Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002265-95.2020.4.03.6133

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

APELANTE: ANE CAROLINE ALVES PEREIRA

Advogados do(a) APELANTE: CLAUDIA GIMENEZ - SP189938-N, ROGERIO GIMENEZ - SP363082-N

APELADO: SOCIEDADE EDUCACIONAL BRAZ CUBAS LTDA., CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: ACACIO CHEZORIM - SP243368-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002265-95.2020.4.03.6133

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

APELANTE: ANE CAROLINE ALVES PEREIRA

Advogados do(a) APELANTE: CLAUDIA GIMENEZ - SP189938-N, ROGERIO GIMENEZ - SP363082-N

APELADO: SOCIEDADE EDUCACIONAL BRAZ CUBAS LTDA., CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: ACACIO CHEZORIM - SP243368-A, LUCAS CONRADO MARRANO - SP228680-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de ação ajuizada por ANE CAROLINE ALVES PEREIRA em face da SOCIEDADE EDUCACIONAL BRAZ CUBAS LTDA, por meio da qual requer a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, decorrentes do pagamento indevido à instituição de ensino de valores originalmente devidos à CEF em razão de contrato de financiamento estudantil.

O juízo determinou a inclusão da CEF no polo passivo da demanda e os autos foram remetidos à Justiça Federal (ID 251988388, fls. 22/25).

Por sentença proferida em ID 251988411, o feito foi julgado improcedente e a parte autora condenada ao pagamento de custas e honorários fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a concessão do benefício da gratuidade da justiça.

A autora apela, sustentando a aplicabilidade do CDC ao caso, com pretensão de inversão do ônus da prova. Alega, ainda, a existência de cobranças indevidas pela instituição de ensino e omissão da CEF no que diz respeito ao envio dos boletos para a autora, condutas que ensejariam a repetição em dobro dos valores indevidamente pagos, além do pagamento de indenização por danos morais, em razão da negativação indevida (ID 251988413).

Com contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002265-95.2020.4.03.6133

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

APELANTE: ANE CAROLINE ALVES PEREIRA

Advogados do(a) APELANTE: CLAUDIA GIMENEZ - SP189938-N, ROGERIO GIMENEZ - SP363082-N

APELADO: SOCIEDADE EDUCACIONAL BRAZ CUBAS LTDA., CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: ACACIO CHEZORIM - SP243368-A, LUCAS CONRADO MARRANO - SP228680-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

Tempestivo o recurso e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria devolvida a esta Corte.

A autora narra na inicial que, em 11/10/2018, obteve crédito para financiamento por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) de encargos educacionais relativos ao curso de Direito junto à Universidade Braz Cubas. Informa que recebeu em sua residência boletos emitidos pela IES relativos à coparticipação da autora para os meses de novembro e dezembro de 2018 e janeiro e fevereiro de 2019. Afirma que realizou o pagamento, pois “os valores constantes nestes boletos eram semelhantes aos do pagamento do FIES”, tendo obtido “a informação na faculdade de que a cobrança estaria correta”. Por fim, informa que em março de 2019, ao buscar financiamento para compra de uma moto, descobriu anotação de seu nome, inscrita pela CEF, em cadastro de proteção ao crédito, oportunidade em que a instituição financeira lhe informou que os pagamentos do FIES deveriam ser direcionados à CEF. A partir daí, passou a realizar os pagamentos diretamente ao banco.

Inicialmente, com relação à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, ainda que se discutam valores pagos à Universidade, tais pagamentos referiam-se àqueles devidos no âmbito do contrato de Crédito Educativo. Nesse sentido, prevalece o entendimento de que "na relação travada com o estudante que adere ao programa do crédito educativo, não se identifica relação de consumo, porque o objeto do contrato é um programa de governo, em benefício do estudante, sem conotação de serviço bancário, nos termos do art. 3o, § 2o, do CDC" (STJ, REsp 793.977/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 30.04.2007; STJ, AgRg no REsp 1.158.298/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 19.05.2010).

Prosseguindo, verifico que consta do contrato de financiamento estudantil a informação de que, no que tange à coparticipação, “a parte não financiada dos encargos educacionais será coberta com recursos próprios do estudante financiado e comporá o pagamento único a ser gerado pelo agente financeiro (grifo meu – Cláusula Sexta, parágrafo primeiro – ID 251988359, fl. 8).

A contratante, portanto, tinha ciência de que o pagamento da sua coparticipação deveria ser feito à CEF e não à IES. Se o banco não lhe enviou os boletos, cabia à autora solicitá-los e não pagar tais valores a quem não eram devidos.

Além disso, da análise do sistema de atendimento da IES, observo que, logo em 18/10/2018, a universidade informou à autora que “a partir da parcela com vencimento em novembro, os pagamentos deverão ser feitos por meio de boleto único, emitido pela Caixa, referente à coparticipação”; que “os boletos emitidos pela Brazcubas continuarão no sistema e serão baixados após o repasse da Caixa” e que “não se faz necessário o pagamento dos boletos emitidos pela Brazcubas”. Foi-lhe dito, ainda, que o financiamento, embora contratado em outubro de 2018, abrangia todo o segundo semestre daquele ano, de forma que a autora seria reembolsada pelas parcelas de julho a outubro de 2018, no limite do quanto financiado pela CEF (ID 251988387, fls. 9/11).

A autora, contudo, mesmo diante das informações constantes do contrato e daquelas repassadas pela IES, ainda assim realizou o pagamento dos boletos emitidos pela universidade com relação aos meses de novembro e dezembro de 2018 e janeiro e fevereiro de 2019 (ID 251988359, fls. 15/18).

Nos termos do artigo 310, do CC, “Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu”, de forma que tais valores continuam sendo devidos à CEF.

Como consequência, não há que se falar em negativação indevida, já ficando afastada a pretensão de indenização por danos morais formulada em face da CEF.

Por outro lado, é vedada à IES a cobrança de quaisquer valores relativos a matrícula ou a mensalidades em face do estudante, nos termos do artigo 15-E, da Lei n. 10.260/01, e do artigo 45, da Portaria MEC n. 209/2018. Por essa razão, é cabível a restituição das quantias indevidamente pagas pela estudante, sob pena, inclusive, de enriquecimento sem causa da universidade, que já recebe o repasse de tais valores pela CEF.

No que diz respeito à restituição em dobro, o E. STJ, tanto no julgamento do EREsp n. 1.413.542/RS, quanto no do EAREsp 676608/RS, ambos publicados em 30.03.2021, adotou a tese de que “a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo”. Houve, porém, modulação de efeitos das decisões, a fim de que o entendimento fixado fosse aplicado apenas a partir da publicação dos acórdãos.

Portanto, no caso dos autos, em que as cobranças indevidas foram realizadas em momento anterior aos referidos julgamentos, é preciso que se avalie a boa ou má-fé da IES. Nesse sentido, considerando que o serviço educacional foi prestado e que o valor da coparticipação pago pelo estudante é destinado à universidade, não há que se falar em má-fé e, consequentemente, em repetição em dobro do indébito.

No mais, ressalto que a causa da negativação do nome da autora se deu em razão do não pagamento à CEF. O mero envio de boletos pela IES à estudante, embora indevido, não é causa direta do inadimplemento, tampouco enseja a caracterização de danos morais, principalmente considerando que a universidade informou à autora que deveria ignorá-los. Com isso, também não há motivos para se condenar a instituição de ensino ao pagamento de indenização a esse título.

Por fim, é descabida a alegação da IES em contrarrazões, no sentido de que “Em razão da não formalização do aditamento, o contrato de financiamento da apelante para o primeiro semestre de 2019 foi cancelado, o que foi objeto da informação à interessada, remanescendo, pois, daquele período, débito para com a ré”. Conforme informação provida pela CEF em contestação, observo que o contrato não foi cancelado, estando em situação regular ao menos até o primeiro semestre de 2021 (ID 251988399, fls. 6 e 8).

Reformo, destarte, a sentença, para julgar parcialmente procedente o feito, condenando a ré UNIVERSIDADE BRAZ CUBAS à restituição à parte autora dos pagamentos das parcelas relativas aos meses de novembro e dezembro de 2018 e janeiro e fevereiro de 2019, atualizados nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

A situação que se verifica, portanto, é de integral improcedência do pedido com relação à CEF, pelo que deve a parte autora arcar com o pagamento da verba honorária que, em atenção ao disposto no artigo 85, §2º, do CPC, arbitro em 10% sobre o valor atualizado da causa, anotando tratar-se do patamar mínimo previsto, que se depara apto a remunerar o trabalho do advogado em proporção à complexidade do feito, devendo ser observadas as condições do art. 98, §3º, do CPC.

Já com relação à UNIVERSIDADE BRAZ CUBAS, tendo em vista que se delibera apenas pelo acolhimento da pretensão de restituição dos valores pagos em sua forma simples, configura-se situação de sucumbência recíproca entre ela e a autora, pelo que os honorários devem ser fixados proporcionalmente à parcela vencedora de cada litigante, nos termos do artigo 86, "caput", do CPC.

Isto estabelecido, deve cada uma das partes arcar com o percentual mínimo legal sobre o proveito econômico obtido pela parte adversa. Assim, os honorários devidos pela UNIVERSIDADE serão fixados com base no valor da condenação, ao passo que os devidos pela autora, sobre a diferença entre o valor da causa e da condenação, novamente observadas as condições do art. 98, §3º, do CPC.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso, nos termos supra.

É como voto.



E M E N T A

DIREITO CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES. PAGAMENTO INDEVIDO DE COPARTICIPAÇÃO À INSITUIÇÃO DE ENSINO.

I - Código de Defesa do Consumidor que não se aplica na relação travada pelo estudante que adere ao contrato de crédito educativo, por ser este um programa governamental de cunho social, sem conotação de serviço bancário.

II – Hipótese dos autos em que a autora pagou diretamente à instituição de ensino os valores de coparticipação no financiamento.

III – Contrato que previa que tal pagamento fosse realizado à instituição financeira.

IV - Valores que continuam sendo devidos à CEF, não havendo que se falar em negativação indevida.

V - Vedação à IES de cobrança de quaisquer valores relativos a matrícula ou a mensalidades em face do estudante, nos termos do artigo 15-E, da Lei n. 10.260/01, e do artigo 45, da Portaria MEC n. 209/2018, razão pela qual é cabível a restituição das quantias indevidamente pagas pela autora, sob pena, inclusive, de enriquecimento sem causa da universidade, que já recebe o repasse de tais valores pela CEF.

VI – Tese firmada pelo E. STJ no EREsp n. 1.413.542/RS e no EAREsp 676608/RS, no sentido de que “a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo”, que se sujeita à modulação de efeitos.

VII – Caso dos autos em que os pagamentos são anteriores à publicação dos referidos acórdãos e em que não se verifica a má-fé da IES, a ensejar a repetição em dobro.

VIII - Mero envio de boletos pela IES à estudante que, embora indevidos, não é causa direta do inadimplemento, tampouco enseja indenização por danos morais.

IX – Recurso parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
AUDREY GASPARINI
DESEMBARGADORA FEDERAL