APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002942-62.2022.4.03.6002
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: ANDRE FRANCA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ANGELO MAGNO LINS DO NASCIMENTO - MS16986-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002942-62.2022.4.03.6002 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: ANDRE FRANCA DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: ANGELO MAGNO LINS DO NASCIMENTO - MS16986-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal (MPF) em face do acórdão da Décima Primeira Turma que, por maioria, deu parcial provimento à apelação, em menor extensão, para manter a condenação de ANDRÉ FRANÇA DA SILVA pela prática do crime previsto no art. 250 do Código Penal, reduzindo ao mínimo legal a pena-base, ficando as penas definitivamente estabelecidas em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/4 (um quarto) do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos, para esse crime, e em 1 (um) ano de detenção para o crime do art. 262 do Código Penal. Foi fixado o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, que foi substituída por duas penas restritivas de direitos. A ementa do acórdão é a seguinte (ID 289631586): PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (CP, ART. 288), DESOBEDIÊNCIA (CP, ART. 330), INCÊNDIO (CP, ART. 250) E ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE OUTRO MEIO DE TRANSPORTE (CP, ART. 262). BLOQUEIO DE RODOVIA FEDERAL. MANIFESTAÇÃO CONTRÁRIA AO RESULTADO DAS ELEIÇÕES DE 2022. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E DESOBEDIÊNCIA RECONHECIDA A ATIPICIDADE DAS CONDUTAS. INCÊNDIO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. VALIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR OUTRAS PROVAS. EXCEPCIONALIDADE DA SITUAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. EXISTÊNCIA DE DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. O delito de associação criminosa possui como objetividade jurídica a tutela da paz pública, tratando-se de infração de perigo abstrato, em que se presume a colocação em risco da sociedade. Compete ao órgão ministerial a demonstração da affectio criminis societatis com elementos concretos que objetivamente modelam a associação delituosa, evidenciando com segurança a pactuação de um ajuste reconhecidamente ilícito orientado à prática recorrente de infrações penais. A própria tese acusatória carece da efetiva identificação do ânimo associativo estável e permanente voltado à prática de uma série indeterminada de crimes, requisito essencial à adequação típica. 2. A conjugação de esforços estruturados para o cometimento da ação delituosa contra o resultado do pleito eleitoral em questão não denota, per se, que se utilizariam dessa estrutura para uma série indeterminada de infrações. O contexto delituoso reflete a existência de um vínculo não direcionado à prática de crimes para além do evento delituoso em questão, senão crimes pontuais relacionados às ações de protesto então em curso. A sofisticação da empreitada delituosa, sem dúvida, merece a reprimenda devida, mas não possui o condão de indicar necessariamente a intenção de perpetuar ilícitos. 3. O crime de desobediência possui como objetividade jurídica o prestígio da função pública, o regular funcionamento da Administração, contrastado pela conduta daquele que desobedeceu a ordem legal de funcionário público. Somente pode ser responsabilizado o destinatário do comando, aquele que possui o dever de observar o conteúdo da ordem exarada pela autoridade pública. 4. No caso dos autos, a acusação pelo crime de desobediência cinge-se à ordem exarada em 31.10.2022 pelo Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, no bojo de Medida Cautelar na Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental nº 519-DF. Pelo teor dessa determinação judicial, percebe-se que não houve a imposição de uma conduta dirigida especificamente aos manifestantes, de modo que o ora acusado não figurou pessoalmente como destinatário do comando a ser cumprido. Consequentemente não há fato típico a ser considerado sob tal enfoque. 5. Materialidade e autoria dos crimes de incêndio e atentado contra a segurança de outro meio de transporte devidamente comprovadas. 6. A perícia pode, em situações excepcionais, ser substituída por outras provas, como a testemunhal, nos termos do art. 167 do Código de Processo Penal. E essa é a situação dos autos, haja vista não ter sido possível realizar a perícia em razão do material ter sido consumido pelo fogo. Além disso, havia a necessidade de liberação da rodovia, o que demandou a intervenção do corpo de bombeiros para conter o fogo, que, inclusive, chegou a atingir e danificar o veículo de terceiro que tentou ultrapassar o bloqueio ilegal. Portanto, foi devidamente justificada a não realização da prova pericial. 7. Os elementos probatórios contidos nos autos mostram a existência de desígnios autônomos quanto aos crimes de incêndio e de atentado contra a segurança de outro meio de transporte (CP, art. 262). A colocação dos pneus na rodovia já seria suficiente para alcançar o objetivo do acusado, de fechar a rodovia. Contudo, sua vontade também se dirigiu a neles atear fogo e, assim, causar incêndio, demonstrando, portanto, a impossibilidade de absorção do delito do art. 250 do Código Penal por aquele do art. 262. 8. Redução das penas-base ao mínimo legal. É certo que o acusado, dentro de um contexto de descontentamento com o resultado das eleições de 2022, impediu e dificultou o funcionamento do sistema de transporte rodoviário federal, mediante o bloqueio da BR163 com pneus, bem como causou incêndio nesses pneus. Mas isso não é demonstração de que agiu compelido pela vontade reverter o resultado das eleições por meio da violência. Não há, nos autos, nada que indique isso. 9. Fixação do regime inicial aberto para cumprimento das penas privativas de liberdade e sua substituição por duas penas restritivas de direitos. 10. Apelação parcialmente provida. O MPF alega que há contradição na fundamentação do acórdão quanto ao afastamento do crime de associação criminosa, bem como em relação à dosimetria da pena. Argumenta que foi comprovada a existência de vínculo prévio para a ação criminosa, pouco importando que a prática dos delitos tenha ocorrido no mesmo contexto fático. Quanto à pena, diz que, “além da contradição da própria argumentação judicial”, o art. 59 do Código Penal não foi devidamente observado (ID 290723309). A defesa, embora intimada, não se manifestou. É o relatório.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002942-62.2022.4.03.6002 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: ANDRE FRANCA DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: ANGELO MAGNO LINS DO NASCIMENTO - MS16986-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): O art. 619 do Código de Processo Penal admite embargos de declaração quando, no acórdão, houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. O STJ orienta que "[o]s embargos de declaração são cabíveis somente nas hipóteses de obscuridade, contradição ou omissão ocorridas no acórdão embargado e são inadmissíveis quando, a pretexto da necessidade de esclarecimento, aprimoramento ou complemento da decisão embargada, objetivem novo julgamento do caso" (EDcl no AgRg no Aresp nº 2.385.113/DF, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 07.11.2023, DJe 16.11.2023). No caso, não há contradição entre a fundamentação do acórdão e a sua conclusão, tampouco entre fundamentações. Quanto à absolvição do réu pela prática do crime previsto no art. 288 do Código Penal, o embargante alega o seguinte: Tendo em vista a orientação normativa, gera perplexidade a afirmação do acórdão de que “O contexto delituoso reflete a existência de um vínculo não direcionado à prática de crimes para além do evento delituoso em questão, senão crimes pontuais relacionados às ações de protesto então em curso”, dando a impressão de que o crime de associação criminosa não se perfaz se vinculado a um mesmo contexto fático. Sem razão o embargante, pois o acórdão foi claro ao apontar que, no caso, não foram comprovadas as elementares do tipo penal, notadamente a existência de vínculo permanente e estruturado voltado ao cometimento de série indeterminada de crimes. A questão não se circunscreve ao contexto fático, mas à ausência de provas da materialidade do crime. Conforme fundamentado, os crimes de incêndio e atentado contra a segurança de outro meio de transporte foram praticados em concurso de agentes, e não no âmbito de uma associação criminosa. O vínculo criminoso identificado é episódico e pontual, o que afasta a caracterização do crime previsto no art. 288 do Código Penal. Do voto proferido pelo e. Relator, Desembargador Federal Fausto De Sanctis, reproduzo, na íntegra, o seguinte capítulo (ID 283324464): II - AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288 DO CP) O delito de associação criminosa possui como objetividade jurídica a tutela da paz pública, tratando-se de infração de perigo abstrato, em que se presume a colocação em risco da sociedade, encontrando tipificação no art. 288, caput, do Código Penal, que contém atualmente a seguinte redação: Associação Criminosa Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) Como requisito implícito do tipo, a conjugação de esforços objetivando a prática delitiva deve retratar um vínculo estável e permanente entre pelo menos três agentes imbuídos do propósito de agirem concertadamente para o cometimento de uma série indeterminada de crimes (na acepção formal do termo). Comumente a configuração do crime de associação criminosa revela-se claramente a partir da detecção de uma estrutura minimamente organizada, com distribuição de tarefas ou escalonamento de funções entre os seus integrantes, viabilizando assim o escopo delitivo comum que permeia todos os agentes envolvidos. Importante ter presente, inclusive, que o delito de associação criminosa ostenta arquétipo dissociado dos crimes visados, na medida em que se caracteriza como delito de perigo e formal, bastando para a sua compleição que ocorra a mera reunião criminosamente ordenada do grupo, independentemente da efetiva consumação dos crimes acordados, como crime de perigo tipificado para a proteção da paz pública (STJ, HC 200.444/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T. DJe 17.03.2015). No caso dos autos, a r. sentença efetuou juízo condenatório de ANDRÉ, reputando como caracterizada a existência de um vínculo permanente e estruturado para a prática de crimes, consistentes no bloqueio de estrada federal. Entretanto, referida condenação não deve subsistir diante de uma análise criteriosa acerca do efetivo preenchimento dos requisitos do tipo do art. 288 do Código Penal. Cumpre atentar-se, mutatis mutandis, ao ensinamento de Cezar Roberto Bitencourt explicitado na obra Comentários à Lei de Organização Criminosa: Lei 12.850/2013 (São Paulo: Saraiva, 2014 – Pág. 55-57): É insuficiente um simples ajuste de vontades, próprio do concurso eventual de pessoas. Na verdade, a característica de estabilidade e permanência é fundamental para existência de uma organização estruturalmente ordenada e compartimentada com tarefas divididas. Em outros termos, é indispensável que a coparticipação criminosa assuma um caráter duradouro de situação em comum entre os seus componentes, antes de eventual prática de crimes objetivando a obtenção de vantagem de qualquer natureza. (...) Em outros termos, o dolo associativo é a vontade livre e consciente de associar-se ou participar de associação já existente, organizada e ordenada estruturalmente, para obter vantagem mediante a prática de crimes. Se a finalidade for a prática de crime determinado, ou crimes da mesma espécie, a figura será a do instituto do concurso de pessoas, independentemente da natureza ou gravidade dos crimes. Neste diapasão, compete ao órgão ministerial a demonstração da affectio criminis societatis com elementos concretos que objetivamente modelam a associação delituosa, evidenciando com segurança a pactuação de um ajuste reconhecidamente ilícito orientado à prática recorrente de infrações penais. A própria tese acusatória carece da efetiva identificação do ânimo associativo estável e permanente voltado à prática de uma série indeterminada de crimes, requisito essencial à adequação típica. A despeito dos requisitos ora explicitados, a acusação acabou respaldada com base em circunstâncias que, embora perfaçam sobejamente o crime de atentado à segurança de meio de transporte rodoviário, são insuficientes para se vislumbrar vínculo associativo exorbitante do mero concurso de pessoas. Com efeito, a r. sentença elencou, em breve síntese, como elementos probatórios os fatos de que diversos manifestantes, muitos dos quais previamente acampados em frente a estabelecimentos militares, em protesto contra o resultado eleitoral, se articularam em grupos de whatsapp para fechar a rodovia, de modo que o bloqueio criminoso se operou de forma combinada e organizada, não tendo sido esta a única ocorrência desta natureza. A conjugação de esforços estruturados para o cometimento da ação delituosa contra o resultado do pleito eleitoral em questão não denota, per se, que se utilizariam dessa estrutura para uma série indeterminada de infrações. O contexto delituoso reflete a existência de um vínculo não direcionado à prática de crimes para além do evento delituoso em questão, senão crimes pontuais relacionados às ações de protesto então em curso. A sofisticação da empreitada delituosa, sem dúvida, merece a reprimenda devida, mas não possui o condão de indicar necessariamente a intenção de perpetuar ilícitos. No quadro ora delineado, o acusado deve ser absolvido por não haver prova da existência do crime do art. 288 do Código Penal, nos termos do art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal. Também não há contradição ou impropriedade na dosimetria da pena. Segundo o embargante: Note-se a contradição aguda. De um lado o raciocínio judicial afirma que o agente agiu “dentro de um contexto de descontentamento com o resultado das eleições de 2022”, mas conclui “Mas isso não é demonstração de que agiu compelido pela vontade reverter o resultado das eleições por meio da violência”! [...] O acórdão ora embargado, ao tratar como neutra a motivação dos crimes cometidos pelo agente, além de incorrer em contradição com sua própria argumentação, deixou de conferir a devida proporcionalidade na resposta penal, se desconectando do comando do art. 59 do Código Penal. A redução da pena-base ao mínimo legal está devidamente fundamentada e decorre da ausência de indicativos de que o réu pretendesse reverter o resultado das eleições por meio da violência e, com isso, desestruturar o regime democrático. Não há contradição, mas valoração divergente do posicionamento adotado pelo juízo de origem com relação aos motivos do crime. O embargante trata como contradição seu inconformismo quanto ao resultado do julgamento, pretendendo que o caso seja novamente apreciado e o acórdão reformado, o que não é possível por meio de embargos de declaração, desprovidos que são, em regra, de efeitos infringentes. Posto isso, REJEITO os embargos de declaração. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA.
1. No caso, não há contradição entre a fundamentação do acórdão e a sua conclusão, tampouco entre fundamentações.
2. Quanto à absolvição do réu pela prática do crime previsto no art. 288 do Código Penal, o acórdão foi claro ao apontar que, no caso, não foram comprovadas as elementares do tipo penal, notadamente a existência de vínculo permanente e estruturado voltado ao cometimento de série indeterminada de crimes. A questão não se circunscreve ao contexto fático, mas à ausência de provas da materialidade do crime.
3. Os crimes de incêndio e atentado contra a segurança de outro meio de transporte foram praticados em concurso de agentes, e não no âmbito de uma associação criminosa. O vínculo criminoso identificado é episódico e pontual, o que afasta a caracterização do crime previsto no art. 288 do Código Penal.
4. A redução da pena-base ao mínimo legal está devidamente fundamentada e decorre da ausência de indicativos de que o réu pretendesse reverter o resultado das eleições por meio da violência e, com isso, desestruturar o regime democrático. Não há contradição, mas valoração divergente do posicionamento adotado pelo juízo de origem com relação aos motivos do crime.
5. O embargante trata como contradição seu inconformismo quanto ao resultado do julgamento, pretendendo que o caso seja novamente apreciado e o acórdão reformado, o que não é possível por meio de embargos de declaração, desprovidos que são, em regra, de efeitos infringentes.
6. Embargos de declaração rejeitados.