Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003667-90.2022.4.03.6183

RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES

APELANTE: FERNANDO DE SOUZA NOGUEIRA

Advogado do(a) APELANTE: ALINE ELLEN ZANGALLI - SP319700-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003667-90.2022.4.03.6183

RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES

APELANTE: FERNANDO DE SOUZA NOGUEIRA

Advogado do(a) APELANTE: ALINE ELLEN ZANGALLI - SP319700-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação ajuizada em 15/03/2022, que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez ou o restabelecimento de auxílio-doença de que o autor foi titular, a partir da cessação administrativa (11/10/2018).

O feito foi sentenciado em 23/04/2024. O pedido foi julgado improcedente, ante a não constatação de incapacidade laborativa.

O demandante interpôs apelação. Em suas razões, sustenta, preliminarmente, a necessidade de realização de nova perícia médica por especialista em Psiquiatria; considera  insuficiente o laudo produzido. No mérito, empenha-se na reforma do julgado, reiterando a gravidade das patologias  que o assolam, impeditivas do trabalho.

Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003667-90.2022.4.03.6183

RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES

APELANTE: FERNANDO DE SOUZA NOGUEIRA

Advogado do(a) APELANTE: ALINE ELLEN ZANGALLI - SP319700-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Porque preenche os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso. 

De saída, analiso o propalado cerceamento de defesa.

Percebe-se que o autor, nascido em 28/05/1980 (ID 300463351), esteve em gozo de auxílio-doença previdenciário no período compreendido entre  17/07/2018 e 11/10/2018 (ID’s 300463358 e 300463632 e consulta ao CNIS), em razão de "fratura de ossos do metatarso - CID S923" (consulta ao SAT Central).

Aviou novos pedidos de benefício por incapacidade em 27/09/2019 e 17/01/2022. Aludidos  pleitos foram indeferidos, de vez que não constatada incapacidade do autor para o trabalho, em exames médicos realizados pelo  INSS (ID’s 300463633 e 300463634).

Inconformado, o autor ajuizou a presente ação em 15/03/2022. Em suas dobras, observado o devido processo legal, perícia médico-judicial foi realizada em 16/03/2023, por especialista em Ortopedia (ID 300463665).

Os achados revelam que o autor – cadastrador,  com escolaridade correspondente ao ensino médio completo – padece de espondilodiscoartrose lombar, condromalácia de patelar em joelhos e sequela de fratura de metatarsos em pé esquerdo.

No corpo do laudo, expôs o senhor Perito: “O periciando não está incapacitado para exercer sua atividade habitual de cadastrador. O periciando não tem alterações clínicas ortopédicas objetivas, que estabeleçam incapacidade e não ficou com sequela, que dificulte sua atividade habitual. Deverá ser avaliado por perito psiquiatra, pois tem vários relatórios médicos desta especialidade (ID 300463665).

Para esquadrinhar perturbação psíquica, mais uma perícia foi elaborada por médico especialista em Cirurgia Geral e Cirurgia do Trauma, se bem que  “treinado em perícias médicas e perícias psiquiátricas pelo curso TPMed” (curso online), doutor  Rodrigo Cardoso Santos, CRM 214458/SP (ID 300463734). Em consulta ao sítio eletrônico do Conselho Federal de Medicina, mencionado profissional está apontado  como especialista em Cirurgia Geral e do Trauma.

Indigitado exame pericial atestou padecer o autor de outros transtornos ansiosos (CID F41) e esquizofrenia (CID F20).

Do ponto de vista psiquiátrico, esclareceu o senhor Perito: “não foram encontradas alterações nos parâmetros psicopatológicos, tampouco elementos que pudessem corroborar com transtorno de estresse pós-traumático, já que o autor é capaz de, detalhadamente, narrar o evento ocorrido, sem qualquer manifestação simpática ou prejuízo de memória, sem alterações de sono, preservando sua personalidade” (ID 300463734 – Pág. 22).

Daí por que concluiu que não há incapacidade laboral (ID 300463734).

Em laudo complementar (ID 300463742), o senhor Louvado dilucidou: “Uso de medicação, manutenção de tratamento e quantidade de medicação utilizada não são parâmetros para a sugestão de incapacidade. Além disso, a eventual manifestação de sintomas pode ser explicada pelo tratamento incorreto da patologia pelo periciado, que se limita a resolver uma queixa psiquiátrica tomando remédio e passando com psiquiatra. Isso não é suficiente se não é realizado tratamento não-farmacológico que consiste, também, em atividade física, em relação a qual será resolvido questionamento posterior. Ademais, como já demonstrado em respostas anteriores, os parâmetros psicopatológicos apresentados não se encontram alterados, com especial atenção para psicomotricidade, atenção e apresentação (contrariando o exposto em relatórios médicos); sua anamnese afasta problemas de sono e de sensopercepção, também mencionados como afetados em relatório; e os relatos em avaliação mostram que não só sua memória está preservada para fatos recentes e remotos, como o periciado é capaz de narrar todo o evento traumático sem qualquer manifestação simpática, o que afasta ainda mais a possibilidade de diagnóstico de reação ao estresse pór-traumático e, também, a de incapacidade laboral. O foco da perícia trabalhista é diferente do da perícia previdenciária, além de não caber a este perito tecer comentários a respeito do trabalho do colega” (ID 300463742 – Pág. 9).

Diante disso, confirmou a conclusão anteriormente externada pela inexistência de incapacidade  (ID 300463742 – Pág. 9).

Em contraponto, o autor trouxe a lume atestados médicos, emitidos por especialista em Psiquiatria (ID’s 300463354, 300463355, 300463360, 300463361, 300463375, 300463381, 300463640 – Págs. 3/4, 300463642 – Págs. 5, 300463669, 300463733), passados em 2019, 2021, 2022 e 2023, narrando manifestações de  estresse pós-traumático (CID F43.1);  transtorno de ansiedade (CID F41.1);  esquizofrenia paranoide (CID F20);  transtorno depressivo recorrente -episódio atual grave com sintomas psicóticos (CID F33.3);  psicose não orgânica não especificada (CID F29) - em tratamento psiquiátrico medicamentoso e psicoterápico desde 2017, com uso de 5 (cinco) medicamentos de controle especial.

Sobreditos atestados revelam quadro de excitação psicológica exagerada, “imaginações de cenas que fogem da realidade”, estado de alerta constante, explosões de raiva, flashbacks de eventos traumáticos, sensação de perseguição, audição de vozes e alucinações. Sugerem afastamento do trabalho, sem previsão de alta. Aludem a prognóstico reservado, quadro destacado notadamente pelos atestados de 2023.

O autor juntou, ainda, laudo pericial da Justiça do Trabalho (processo nº 1001264-94.2022.5.02.0709), datado de 06/12/2023 (ID 300463738). Retrata incapacidade temporária diante da inaptidão psíquica do autor, em razão dos males psiquiátricos acima mencionados.

Importante registrar que, no curso do processo, o autor esteve em gozo de auxílio-doença previdenciário (concessão administrativa), no período de 11/03/2022 a 07/07/2022, em razão de "transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos - CID F33.3" (consulta ao laudo médico do sistema SAT Central).

Em meio a esses elementos em importante medida descoincidentes, o nobre juiz de origem proferiu desde logo sentença. Julgou improcedente o pedido, ao fundamento de ausência de incapacidade laborativa.

Entretanto, a concessão do benefício de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação da incapacidade do segurado para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

Na hipótese, porque a prova dos fatos debatidos na lide dependia de conhecimento técnico, o juiz -- que deles não dispõe -- faz-se assistir por especialista.

O direito à prova pericial regularmente produzida é corolário do devido processo legal, direito inarredável à justa solução do litígio.

O artigo 465 do CPC preceitua: "O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo".

Recurso a especialista é deveras necessário, quando se trata de esclarecer questões técnicas determinantes para o julgamento da causa. 

Na espécie,  sopesados os elementos carreados aos autos, impõe-se a realização de nova perícia por médico psiquiatra, especialista nas patologias alegadas pelo autor,  em ordem a bem  instruir a demanda e municiar o juiz de elementos seguros à construção da decisão a ser proferida.

Comparece cerceamento de defesa quando o juiz indefere a realização de prova, requerida oportuna e justificadamente pela parte com o fito de comprovar suas alegações.

Nesse sentido:

“CONSTITUCIONAL. SEGURIDADE SOCIAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. BPC-LOAS. ART. 203, V, CF/88. LEI N. 8.742/93. NECESSIDADE DE PERÍCIA MÉDICA. LAUDO INSUFICIENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. APELO DA PARTE AUTORA PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.

- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

- Necessidade de prova pericial, a fim de que se comprove o preenchimento dos requisitos legais exigidos para a concessão do BPC-LOAS.

- O laudo médico pericial juntado aos autos não se mostrou suficiente para auxiliar esta Relatora na convicção dos fatos alegados, havendo necessidade de realização de uma nova perícia, para que as doenças apontadas pela parte autora nas suas peças sejam investigadas e as dúvidas a respeito da incapacidade dirimidas.

- O julgamento da lide, sem a realização de nova perícia, requerida pela parte autora de forma expressa e justificada, consubstanciou-se em evidente cerceamento do direito constitucional à ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88).

- Apelo da parte autora provido. Sentença desconstituída” (AC nº 5496053-77.2019.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Cristina Melo, j. 13/02/2024, intimação via sistema 16/02/2024).

“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA/APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. PRELIMINAR ACOLHIDA. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA.  NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DO LAUDO PERICIAL. RECURSO PREJUDICADO NO MÉRITO.

- Na r. sentença foi julgado improcedente o pedido inicial, embasada na conclusão do laudo pericial, que não constatou a existência de incapacidade laboral. 

- Verifica-se que a perita é médica especialista em clínica geral, e concluiu pela ausência de incapacidade laborativa da parte autora, portadora de patologias psiquiátricas, cabendo salientar que tal conclusão não se coaduna aos documentos apresentados, que informam a existência de incapacidade laboral em razão dessas afecções.

- No entanto, apesar dos documentos médicos particulares da parte autora evidenciarem uma suposta incapacidade laborativa, vale destacar que a perícia administrativa realizada pela autarquia federal atesta a ausência de incapacidade laboral, de modo que se mostra necessária a realização de nova perícia judicial, a fim de se confirmar, ou não, a existência de incapacidade laborativa do requerente.

- Assim, para verificação do preenchimento do requisito incapacidade laboral, carecem estes autos da devida instrução em primeira instância, uma vez que a sentença apreciou o pedido inicial sem a necessária complementação do laudo pericial, o que implica cerceamento de defesa e enseja a nulidade do feito.

- Preliminar acolhida. Apelação da parte autora prejudicada no mérito” (AC nº 5002184-86.2023.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, j. 1º/06/2023, DJEN 07/06/2023).

De rigor, assim, a anulação da sentença proferida, com o retorno dos autos à vara de origem para a regular instrução do feito.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do autor, para anular a sentença, com vistas a viabilizar perícia por médico especialista capaz de avaliar o autor sob o prisma psiquiátrico, na forma da fundamentação.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PROVA PERICIAL NÃO CONCLUÍDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA.

- O autor, portador de patologias psiquiátricas, queixa-se da incompletude da perícia realizada.

-  A conclusão do laudo pericial emitido por Cirurgião Geral e do Trauma está discrepante de documentos médicos juntados pelo autor.

- O MM. julgou improcedente o pedido em face da ausência de incapacidade laborativa. Entendeu  desnecessária a realização de nova perícia médica por Psiquiatra, requerida pelo autor.

- Prova pericial realizada, entretanto, que carece de aprofundamento.

- Anulação da sentença que se declara. Retorno  dos autos à vara de origem para regular instrução e novo julgamento.

- Apelação do autor parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
FONSECA GONÇALVES
DESEMBARGADOR FEDERAL