06/06/2024, DJEN DATA: 11/06/2024) - grifos acrescidos. 

 

“ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. OFICIAL ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE TÍPICA DE ANALISTA JUDICIÁRIO. DESVIO DE FUNÇÃO NÃO CARACTERIZADO. DANOS MATERIAIS POR CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO. - A aplicação da Súmula nº 378 do STJ enseja que seja feita análise do caso concreto, verificando-se dois elementos: 1º) verificação abstrata das atribuições estabelecidas por atos normativos para o cargo em concreto e para o cargo paradigma; 2º) verificação concreta de tarefas exercidas pelo servidor em relação ao cargo para qual foi concursado. - A jurisprudência se firmou no sentido de que a requisição feita nos moldes do Código Eleitoral e da Lei nº 6.999/82 é legítima, mesmo que por longos períodos. - Tanto o cargo de escriturário/ agente de organização escolar quanto o cargo de técnico e/ou analista judiciário guardam similaridades no sentido de preverem atuação em aspectos administrativos e organizacionais dos órgãos a que vinculados. - No caso dos autos, tanto as funções efetivamente desempenhadas quando requisitadas a servidora quanto as funções típicas de seu cargo de origem apresentam semelhança tanto de grau de complexidade quanto da natureza de organização e administração do órgão a que vinculadas, não havendo se falar em especificidades que ensejassem efetivo desvio de função a caracterizar a necessidade de indenização. - A despesa realizada com a contratação de advogado não gera indenização por danos materiais, porquanto constitui ato de liberalidade da parte contratante, não vinculando a parte vencida, que deverá arcar com o ônus da sucumbência na forma do art. 85 do CPC. - Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0017770-63.2013.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 06/05/2021, Intimação via sistema DATA: 12/05/2021) - grifos acrescidos. 

 

No caso em comento, inexistente a incompatibilidade de atribuições, que foram corroboradas pelas informações prestadas pela parte ré (ID 293941851) e pela legislação aplicável à espécie. É certo que não há provas de que as funções típicas do cargo de origem são totalmente incompatíveis ou discrepante em relação àquelas desenvolvidas enquanto requisitada pelo Tribunal Regional Eleitoral, eis que consistentes em atividades administrativas de baixa complexidade. Ainda, importa ressaltar que não há ilegalidade no ato administrativo requisitório para o TRE-SP.

No que tange ao prequestionamento suscitado para fins recursais, ressalto que não houve violação aos dispositivos legais ou constitucionais mencionados.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, nos termos da fundamentação.

É o voto.



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR. REQUISIÇÃO AO TRE. DESVIO DE FUNÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PREVISÃO LEGAL. OBSERVÂNCIA.

1. A requisição de servidor pela Justiça Eleitoral está prevista nos artigos 23, XVI e 30, XIV, do Código Eleitoral, regulamentado pela Lei nº 6.999/82. A requisição de servidor para reforço dos quadros da Justiça Eleitoral, que possui natureza obrigatória, assegura expressamente ao servidor a manutenção de seus direitos e vantagens inerentes ao cargo de origem.

2. A finalidade do instituto da requisição, prevista na Lei nº 6.999/82, é incrementar a força de trabalho da Justiça Eleitoral, de acordo com a sua demanda sazonal, sem aumentar os gastos com remunerações e indenizações aos servidores públicos. Nesse contexto, sempre haverá distinções relevantes entre as funções do cargo de origem do servidor requisitado, com as funções dos técnicos e analistas judiciários da Justiça Eleitoral. Uma interpretação ampliativa quanto ao reconhecimento de desvio de função e o direito ao pagamento de diferenças salariais culminaria por tornar inútil a própria finalidade da norma. Precedentes.

3. No desvio de função, deve-se verificar a discrepância abstrata das atribuições legalmente previstas entre os cargos em confronto e a comprovação in concreto da incompatibilidade das tarefas exercidas de fato pelo servidor no cargo para o qual foi requisitado em relação ao cargo efetivo de origem. Não ocorrência no caso dos autos. 

4. Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ALESSANDRO DIAFERIA
DESEMBARGADOR FEDERAL