Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000542-06.2012.4.03.6005

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA

APELADO: TEREZA LEONEL DE ALMEIDA

Advogado do(a) APELADO: VANESSA MOREIRA PAVAO - MS15127-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000542-06.2012.4.03.6005

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA

 

APELADO: TEREZA LEONEL DE ALMEIDA

Advogado do(a) APELADO: VANESSA MOREIRA PAVAO - MS15127-A

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

 

A Exma. Sra. Juíza Federal Convocada DIANA BRUNSTEIN (Relatora):

Trata-se de Apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA (ID 253653712) contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Ponta Porã/MS que, em ação de reintegração de posse ajuizada em face de TEREZA LEONEL DE ALMEIDA, julgou o pedido improcedente, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil (ID 253653709).

Condenou-se a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil.

Sustenta, em síntese, que o lote n. 1219, do Projeto de Assentamento Itamarati II, em Ponta Porã/MS está submetido à legislação específica e diretrizes que regem o Programa Nacional de Reforma Agrária.

Aduz que a apelada já havia sido assentada no Projeto de Assentamento São José do Jatobá, lote 135, juntamente com seu cônjuge, com Código no SIPRA n. MS 00170000215, não preenchendo os requisitos, portanto, para ser regularizada na parcela, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.629/93.

Requer o provimento do recurso, julgando-se procedente o pedido de reintegração de posse.

Intimada, a apelada apresentou contraminuta (ID 253653718).

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso (ID 283982572).

Os autos foram remetidos para julgamento neste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região em 07 de março de 2022, tendo sido redistribuídos para este Gabinete em 06 de março de 2023.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000542-06.2012.4.03.6005

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA

 

APELADO: TEREZA LEONEL DE ALMEIDA

Advogado do(a) APELADO: VANESSA MOREIRA PAVAO - MS15127-A

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

 

V O T O

 

 

 

A Exma. Sra. Juíza Federal Convocada DIANA BRUNSTEIN (Relatora):

Trata-se de ação ajuizada pelo INCRA objetivando a reintegração de posse da parcela n. 1219, do Projeto de Assentamento Itamarati II, em Ponta Porã/MS, uma vez que o atual ocupante não é beneficiário do contrato de assentamento relacionado à área.

O Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964) assim conceitua o instituto da reforma agrária:

Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.

      § 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.

        § 2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.

A reforma agrária foi mencionada constitucionalmente como política pública no correspondente Capítulo III do Título VII (Da Política Agrícola Fundiária e da Reforma Agrária), prevendo o art. 188, caput, da Constituição Federal que a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.

O art. 184, caput, da CF/88, autoriza a desapropriação de imóvel rural por interesse social com tal finalidade, trazendo, entre seus requisitos, o não cumprimento da função social da propriedade.

A destinação das terras deve seguir a regulamentação trazida pela Lei n. 8.629/93, assim como por atos normativos, sendo relevante mencionar o Decreto n. 91.766/1985, por meio do qual se aprovou o Plano Nacional de Reforma Agrária, embasando, ainda, diversos atos expedidos pelo INCRA.

A esse respeito, é relevante mencionar que o art. 18 da Lei n. 8.629/1993, com importantes alterações trazidas pelas Leis n. 13.001/2014 e n. 13.465/2017 prevê regras para o assentamento, estabelecendo que a distribuição dos imóveis rurais poderá ocorrer por meio de títulos de domínio, concessão de uso ou concessão de direito real de uso.

Em complemento, estabelece o dispositivo legal mencionado que o título de domínio e a concessão de direito real de uso serão inegociáveis pelo prazo de dez anos a partir da celebração do contrato de concessão de uso ou do instrumento equivalente (art. 18, § 1º da Lei n. 8.629/93).

Finalmente, o art. 26-B da Lei n. 8.629/1993, na redação trazida pela Lei n. 14.757/2023, traz hipóteses de regularização de ocupações irregulares pelo INCRA.

No caso dos autos, o apelante ajuizou ação de reintegração de posse após a realização de vistoria de lote ocupado pelo apelado.

Na cópia do Processo Administrativo n. 54293002136/2005-58 (ID 253653626 – pp. 11/13) extrai-se que, em 09.12.2004, foi concedido a Ramão Rodrigues dos Santos o uso do lote 1219.

Em vistoria realizada pelo INCRA em 18.09.2007 (ID 253653626 – p. 16), foi identificada a ocupação por Tereza Leonel de Almeida, a qual declarou ter ingressado no local dias antes, ou seja, em 15.09.2007. Naquela ocasião, foi intimada a desocupar o local.

Ainda nos autos administrativos, tem-se que a regularização da apelada foi indeferida, naquela ocasião, por constar que teria sido beneficiária no Projeto de Assentamento São José do Jatobá, no lote 135, sob o código do beneficiário MS 00170000217. A ocupação em questão deu-se enquanto esposa de Divonzir José de Almeida. Assim, a regularização em questão encontraria óbice no art. 20, inciso II, da Lei n. 8.629/93.

Em vistoria realizada pelo INCRA em 16.12.2009 (ID 253653626 – pp. 30/34), constou no respectivo relatório que a apelada mantinha produção de aproximadamente 100 aves, destinadas à produção de ovos e carne, 1 animal suíno, destinado à carne e cultura de milho, feijão, mandioca e batata.

A produtividade da área foi mantida, conforme constou em relatório elaborado em 09.05.2011 (ID253653626 – p. 35), 18.12.2012 (ID 253653627 – pp. 22/24).

Em defesa administrativa, a apelada informou que se separara do marido por meio de sentença transitada em julgado em 10.06.1999 e averbada em 31.01.2001. Tal informação constou, igualmente, no relatório preparado pela autarquia por ocasião da vistoria (ID 253653627 – p. 24), estando a correspondente certidão de casamento juntada em ID 253653624 – pp. 39/40).

A questão foi assim apreciada na esfera administrativa (ID 253653627 – pp. 26/28):

d) Vistoria para nova verificação da situação ocupacional da parcela foi realizada em 18 de dezembro de 2012 (fls. 59-60), com o seguinte relato: “A sra. Tereza Leonel foi encontrada ocupando a parcela, onde evidencia-se sua moradia habitual, bem como a efetiva exploração. Há criações de aves (aproximadamente 50). Há lavoura de mandioca, batata, cana e milho. Há pomar e horta. A casa foi construída com recursos do crédito Aquisição de Materiais de Construção. Há um pequeno galinheiro e dois galpões, também pequenos (20 m² cada), para depósito de insumos e ferramentas. A sra. Tereza, pelo que se infere dos autos, só não foi reqularizada (IN 47) nesta parcela por ter sido assentada em outro PA. Acontece que ela se divorciou no ano de 2001, e os normativos que regem a elegibilidade do público da Reforma Agrária prevêem essa exceção. Ver cópia de averbação de separação judicial em fls. 41". A respeito deste relato, vale Iembrar que a Instrução Normativa (IN) 47/2008, enquanto vigente, previa a possibilidade de regularização tendo como requisito, dentre outros, o enquadramento no perfil de público-alvo da Reforma Agrária e a anterioridade de ocupação do lote em relação a sua data de publicação, 16 de setembro de 2008. Em fls. 22-26 há relatório de vistoria nos moldes da IN 47, sendo que não foi dada seqüência ao procedimento de regularização aparentemente pelo motivo citado na vistoria, sobre o que é transcrição, para esclarecimento, de trecho da INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 38 DE 13 DE MARÇO DE 2007 (...):

Embora pareça ter havido motivação equivocada no fato que gerou esta demanda, fica comprovada a permanência da ocupante na parcela, em desobediência à notificação expedida pelo sr. Superintendente Regional em 08 de dezembro de 2011 (fls. 55), em que se determinava a desocupação do lote. Assim sendo, sugere-se o cumprimento do rito costumeiro, com adoção de medida judicial visando reintegrar a posse do lote 1219 do PA ltamarati II MST em favor do INCRA, para consecutiva destinação a público-alvo da Reforma Agrária.

Observe-se, outrossim, que a continuidade de produtividade foi mantida, conforme constou no mandado de constatação cumprido em 12.12.2013 (ID 253653628), bem como no relatório de vistoria elaborado pelo INCRA em 11.08.2015 (ID 253653628 – pp. 37/39).

Sublinhe-se que, com o advento da Lei n. 13.465/2017, que alterou o art. 26-B da Lei n. 8.629/1993, o INCRA solicitou a suspensão do processo por 180 dias, possibilitando à apelada o comparecimento administrativo com vista à regularização de sua ocupação (ID 253653686).

Ocorre que, após o comparecimento da apelada, seu pedido foi indeferido, novamente, pelas mesmas razões apostas anteriormente, ou seja, em razão de ter sido beneficiária de lote em assentamento, no passado (ID 253653698).

A partir da juntada do último relatório de vistoria realizado pelo INCRA, em 11.08.2015, os autos permaneceram sobrestados por força de determinação advinda dos autos da Ação Civil Pública n. 0001454-66.2013.4.03.6005, o que se estendeu até 05.02.2020 (ID 253653683).

Os elementos constantes dos autos permitem aferir que, muito embora o início da ocupação tenha se dado irregularmente, ou seja, sem a aquiescência do INCRA, restou evidenciada a boa-fé da apelada, a qual manteve a produtividade do imóvel.

É relevante mencionar que, ocupada a área em 15.09.2007, a apelada manteve a produtividade do imóvel durante todo o período, tendo sido sua regularização administrativa indeferida, à época, por ter sido beneficiada anteriormente em assentamento.

Ocorre que, conforme apontado nos autos, a apelada relatava ter saído do local após a sua separação, situação essa demonstrada por meio de certidão de casamento na qual consta a alegada separação.

Acrescente-se que o período de suspensão do feito em razão de decisão judicial prolatada em ação civil pública é relevante para a análise do pleito. Em consulta aos autos eletrônicos da mencionada ação civil pública, tem-se a informação de homologação de pedido de desistência, formulado pelo Ministério Público Federal, autor da ação, com a concordância do INCRA, por meio de decisão transitada em julgado em 24.06.2020. Naquela ocasião, mencionou-se a dificuldade do INCRA em promover uma atualização e manutenção dos cadastros de ocupantes das glebas da região ora em análise. 

Trata-se de produção em economia familiar e de subsistência, que atende os arts. 1º e 2º do Estatuto da Terra. Entende-se, ainda, que o favorecimento da apelada, nos moldes delineados, atende à função social da propriedade rural, bem como ao direito social à moradia.

Assim, os elementos colhidos nos autos, permitem manter a conclusão alcançada em primeiro grau, ponderando-se pela observância ao princípio da segurança jurídica, mantendo-se a apelada na posse do imóvel, ante as evidências de cumprimento da função social da propriedade no caso concreto, respeitado, ainda, o direito social à moradia.

No mesmo sentido, registrem-se precedentes desta Corte Regional:

APELAÇÃO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REFORMA AGRÁRIA. INCRA. PROJETO DE ASSENTAMENTO ITAMARATI. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE LOTE. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

- Segundo o disposto no art. 16 da Lei nº 8.629/93, o INCRA possui o prazo de 3 anos, contados da data do registro do título translativo do domínio, para distribuir as terras aos beneficiários do programa, sendo que a distribuição dos imóveis rurais obtidos através da reforma agrária poderá ocorrer por meio de títulos de domínio, de concessão de uso ou de concessão de direito real de uso, ficando os beneficiários obrigados a cultivar o imóvel direta e pessoalmente e não poderão ceder o seu uso a terceiro ou negociá-lo a qualquer título, pelo prazo de 10 anos (art. 21 da Lei nº 8.629/1993). Caso o beneficiário não cumpra com as suas obrigações, ocorrerá a rescisão do contrato e consequentemente o retorno do imóvel para o domínio do órgão alienante ou concedente.

- Conforme o art. 20 da Lei nº 8.629/93, na redação vigente à época dos fatos, “Não poderá ser beneficiário da distribuição de terras, a que se refere esta lei, o proprietário rural, salvo nos casos dos incisos I, IV e V do artigo anterior, nem o que exercer função pública, autárquica ou em órgão paraestatal, ou o que se ache investido de atribuição parafiscal, ou quem já tenha sido contemplado anteriormente com parcelas em programa de reforma agrária”.

- A documentação juntada aos autos revela, de forma inquestionável, que a apelada vem ocupando o lote de forma irregular desde outubro de 2008.

- Plenamente evidenciada a irregularidade da ocupação de imóvel de propriedade da União Federal, encontra incidência no caso sob exame o disposto no art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/1946. Aplica-se ao caso a orientação contida na Súmula nº 619 do C. STJ, segundo a qual “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”.

- Entretanto, apesar das observações feitas acima, o caso sob exame guarda uma peculiaridade. De fato, nos termos do art. 26-B da Lei nº 8.629/1993, a ocupação irregular de lote, sem autorização do INCRA, em área objeto de projeto de assentamento criado há, no mínimo, dois anos, contados a partir de 22/12/2016, poderá ser regularizada, desde que observadas as vedações constantes do art. 20 da citada Lei, bem como as condições previstas no mesmo art. 26-B. 

 - O laudo de vistoria juntado aos autos indica que a parte apelada reside no local onde há produção de lavoura (soja), criação de aves, plantação de árvores frutíferas e plantas medicinais.

- Assim, à luz das considerações até aqui expostas, tem-se que, a despeito de o INCRA ser o legítimo proprietário da área parcelada, sendo certo que os assentados estão obrigados a cumprir as normas que regem o programa nacional de reforma agrária, cabendo à autarquia a seleção das famílias a serem beneficiadas, a documentação existente nos autos revela que a apelada reside no lote desde outubro de 2008 e, desde então, o utiliza para fins de moradia e de subsistência.

- Não se desconhece, outrossim, que o INCRA possui uma ordem cronológica de famílias para assentar, mas deferir o pedido de reintegração de posse formulado pela autarquia iria de encontro ao objetivo da reforma agrária e traria enormes prejuízos à autora, que tem mantido a exploração do lote há mais de 10 anos, nos termos almejados pelo projeto de assentamento, cumprindo, assim, a função social da propriedade exigida pela Constituição Federal.

- Mantida a condenação do autor em honorários advocatícios, tendo em vista os princípios da causalidade e da sucumbência.

- Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000506-61.2012.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 23/11/2023, DJEN DATA: 28/11/2023)

 

APELAÇÃO CÍVEL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INCRA. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE LOTE DO ASSENTAMENTO ITAMARATI II. RÉU PREENCHE REQUISITOS PARA SER BENEFICIÁRIO DA REFORMA AGRÁRIA. CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. MANUTENÇÃO DA POSSE DOS RÉUS. RECURSO IMPROVIDO.

1. A demanda, com pedido liminar, foi ajuizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA em face de Ivo Zanelatto e Madalena Bussola, visando à reintegração de posse do lote nº 281 do Projeto de Assentamento Itamarati I, localizado no município de Ponta Porã/MS, o qual teria sido ocupado de maneira irregular pelo réu.

2. A r. sentença julgou improcedente o pedido de reintegração de posse do lote objeto dos autos. O INCRA foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo previsto no §3º do artigo 85 do CPC. Foi determinado o reexame necessário.

3. Em suas razões recursais, o INCRA pleiteia a reforma integral da sentença, para que seja determinada a reintegração de posse sobre o lote em questão.

4. Nesse contexto, assevero que o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) define reforma agrária como "o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade".

5. Com efeito, a sua implementação tem como objetivo precípuo promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio, através de um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra (artigo 16 da mesma lei).

6. Nessa senda, a Lei nº 8.629/93, em consonância com o que prevê a Constituição Federal (artigo 189), dispõe em seu artigo 18 que a distribuição das parcelas do imóvel rural aos pretensos beneficiários da reforma agrária, previamente cadastrados na autarquia. Pode se dar por meio de títulos de domínio, de concessão de uso ou de concessão de direito real de uso - CDRU, esta última modalidade foi incluída pela Lei nº 13.001/2014, inegociáveis pelo prazo de dez anos, sendo assegurado ao beneficiário do contrato de concessão de uso o direito de adquirir, em definitivo, o título de domínio da propriedade.

7. No tocante à qualidade de beneficiário da reforma agrária, a redação do artigo 20 da Lei nº 8.629/93 vigente à época dos fatos tratados no presente feito dispunha que não poderia ser beneficiário o proprietário rural, salvo algumas exceções, tampouco aquele que exercesse função pública, autárquica ou em órgão paraestatal, ou o que estivesse investido de atribuição parafiscal, ou, ainda, quem já tivesse sido contemplado anteriormente com parcelas em programa de reforma agrária. Os beneficiários têm a obrigação de cultivar a sua parcela direta e pessoalmente, ou através de seu núcleo familiar, e de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos (artigo 21 da mesma lei), sob pena de rescisão do contrato e o retorno do imóvel ao INCRA.

8. No caso, observo que o lote nº 281 do Projeto de Assentamento Itamarati I foi originalmente destinado aos beneficiários Ildo Teixeira da Silva e Iolanda da Silva em 14/06/2002. Ocorre que, em vistoria realizada em 2011, o INCRA tomou conhecimento de que os beneficiários haviam passado irregularmente o lote aos réus, por meio de contrato de cessão de direitos. Consta que, na ocasião da vistoria, os réus informaram que sua fonte de renda era proveniente da produção de gado leiteiro e de pequenos animais e horta. Diante disso, os réus, ora apelados, foram notificados administrativamente a desocupar o imóvel, o que não ocorreu.

9. Ocorre que, embora a ocupação do lote tenha se dado de forma irregular, qual seja, sem observância dos critérios do Programa Nacional da Reforma Agrária - PNRA, verifica-se, pelos pelo mandado de constatação cumprido nos autos (ID 146068644, pp. 195), que o apelado o utiliza para fins de moradia e de subsistência, havendo no local 17 (dezessete) cabeças de gado leiteiro e 1 ha (um hectare) de cultivo de cana-de-açúcar, além de uma pequena criação de porcos e galinhas. Consta ainda, no mesmo documento, que no local existem construções de alvenaria de alvenaria, cercas de arame, um resfriador de leite utilizado coletivamente pelos assentados, um curral e um pomar.

10. Outrossim, conforme bem assinalado pelo Ministério Público Federal, atuante na primeira instância: "Nos Assentamentos Itamarati I e II, a alienação ilegal de lotes acabou tornando-se uma constante desde seus surgimentos, tendo ali se agravado a situação social e jurídica, pois várias ocupações irregulares ocorreram sob o escancarado conhecimento do INCRA, sem que esta autarquia tivesse providenciado uma resposta fiscalizatória e repressiva rápida, contemporânea segura e eficaz. (...) Paralelamente, nesse prazo de 10 anos, o INCRA teve conhecimento formal de uma série de ocupações indevidas realizadas, o que acabou gerando um estado paradoxal de expectativa em torno da regularização dos novos posseiros, principalmente daqueles posseiros dotados de menos instrução escolar e mais necessitados da terra para sua sobrevivência e de sua família".

11. Ainda, observo que, no relatório de vistoria, o próprio INCRA reconheceu que o lote dos apelados cumpre com a função social.

12. Por fim, todas afirmações foram ratificadas pela prova oral produzida nos autos.

13. Assim, há de se reconhecer que, mesmo diante das dificuldades acima transcritas, os apelados mantiveram-se no lote e deram-lhe a devida função social.

14. Desta feita, entendo que, neste momento, os apelados detém a melhor posse, razão pela qual deve ser mantida.

15. Remessa oficial e apelação improvidas.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0000555-05.2012.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 19/03/2021, Intimação via sistema DATA: 24/03/2021)

Acrescente-se, outrossim, a previsão de regularização prevista no art. 20-A da Lei n. 8.629/93, na redação trazida pela Lei n. 14.757/23:

Art. 20-A. Fica o Incra autorizado a considerar beneficiário da reforma agrária quem já tenha sido assentado, mas que por razões sociais ou econômicas teve que se desfazer da posse ou do título, desde que se enquadre como beneficiário da reforma agrária e ocupe e explore a parcela há, no mínimo, 1 (um) ano.   (Incluído pela Lei nº 14.757, de 2023)

Parágrafo único. Fica vedada uma terceira obtenção de terras em assentamento de reforma agrária por parte do beneficiário.   (Incluído pela Lei nº 14.757, de 2023)

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, em atenção aos parâmetros do art. 85, § 2º, do CPC, especialmente no tocante ao grau de zelo profissional e ao trabalho despendido em grau recursal, majoro o montante em questão para que totalize R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais). 

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO. 

É o voto.



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. INCRA. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE LOTES DA REFORMA AGRÁRIA. PROVAS COLHIDAS NOS AUTOS. PROJETO DE ASSENTAMENTO ITAMARATI. MANUTENÇÃO DA PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL.

- A reforma agrária foi mencionada constitucionalmente como política pública no correspondente Capítulo III do Título VII (Da Política Agrícola Fundiária e da Reforma Agrária), prevendo o art. 188, caput, da Constituição Federal que a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.

- Os elementos constantes dos autos permitem aferir que, muito embora o início da ocupação tenha se dado irregularmente, ou seja, sem a aquiescência do INCRA, restou evidenciada a boa-fé da apelada, a qual manteve a produtividade do imóvel.

- É relevante mencionar que, ocupada a área em 15.09.2007, a apelada manteve a produtividade do imóvel durante todo o período, tendo sido sua regularização administrativa indeferida, à época, por ter sido beneficiada anteriormente em assentamento. Ocorre que, conforme apontado nos autos, a apelada relatava ter saído do local após a sua separação, situação essa demonstrada por meio de certidão de casamento na qual consta a alegada separação

- Provas de produção em economia familiar e de subsistência, em observância aos arts. 1º e 2º do Estatuto da Terra. O favorecimento da apelada atende à função social da propriedade rural, bem como ao direito social à moradia.

- Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, em atenção aos parâmetros do art. 85, § 2º, do CPC, especialmente no tocante ao grau de zelo profissional e ao trabalho despendido em grau recursal, majoro o montante em questão para que totalize R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais). 

- Apelação desprovida.

                                                                            


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
DIANA BRUNSTEIN
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA