Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003363-40.2022.4.03.6103

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: REGINALDO GONCALVES

Advogados do(a) APELANTE: ELIANE TREVISANI MOREIRA - SP84483-A, MAURICIO DE FREITAS - SP85878-N

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA - INFRAERO

Advogados do(a) APELADO: AURELIO LEMOS VIDAL DE NEGREIROS - PB13730-A, CLENE JACINTHA DE ALMEIDA SILVA SANTO - DF61958-A, THAIS REGINA DE SOUZA - PA13959-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003363-40.2022.4.03.6103

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: REGINALDO GONCALVES

Advogados do(a) APELANTE: ELIANE TREVISANI MOREIRA - SP84483-A, MAURICIO DE FREITAS - SP85878-N

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA

Advogados do(a) APELADO: AURELIO LEMOS VIDAL DE NEGREIROS - PB13730-A, CLENE JACINTHA DE ALMEIDA SILVA SANTO - DF61958-A, THAIS REGINA DE SOUZA - PA13959-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

A Exma. Senhora Juíza Federal Convocada DIANA BRUNSTEIN (Relatora):

Trata-se de recurso de apelação de REGINALDO GONÇALVES em face de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São José dos Campos, que, com fundamento no art. 487, inciso I do CPC julgou improcedente pedido, que objetivava declarar a nulidade de demissão sem justa causa e determinar a reintegração à função de aeroportuário, com o pagamento dos efeitos pecuniários.

A sentença condenou a parte autora, ora apelada, ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados no valor de R$ 6.500,00 reais, corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento, nos termos do art. 85,§2 do CPC, cuja exigibilidade ficou suspensa em razão da concessão da gratuidade de justiça (ID 282138136).

 Em primeiro grau, foram opostos embargos de declaração, por meio dos quais foi alegada a existência de omissão na sentença quanto análise da ilegalidade da dispensa, bem como aplicação da súmula 359 do STF e arts. 49 e 54 da Lei nº 8213/91 (ID 282138138). Tal recurso foi conhecido e, no mérito, negou-se provimento (ID 282138142).

Em suas razões recursais, em suma, alega haver sido dispensado sem justa causa em 07/10/2020. Aponta que a apelada dirigiu nota aos seus empregados, informando a dispensa dos aposentados, com fundamento no art. 37, §14 da CRFB. Esclarece que o seu desligamento aconteceu na mesma data da veiculação da notícia pela empresa. Relata que a recorrida não observou a data de concessão e requerimento previdenciário, para realizar a demissão. Acrescenta que a dispensa com fundamento no art. 37, §14 da CRFB só poderia acontecer após a entrada em vigor da EC nº 103/2019, que se deu em 13/11/2019. Aduz que os arts. 49 e 54 da Lei n° 8.213/91 estabelecem que o início da aposentadoria ocorre na data do requerimento. Assevera que há acordo coletivo, o qual dispõe sobre estabilidade provisória do aeroportuário. Pugna pelo provimento da apelação, para reformar a sentença recorrida, com julgamento procedente da demanda (ID 282138145).

Sem contrarrazões da INFRAERO, subiram os autos a esta E. Corte (ID 282138148).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003363-40.2022.4.03.6103

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: REGINALDO GONCALVES

Advogados do(a) APELANTE: ELIANE TREVISANI MOREIRA - SP84483-A, MAURICIO DE FREITAS - SP85878-N

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA

Advogados do(a) APELADO: AURELIO LEMOS VIDAL DE NEGREIROS - PB13730-A, CLENE JACINTHA DE ALMEIDA SILVA SANTO - DF61958-A, THAIS REGINA DE SOUZA - PA13959-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

A Exma. Senhora Juíza Federal Convocada DIANA BRUNSTEIN (Relatora):

Inicialmente cumpre informar que a demanda foi ajuizada perante a Justiça do Trabalho de São José dos Campos, sendo redistribuída à Justiça Federal, diante do reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para julgar a lide (ID 282138121 – pp. 06/11).

Trata-se de ação ordinária ajuizada por REGINALDO GONÇALVES contra EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA (INFRAERO), objetivando obter provimento jurisdicional para anular demissão sem justa causa de empregado aposentado, determinando a sua reintegração à função de aeroportuário, com pagamento dos efeitos pecuniários.

Narra a parte autora haver sido admitida na data de 03/08/2006 no cargo de aeroportuário pela INFAERO, sendo o Aeroporto de São José dos Campos o último local de prestação de serviços.

Aponta que foi dispensado sem justa causa em 07/10/2020, com fundamento no art. 37,§14º da CRFB, com redação pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

Informa a ilegalidade em tal dispensa, esclarecendo que o dispositivo constitucional não se aplica as aposentadorias, cujos requisitos foram preenchidos e requeridas antes da vigência da Emenda Constitucional em questão.

Pois bem, anoto que os argumentos suscitados pelo apelante merecem prosperar.

Compulsando os autos, anota-se que o apelante possui contrato de trabalho com a INFRAERO desde 03/08/2006, para prestação de serviços aeroportuários (ID 282137921 – p. 02), sendo dispensado na data de 07/10/2020 em razão de concessão de aposentadoria voluntária pelo INSS, com fundamento no art. 37, §14 da CRFB, alterado pela EC n° 103/19.

Em contestação, a INFRAERO, em síntese, aponta não haver discricionariedade do empregador para aplicar a regra do art. 37, §14 da CRFB. Informa que após modificação constitucional promovida pela EC n° 103/19, o exercício de emprego público com recebimento de proventos decorrentes de aposentadoria concedida após 13/11/2019 passou a configurar cumulação ilícita. Afirma que o empregado formulou pedido de aposentadoria antes da entrada em vigor de tal emenda. Contudo, o deferimento do benefício ocorreu sob o novo regramento constitucional (ID 282138039 – pp. 02/07).

No caso em apreço, verifico que o deferimento da aposentadoria previdenciária retroagiu a data do requerimento administrativo do apelante, o qual se se deu em 06/10/2019 (ID 282137921 – p. 06).

Dessa forma, embora a concessão de aposentadoria tenha ocorrido em 20/03/2020 (ID 282138136), os requisitos para concessão do benefício foram adquiridos antes da vigência da Emenda Constitucional nº 103/19.

Vale mencionar que a discussão em torno da EC nº 103/19 diz respeito ao fato de ela ter incluído no texto constitucional o § 14 ao art. 37:

§ 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.

Não obstante, o art. 6º da EC 103/19 preceitua que “[o] disposto no § 14 do art. 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional”.

A controvérsia, na hipótese, gira em torno da interpretação que se dá à expressão “aposentadorias concedidas”. Nesse aspecto, diversamente do Juízo de primeiro grau, entendo que a interpretação conferida ao dispositivo deve considerar o momento em que o segurado preencheu os requisitos legais para a concessão do benefício previdenciário, ou seja, a data do surgimento do direito adquirido ao deferimento da aposentadoria, ao invés de levar em conta apenas a data da concessão do benefício.

A corroborar a tese versada, confira-se precedentes deste E. TRF-3ª Região:                                   

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMPREGADO PÚBLICO. DISPENSA FUNDADA NO ART. 37, § 14, DA CF/88, INCLUÍDO PELA EC N° 103/2019. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA EC N° 103/2019. REQUERIMENTO ANTERIOR. CONCESSÃO POSTERIOR, COM EFEITOS RETROATIVOS À DATA DO REQUERIMENTO. REGRA QUE NÃO SE APLICA AO SERVIDOR.

1. Pretende o autor, empregado público da INFRAERO dispensado com base no artigo 37, § 14 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 103/2019 (rompimento do vínculo estatutário/empregatício em razão da concessão de aposentadoria voluntária), a anulação do ato de dispensa e sua reintegração aos quadros da ré. Caso em que o requerimento da aposentadoria foi anterior à vigência da EC n° 103/2019 e a concessão, posterior.

2. Em questões previdenciárias, aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a inatividade (STF, ADI n° 3.104/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, julgamento em 26/09/2007).

3. O artigo 6º da EC n° 103/2019 não prejudica os direitos do servidor/empregado público que requereu sua aposentadoria voluntária antes da entrada em vigor da emenda e só teve o benefício concedido em data posterior, com efeitos retroativos à data do requerimento.

4. Demonstrado nos autos que o autor atendeu aos requisitos para sua aposentadoria voluntária antes da vigência da Emenda Constitucional n° 103/2019, correta a sentença ao anular sua dispensa fundada nesta Emenda, independentemente de o ato de concessão da aposentadoria (com efeitos retroativos à data do requerimento) ter sido posterior.

5. Honorários advocatícios devidos pela apelante majorados para 12% sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no artigo 85, § 11, do CPC/2015.

6. Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004118-82.2022.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 03/08/2023, DJEN DATA: 08/08/2023)

 DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. VÍNCULO DE EMPREGO PÚBLICO. ROMPIMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019. GARANTIA DA IRRETROATIVIDADE. MARCO TEMPORAL. TEMA 606/STF.

- O art. 1º da Emenda Constitucional nº 103/2019 acrescentou o §14 ao art. 37 do corpo permanente da Constituição Federal, pelo qual a aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública (inclusive do Regime Geral de Previdência Social), acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.

- O art. 6º dessa mesma Emenda Constitucional nº 103/2019 garantiu a irretroatividade da lei em respeito ao direito adquirido, dispondo expressamente que o novo §14 do art. 37 da Constituição não se aplicaria para as aposentadorias concedidas antes da entrada em vigor dessa reforma da Previdência (DOU de 13/11/2019). Sobre o assunto, o e.STF firmou Tese no Tema 606 reconhecendo a validade das disposições da Emenda Constitucional nº 103/2019 ao proibir a permanência no emprego público quando a aposentadoria é concedida após essa reforma constitucional, mas preservou as prerrogativas daqueles que já haviam preenchido os requisitos legais antes dessa emenda. Ademais, a jurisprudência do e.STJ e do e.STF é uníssona no sentido de que a concessão da aposentadoria é regida pela legislação vigente quando preenchidos seus requisitos legais, em homenagem ao princípio tempus regit actum.

- A regra de transição do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2019 previu que deve ser considerada como data da concessão da aposentadoria aquela em que o trabalhador implementou os requisitos necessários ao recebimento do benefício, e não simplesmente a data em que passou a de fato percebê-lo. De outra forma, os beneficiários ficariam sujeitos a alterações legislativas desfavoráveis mesmo que já tivessem adquirido o direito segundo as regras antes vigentes, bastando que a mora do órgão público o levasse para período posterior sob a égide de legislação prejudicial.

- No caso dos autos, há decisão judicial, com trânsito em julgado em 21/03/2022, condenando o INSS a conceder ao autor a aposentadoria por tempo de contribuição integral, desde o requerimento administrativo, feito em 21/09/2017. Em 01/07/2022 a IMBEL rescindiu o contrato de trabalho do autor, o que foi indevido, pois a decisão judicial reconheceu o direito à aposentadoria retroativo a 2017, antes, portanto, da vigência da Emenda Constitucional nº 103/2019.

- Agravo de instrumento desprovido.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5032008-51.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 14/07/2023, DJEN DATA: 20/07/2023)                     

Outrossim, depreende-se que a interpretação dada mostra-se bastante razoável, coerente e em harmonia com tesa fixada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 655283, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 606), que consigna que:

A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, nos termos do que dispõe seu art. 6º.

Assim, considerando que a aposentadoria utilizando o tempo de contribuição foi requerida 06/10/2019 (ou seja, antes da vigência da EC nº 103/19), com o preenchimento dos requisitos para sua concessão em data anterior à emenda, deve-se levar em consideração o momento em que o empregado implementou as condições para o benefício e não quando efetivamente deferido pela autarquia previdenciária.

Por derradeiro, inverto os ônus sucumbenciais e fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil, os quais deverão ser pagos pela INFRAERO. 

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação, para julgar procedente o pedido formulado na inicial, com o fim de: 1) Reconhecer a nulidade da demissão e 2) Condenar a ré reintegrar o autor a função de aeroportuário no mesmo local em que desempenhava tal cargo quando o vínculo foi cessado, mantidas todas as vantagens funcionais, remuneratórias e jornada.

É como voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO.EMPREGADO PÚBLICO. DEMISSÃO. ART. 37, §14 DA CRFB. REDAÇÃO EC Nº 103/2019.TEMA 606 DO STF. ANULAÇÃO. REINTEGRAÇÃO. REQUISITOS PARA APOSENTADORIA. PREENCHIDOS ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL.

- A nova redação do art. 37, §14 da CRFB inviabiliza que empregados públicos aposentados permaneçam no emprego após o deferimento de aposentadoria voluntária.

- Ressalva-se, contudo, as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da EC nº 103/19. Tema 606 STF.

- É nula a demissão de empregado público aposentado com fundamento no art. 37, §14º da CRFB, com redação dada pela da EC nº 103/2019, quando os requisitos para concessão do benefício forem preenchidos antes da vigência da emenda, devendo haver a reintegração do empregado ao cargo anteriormente ocupado.

 - Apesar da concessão do benefício previdenciário haver ocorrido após a vigência da EC nº 103/19, o deferimento da aposentadoria retroagiu a data do requerimento administrativo, que ocorreu antes da modificação constitucional.

- Apelação provida.

 

 
 

  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação, para julgar procedente o pedido formulado na inicial, com o fim de: 1) Reconhecer a nulidade da demissão e 2) Condenar a ré reintegrar o autor a função de aeroportuário no mesmo local em que desempenhava tal cargo quando o vínculo foi cessado, mantidas todas as vantagens funcionais, remuneratórias e jornada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
DIANA BRUNSTEIN
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA