Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004005-30.2023.4.03.6183

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: CLEUNICE VALENTIM MOURA

Advogado do(a) APELANTE: DALVA APARECIDA SOARES DA SILVA - SP364684-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004005-30.2023.4.03.6183

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: CLEUNICE VALENTIM MOURA

Advogado do(a) APELANTE: DALVA APARECIDA SOARES DA SILVA - SP364684-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS em face do v. acórdão, proferido pela 9ª Turma que, por maioria, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, em ação objetivando a declaração de inexigibilidade de débito.

Em razões recursais alega o INSS, inclusive para fins de prequestionamento, em síntese, que “a fundamentação da r. decisão que deu provimento ao recurso da parte autora, não se ateve à modulação do julgamento do Tema 979, do C. STJ, e dos dispositivos que permitem o ressarcimento do débito, impedindo a cobrança do mesmo”, pois se trata de processo distribuído em “06 de março de 2023”. Aduz que “a restituição dos valores recebidos de forma indevida, mesmo que de boa-fé e com caráter alimentar, encontra respaldo na legislação previdenciária”, tal como art. 115 da Lei de Benefícios, art. 154 do Decreto 3048/99 e artigos 876, 884, 885 e 886 do Código Civil. Refere, ainda, que “é totalmente irrelevante a existência de boa-fé e a natureza jurídica da verba recebida de forma indevida, sendo obrigatória a sua devolução, que nestes casos se revelou de má-fé”, decorrente de “fraude devidamente comprovada”.

Com contrarrazões.

É o relatório.  

 

 

vn

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004005-30.2023.4.03.6183

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: CLEUNICE VALENTIM MOURA

Advogado do(a) APELANTE: DALVA APARECIDA SOARES DA SILVA - SP364684-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

V O T O

 

O julgado embargado não apresenta qualquer obscuridade, contradição ou omissão, tendo a Turma Julgadora enfrentado regularmente a matéria de acordo com o entendimento então adotado.  

Conforme restou consignado na decisão embargada:

O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão levada a julgamento foi a ‘Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social’, fixou a seguinte tese:

‘Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.’       

Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua percepção.       

A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).       

Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que ‘Guarda relação com o princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar’ (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013, 10ª ed., p. 54/61)”.

Portanto, descabe o intuito do embargante de supor a não observância da decisão recorrida à modulação constante do Tema 979 do E. STJ.

Também constou do julgado:

A parte autora obteve a concessão de benefício assistencial - PCD em 2003.  

Em 14/12/2020, o INSS expediu ofício noticiando a existência de irregularidades na manutenção do benefício assistencial concedido à parte autora, por superação da renda per capita familiar do valor de ¼ do salário-mínimo vigente, resultando, inicialmente, na cobrança de 18/01/2019 a 14/12/2020, posteriormente ampliada para 30/09/2015 a 30/12/2022 no montante de R$ 106.969,83.   

Na revisão do benefício, verificou-se que o marido da autora realizava recolhimentos, em tese, como contribuinte individual.

Contudo, cabe aqui apontar que o autor efetuou o recolhimento nos valores de 5% do salário-mínimo, a partir de julho de 2013, anote-se, regulares perante a autarquia (ID 287493079 págs. 21/31). Ante a alíquota incidente, pressupõe-se que: o marido da autora é um contribuinte facultativo de baixa renda ou um microempreendedor individual-MEI.

Em ambos os casos, não há como se presumir que o marido da autora aufira qualquer rendimento, acima ou abaixo de um salário-mínimo -  o que somente seria possível mediante a realização de um estudo social ou acesso às declarações de rendimento.

Retornando ao exame da tese fixada pelo e. STJ no Tema 979, tem-se por princípio que, para se configurar a não exigência da devolução dos valores, o segurado ou beneficiário deve comprovar “sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.

Certo é que, da análise dos documentos acostados aos autos, não vislumbro a possibilidade de caracterizar por parte da autora qualquer indícativo de ato ilícito ou fraudulento praticado com o fito de dar ensejo a suposto pagamento indevido do benefício, tampouco, má-fé pela eventual superação da renda per capita familiar para a manutenção do benefício, uma vez que tal fato não está demonstrado no processo administrativo.

No que tange à boa-fé objetiva no recebimento dos valores, constata-se dos autos que: as informações de uma suposta ou presumida renda de uma salário-mínimo mensal do marido da autora constam no sistema do INSS desde 2013; a família está devidamente inscrita no CAD Único (o que autoriza o esposo da autora em contribuir para a previdência na ordem 5% do salário a título de contribuinte facultativo de baixa renda); a autora percebeu por quase duas décadas um benefício pago mensalmente pelo INSS, sem qualquer intercorrência; a autora não trabalha e não retornou ao trabalho; a família não alterou suas condições econômicas, pelo menos desde a última atualização do CAD Único e; por fim, não há qualquer omissão de informações à administração por parte da autora ou de seu esposo como o escopo de manter o benefício de forma irregular.

Assim, cabe perguntar: qualquer pessoa de conhecimento médio saberia que estava incorrendo em irregularidades perante a autarquia por quase uma década?  Penso que não.   

Destarte, está devidamente comprovada a boa-fé objetiva da parte autora e, em vista do caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.       

Por fim, verifico que a Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da parte autora o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em consequência do extenso lapso temporal em que a mesma auferiu o referido benefício em suposto desacordo com a norma legal”.

Destarte, do conteúdo probatório dos autos, restou comprovada a boa-fé objetiva da parte autora, restando inexigível a devolução dos valores.

Dessa forma, verifica-se que o presente recurso pretende rediscutir matéria já decidida por este Tribunal, o que não é possível em sede de declaratórios. Precedentes: STJ, 2ª Turma, EARESP nº 1081180, Rel. Min. Herman Benjamim, j. 07/05/2009, DJE 19/06/2009; TRF3, 3ª Seção, AR nº 2006.03.00.049168-8, Rel. Des. Fed. Eva Regina, j. 13/11/2008, DJF3 26/11/2008, p. 448. 

Cumpre observar que os embargos de declaração têm a finalidade de esclarecer obscuridades, contradições e omissões da decisão, acaso existentes, e não conformar o julgado ao entendimento da parte embargante que os opôs com propósito nitidamente infringente. Precedentes: STJ, EDAGA nº 371307, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 27/05/2004, DJU 24/05/2004, p. 256; TRF3; 9ª Turma, AC nº 2008.03.99.052059-3, Rel. Des. Fed. Nelson Bernardes, j. 27/07/2009, DJF3 13/08/2009, p. 1634.  

Por outro lado, o escopo de prequestionar a matéria para efeito de interposição de recurso especial ou extraordinário, perde a relevância em sede de declaratórios, se não demonstrada a ocorrência de qualquer das hipóteses do Código de Processo Civil. 

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.  

É o voto.  



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E OMISSÃO NÃO CARACTERIZADAS. EFEITO INFRINGENTE.  

-Inexistência de obscuridade, contradição ou omissão na decisão embargada.  

-Inadmissibilidade de reexame da causa por meio de embargos de declaração para conformar o julgado ao entendimento da parte embargante. Caráter nitidamente infringente.  

- Embargos de declaração rejeitados.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, consoante o artigo 260, § 4º, do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, decidiu rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
GILBERTO JORDAN
DESEMBARGADOR FEDERAL