Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000456-42.2016.4.03.6119

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK

Advogado do(a) APELANTE: LEDOCIR ANHOLETO - MT7502-B

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000456-42.2016.4.03.6119

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK

Advogado do(a) APELANTE: LEDOCIR ANHOLETO - MT7502-B

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O Ministério Público Federal denunciou LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK, qualificado nos autos, nascido aos 07/08/1974, como incurso nas penas do art. 18 c/c art. 19, ambos da Lei nº 10.826/03 (tráfico internacional de munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito) e do art. 334, § 3°, do Código Penal (descaminho), em concurso material (art. 69 do CP). Consta da denúncia (p. 3/8 do id 158869852):

“1. Síntese da acusação:

Em 25 de janeiro de 2016, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK, de modo livre e consciente, importou diversas munições e acessórios para armas de fogo de uso restrito, bem como armas de "air soft" e equipamento de recarga de munição, destinados à comercialização, todos sem autorização regulamentar de importação fornecida pelas Forças Armadas.

Somado a isto, o indiciado tentou burlar a fiscalização aduaneira ao passar pelo canal "nada a declarar" da Receita Federal, sob a alegação de que não havia excedido o limite de importação de U$ 500, 00 (quinhentos dólares americanos).

2. Histórico de Fatos:

2.1. Do Descaminho (art. 334, Código Penal)

Em 25.01.2016, LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK desembarcou no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, originário de voo proveniente de Miami, Estados Unidos, tendo sido selecionado aleatoriamente para a realização de procedimento de inspeção alfandegária, haja vista que o passageiro nitidamente optou pelo canal "nada a declarar" com o intuito de ludibriar a fiscalização alfandegária.

Durante a vistoria realizada, foram identificados bens a serem declarados no interior das malas, através da inspeção por meio do aparelho de raio X.

Ao ser questionado, LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK informou que trazia bens em apenas duas das malas, fato este que comprovou-se ser inverídico, uma vez que as demais bagagens também continham bens a serem declarados, conforme consta do depoimento do Auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil - AFRFB MARCELLUS LACERDA DE CARVALHO (fls. 2-4).

Ademais, ao ser questionado pelo Auditor-fiscal acerca dos valores das importações, o indiciado alegou que estaria importando bens dentro do limite estabelecido pela Receita Federal de U$ 500, 00 (quinhentos dólares americanos), ao passo que foi também verificado, pelas notas fiscais apreendidas, que os bens somados perfaziam valor superior a U$ 3.000,00 (três mil dólares americanos).

Deste modo, restou comprovada a autoria do crime de descaminho, eis que as armas de air soft só podem ser importadas mediante prévia autorização, o que não verificado na espécie.

Igualmente comprovada a materialidade, uma vez que o agente foi flagrado trazendo consigo bens que superavam o valor de U$ 500,00 (quinhentos dólares americanos), conforme Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 20 e do Termo de Retenção de Bens de fls. 20-21.

2.2. Do Tráfico Internacional de Acessória de Arma de Fogo e Munições de Uso Restrito (arts. 18 e 19, da Lei nº 10. 826/2003)

Durante a inspeção através da máquina de raio-X, verificou-se que os bens que estavam no interior das malas de LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK tratavam-se de armamentos, acessórios e munições, sendo alguns deles de uso restrito das Forças Armadas - conforme Termo de Retenção de Bens da Receita Federal de f. 21-v.

Neste passo, o denunciado foi questionado se possuía autorização legal para realizar a importação daqueles bens e este respondeu que possuía um Certificado de Registro, que não foi apresentado em momento algum durante sua entrevista na Receita Federal ou na Delegacia da Polícia Federal.

Nota-se a vasta quantidade munições e acessórios para arma de fogo trazidas pelo denunciado do exterior, quais sejam: 1 (uma) unidade de munição contendo 10.000 (dez mil) bolas de plástico 6mm, colt 25; 1 unidade de munição contendo 250 (duzentas e cinquenta) munições plated bullet cal 38 . 357 125 gr flat point, berry' s; 2 (duas) unidades de mira telescópica para armamento 120615, leupold, vx-2 riflescope 6-18x40mm a.o. Cds matte wind-plex; 1 (uma) espingarda air soft 6mm aeg fn p90, fn herstal; 3 (três) spotting scope com tripé, simmons blazer 20-60x 60mm; 1 (uma) mira telescópica de armamento, center point, 4-16x40mm long range riflescope; 1 (uma) mira telescópica para armamento, leupold, rifleman 4-12x60mm matte 1 in wide duplex 56170; 3 (três) unidades contendo 100 (cem) munições vmax bullets 6mm 22440, hornady; 1 (uma) mira telescópica para armamento, bushnell busk e dawn optics, banner cf 500 4-16x4 0mm; 2 (duas) unidades contendo 100 (cem) munições xtp cal 38, hornady; 1 (uma) mira telescópica para armamento, pursuit, 6-24x44mrn target scope; 1 (uma) unidade de munição contendo 5.000 (cinco mil) bolas de plástico 6mm, colt; 1 (uma) mira telescópica para armamento 1009388, nikon, buckmasters ii 4-12x40mm matte bdc rifflescope; 1 (uma) pistola de air soft 6mm com 400 (quatrocentas) munições, ppq walther srping, em blister; 1 (uma) espingarda air soft 6mm 400 fps, fn herstal, fn scar-1 spring rifle; 1 (uma) unidade de munição contendo 4.000 (quatro mil) bolas de zinco cal .177 4, 5mm, daisy; 1 (uma) unidade lee reloading dies, 44 magnum; 4 (quatro) unidades de munição contendo 100 (cem) munições sst bullets 30 cal 180gr, hornady; 3 (três) unidades de munição contendo 100 (cem) munições rifle bullets cal 30 boat tail, sierra game king; 2 (duas) unidades de munição contendo 50 (cinquenta) munições, bt nosler ballistic tip; e, 1 (uma) mira telescópica para armamento, nikon, monarch 35-20x44mm matte bdc (vide fls. 20/21-v).

Ademais, juntada a certidão de movimentos migratórios de LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK, demonstrou-se que há grande movimentação de entrada e saída do agente do país, o que demonstra a habitualidade em operações do tipo em comento (fls. 16-18).

Outrossim, corroborando com a afirmação prestada à fl. 7 pelo agente de que "pretende abrir uma empresa de importação e exportação de armas e acessórios", o Termo de Retenção de Bens aposto à fl. 21-v, comprova a intenção do agente em comercializar armamentos.

Por fim, em resposta ao ofício encaminhado pela Polícia Federal, o Comando Militar do Oeste 9ª Região Militar, apontou que, além de algumas das armas importadas serem de uso restrito das Forças Armadas do Brasil, LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK possui apenas autorização para uso de armamentos de caça e tiro esportivo, bem como acessórios de recargo de munição (fls. 68-69).

A autoria dolosa do crime de tráfico internacional de munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito restou comprovada, em especial pelo Auto de Prisão em Flagrante de fls. 2-7.

Do mesmo modo, restou comprovada a materialidade, em razão do Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 20, pelo Termo de Retenção de Bens de fl. 21-v e pelo ofício de fls. 68-69.

Ademais, incide sobre a imputação do crime de tráfico internacional de munições e acessórios de arma de fogo, a causa de aumento de pena prevista no artigo 19 do Estatuto do Desarmamento - Lei n. 10. 82 6/2003, haja vista que algumas das armas importadas são de uso restrito das Forças Armadas, conforme relatório do Comando Militar do Oeste - 9ª Região Militar de fls. 68-69 do IPL.

3. Da Conclusão:

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK como incurso nas penas do art. 18 c/c art. 19, ambos da Lei nº 10.826/03 (tráfico internacional de munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito) e no art. 334, § 3°, do Código Penal (descaminho); em concurso material (art. 69 do CP), requerendo que seja o denunciado citado e processado, com observância do rito previsto em lei, ouvindo-se, oportunamente, as testemunhas abaixo arroladas.”

A denúncia foi recebida em 12/02/2016 (p. 46/49 do id 158869852).

Após instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal TIAGO BOLOGNA DIAS e publicada em 14/03/2018 (p. 120/143 e 144 do id 158869987) que julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar o réu LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada um no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente na data do fato, por incurso nas sanções dos arts. 18 e 19, da Lei n. 10.826/2003, c.c o artigo 14, II, do Código Penal - absorvido o delito do art. 334-A do CP quanto às armas de pressão e suas munições, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária, no valor de 40 (quarenta) salários mínimos à data do pagamento, a ser paga em favor do Sistema Nacional de Armas - SINARM, observando-se para tanto o comando do artigo 74, parágrafo único, do Decreto nº 5.123/2004, na redação conferida pelo Decreto nº 6.715/2008, podendo ser parcelada a critério do Juízo da Execução, e de prestação de serviço à comunidade, em instituição a ser determinada pelo Juízo da Execução (art. 43, incisos I e IV, e 45, §2º,do CP).

O Ministério Público Federal tomou ciência da sentença (p. 144 do id 158869987) e não recorreu.

Apela o réu (p. 174/239 do id 158869987), requerendo:

a) a anulação da sentença condenatória por, supostamente, se basear em laudo pericial "viciado" com "informações presumidas", vez que não teriam sido apontados quais itens seriam de uso restrito e quais seriam de uso permitido;

b) desclassificação para o crime de descaminho e aplicação do princípio da insignificância;

c) impossibilidade da aplicação da causa de aumento de pena do art. 19 da Lei nº 10.826/03;

d) redução da prestação pecuniária imposta para o valor máximo de até 4 (quatro) salários mínimos;

e) vício no interrogatório prestado perante a autoridade policial que teria feito constar que o sentenciado teria importado 300 unidades de munição calibre MAGNUM 44, quando na verdade estes itens jamais foram apreendidos com o Recorrente;

f) inépcia da denúncia por afirmar que o certificado de registro do condenado, "jamais foi apresentado", quando na verdade teria sido providenciado ainda na Delegacia, vide interrogatório do Recorrente às fls. 06;

g) ausência de dolo do sentenciado em razão de ser atirador desportivo confederado, bem como ausência de potencial lesivo em sua conduta nos itens que foram apreendidos consigo, vez que sua única intenção era utilizar os armamentos e acessórios apreendidos em seus treinos de tiro.

Contrarrazões do MPF pelo desprovimento do recurso de apelação da defesa (p. 251/268 do id 158869987).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Dr. ALVARO LUIS DE MATTOS STIPP, opinou pelo desprovimento da apelação da defesa, mantendo-se integralmente a sentença condenatória, nos termos em que proferida (p. 281/290 do id 158869987).

Após a interposição do recurso de apelação, a defesa postula a aplicação imediata de novatio legis in mellius, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, considerada a superveniência de dois decretos com força de lei.

Narra que o Decreto nº 9846/2019 deixou de exigir a licença de importação para a aquisição de arma de fogo por atirador esportivo, bastando apenas a apresentação de documento de identificação válido e do Certificado de Registro de Arma de Fogo, e o Decreto n. 9.847/2019 passou a considerar as armas de calibres .44 Magnum, .45 e 243 Winchescher como de uso permitido, configurando-se assim, a abolitio criminis referente aos fatos que ensejaram sua condenação (p. 5/24 do id 158869988)

O Ministério Público Federal opinou pelo indeferimento da manifestação da defesa e pelo prosseguimento do feito com o consequente exame do recurso de apelação defensivo interposto (p. 28/31 do id 158869988).

O feito foi convertido em diligência para que o Setor de Criminalística do Departamento de Polícia Federal informasse se haveria necessidade de licença de importação para a aquisição de arma de fogo por atirador esportivo, bem como se as armas periciadas passaram a ser de uso permitido, considerado o advento dos Decretos n.º 9.846 e n.º 9.847, de 25 de junho de 2019 (p. 33 do id 158869988).

O Núcleo de Criminalística do Setor Técnico-Científico da Superintendência Regional de Polícia Federal no Estado de São Paulo prestou a INFORMAÇÃO TÉCNICA Nº 059/2020-NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP (p. 47/50 e 53/56 do id 158869988)

O Ministério Público Federal manifestou ciência do despacho e das informações do perito judicial, que não alteram as conclusões apontadas no parecer ministerial já ofertado nestes autos, reiterando as manifestações já oferecidas nestes autos (id 271812541).

É o relatório.

Ao MM. Revisor.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000456-42.2016.4.03.6119

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK

Advogado do(a) APELANTE: LEDOCIR ANHOLETO - MT7502-B

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

LUIZ HENRIQUE RISSARDI FLISSAK foi denunciado como incurso nas penas dos artigos 18 e 19 da Lei n. 10.826/2006, por ter importado diversas munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito e permitido, bem como incurso nas penas do artigo 334 do Código Penal, por ter importado armas e equipamentos de recarga de munição de "air soft", destinados à comercialização, acima do limite de isenção tributária, e todos sem autorização regulamentar de importação fornecida pelas Forças Armadas.

O juiz sentenciante desclassificou a conduta do art. 334 do Código Penal para a do art. 334-A do Código Penal, por entender que a importação irregular de armas e munições de pressão não caracteriza formalmente descaminho, mas sim contrabando, exatamente em razão da necessidade de autorização prévia, de forma que sua introdução sem esta anuência configura proibição relativa.

O juiz sentenciante também reconheceu que o crime de contrabando deve ser absorvido pelo crime do art. 18 da Lei nº 10.826/03, com a importação de acessórios e munição para armas de fogo, em atenção aos princípios da especialidade e/ou subsidiariedade, por terem sido praticados no mesmo contexto fático, em conjunto, na mesma carga, e porque os crimes têm exatamente o mesmo objeto jurídico.

Apela o réu, postulando, em síntese, (i) nulidade do inquérito policial; (ii) inépcia da denúncia; (iii) nulidade do laudo pericial; (iv) ausência de dolo; (v) desclassificação para o delito de descaminho; (vi) aplicação do princípio da insignificância; (vii) não aplicação do aumento de pena previsto no art. 19 da Lei 10.826/03 e; (viii) redução da pena de prestação pecuniária imposta.

O recurso não comporta provimento.

Da nulidade do inquérito policial

Suscita a defesa a preliminar de nulidade do inquérito policial, decorrente do vício no interrogatório prestado pelo acusado perante a autoridade policial, do qual teria constado que o apelante teria importado 300 unidades de munição calibre MAGNUM 44, quando na verdade estes itens jamais foram apreendidos com ele.

Não há que se falar em nulidade do inquérito policial.

De início, registro que não se declara nulidade de ato processual que não resultar em prejuízo para a acusação ou para a defesa, conforme dicção do art. 563 do Código de Processo Penal.

No caso em tela, não constou na denúncia oferecida qualquer menção às 300 (trezentas) unidades de munição calibre MAGNUM 44, razão pela qual não houve qualquer prejuízo à garantia de ampla defesa e contraditório por parte do réu.

Ainda que assim não fosse, eventuais vícios da prisão em flagrante e, por via reflexa, do inquérito policial não se projetam na ação penal para contaminá-la. Nesse sentido situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Jurisprudência do Supremo Tribunal pacífica no sentido de que o inquérito policial é peça meramente informativa e dispensável e, com efeito, não é viável a anulação do processo penal em razão das irregularidades detectadas no inquérito, porquanto as nulidades processuais dizem respeito, tão somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados durante da ação penal. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF, ARE 654192 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-093 DIVULG 11-05-2012 PUBLIC 14-05-2012)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIMES DE ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. NULIDADE DAS INVESTIGAÇÕES REALIZADAS NA FASE INQUISITORIAL E INÉPCIA DA DENÚNCIA PELA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TESES NÃO DEBATIDAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

(...) 3. Ademais, registra-se que "a orientação desta Corte preconiza que 'eventuais máculas na fase extrajudicial não tem o condão de contaminar a ação penal, dada a natureza meramente informativa do inquérito policial.' (AgRg no AREsp 898.264/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 7/6/2018, DJe 15/6/2018)" (AgRg no AREsp 1.489.936/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 6/4/2021).

4. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg no HC n. 794.135/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 5/6/2023, DJe de 9/6/2023.)

Da inépcia da denúncia

Alega a defesa que a denúncia é inepta por afirmar que o certificado de registro do condenado "jamais foi apresentado", quando na verdade teria sido providenciado ainda na Delegacia, conforme se observa do interrogatório do Recorrente às fls. 06.

Rejeito a preliminar.

A jurisprudência já pacificou entendimento no sentido do descabimento da alegação de inépcia da denúncia após a prolação da sentença condenatória, em razão da preclusão da matéria. Nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. NEGATIVA DE AUTORIA. PRETENSÃO QUE NÃO SE COADUNA COM A VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. ROL DE TESTEMUNHAS. QUESTÃO DEVIDAMENTE EQUACIONADA NAS INSTÂNCIAS INFERIORES. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. SUPOSTA INÉPCIA DA INICIAL. PRECLUSÃO DA ARGUIÇÃO QUANDO SUSCITADA APÓS A PROLAÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE PLANO DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER PRIMA FACIE EVIDENTE QUANDO DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATÉRIA NÃO CONHECIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. "A arguição de inépcia da denúncia resta coberta pela preclusão quando aventada após a sentença penal condenatória, o que somente não ocorre quando a sentença vem a ser proferida na pendência de habeas corpus já em curso" (RHC 98.091/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia). (...)

(HC 111363, LUIZ FUX, STF.)

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTIMAÇÃO POR EDITAL. VALIDADE. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) III - inépcia da denúncia alegada somente após a prolação da sentença condenatória. Preclusão. Precedentes. (...) V - Ordem denegada.

(HC 95701, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)

Complementando, ainda que se entendesse que a argüição de nulidade fosse da própria sentença condenatória, tenho que, nas circunstâncias dos autos, não mereceria acolhimento.

Os fatos descritos na denúncia evidenciam a ocorrência de fato típico, qual seja, o crime do art. 18, c.c. o art. 19 da lei n. 10.826/2003, e a acusação encontra suporte probatório nos elementos coligidos aos autos.

Destarte, a exordial descreve que o apelante teria a importado de armas, acessórios e munições, de uso permitido e restrito, sem a devida autorização da autoridade competente.

Como se vê, a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo aos réus o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.

Caso contrário, a ação penal não teria transcorrido sem que, em algum momento, fossem aventadas pela Defesa dificuldades de identificação da conduta praticada pelos acusados, eis que estes foram capazes de defender-se.

Ademais, quando de sua prisão em flagrante, o réu portava apenas um Certificado de Registro emitido pelo Exército, como atirador desportivo e, em momento algum apresentou a necessária autorização para importação dos itens que com ele foram apreendidos, conforme determina o Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (R-105).

Conforme mencionado pela procuradoria regional da República em seu parecer, “o fato de o acusado portar ou não o Certificado de Registro, de ter sido este entregue espontaneamente ou após consulta feita pela Receita Federal ou Polícia Federal, não tem o condão de alterar a conduta criminosa praticada, vez que, além de tal Certificado, era obrigatório que o réu também estivesse portando a Licença prévia para Importação, e esta, não há dúvidas de que o réu não possuía.”

Da nulidade do laudo pericial

Pede a defesa a anulação da sentença condenatória por ter se baseado em laudo pericial "viciado" com "informações presumidas" vez que não teriam sido apontados quais itens seriam de uso restrito e quais seriam de uso permitido. Alega que o perito tomou por base pesquisas realizadas na internet para verificar se os produtos eram de uso permitido ou restrito e que tão somente fez menção ao Decreto 3.665/00 e da Lei n º 10.826/03, ou seja, ele apenas invocou o Decreto do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105) e a Lei do Sistema Nacional de Armas - SINARM, sem mencionar especificamente qual artigo, inciso, parágrafo que descreve que estes itens são uso restrito.

A preliminar de nulidade é de ser rejeitada.

Consta do Laudo pericial n. 2950/2016 (p. 326/331 do id 158869986) que “as mercadorias listadas no termo recebido é caracterizada e avaliada na Tabela 1. A tabela foi elaborada tendo por base as descrições e valores apresentados no Termo de Retenção de bens nº 081760016004051TRB02, bem como pesquisas realizadas na internet. Para verificar se os produtos seriam controlados pelo Exército Brasileiro e se eram de uso restrito ou permitido, foi consultado o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), cuja redação foi aprovada pelo Decreto nº 3665, de 20/11/2000".

E referida tabela 1 - Bens listados no Termo de Retenção de Bens nº 081760016004051TRB02 (p. 328/329 do id 158869986) do laudo pericial, o perito esclarece, detalhadamente, quais bens seriam de uso permitido e quais seriam de uso restrito.

Depreende-se do laudo pericial que as pesquisas realizadas na internet foram realizadas para auxiliar na identificação dos itens contidos no Termo de Retenção em relação às suas descrições, conforme de extrai do tópico “II – Exames” acima transcrito. Para a verificação se os produtos se enquadrariam como de uso permitido ou restrito, o perito se utilizou do Regulamento R-105, na redação aprovada pelo Decreto n. 3665, de 20/11/2000.

Acrescente-se que, conforme Informação técnica n. 059/2020 – (p. 47/50 do id 158869988), a tabela foi atualizada, com reclassificação dos materiais de acordo com os Decretos nº 9.847 da Presidência da República, de 25/06/2019, o Decreto nº 10.030 da Presidência da República, de 30/09/2019, a Portaria nº 1.222 do Comando do Exército, de 12/08/2019, e a Portaria nº 118 do Comando Logístico do Exército Brasileiro, de 04/10/2019.

Da desclassificação do tráfico internacional de arma de fogo para o delito de descaminho

Alega a defesa que o apelante não se enquadra no crime do art. 18 da Lei 10.826/03, pois possui o Certificado de Registro – CR, documento hábil concedido por autoridade competente, que autoriza a importação de produtos controlados pelo Exército (art. 43 do Dec. 3665/00).

Dessa forma, alega que o único suposto delito que poderia ter cometido seria o crime de descaminho na forma tentada, pois, segundo a declaração do Auditor Fiscal da Receita Federal, às fls. 02, a abordagem do Recorrente foi realizada na área de fiscalização aduaneira, em que havia optado pelo canal ''NADA A DECLARAR'' em uma suposta tentativa de ocultar os bens trazidos do exterior e evitar a fiscalização. Sustenta que os crimes não se consumam enquanto a bagagem se encontra sob controle alfandegário, pois ainda não se completou a ENTRADA da mercadoria em território nacional, que o Recorrente foi abordado na zona alfandegária, ou seja, a denominada zona primária, onde a autoridade aduaneira realiza a fiscalização das bagagens.

Não há que se falar em desclassificação do crime de tráfico internacional de armas para o crime de descaminho.

Ao importar mercadorias de uso permitido e restrito sujeitos ao controle pelo Exército, sem a prévia autorização, resta caracterizado o crime de tráfico internacional de armas, previsto no art. 18 e 19 da lei n. 10.826/2003.

O fato de o apelante possuir um Certificado de Registro que lhe permitia portar armas e acessórios não descaracteriza o crime, pois o réu não possuía a autorização prévia necessária para a sua importação.

No mais, quanto ao momento consumativo do crime, registro que o contrabando tem natureza formal, que dispensa a ocorrência de resultado naturalístico à sua consumação, e se consuma no momento em que a mercadoria destinada à importação ou exportação irregular ingressa no território nacional.

Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a consumação de crime, em locais sujeitos à fiscalização da zona alfandegária, somente se dará após a liberação da mercadoria pelas autoridades competentes ou a transposição da aludida zona fiscal, ou seja, quando o bem deixa a zona primária de fiscalização aduaneira. Caso a entrada ou saída da mercadoria seja obstada pelas autoridades fiscais, resta caracterizada o delito na forma tentada:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO (ART. 334-A DO CP). MOMENTO CONSUMATIVO. FISCALIZAÇÃO PELA ZONA ALFANDEGÁRIA. TENTATIVA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao decidir a controvérsia, consignou que, tendo sido o acusado flagrado no Terminal Aduaneiro da BR-290, proximidades da Ponte Internacional, em Uruguaiana/RS, zona primária de fiscalização, deve ser reconhecida a modalidade tentada do delito (art. 14, inciso II, do Código Penal), uma vez que a consumação restou frustrada em razão da atuação dos agentes da fiscalização aduaneira.

2. Tal entendimento encontra-se no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça de que a consumação de crime, em locais sujeitos à fiscalização da zona alfandegária, somente se dará após a liberação da mercadoria pelas autoridades competentes ou a transposição da aludida zona fiscal. Precedentes.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp n. 1.910.887/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 25/10/2021.)

 

HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MOMENTO CONSUMATIVO. TENTATIVA. CONFIGURAÇÃO. REDUÇÃO DA PENA MÍNIMA EM ABSTRATO PELA FRAÇÃO MÁXIMA PREVISTA NO ART. 14, PARAGRAFO ÚNICO, DO CP. PENA ABAIXO DE 1 ANO. POSSIBILIDADE DE PROPOSTA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O delito de contrabando se consuma com o traspasse da fronteira, que pode ser considerada tanto as zonas primárias e secundárias dos recintos alfandegados (local onde ocorrem as fiscalizações e o controle aduaneiro de bagagens, mercadorias ou cargas procedentes do exterior) quanto os casos em que há a internalização da mercadoria ou produto por meio que não se utilize da alfândega. Assim, no primeiro caso, a consumação somente acontece com a transposição, pela zona de fiscalização, da mercadoria ou do produto, o que não ocorrerá se a entrada for obstada pelas autoridades fazendárias.

2. No caso, a paciente foi surpreendida durante inspeção física da bagagem de passageiros provenientes do exterior, ocorrida no setor de desembarque do terminal internacional de aeroporto, pelas autoridades aduaneiras, de modo que configurada, ao menos em tese, a prática tentada do crime de contrabando.

(...)

4. Entretanto, em se tratando de crime tentado, deve ser considerada a menor pena cominada em abstrato para o delito, reduzida pela fração máxima prevista no art. 14, II, do Código Penal, isto é, de 2/3, o que possibilita a suspensão condicional do processo, na medida em que a pena mínima em abstrato, com a redução pela tentativa, é inferior a 1 ano.

5. Ordem concedida para, superado o óbice do quantum mínimo da pena em abstrato previsto para o delito de que tratam os autos, determinar que o Ministério Público, após a avaliação do caso concreto quanto aos demais requisitos para suspensão condicional do processo, verifique a possibilidade do oferecimento de proposta de suspensão do processo à paciente.

(HC n. 505.156/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/10/2019, DJe de 21/10/2019.)

 

PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO. ART. 18 DA LEI N. 10.826/03. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. MOMENTO CONSUMATIVO. FISCALIZAÇÃO PELA ZONA ALFANDEGÁRIA. CARACTERIZAÇÃO DO CONATUS. FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DOS ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS. SUM 7/STJ.

I - O crime de tráfico internacional de munição, tipificado no art. 18 da Lei n. 10.826/03, é de perigo abstrato ou de mera conduta e visa proteger a segurança pública e paz social. Sendo assim, é irrelevante o fato de a munição apreendida estar desacompanhada da respectiva arma de fogo (precedentes).

II - Preleciona a doutrina majoritária, no que tange ao delito inserto no art. 18 da Lei 10.826/03, que a consumação do crime, em locais sujeitos à fiscalização da zona alfandegária, somente se dará após a liberação da mercadoria pelas autoridades competentes ou a transposição da aludida zona fiscal (precedente).

III - A diminuição da pena pela tentativa deve considerar o iter criminis percorrido pelo agente para a consumação do delito. Para infirmar a conclusão a que chegou o eg. Tribunal de origem seria necessária nova incursão na seara probatória - notadamente no que diz respeito às etapas de execução do delito -, procedimento defeso em sede de apelo extremo.

Recursos especiais desprovidos.

(REsp n. 1.392.567/PR, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 25/4/2017, DJe de 28/4/2017.)

 

Contrabando (condenação). Bolsas e porta-maquiagens (marca contrafeita). Território nacional (ingresso). Crime (consumação/tentativa). Pena-base (cálculo). Habeas corpus (correção da pena).

1. Há vozes, e de bom tempo, por exemplo, a de Fragoso nas "Lições", segundo as quais, "se a importação ou exportação se faz através da alfândega, o crime somente estará consumado depois de ter sido a mercadoria liberada pelas autoridades ou transposta a zona fiscal".

2. Assim, também não há falar em crime consumado se as mercadorias destinadas aos pacientes foram, no caso, apreendidas no centro de triagem e remessas postais internacionais dos correios.

(...)

7. Ordem concedida para se reduzir a pena e para se substituir a privativa de liberdade por restritiva de direitos.

(HC n. 120.586/SP, relator Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 5/11/2009, DJe de 17/5/2010 RT vol. 898, p. 562.)

No mesmo sentido, registro recente julgado da 4ª Seção desta Corte Regional:

E M E N T A

 PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CONTRABANDO. MERCADORIAS CONTRAFEITAS. IMPORTAÇÃO. MOMENTO DE CONSUMAÇÃO. TENTATIVA CONFIGURADA. MERCADORIAS NÃO ULTRAPASSARAM ZONA ALFANDEGÁRIA PRIMÁRIA. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO QUE RECONHECEU A TENTATIVA. RECURSO PROVIDO.

No caso concreto, as mercadorias não ultrapassaram a zona de fiscalização aduaneira, apesar de terem sido apreendidas pelos agentes da Receita Federal em território nacional.

O crime de contrabando não se consumou, pois não houve o transpasse da fronteira e as mercadorias não foram liberadas ao destinatário, estando configurada a tentativa.

A tentativa, nos termos do art. 14, II do CP, ficou suficientemente caracterizada, uma vez que, iniciada a execução, com o desembarque da carga contendo as mercadoras estrangeiras, o crime não se consumou em razão da atuação da Receita Federal, que diligentemente constatou a discrepância entre o conteúdo das cargas e as informações registradas nas CEs Mercantes que as amparavam, e impediu a efetiva entrada das mercadorias contrafeitas no território nacional.

Embargos Infringentes a que se dá provimento.

(TRF 3ª Região, 4ª Seção, EIfNu - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 5006802-27.2020.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 16/02/2024, Intimação via sistema DATA: 19/02/2024)

E o crime na forma tentada já foi reconhecido na r. sentença apelada.

Da aplicação do princípio da insignificância

Alega a defesa que a armas de ''air soft'' de até 06mm são de uso permitido e podem ser adquiridas por qualquer pessoa no Brasil, não se exigindo a apresentação de Certificado Registro, pois estas não possuem potencial lesivo. Logo, como as armas importadas pelo recorrente são de uso PERMITIDO por serem de até 06mm, nem precisariam de qualquer tipo de autorização.

Em relação as pontas de munição (projétil) e acessórios, a defesa alega que o Laudo de fls. 472-477 não está apto para demonstrar qual desses itens são de uso permitido ou restrito, pois baseado em pesquisas na internet, e que os sites sequer foram citados e referenciados para comprovar a veracidade destas. Aduz ainda que as pontas de munição (projétil) desacompanhadas dos acessórios para a confecção da munição completa, não apresenta potencial lesivo ao bem jurídico tutelado (incolumidade pública), não havendo que se falar em fato típico.

A defesa conclui que o único delito que supostamente teria sido cometido pelo recorrente seria o crime de descaminho, pois, segundo a r. sentença, o valor total dos itens apreendidos compreende a importância de US$ 3.191,05 (três mil, cento e noventa e um dólares e cinco centavos de dólar), sendo que a cota máxima permitida para o Recorrente era de US$ 2.000,00 (dois mil dólares), tendo em vista que estava com sua família (4 pessoas). Aduz que o Recorrente deixou de recolher tributos sobre a importância de US$ 1.191,05 (mil, cento e noventa e um dólares e cinco centavos de dólares), sendo esta conduta considerada como insignificante para a aplicação de uma norma penal incriminadora, até por que os itens importados não possuem potencial lesivo, e porque o montante de tributos iludidos está significativamente abaixo do patamar consolidado de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002

Não procedem as alegações.

De início, registro que, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a importação não autorizada de arma de pressão, ainda que de calibre inferior a 6 (seis) mm, configura crime de contrabando, cuja prática impede a aplicação do princípio da insignificância, independentemente do valor da mercadoria, dispensando-se perícia de avaliação. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO FUNDAMENTO DA DECISÃO ATACADA. CONHECIMENTO DO AGRAVO. ARMA DE PRESSÃO. IMPORTAÇÃO NÃO AUTORIZADA. CRIME DE CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, MAS LHE NEGAR PROVIMENTO.

(...)

2. A importação de arma de pressão, mercadoria de proibição relativa, sem a prévia autorização ou licença da autoridade administrativa, configura o delito de contrabando, por tutelar não apenas interesse econômico, mas também a segurança e a incolumidade pública, afastando a incidência do princípio da insignificância. Precedentes.

3. Agravo regimental provido para conhecer do agravo em recurso especial, mas lhe negar provimento.

(AgRg no AREsp n. 1.685.158/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 30/6/2020, DJe de 7/8/2020.)

 

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE ARMA DE PRESSÃO. PROIBIÇÃO RELATIVA. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal tem-se posicionado no sentido de que, a importação não autorizada de arma de pressão, ainda que de calibre inferior a 6 (seis) mm, configura crime de contrabando, cuja prática impede a aplicação do princípio da insignificância.

2. No crime de contrabando, é imperioso afastar o princípio da insignificância, na medida em que o bem jurídico tutelado não tem caráter exclusivamente patrimonial, pois envolve a vontade estatal de controlar a entrada de determinado produto em prol da segurança e da saúde pública.

3. Também é firme o entendimento de que, para a caracterização do delito de contrabando, basta a importação de arma de pressão sem a regular documentação, sendo desnecessária a perícia.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 1.479.836/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/8/2016, DJe de 24/8/2016.)

 

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE ARMA DE PRESSÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A importação não autorizada de armas de pressão, independentemente do calibre, constitui o crime de contrabando, ao qual, nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, é insuscetível de aplicação o princípio da insignificância.

(...)

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 1.460.554/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/3/2016, DJe de 28/3/2016.)

Destarte, a importação das armas de “air soft” está sujeita à licença prévia do Exército, mediante as condições estabelecidas no R-105, do Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (R-105) do Decreto n° 3.665 de 20/11/2000 e Portaria COLOG n° 2, de 26/02/2010, vigentes à época dos fatos, bem como nos termos do art. 34, §2º, II, art. 35, I, §1º e 37, §1º e 2º do Decreto n. 9.847, de 25/06/2019.

No caso, quanto às armas de “air soft”, resta mantida a classificação no crime do art. 18 da Lei n. 10.826/2003, em atenção aos princípios da especialidade e/ou subsidiariedade, nos termos da r. sentença apelada..

Quanto às pontas de munições (projétil) e acessórios, reitero a validade do laudo pericial de fls. 472-477, que listou na “tabela 1” constante do laudo (p. 328/329 do id 158869986) os itens de uso permitido e os de uso restrito, bem como esclareceu que as pesquisas realizadas na internet foram realizadas apenas para auxiliar na identificação dos itens contidos no Termo de Retenção em relação às suas descrições e que, para a verificação se os produtos se enquadrariam como de uso permitido ou restrito, foi utilizado o Regulamento R-105, na redação aprovada pelo Decreto n. 3665, de 20/11/2000.

Ademais, as Informação Técnica n. 059/2020 constante à p. 47/50 do id 158869988 apresentou nova tabela, com a classificação dos materiais de acordo com os Decretos n. 9.847/2019 e n. 10.030/2019, com a Portaria nº 1.222/2019 do Comando do Exército, e com a Portaria n. 118/2019 do Comando Logístico do Exército Brasileiro, do qual consta que as pontas de munição (projétil) estão sujeitas a controle do Exército Brasileiro e são de uso permitido ou restrito, conforme o calibre.

Ainda que a ponta de munição esteja desacompanhada dos acessórios para a confecção da munição completa, configura o crime do art. 18 e 19 da Lei n. 10.826/2003 por se tratar de acessório de arma de fogo de uso restrito ou permitido, conforme o calibre, cujo bem jurídico protegido é a segurança e a incolumidade pública, sendo inviável aplicação do princípio da insignificância.

Ademais, no caso em tela não se evidencia o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, considerada a quantidade de mercadoria apreendida, o intuito comercial do artefato, conforme declaração do próprio acusado em seu interrogatório, e as inúmeras viagens em curto espaço de tempo, conforme certidão de movimentos migratórios do réu (p. 10, 12 e 24/26 do id 158869985).

Quanto ao ponto, registro precedentes do STJ no sentido de que importação de acessório desacompanhado da respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta, devendo ser consideradas as peculiaridades do caso concreto para a aferição da aplicação do princípio da insignificância:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÕES (ART. 14, CAPUT, DA LEI N. 10.826/2003). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. REQUISITO REFERENTE AO REDUZIDO GRAU DE REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO. AUSÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. "A Quinta Turma e a Sexta Turma dessa Corte Superior, a última, em algumas oportunidades, tem entendido que o simples fato de os cartuchos apreendidos estarem desacompanhados da respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta, de maneira que as peculiaridades do caso concreto devem ser analisadas a fim de se aferir: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (EREsp n. 1.856.980/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 22/9/2021, DJe de 30/9/2021).

2. Entretanto, na espécie não é possível a incidência do princípio da bagatela, porquanto não evidenciado o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, tendo em vista a reiteração delitiva e o contexto da apreensão do artefato. Elucidou a instância de origem que, conquanto o réu portasse apenas duas munições de calibre .32, desacompanhadas de arma de fogo, ele encontrava-se foragido e foi preso em local conhecido pela narcotraficância.

Somado a isso, destacou a reincidência do agente em crimes contra o patrimônio.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 825.769/SC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 25/9/2023, DJe de 28/9/2023.)

 

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE DE ACESSÓRIO DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ABSOLVIÇÃO. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. MUNIÇÃO APREENDIDOS EM CONTEXTO DE PRÁTICA DE OUTROS DELITOS. REDUZIDO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA NÃO EVIDENCIADO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - Não se desconhece o fato de que esta eg. Corte Superior, acompanhando entendimento do Supremo Tribunal Federal, passou a admitir a incidência do princípio da insignificância quando se tratar de posse de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la, uma vez que ambas as circunstâncias conjugadas denotam a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

II - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que exista, de fato, a possibilidade de incidência do princípio da insignificância, deve-se examinar o caso concreto, inclusive o contexto fático no qual houve a apreensão da munição, a indicar a patente ausência de lesividade jurídica ao bem tutelado.

III - No caso concreto, todavia, a despeito da quantidade de munições não ser expressiva - apenas 2 (duas) munição de calibre .12 -, desacompanhadas da arma de fogo, foram apreendidos no contexto de diversos outros crimes, inclusive consta dos autos que tais objetos eram utilizados para ameaçar de morte a vítima, o que obsta a aplicação do referido princípio, pois ausente o reduzido grau de reprovabilidade da conduta. Precedentes.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp n. 1.999.607/MG, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 15/8/2022.)

Dessa forma, ainda que a mercadoria apreendida tenha sido avaliada em R$ 13.261,33 e o valor dos tributos federais iludidos em R$ 15.233,83 (p. 60/67 do id 158869987), não se aplica ao caso o princípio da insignificância, por não se tratar de crime de descaminho, conforme fundamentado no tópico anterior, porque a importação não autorizada de arma de pressão configura crime de contrabando, bem como porque a importação de projéteis de munição de uso permitido e de uso restrito configura crime do art. 18 e 19 da Lei n. 10.826/2003, que visa tutelar não apenas ao interesse estatal patrimonial, mas também à segurança e à incolumidade pública.

Da materialidade e autoria delitiva

A materialidade e autoria delitiva dos crimes restaram plenamente demonstradas por meio do Auto de Apreensão das munições e acessórios para armas de fogo, sendo alguns de uso restrito, bem como das armas de "airsoft" e equipamento de recarga de munição, de uso permitido, destinados à comercialização, pelo termo de retenção de bens (p. 28, 30/31 do id 158869985), pelo ofício do comando militar do oeste 9ª região militar (p. 77/78 do id 158869985), laudo nº 2950/2016-nucrim/setec/sr/pf/sp (balística e caracterização física de materiais) (p. 326/331 do id 158869986); laudo nº 5284/2016-nucrim/setec/sr/pf/sp (balística e caracterização física de materiais) (p. 32/35 do id 158869987); laudo nº 2956/2017-nucrim/setec/sr/pf/sp (balística e caracterização física de materiais) (p. 71/84 do id 158869987); informação técnica nº 059/2020-nucrim/setec/sr/pf/sp (p. 47/50 do id 158869988), bem como pelos depoimentos das testemunhas e do réu em Juízo.

O réu foi preso em 25/01/2016 quando desembarcava no Aeroporto Internacional de Guarulhos de voo procedente de Miami-Estados Unidos da América, com diversas munições e acessórios para armas de fogo de uso restrito e de uso permitido, bem como armas de "airsoft" e equipamento de recarga de munição deste, destinados à comercialização, todos sem autorização regulamentar de importação fornecida pelas Forças Armadas.

Na ocasião, foram apreendidos: 1 (uma) unidade de munição contendo 10.000 (dez mil) bolas de plástico 6mm, colt 25; 1 unidade de munição contendo 250 (duzentas e cinquenta) munições plated bullet cal 38 . 357 125 gr flat point, berry' s; 2 (duas) unidades de mira telescópica para armamento 120615, leupold, vx-2 riflescope 6-18x40mm a.o. Cds matte wind-plex; 1 (uma) espingarda air soft 6mm aeg fn p90, fn herstal; 3 (três) spotting scope com tripé, simmons blazer 20-60x 60mm; 1 (uma) mira telescópica de armamento, center point, 4-16x40mm long range riflescope; 1 (uma) mira telescópica para armamento, leupold, rifleman 4-12x60mm matte 1 in wide duplex 56170; 3 (três) unidades contendo 100 (cem) munições vmax bullets 6mm 22440, hornady; 1 (uma) mira telescópica para armamento, bushnell busk e dawn optics, banner cf 500 4-16x4 0mm; 2 (duas) unidades contendo 100 (cem) munições xtp cal 38, hornady; 1 (uma) mira telescópica para armamento, pursuit, 6-24x44mrn target scope; 1 (uma) unidade de munição contendo 5.000 (cinco mil) bolas de plástico 6mm, colt; 1 (uma) mira telescópica para armamento 1009388, nikon, buckmasters ii 4-12x40mm matte bdc rifflescope; 1 (uma) pistola de air soft 6mm com 400 (quatrocentas) munições, ppq walther srping, em blister; 1 (uma) espingarda air soft 6mm 400 fps, fn herstal, fn scar-1 spring rifle; 1 (uma) unidade de munição contendo 4.000 (quatro mil) bolas de zinco cal .177 4, 5mm, daisy; 1 (uma) unidade lee reloading dies, 44 magnum; 4 (quatro) unidades de munição contendo 100 (cem) munições sst bullets 30 cal 180gr, hornady; 3 (três) unidades de munição contendo 100 (cem) munições rifle bullets cal 30 boat tail, sierra game king; 2 (duas) unidades de munição contendo 50 (cinquenta) munições, bt nosler ballistic tip; e, 1 (uma) mira telescópica para armamento, nikon, monarch 35-20x44mm matte bdc.

Da alegada ausência de dolo

Sustenta a defesa a ausência de dolo, por possuir autorização para importação de produtos controlados pelo Exército, por ser atirador desportivo confederado. Alega que o Certificado de Registro n. 70226 autoriza o recorrente a exercer atividades de atirador desportivo, recarga de munição, caçador, bem como importar produtos controlados pelo Exército, nos moldes do art. 43 do Decreto n. 4.665/00. Esclarece que, no tocante às miras telescópicas, o Certificado de Registro o CR lhe permite realizar importações de produtos e acessórios que possam ser utilizados nas armas cadastradas no Mapa de Armas anexo ao Certificado de Registro, o qual possui 4 (quatro) armas de uso RESTRITO. Argumenta que, na qualidade de caçador, possui permissão para utilizar e importar acessórios que se acoplam em suas armas, como as miras telescópicas.

Não assiste razão à defesa.

Conforme ofício encaminhado pelo Comando Militar do Oeste - 9ª Região Militar, o acusado possuía o Certificado de Registro n. 70226 junto ao Exército, que o autorizava a utilizar produtos controlados (arma de fogo) na condição de Caçador e Atirador Desportivo, bem como acessórios de recarga de munição (p. 37/40 do id 158869852). Segundo Mapa de Armas anexo ao Certificado de Registro, foram relacionadas as seguintes armas de uso restrito: fuzil Remington calibre .308; pistola S&W calibre .40; Fuzil C2 calibre .22; e Pistola S&W calibre .40 (p. 39 do id 158869852).

No entanto, ao contrário do alegado pela defesa, referida certidão de registro não autorizava o apelante a realizar importação de arma de fogo, arma de pressão de uso restrito, ou ainda acessórios e munições, mas apenas a autorização para uso de armamentos de caça e tiro esportivo.

Destarte, a importação, por particulares, de produtos controlados pelo Exército, está sujeita à licença prévia de importação pelo Certificado Internacional de Importação – CII.

Consoante expresso no Laudo n. 2950/20162950/2016, “De acordo com o inciso III do art. 9° do R-105, a importação dos produtos controlados pelo Exército Brasileiro exige o registro no Exército, seja mediante Título de Registro ou Certificado de Registro, e a licença prévia de importação pelo Certificado Internacional de Importação. O art. 204 do R-105 diz ainda: "a importação de produtos controlados, por particulares, está sujeita à licença prévia, quer venha como bagagem acompanhada ou não, e deverá obedecer aos limites estabelecidos na legislação em vigor". Pela leitura do Termo de Retenção de Bens nº 081760016004051TRB02 conclui-se que o contribuinte/viajante não possuía autorização prévia do Exército Brasileiro para a entrada no país de produtos controlados, agindo, portanto, em desacordo com as normas vigentes.” (p. 331 do id 158869986)

Com o advento do Decreto nº 9846/2019, manteve-se a exigência da previa autorização do Comando do Exército para a importação de armas de fogo, munições e demais produtos controlados.

Consoante art. 4°, do Decreto nº 9846/2019, a exigência de apresentação apenas do Certificado de Registro de Arma de Fogo se faz para aquisição de munição e insumos adquiridos em território nacional.

Já para a importação dos equipamentos ainda se faz necessário a autorização prévia emanada de autoridade competente, acompanhada do Certificado Internacional de Importação, conforme se depreende dos artigos 34 a 37 do Decreto n. 9.847/2019. Confira-se:

Art. 34.  O Comando do Exército autorizará previamente a aquisição e a importação de armas de fogo de uso restrito, munições de uso restrito e demais produtos controlados de uso restrito, para os seguintes órgãos, instituições e corporações:   (Redação dada pelo Decreto nº 10.030, de 2019)

 ( ... )

§ 2º  Serão, ainda, autorizadas a adquirir e importar armas de fogo, munições, acessórios e demais produtos controlados:     (Redação dada pelo Decreto nº 10.030, de 2019)

 (...)

II - pessoas naturais autorizadas a adquirir arma de fogo, munições ou acessórios, de uso permitido ou restrito, conforme o caso, nos termos do disposto no art. 12, nos limites da autorização obtida; 

(...)

Art. 36.  Concedida a autorização a que se refere o art. 34, a importação de armas de fogo, munições e demais produtos controlados pelas instituições e pelos órgãos a que se referem o inciso I ao inciso XI do caput do art. 34 ficará sujeita ao regime de licenciamento automático da mercadoria.

Art. 37.  A importação de armas de fogo, munições e demais produtos controlados pelas pessoas a que se refere o § 2º do art. 34 ficará sujeita ao regime de licenciamento não automático prévio ao embarque da mercadoria no exterior.

§ 1º  O Comando do Exército expedirá o Certificado Internacional de Importação após a comunicação a que se refere o § 1º do art. 34.

§ 2º  O Certificado Internacional de Importação a que se refere o § 1º terá validade até o término do processo de importação.

Sustenta a defesa ainda a ausência de dolo por ausência de potencial lesivo em sua conduta, em relação aos itens que foram apreendidos consigo, vez que sua única intenção era utilizar os armamentos e acessórios apreendidos em seus treinos de tiro, sendo que jamais teve intenção de revender tais itens.

No tocante à alegação de ausência de potencial lesivo na conduta, alega que:

a) as únicas armas apreendidas (armas de pressão de 6 mm) são de uso permitido e podem ser adquiridas no Brasil por qualquer pessoal, inexistindo ofensa ou risco de perigo eminente ao bem jurídico tutelado, até porque estas armas não têm potencial lesivo;

b) as bolinhas de plástico sequer podem ser consideradas como munição, pois não têm capacidade de produzir um efeito de destruição, iluminação ou ocultamento do alvo, não tendo potencial lesivo;

c) a mira telescópica desacompanhada de arma de fogo devidamente municiada não apresenta qualquer tipo de ofensa ou risco de perigo eminente ao bem jurídico tutelado, uma vez que a mira telescópica sozinha não tem potencial lesivo;

d) os projéteis de munição não se confundem com munição, são apenas a ponta da munição, totalmente desacompanhado dos demais acessórios do artefato ''munição'', quais sejam: capsula da bala e espoleta e propelente. Os simples projéteis de munição não têm a menor capacidade de produzir um efeito lesivo, restando evidente que inexiste ofensa ou risco de perigo eminente ao bem jurídico tutelado.

Quanto à alegação de a munição desacompanhada de arma de fogo não possui potencial lesivo, reitero que, consoante precedente do STJ colacionado no tópico anterior, importação de acessório desacompanhado da respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta, devendo ser consideradas as peculiaridades do caso concreto, e que, no caso, a importação não autorizada de arma de pressão configura crime de contrabando e a importação de projéteis de munição de uso permitido e de uso restrito configura crime do art. 18 e 19 da Lei n. 10.826/2003, que visa tutelar não apenas ao interesse estatal patrimonial, mas também à segurança e à incolumidade pública.

Ademais, no caso em tela, é de se observar que a grande quantidade de material apreendido em poder do acusado não se coaduna com a alegação de ausência de potencial lesivo (4 armas de pressão 6mm de uso permitido e controlado pelo Exército; 450 projeteis de uso permitido e controlado pelo Exército; 1.100 projeteis de uso restrito e controlado pelo Exército).

É de se rechaçar a alegação da defesa de que o acusado não tinha intenção em vender a mercadoria.

O próprio acusado afirmou quando de sua prisão em flagrante que pretendia comercializar os bens no Brasil, que pretendia abrir uma empresa de importação e exportação de armas e acessórios.

Ademais, consta dos autos que o apelante e sua esposa foram presos em 28/05/2018, no aeroporto do Paraguai, com 20.000 projeteis de munição calibre .308, procedente dos EUA  (p. 151/157 do id 158869987), quantidade essa incompatível com o alegado uso em treinamento de tiro, restando configurado o evidente intuito de revender a mercadoria.

Da não aplicação do aumento de pena previsto no art. 19, da Lei 10.826/03

Sustenta a defesa a impossibilidade de aplicação da causa de aumento da pena, pois o Laudo Pericial de fls. 472-477 não está apto para definir quais dos itens apreendidos são de uso permitido e quais são de uso restrito, pois como não há referência de suas fontes, concluindo-se que foi elaborado por mera presunção.

Não assiste razão à defesa.

Conforme fundamentação acima, não há que se falar em nulidade do laudo pericial, uma vez que o perito especificou na “tabela 1” do laudo quais itens apreendidos são de uso permitido e quais são de uso restrito, bem como esclareceu que as pesquisas realizadas na internet foram realizadas para auxiliar na identificação dos itens contidos no Termo de Retenção em relação às suas descrições, e não na classificação dos materiais.

Ademais, é de se registrar a superveniência dos Decretos n. 9.847/2019 e 10.030/2019.

Destarte, consoante art. 2º do Decreto n. 9.847/2019, passou-se a considerar como de uso permitido: i) armas de fogo semiautomáticas ou de repetição que sejam de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; ii) portáteis de olmo lisa; iii) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saí do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joule.

Conforme Informação Técnica n. 059/2020 (p. 47/50 do id 158869988), elaborada para esclarecer se os bens apreendidos passaram a ser de uso permitido, considerado o advento dos Decretos n. 9.846 e 9.847/2019, o perito informou que as bolas de plástico, bolas de zinco e miras telescópicas não estão sujeitos a controle pelo Exército Brasileiro; que a importação de projéteis calibre .38 e armas de pressão 6mm são controlados pelo Exército Brasileiro e são de uso permitido; e a importação de projeteis de calibre .243 e .308 estão sujeitas a controle pelo Exército Brasileiro e são de uso restrito.

Destarte, extrai-se da “Tabela 1” da Informação Técnica n. 059/2020 (p. 47/50 do id 158869988) que o material questionado passou assim a ser classificado quanto ao uso:

a) bolas de plástico, bolas de zinco e miras telescópicas não são controlados pelo Exército Brasileiro:

- 10.000 bolas de plástico 6mm, Colt - projéteis para arma de pressão

- 2 miras telescópicas para armamento 120615, Leupold, VX-2 riflescope 6-18x40mm A.O. cds malte wind-plex - aumento de até 17,2 vezes, diâmetro da objetiva medindo 38 mm.

- 3 spotting scope com tripé Simmons, blazer 20-60x60mm -  aumento de até 60 vezes, diâmetro da objetiva medindo 60 mm - não é dispositivo de pontaria

- 1 mira telescópica de armamento, Center Point, 4-16x40mm long range riflescope - aumento de até 16 vezes, diâmetro da objetiva medindo 40 mm

- 1 mira telescópica para armamento, Leupold, rifleman 4-12x40mm malte 1 in wide duplex 56170 - aumento de até 11,4 vezes, diâmetro da objetiva medindo 40 mm

- 1 mira telescópica para armamento, Bushnell, Banner CF 500 4- 16x40mm - aumento de até 16 vezes, diâmetro da objetiva medindo 40mm

- 1 mira telescópica para armamento, pursuit, 6-24x44 target scope - aumento de até 24 vezes, diâmetro da objetiva medindo 44 mm

- 5.000 bolas de plástico 6mm, Colt- projéteis para arma de pressão

- 1 mira telescópica para armamento 1009388, Nikon Buckmasters II 4-12x40 malte BDC riflescope -  aumento de até 12 vezes, diâmetro da objetiva medindo 40 mm

- 4.000 bolas de zinco cal. .177 4,5mm, Daisy - projéteis para arma de pressão

- 1 mira telescópica para armamento, Nikon, Monarch 3 5-20x44 malte BDC - aumento de até 20 vezes, diâmetro da objetiva medindo 44 mm

b) importação de projéteis calibre .38 e armas de pressão 6mm controlado pelo Exército Brasileiro e de uso permitido:

- 250 projéteis plated bullet cal. .38 .357 125 gr fiai point, Berry's - projéteis para munição de arma de fogo calibre .38 ou .357

- 1 espingarda air soft 6mm AEG P90, FN Herstal - arma de pressão

- 200 projéteis XTP cal .. 38, Hornady - projéteis para munição de arma de fogo calibre .38

- 1 pistola de air soft 6mm com 400 munições, PPQ Walther Spring, em blister - arma de pressão

- 1 espingarda air sot 6mm 400 fps, FN Herstal, fn scar-I spring rifle - arma de pressão

- 1 lee reloading dies, .44 Magnum - molde para recarga de munições calibre .44 Magnum

c) importação de projeteis de calibre .243 e .308 controlados pelo Exército Brasileiro e de uso restrito:

- 300 projéteis V-Max bullets 6mm 22440, Hornady - projéteis para arma de fogo calibre .243 Winchester

- 400 projéteis SST bullets 30 cal. .308 180 gr, Hornady- projéteis para munição de arma de fogo calibre .308 Winchester

- 300 projéteis rifle bullets cal .308 boat tail, Sierra GameKing -  projéteis para munição de arma de fogo calibre .308 Winchester

Na informação técnica, constou que os “100 projéteis BT Nosler ballistic tip” estão sujeitas ao controle pelo Exército, mas que seu uso depende do calibre.

- 100 projéteis BT Nosler ballistic tip - projéteis para munição de arma de fogo - calibre não informado

Conforme laudo n. 2956/2017 (BALÍSTICA E CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DE MATERIAIS), realizado nos materiais apreendidos recebidos pela perícia, referidos projéteis BT Nosler ballistic tip possuem calibre .308 e são de uso restrito, conforme descrição e imagem do material questionado (p. 75 e 83 do id 158869987):

“22 - Duas caixas com projéteis para munições de arma de fogo calibre .308. Segundo as informações existentes nas caixas, os projéteis eram da marca Nosler (Estados Unidos) e cada caixa continha 50 unidades. Produto controlado, uso restrito.”

Desta forma, tendo em vista que o réu adquiriu e importou 300 projéteis para munições de arma de fogo calibre .243 Winchester de 700 projéteis para munições de arma de fogo calibre .308 Winchester e de 100 projéteis BT Nosler calibre .308, que são considerados como acessórios para produzir munição de calibre classificado como de uso restrito, é de manter a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 19 em relação ao crime tipificado art. 18, ambos da Lei 10.826/03.

E tendo em vista que as bolas de plástico, bolas de zinco e miras telescópicas não são mais controlados pelo Exército Brasileiro, conforme Informação técnica do perito judicial n. 059/2020 – (p. 47/50 do id 158869988), de rigor o afastamento da condenação do acusado por conta da importação destes objetos.

No entanto, remanesce a condenação pela importação de projéteis calibre .38 e armas de pressão 6mm (uso permitido) e de projéteis de calibre .243 e .308 (uso restrito).

Do crime na forma tentada

Argumenta a defesa que o Recorrente supostamente deverá ser condenado apenas no delito do art. 18 da Lei n. 10.826/2003, na modalidade tentada, uma vez que foi abordado ainda Zona Primária Alfandegária, não consumando a entrada dos itens importados em território nacional

Consoante já fundamentado no tópico referente ao pedido de desclassificação da conduta, e conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a consumação de crime, em locais sujeitos à fiscalização da zona alfandegária, somente se dará após a liberação da mercadoria pelas autoridades competentes ou a transposição da aludida zona fiscal, ou seja, quando o bem deixa a zona primária de fiscalização aduaneira. Caso a entrada ou saída da mercadoria seja obstada pelas autoridades fiscais, resta caracterizada o delito na forma tentada. E no caso, a tentativa já foi reconhecida na r. sentença apelada.

Passo à análise da dosimetria da pena

A pena-base do crime do art. 18 da lei n. 10.826/2003 foi fixada no mínimo legal, em 04 anos de reclusão e 10 dias-multa, à mingua de circunstâncias judiciais negativas do art. 59 do Código Penal, que resta mantida, não havendo insurgência das partes quanto ao ponto.

Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Na terceira fase, presente a causa de aumento da pena do art. 19 da lei n. 10.826/2003, considerando o fato de terem sido apreendidos diversos acessórios e munições de uso restrito, resultando na pena de 6 anos de reclusão e 15 dis-multa.

Presente ainda a causa de diminuição do art. 14, inciso II, do Código Penal, pois o crime não chegou a se consumar pelo seu núcleo "importar" por circunstâncias alheias à vontade do agente. O Juiz sentenciante aplicou a redução na fração mínima de 1/3 (um terço), “já que o iter criminis percorrido foi considerável e o delito foi descoberto já muito próximo de seu estágio consumativo”.

Destarte, das circunstâncias fáticas verificadas denota-se que o agente já havia ultrapassado quase todas as fases do iter criminis, tendo abordado na área de fiscalização aduaneira, em que havia optado pelo canal ''NADA A DECLARAR'' em uma suposta tentativa de ocultar os bens trazidos do exterior e evitar a fiscalização, sendo certo que o crime não se concretizou, por motivos alheios à vontade do réu, considerada a atuação célere e diligente da autoridade fiscal.

Desse modo, deve ficar mantida a redução pela tentativa (art. 14, II do Código Penal) no mínimo legal, resultando na pena definitiva de 4 anos de reclusão e 15 dias-multa.

O valor de cada dia-multa foi fixado no mínimo legal, em 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, corrigido monetariamente, “considerando os elementos seguros acerca da situação econômica do réu”

Quanto à pena de multa, registro que a multa é sanção legalmente prevista, de forma cumulativa à pena privativa de liberdade, devendo ser, portanto, aplicada. Questões envolvendo a alegada impossibilidade de pagamento da multa devem ser veiculadas, oportunamente, pela via adequada.

Mantenho o regime aberto para o início cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c" do Código Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito, nos termos do art. 44, §2º do Código Penal, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, e em prestação pecuniária no valor de no valor de 40 (quarenta) salários mínimos à data do pagamento, a ser paga em favor do Sistema Nacional de Armas - SINARM, observando-se para tanto o comando do artigo 74, parágrafo único, do Decreto nº 5.123/2004, na redação conferida pelo Decreto nº 6.715/2008, podendo ser parcelada a critério do Juízo da Execução, “tendo em conta a pena de reclusão aplicada e a condição econômica do réu, dada sua renda declarada em interrogatório e as várias viagens ao exterior”.

Alega a defesa que o valor fixado de 40 (quarenta) salários mínimos revela-se desproporcionalmente elevada, considerada sua atual condição financeira e que a economia do nosso País vem sofrendo reflexos da crise do ano de 2016, requerendo a redução da pena de prestação pecuniária imposta para o valor máximo de até 4 (quatro) salários mínimos.

A condição econômica do réu está prevista legalmente como parâmetro para fixação do valor do dia-multa (CP, art. 60) e não a fixação da pena de prestação pecuniária.

No tocante ao valor da prestação pecuniária, o artigo 45, §1º, do Código Penal dispõe expressamente que "a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos".

Dessa forma, considerado as circunstâncias em que o delito foi praticado, em especial a expressiva quantidade de bens apreendidos em poder do acusado, entendo razoável o valor fixado pelo juízo sentenciante a título de prestação pecuniária em 40 (quarenta) salários mínimos, patamar que reputo condizente com a retribuição e prevenção da sanção penal.

No entanto, mister consignar que é facultado o parcelamento do montante devido pelo Juízo da Execução, em parcelas compatíveis com o atual auferimento de rendimentos pelo acusado.

Dispositivo

Por estas razões, nego provimento ao recurso do réu.

É o voto.



E M E N T A

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APELAÇÃO DA DEFESA. ARTS. 18 E 19 DA LEI N. 10.826/2003. IMPORTAÇÃO DE ARMAS DE PRESSÃO E ACESSÓRIOS DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO E DE USO RESTRITO. ALEGAÇÕES DE NULIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFIÂNCIA. INAPLICABILIDADE. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. Réu condenado pela prática do crime tipificado no art. 18, c.c. art. 19, ambos da Lei n. 10.826/2003, na forma tentada.

2. Não se declara nulidade de ato processual que não resultar em prejuízo para a acusação ou para a defesa, conforme dicção do art. 563 do Código de Processo Penal.

3. Ainda que assim não fosse, eventuais vícios da prisão em flagrante e, por via reflexa, do inquérito policial não se projetam na ação penal para contaminá-la. Precedentes do STF e STJ.

4. A jurisprudência já pacificou entendimento no sentido do descabimento da alegação de inépcia da denúncia após a prolação da sentença condenatória, em razão da preclusão da matéria. De outro lado, a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo aos réus o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.

5. Pedido de desclassificação do crime de tráfico internacional de armas para o crime de descaminho. Ao importar mercadorias de uso permitido e restrito sujeitos ao controle pelo Exército, sem a prévia autorização, resta caracterizado o crime de tráfico internacional de armas, previsto no art. 18 e 19 da lei n. 10.826/2003.

6. O fato de apelante possuir um Certificado de Registro que lhe permitia portar armas e acessórios não descaracteriza o crime, pois o réu não possuía a autorização prévia necessária para a sua importação.

7. Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a consumação de crime, em locais sujeitos à fiscalização da zona alfandegária, somente se dará após a liberação da mercadoria pelas autoridades competentes ou a transposição da aludida zona fiscal, ou seja, quando o bem deixa a zona primária de fiscalização aduaneira. Caso a entrada ou saída da mercadoria seja obstada pelas autoridades fiscais, resta caracterizada o delito na forma tentada:

8. A importação não autorizada de arma de pressão, ainda que de calibre inferior a 6 (seis) mm, configura crime de contrabando, cuja prática impede a aplicação do princípio da insignificância, independentemente do valor da mercadoria, dispensando-se perícia de avaliação. Precedentes do STJ. A importação das armas de “air soft” está sujeita à licença prévia do Exército, mediante as condições estabelecidas no R-105, do Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (R-105) do Decreto n° 3.665 de 20/11/2000 e Portaria COLOG n° 2, de 26/02/2010, vigentes à época dos fatos, bem como nos termos do art. 34, §2º, II, art. 35, I, §1º e 37, §1º e 2º do Decreto n. 9.847, de 25/06/2019. Mantida a classificação no crime do art. 18 da Lei n. 10.826/2003, em atenção aos princípios da especialidade e/ou subsidiariedade.

9. No caso em tela, não se evidencia o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, considerada a quantidade de mercadoria apreendida, o intuito comercial do artefato, conforme declaração do próprio acusado em seu interrogatório, e as inúmeras viagens em curto espaço de tempo, conforme certidão de movimentos migratórios do réu.

10. A importação de acessório desacompanhado da respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta, devendo ser consideradas as peculiaridades do caso concreto para a aferição da aplicação do princípio da insignificância. Precedentes do STJ.

11. Ainda que a mercadoria apreendida tenha sido avaliada em R$ 13.261,33 e o valor dos tributos federais iludidos em R$ 15.233,83, não se aplica ao caso o princípio da insignificância, por não se tratar de crime de descaminho, conforme fundamentado no tópico anterior, porque a importação não autorizada de arma de pressão configura crime de contrabando, bem como porque a importação de projéteis de munição de uso permitido e de uso restrito configura crime do art. 18 e 19 da Lei n. 10.826/2003, que visa tutelar não apenas ao interesse estatal patrimonial, mas também à segurança e à incolumidade pública.

12. Materialidade, autoria e dolo comprovados.

13. Tendo em vista que o réu adquiriu e importou projéteis para munições de arma de fogo calibre .243 e de calibre .308, que são considerados como acessórios para produzir munição de calibre classificado como de uso restrito, é de manter a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 19 em relação ao crime tipificado art. 18, ambos da Lei 10.826/03.

14. Considerado as circunstâncias em que o delito foi praticado, em especial a expressiva quantidade de bens apreendidos em poder do acusado, entendo razoável o valor fixado pelo juízo sentenciante a título de prestação pecuniária em 40 (quarenta) salários mínimos, patamar que reputo condizente com a retribuição e prevenção da sanção penal.

15. Negado provimento ao recurso de apelação da defesa.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso do réu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
HÉLIO NOGUEIRA
DESEMBARGADOR FEDERAL